Regime Jurídico dos Servidores Públicos. Iniciativa de lei de criação de cargos e empregos públicos

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Tem-se por regime jurídico o conjunto de princípios e regras inter-relacionadas sobre dado assunto específico, mas que pode estar pulverizado em várias matérias e institutos com o fito de sistematiza-los e dar maior unidade ao microssistema jurídico.

 

Tem-se por regime jurídico o conjunto de princípios e regras inter-relacionadas sobre dado assunto específico, mas que pode estar pulverizado em várias matérias e institutos com o fito de sistematiza-los e dar maior unidade ao microssistema jurídico.

O sentido de regime jurídico pode ser amplo, relacionando-se à antiga bifurcação entre Direito Público e Direito Privado. Por conseguinte, no sentido amplo, seriam dois Regimes: de Direito Público e de Direito Privado.

Em geral, a adoção de um ou outro regime para regulamentar dado assunto dependerá do interesse que se visa tutelar. E este interesse encontramos na lei e na Constituição. Trata-se da ideia da ou princípio da preponderância do interesse.

Se o interesse for preponderantemente público, o regime também o será. Do contrário, se o interesse for preponderantemente privado, regras e princípios dessa natureza devem prevalecer.

Para falarmos em regime jurídico é prescindível que as regras estejam inclusas em um único texto ou ato normativo. É possível, portanto, a pulverização normativa, ou seja, a consideração, dentro do sistema, de textos esparsos correlacionados. Por meio da simbiose existente entre os textos deve ser possível a extração da junção finalística, sob pena desqualificar o conjunto como regime e descarrilhar o sistema.

Importante, todavia, afirmarmos que hodiernamente os interesses estão jungidos, por isso que não há uma separação ou segregação absoluta. Existe, em verdade, um diálogo ou interação entre esses regimes, no sentido de complementação e de unidade do sistema jurídico, pois é uno e indivisível. Por fim, tal divisão é meramente didática.

Importante frisar, ante a intersecção dos regimes, que o Estado e a Administração Pública podem pairar sobre ambos sem qualquer óbice. Inclusive, a presença do Estado nas relações jurídicas fortalece a ideia de opção pelo regime público. Quando o Estado se vale do regime privado, alguns arranjos e concessões ocorrem, tendo em vista que a indisponibilidade do interesse público e a supremacia deste relativiza a total autonomia privada e o próprio regime.

Antes de adentramos no assunto objeto do texto, é importante delimitarmos o amplo conceito de agente público: pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, Administração Pública Direito e Indireta, sob qualquer regime jurídico. Abrange, assim, agentes políticos, servidores públicos, colaboradores e militares.

O conceito de servidor público é mais restrito que o de agente público, mas permanece amplo, pois abrange pessoas físicas com vínculos diversos com o Estado, inclusive, via relação empregatícia, que se denomina “emprego público”, regido por normas de Direito Privado, como o é o Direito Trabalhista – CLT. Portanto, além de agentes temporários que exercem atividades de interesse públicos, o conceito de servidor públicos abrange os detentores de cargos e empregos públicos.

O conceito de servidor público se relaciona ao vínculo laboral que possui com o Estado. Referido alhures, abrange servidores estatutários, que são ocupantes de cargos públicos; empregados públicos, que, apesar do concurso público, são regidos por regime da legislação trabalhista, com relação de emprego (relação privada) e, por fim, servidores temporários, que são os contratados temporariamente para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público; exercem função pública, mas não estão vinculados aos cargos e empregos.

Analisado o conceito, sob a concepção dos denominados “servidores públicos”, o regime jurídico se traduz no conjunto de deveres, poderes, direitos, garantias, vantagens, óbices, sanções, dirigido a um segmento de agente público, que tem vínculo com a Administração por processo de concurso público meritório para o exercício de função, cargo ou emprego público.

O regime jurídico do servidor público nomeado para o exercício de cargo público é denominado Regime Jurídico Estatutário. O ocupante de emprego público é regido pelo regime jurídico de direito privado, por relação empregatícia, valendo-se a administração das regras trabalhistas.

Deve-se atentar que no âmbito administrativo, o regime jurídico poderá ser diversificado conforme a unidade federativa. Cada unidade federativa poderá criar seu próprio regime, tendo em vista que deriva da autonomia política, administrativa e financeira que entidades políticas possuem.

 Já no regime empregatício privado, a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é da União. Sob esse aspecto, não cabem aos Estado e Municípios modificarem as normas constantes na CLT.

Todavia, nada impede a convivência de um regime complementar no âmbito dessas unidades. Primeiro, pelo hibridismo que rege o emprego público, lei trabalhista nacional e regras de direito administrativo da unidade federativa a que se vincula o empregado público. Não se pode olvidar que os Estados e Municípios, como Administração Direta, deveriam se relacionar com seus servidores através do regime estatutário, logo, público. Mas, não é isso que ocorre. Muitos Municípios abrem concursos públicos para contratarem via emprego público. O motivo é simples: é mais fácil, tendo em vista que as leis trabalhistas são produzidas pela União. Além disso, os empregados se vinculam ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS – que também é gerido pela União. Enfim, fogem dessas responsabilidades. Criam e manter um regime previdenciário próprio municipal não é fácil.

 Em segundo lugar, vige no âmbito do Direito do Trabalho o princípio da norma mais favorável. Se, o regime jurídico para o empregado público criado pela unidade federativa assegurar direitos outros mais favoráveis ao trabalhador, obviamente que prevalecerá sobre a CLT. Qualquer norma mais favorável ao empregado possui supremacia em relação às demais.

Pois bem. Após algumas considerações sobre os regimes jurídicos e os servidores públicos, importante tratarmos do tema circunscrito ao nosso objetivo e que se relaciona ao processo legislativo: a competência de iniciativa de projeto de leis referentes ao regime jurídico dos servidores públicos da unidade federativa.

Um dos maiores questionamentos sobre o tema interdisciplinar - servidores públicos, regime jurídico e competência de iniciativa de lei em processo legislativo - se relaciona à criação e extinção dos cargos e empregos públicos no Poder Executivo Federal e competência de iniciativa. Vejamos.

O art. 84 da Constituição Federal dispõe competir privativamente ao Presidente da República (Governadores e Prefeitos) iniciar o processo legislativo. Além dessa competência no curso do processo legislativo, ao Presidente compete sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução, além pois de vetar projeto de lei total ou parcialmente. Do exposto, resume-se as prerrogativas dos chefes do executivo no processo legislativo: iniciativa, veto, sanção, promulgação e publicação.

O art. 48 da Constituição dispõe caber ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República deliberar sobre todas as matérias de competência da União (com algumas ressalvas), especialmente sobre a criação, transformação e extinção de cargos empregos e funções públicas, bