A APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS INIMIGOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: A PENA DE MORTE SUMÁRIA NA LEI DO ABATE

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O presente ensaio tem o condão de analisar a efetiva aplicação dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro.

A APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AOS INIMIGOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: A PENA DE MORTE SUMÁRIA NA LEI DO ABATE

 

 

 

1INTRODUÇÃO

O presente artigo tem o condão de dissertar sobre a aplicação dos direitos fundamentais aos cidadãos que são considerados inimigos. Os direitos fundamentais são vistos como basilares e inerentes a cada ser humano de forma indistinta.A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu Título II dispõe sobre os direitos fundamentais, sendo estes considerados clausulas petreas. O Estado e a sociedade possuem a tutela desses direitos, devendo aplica-los a todos sem qualquer discriminação, pois, segundo a própria lei maior “todos são iguais perante a leis”.

O Estado, que pode ser um ente despersonificado,  tem sua origem questionada e será atribuida a depender da corrente filosófica que será seguida pelos debatedores.

Figueirêdo(2016,p.9)afirma que há controvérsias sobre a gênesedo Estado, pois para a correte jus naturalista, o surgimento ocorreu por questões naturais para assegurar a sobrevivência. De outra banda, para corrente contratualista o Estado tem como gênese o contrato social. Entrementes, a finalidade do Estado em qualquer das correntes adotadas tem a finalidade precípua de ser isonômico e viabilizar o bem como de todos as pessoas.

No que tange ao tratamento igualitário previsto na gênese do Estado, pode –se, sem pestanejar, que não há esse tratamento, uma vez que na sociedade hodierna, as pessoas foram separadas por classes, devido ao modo de produção capitalista.

Ao analisar a diferenciação social entre as pessoas, temos a criação das não pessoas, ou seja, o inimigo que pode ser considerado aquele que comete o crime e não está inserido no mercado, sendo assim insolvente.

O cometimento de uma infração penal cria um estigma social e tem como resultadoimediato arestrição de direitos fundamentais. Essa restrição  advém da influência do Direito Penal do Inimigo, no qual há divisão entre cidadãos e inimigos, ou seja, para os indiviuos que são considerados pessoa todos os direitos e garantias são assegurados, em contrapartida para os não pessoas(os inimigos)não são detentores de tais direitos, sendo-lhes negados a proteção, de certa forma Estatal e social.

 Diante da assertiva mencionada, o Estado e a sociedade autoriza o tratamento desigual e desumano, vilipendiando por morte a dignidade da pessoa humana

A de se ressaltar que os direitos fundamentais possuem características atinentes a todas as pessoas, pois são permanentes, invioláveis, irrenunciáveis e universais. Nesse contexto, como problema da pesquisa, indaga-se: em que medida os direitos fundamentais podem ser aplicados como direito do criminoso?

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) reflete sobre a importância da aplicação dos direitos fundamentais a todos, mesmo àqueles que transgrediram as normas. Nesse sentido, tem como objetivo geral analisar a aplicação dos Direitos Fundamentais aos inimigos, no ordenamento jurídico brasileiro. Os tidos como inimigos são os que incorrem em práticas delituosas e não estão inseridos no mercado, sendo assim em seu julgamento tem a supressão de certos direitos e garantias fundamentais, devido à influência do Direito Penal do Inimigo. Como objetivos específicos, pretende-se:

a) compreender o surgimento do Estado;

b) entender o Estado como criador dos seus próprios inimigos;

c) estabelecer a diferença entre Direitos Humanos e direitos fundamentais;

d) identificar as medidas motivadoras aplicáveis no cumprimento da pena.

Para a elaboração deste artigo, foram realizados dois procedimentos metodológicos ─ a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Na pesquisa bibliográfica, buscou-se a explanação de doutrinadores sobre a aplicação dos Direitos Fundamentais; na pesquisa documental, a consulta a legislação pertinente.

 

2 O SURGIMENTO DO ESTADO

O surgimento do Estado é uma campo fértil para debates e, com a finalidade de entender essas discussões é importante analisar as palavras de Moreira (1987, p. 20-21) para entender a concepção do Estado Moderno:

Quando Aristóteles escreveu que o homem é por natureza um animal político, dando início à meditação científica do fenômeno do Estado, quis significar que, além da sociabilidade partilhada em comum com outras espécies animais, tem a mais o dom da comunicação pela palavra, e assim, a possibilidade de definir um sentimento comum do justo e do injusto, que baseia a construção e funcionamento de um aparelho do Poder, e normalmente de um Estado ou comunidade política. Embora Aristóteles e uma linha contínua de seguidores com a mais radical expressão em Hegel, não atribuam origem contratual ao Estado, todos o consideram natural no sentido de que é indispensável para a realização dos fins que o homem prossegue de acordo com a sua natureza e que excedem o apoio que pode encontrar na família ou na associação das famílias em pequenas comunidades. Tem de reconhecer-se que, na lógica desta posição, a definição de novos objetivos do homem, que excedam a capacidade do Estado como o conhecemos, ou a renúncia às finalidades que o mesmo Estado serve, devem implicar uma nova definição da comunidade política. Toda a problemática, que enriquece o ambiente da ciência política, do chamado Estado universal, do governo mundial, das autoridades supranacionais, da cidade planetária, que hoje preocupa os politólogos, se reconduz a este conceito de relação apropriada entre fins humanos e meios políticos.

 

No que tange as teorias existentes, de forma precisa e clara o professor  Dallari (2011, p. 60), pontua da seguinte maneira:

a)     Para muitos autores, o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre, pois desde que o homem vive sobre a Terra acha-se integrado numa organização social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo.

b)    Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade humana existiu sem o Estado durante um certo período. [...] Segundo esses autores, que, no seu conjunto representam ampla maioria, não houve concomitância na formação do Estado em diferenteslugares, uma que este foi aparecendo de acordo com as condições concretas de cada lugar.

c)     A terceira posição é a que já foi referida: a dos autores que só admitem como Estado a sociedade política dotada de certas características muito bem definidas. Justificando seu ponto de vista, um dos adeptos dessa tese, KARL SCHMIDT, diz que o conceito de Estado não é um conceito geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que surge quando nascem a idéia e a prática da soberania, o que só ocorreu no século XVIII. Outro defensor desse ponto de vista, BALLADORE PALLIERI, indica mesmo, com absoluta precisão, o ano do nascimento do Estado, escrevendo que “a data oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648, ano em que foi assinada a paz de Westfália”. Entre os autores brasileiros adeptos dessa teoria salienta-se ATALIBA NOGUEIRA, que, mencionando a pluralidade de autonomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as autonomias comunais e as corporações, ressalta que a luta entre elas foi um dos principais fatores determinantes da constituição do Estado, o qual, “com todas as suas características, já se apresenta por ocasião da paz de Westfália”.

 

Impreterível os ensinamentos de Bobbio(1987, p 56) sobre o Estado considerado como pessoa jurídica e com a tecnicização do direito público  e a necessária a separação

[...] a tecnicização do direito público era a consequência natural da concepção do Estado como Estado de direito, como Estado concebido principalmente como órgão de produção jurídica e, no seu conjunto, como ordenamento jurídico. Por outro lado, tal reconstrução do Estado como ordenamento jurídico não tinha feito com que se esquecesse de que o Estado era também, através do direito, uma forma de organização social e que, como tal não podia ser dissociado da sociedade e das relações sociais subjacentes. Daí a necessidade de uma distinção entre o ponto de vista jurídico a ser deixado aos juristas que, de resto, tinham sido por séculos os principais artífices dos tratados sobre o Estado e o ponto de vista sociológico, que deveria valer-se das contribuições dos sociólogos, dos etnólogos, dos estudiosos das várias formas de organização social: uma distinção que não podia ser percebida antes do advento da sociologia como ciência geral que englobava a teoria do Estado.

 

No aspecto da história da humanidade, indaga-se se o Estado é um fenômeno que aconteceu em um determinado momento ou se sempre existiu. Sobre isso discorre Bobbio (1987, p.73):

 

Uma tese recorrente percorre com extraordinária continuidade toda a história do pensamento político: O Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razões de sobrevivência interna (o sustento) e externas (a defesa). Enquanto que para alguns historiadores contemporâneos, como já se afirmou, o nascimento do Estado assinala o início da era moderna, seguindo esta mais antiga e mais comum interpretação o nascimento do Estado representa o ponto de passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e bárbara, à idade civil, onde ‘’ civil ‘’ está ao mesmo tempo para ‘’cidadão ‘’ e ‘’civilizado’.

 

Atualmente, o Estado revela-se impositivamente na vida dos indivíduoscom o poder de suas Leis que têm de ser obedecidas para não sofrerem com as sanções decorrentes de sua inobservância, que vão desde as mais brandas às mais graves. Para Azambuja(2008, p. 21):

O Estado aparece, assim,aos indivíduos e sociedades como um poder de mando,como governo e dominação.O aspecto coativo e a generalidade distinguem as normas por ele editadas;suas decisões obrigam a todos os que habitam o seu território.

O Estado não se confunde, pois, nem com as sociedades em particular,nem com a sociedade em geral.Os seus objetivos são os de ordem e defesa social, e diferem dos objetivos de todas as demais organizações.Para atingir essa finalidade, que pode ser resumida no conceito de bem público, o Estado emprega diversos meios, que variam conforme as épocas, os povos, os costumes e a cultura.

 

Bonavides(2006, p.44),entende que o Estado decorre de uma sociedade em que, naturalmente, os indivíduos vivem na realização do bem de todos, ou seja, buscam, de forma efetiva, protegerem a coletividade.Isto é, uma sociedade com território delimitado que, para cumprir sua finalidade, impõe suas leis como diretrizes para indistintamente disciplinarem e corrigirem a todos. Conforme entendimento de Azambuja (2001, p. 29), “Entre nós, a palavra Estado, na linguagem comum, na constituição e nas leis, designa as unidades federadas, e o Brasil, como Estado Federal, é denominado União’’.

No convívio em sociedade e com o desenvolvimento, percebeu-se que se fazia necessária a mitigação de parte da liberdade do indivíduo, privacidade. Com isso, o Estado se apoderou de parte desses direitos, impondo cada vez mais restrições ao exercício da autotutela,que salvo algumas exceções pode acontecer.De acordo com Choukr (2000, p. 270),

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O Estado, como hoje o conhecemos, salvo exceções, proíbe o indivíduo de fazer justiça pelas próprias mãos. Compromete-se, por outro lado, a exercer a jurisdição, intervindo entre as partes e acima delas para resolver os conflitos (lides), assim como sancionar, em diversos graus, aqueles que venham a lesionar, com maior ou menor intensidade, a esfera de direitos alheia.

 

O Estado no período medial começou a passar por transformações, uma vez que a descentralização do governo com os poderes jurídico, político e econômico, nas mãos dos donos dos feudos.

Entretanto, com a expansão do comércio e a consolidação da burguesia, o sistema capitalista foi se sobrepondo, fazendo mudanças relevantes no intuito de desenvolver os mercados internos. Esse desenvolvimento contou com o apoio irrestrito da burguesia e às ações promovidas pelos reis para a criação de uma moeda própria, de um sistema jurídico e de um exército único. Segundo Figueirêdo(2016, p. 18 – 19),

[...] O conjunto dessas ações foi de suma importância para desenvolver os mercados internos, sendo assim, os burgueses apoiaram de forma irrestrita os reis nessas ações para que as concepções e ideias do Estado Moderno fossem implementadas.

 

O primeiro a discorrer sobre a concepção de Estado Moderno foi Nicolau Maquiavel (1469-1527), na sua obra O Príncipe. Nela, ele rejeitou o domínio exercido pelos senhores feudais decorrente dos preceitos teológicos do período medieval, nos quais justificavam seus feitos como a vontade divina, ou seja, ele separou o poder político da religião.Figueirêdo (2016,p.20)

O pensador, como já mencionado, é tido como o primeiro doutrinador moderno, já que foi o primeiro a ter uma obra escrita sobre a negação das premissas da igreja católica e de seus princípios medievais. Nessa obra pode ser encontrados traços do utilitarismo, pois, tem arrimo na efetiva realidade e não em sentimentos abstratos. Seu olhar está sobre o real, no provadoefetivamente e não no transcendental, por fim, analisa o príncipe e suas condutas.

 

3 O ESTADO COMO CRIADOR DOS SEUS PRÓPRIOS INIMIGOS.

Introitamente, é forçoso destacar que as pessoas são diferentes desde os primórdios da humanidade, porque, naturalmente, os serem humanos não são iguais, tendo como referência questões de natureza etária, corporal, sexo, portanto, a diferença é da própria natureza humana.

Com a ideia preconizada pelo contrato social de Rousseau, cuja gênese estabeleceu a igualdade de todos perante a lei, deu-se a falsa impressão que todas as pessoas passaram a ser iguais, em sua plenitude, não subsistido mais diferenças.

Nada obstante, as como as pessoas são naturalmente desigualdades, essas persistiram e, ainda, houve o agravamento da desigualdade, uma vez que houve o surgimento da desigualdade moral e política.

Para Rousseau, o ponto crucial para essa temática é que não há fundamento para a desigualdade natural, uma vez que as características naturais são inatas, não devendo ser valoradas nesse contexto.

Numa análise histórica o início da desigualdade ocorre quando o Estado começa a proteger os direitos individuais em detrimento do coletivo. Essa afirmação é asseverada, tendo em vista a instituição da stituição da propriedade privada.

Sendo assim, as pessoas que não se enquadraram nestes preceitos individuais foram marginalizadas, ou seja, viviam a margem da sociedade, que passou a priorizar o ter em detrimento do ser.

Em ecologia, marginalização é o processo social de se tornar ou ser tornado marginal. Nas palavras de Mullaly, B. (2007, p. 252-286) relegar ou confinar a uma condição social inferior, à beira ou à margem da sociedade.

O Estado, tempos em tempos, precisa combater alguém ou algo para manter-se no poder. Sendo assim, criou a figura do inimigo. Nesse contexto, o Estado é o maior criador e fomentador da ideologia que tem como premissa aniquilar o outro, nesse caso, o inimigo.

Atualmente, o inimigo é criado pelo modelo de produção capitalista, pois este fomenta a desigualdade social e moral entre as pessoas, quando define, claramente, quem são os sujeitos de direitos.

Com o avançar das relações sociais e o desenvolvimento da sociedade, as desigualdades passaram a ser fruto de um conglomerado de fatores que se aglutinaram das formas naturais e as decorrentes da evolução social, sendo assim a desigualdade principal passou a ser a econômica, uma vez que o Estado capitalista impõe a supremacia dos possuidores de riquezas em relação aos que não a possuem e, fomentando ainda, as desigualdades nas relações, sociais, políticas e culturais.

Outrossim, de forma direta ou indireta e tutelar a essas desigualdades, o Estado instiga uma luta de classes e a criação do diferente, do outro, ou seja, do inimigo, que nos dias atuais, é a pessoa reconhecida pela condição econômica desfavorável e não pelas outras formas de desigualdade.

Deste modo, como o Estado tem como modelo econômico o capitalismo, sempre terá como base teórica a individualização. Para Harvey (2013, pag. 25)

O sistema capitalista é a forma de organização social e produtiva que se sagrou hegemônico no mundo dito moderno. O aludido modelo econômico ostenta como pedra fundamental a busca pelo lucro através da acumulação e apropriação individual do processo coletivo de criação de valor, legitimado por arcabouço jurídico, ideológico e institucional que garante a manutenção do sistema, consoante leciona.

 

Harvey (2011, p.104) identifica um total de sete elementos que delimitam a criação, evolução e manutenção do sistema capitalista, sendo estes: tecnologias e formas de organização; relações sociais; arranjos institucionais e administrativos; processos de produção e de trabalho; relações com a natureza; reprodução da vida cotidiana e da espécie; e concepções mentais do mundo.

Todos os complexos fluxos de influência que se movem entre as esferas estão em perpétua reformulação. Além disso, essas interações não são necessariamente harmoniosas. De fato, podemos reconceitualizar a formação de crises em termos de tensões e antagonismos que surgem entre as diferentes esferas de atividade, por exemplo, as novas tecnologias que levam ao desejo de novas configurações nas relações sociais ou perturbam a organização dos processos de trabalho existentes. Mas, em vez de examinar essas esferas de modo sequencial, como fizemos no início da análise da circulação do capital, agora pensamos nelas como copresentes e coevoluindo, coletivamente, dentro da longa história do capitalismo.

 

Para o citado autor, estas esferas são responsáveis pela estrutura fundamental do sistema capitalista. Numa análise desses elementos não se encontra o equilíbrio nas relações, muito menos, a ideia de igualdade, sendo assim para manter o capitalismo, necessariamente, fomenta-se a desigualdade e para os desiguais não há direitos.

Ao incentivar a desigualdade, o Estado, pela ideologia capitalista, passa a tutelar apenas os valores da classe dominante, desprezando completamente os outros que não estão inseridos.

 

 

4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais para alguns doutrinadores,  são os direitos humanos positivados na Constituição. O Estado brasileiro positivou esses direitos na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º intitulado Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Nesse sentido, preleciona Cunha Jr (2015, p.451-452apud FIGUEIRÊDO,2016, p.99) com precisão.

Preliminarmente, é preciso esclarecer que os direitos fundamentais não passam de direitos humanos positivados nas constituições estatais.

Nessa perspectiva,há forte tendência doutrinária à qual aderimos, em reservar a expressão ‘’direitos fundamentais’’ para designar os direitos humanos positivados em nível interno, enquanto a concernente a ‘’direitos humanos no plano das declarações e convenções internacionais.De conseguinte, os direitos fundamentais são direitos assentes na ordem jurídica.São direitos que, embora radiquem no direito natural, não se esgotam nele e não se reduzem a direitos impostos pelo direito natural ,pois a direitos fundamentais conferidos a instituições,grupos ou pessoas coletivas.

 

Os direitos e as garantias fundamentais, previstos na Constituição, têm por objetivo proteger o indivíduo quando ele se relaciona com o Estado.

Discorrendo sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e sua relação com os direitos fundamentais, é relevante ressaltar que a dignidade é algo inerente à existência humana. Segundo o pensamento filosófico, a dignidade da pessoa humana definia-se pelo reconhecimento do indivíduo decorrente da sua posição social na sociedade, fazendo a separação entre as pessoas com relação a serem mais ou menos dignas.

Ao contrário disso, o pensamento estóico entendia a dignidade como uma qualidade que distinguia a pessoa dos demais seres, pela característica de autodeterminação, pois o indivíduo possui liberdade para decidir e se responsabilizar pelos seus atos. De acordo com Sarlet (2009, p. 43):

Da concepção jusnaturalista que vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII remanesce, indubitavelmente, a constatação de que uma ordem constitucional que de forma direta ou indireta consagra a idéia da dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado.

 

O respeito à dignidade não depende das circunstâncias, por ser ínsito a qualquer pessoa, até mesmo o mais perigoso dos criminosos possui igualmente dignidade, ou seja, é pessoa, não podendo ser suprimida essa qualidade.  Consoante esse entendimento, está disposto no Artigo 1º da Declaração Universal da ONU (1948), que: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade’’.

A Constituição Federal brasileira (BRASIL, 1988)está fundamentada na dignidade da pessoa humana, pelos princípios fundamentais nas normas de direitos e garantias. Sarlet (2009, p. 70) expõe com bastante clareza essa questão:

Registre-se que a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão no texto constitucional vigente mesmo em outros capítulos de nossa Lei Fundamental, seja quando estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna (artigo 170 caput), seja quando, na esfera de ordem social, fundou o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana  e da  paternidade responsável (artigo 226 § 6º), além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade .

 

Os direitos fundamentais são imprescindíveis para o homem viver em sociedade e podem ser conceituados como princípios positivados na Constituição. Sarlet (2009, p. 22) traz o constitucionalista Alexandre de Moraes para conceituar os direitos fundamentais como um conjunto de garantias e direitos básicos para o ser humano viver com dignidade e respeito, resguardando-se das arbitrariedades do Estado, e que tem por objetivo a proteção da pessoa humana, viabilizando as condições para que ela se desenvolva.

A base principal dos Direitos Fundamentais são o limite entre a atuação estatal e a dignidade da pessoa humana. Evidentemente, esse limite dar-se-á em um Estado de direito.

Entende-se que Direitos Fundamentais são aquelas cláusulas indispensáveis, básicas e valorosas que toda pessoa deve ter no convívio em sociedade e que são decorrentes das solicitações almejadas por todos, frente à sociedade e ao governo. Quando os Direitos Fundamentais são reconhecidos e positivados, passam a ser chamados de direitos fundamentais.

Os Direitos Fundamentais valem para todos os povos, independentemente, do tempo.

Com o advento da Constituição brasileira de 1988 e a instauração de um regime político democrático consolidaram-se as garantias e os direitos fundamentais para proteger os setores vulneráveis da sociedade. Houve um avanço na efetivação legislativa quando os Direitos Fundamentais tornaram-se abrangentes, a partir da grande participação dos cidadãos, fazendo com que os constituintes passassem a positivá-los na Carta Maior.

Os direitos fundamentais foram um marco jurídico democrático, destacando a Constituição brasileira como uma das mais avançadas do mundo. Piovesan (2011, p.87) considera que:

[...] toda Constituição há de ser compreendida como unidade e como sistema que privilegia determinados valores sociais, [nesse sentido]pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial, que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular.

 

Nos fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, a dignidade da pessoa humana está disposta no Artigo 1º, inciso III,CF /88, logo depois da cidadania, inciso II, verificando-se, assim, que a Constituição confere dignidade à pessoa, pois visa à construção de uma sociedade justa, solidária e livre. Também tem por objetivo garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais com a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O conjunto de direitos fundamentais, hoje, no Brasil, é uma evolução, um desdobramento dos Direitos Humanos. Conceituando esses direitos, é possível afirmar que eles são produzidos de forma genérica, ao longo da história, para toda a humanidade. E o conceito não é absoluto, podendo mudar de um povo para o outro.

No Brasil, esses direitos estão dispostos do Artigo 5º até o 7º da Constituição Federal brasileira, em um rol exemplificativo no Artigo 5º, parágrafo 2º.  Vale ressaltar que direitos podem ser inseridos a partir de Emendas Constitucionais, e essa é a primeira característica da força normativa dos Direitos Fundamentais, advinda de Tratados Internacionais.

 

5 A PENA DE MORTE SUMÁRIA NA LEI DO ABATE

Com efeito, é de sabença uníssona que no ordenamento jurídico brasileiro é plenamente possível a pena de morte, em casa de guerra declarada, como dispõe a Constituição Federal.

Importante frisar que a pena de morte é prevista no Código Penal Militar[1] e o procedimento e previsto no Código de Processo Penal Militar[2], assim a pena de morte, para que ocorra no Brasil, precisa seguir os tramites estabelecidos no diploma processual e, ainda, o cidadão deve ter cometido um crime passível desta penalização.

Nada obstante, foi editada a lei 9614 de março de 1998, conhecida como lei do abate, cuja redação é bem clara ao dispor sobre a possibilidade de uma aeronave, que seja considerada hostil, ser abatida, ou seja, derrubada em pleno voo. Assim dispõe a lei:

CAPÍTULO I V Da Detenção, Interdição e Apreensão de Aeronave: Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: .....  § 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998) (Regulamento)   (Vide Decreto nº 8.265, de 2014)

 

Neste giro verbal, é indissociável a execução sumaria das pessoas que estejam abordo da referida aeronave considerada hostil, que ingresse no espaço brasileiro, seja ele jurídico ou físico, ou seja, a pena de morte sumária sem o devido julgamento, ainda que o país não esteja em estado de guerra, única possibilidade da pena de morte em nosso ordenamento jurídico previsto na Constituição, o que é flagrantemente inconstitucional, Pinho (2008, p. 65):

Para os seguidores da corrente que defende a inconstitucionalidade da Lei do Abate (garantistas e minimalistas, expressões de Luigi Ferrajoli, Eugênio Raul Zaffaroni, dentre outros), posição corretamente adotada, a destruição de aeronaves fere, em primeiro lugar, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito constante no art. 1º da nossa Carta Magna. O valor da dignidade, como princípio precursor dos demais, pode ser entendido como o absoluto respeito aos direitos fundamentais, assegurando-se condições dignas de existência para todos.

 

Cumpri ponderar, que o desrespeito aos direitos fundamentais, não só dos considerados inimigos, mas de toda uma população de forma indistinta, fora a edição de um decreto presidencial, no período da copa, que permitiu a derrubada da aeronave hostil, mesmo em áreas muito habitadas, ou seja, pena de morte indireta para as pessoas que fossem atingidas pelos destroços da aeronave abatida.

Neste passo, os direitos fundamentais  à vida, à liberdade, sem descurar do devido processo legal, ampla defesa e contraditório são vilipendiados de forma preliminar, pois o julgamento e a condenação ocorrem em um único instante, ou seja, execução sumária, extrajudicial, em tempos de paz.

Em suma, com a finalidade de arrematar a ilegalidade da referida lei , é impreterível pontuar as palavras lucidas de Paulo Queiroz[3], uma vez que ele discorre sobre os inúmeros direitos violados por tal lei:

Exemplo frisante de quão inúteis podem ser as leis, mesmo quando assumam caráter constitucional, principiológico e garantista, a demonstrar, definitivamente, que o direito, e, pois, o não-direito, o lícito e o ilícito, é o que dissermos que ele é, foi-nos dado pelo decreto 5.144, de 16 de julho de 2004, que, a pretexto, e só a pretexto, de regulamentar os §§ 1° e 2° do art. 303 da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), previu a destruição de aeronaves “hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins”, vale dizer, instituiu, entre nós, a pena de morte por juízo de exceção, implicando, por isso, a violação sistemática de vários princípios constitucionais (CF, art. 4° e 5°): a) inviolabilidade da vida (art. 5°, caput); b) proibição da pena de morte em tempo de paz (art. 5°, XLVII, a); c) presunção de inocência (art. 5°, LVII); d) proibição de juízo ou tribunal de exceção (art. 5°, XXXVII, a); e) devido processo legal (art. 5°); f) prevalência dos direitos humanos (art. 4°, II); g) defesa da paz (art. 4°, VI); h) solução pacífica dos conflitos (art. 4°, VII); i) repúdio ao terrorismo (art. 4°, VII); j) legalidade; l) proporcionalidade; m) inviolabilidade da propriedade (art. 5°, caput)

 

 

 

 

CONCLUSÃO

Em suma, a construção deste ensaio teve como finalidade demonstrar o desrespeito aos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, mormente, em relação a edição da lei do abate e para tanto discorrer sobre o surgimento do Estado apontando alguns pensadores e suas respectivas correntes filosóficas, para demonstrar a importância e finalidade desde ente que tem a função precípua de positivar e garantir os direitos dos cidadãos.

Em ato continuo, após verificar que o Estado deveria dispensar o mesmo tratamento igualitário para todas as pessoas, mormente, na garantia e positivação dos direitos, foi verificado que o Estado dispensa tratamento diferenciado para algumas pessoas que são consideradas inimigas e, por isso, não são sujeitas dos direitos e garantias fundamentais.

Ao dissertar sobre os direitos e garantias individuais, esse ensaio, apresentou sua gênese, fundamentos e disposição hierárquica no ordenamento jurídico brasileiro, seu caráter impessoal, irrenunciável e irrevogável e de aplicabilidade universal.

Outrossim, imperioso foi dissertar sobre a lei do abate e seus aspectos que menoscabam os direitos fundamentais, uma vez que autoriza a pena de morte, mesmo o Brasil não estando em estado de guerra, porque uma aeronave que seja considera hostil será derrubada por caças da força aérea brasileira. Ademais, no período da copa, essas aeronaves hostis poderiam ser derrubadas em locais densamente habitados.

Assim, depois dessa construção de ideias, é importante repensar sobre os direitos fundamentais e sua aplicabilidade a todos os cidadãos, pois, caso o Estado o considere inimigo, ele não terá direito a vida e os decorrentes dela, podendo, inclusive, ser executado sumariamente, de forma autorizada pela lei. 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARANHA, Márcio Iorio. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

 

AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 13. ed. São Paulo : Globo, 2001.

 

AZAMBUJA,Darcy. Teoria Geral do Estado.4.ed.São Paulo: Globo,2008.

 

BOBBIO, Noberto. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria Geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986/2012. P. 56-73

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.Acesso em: 06 de junho de 2017.

BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 06 de junho de 2017.

 

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Sobre o autor
Cristiano Lazaro Fiuza Figueiredo

Advogado Criminalista. Doutorando em Direito; Mestrando em Politicas e cidadania; Pós- graduado. Professor de direito penal e processo penal na Universidade Católica do Salvador e Unifass/Apoio. Professor da pós graduação da UNIfacs.

Informações sobre o texto

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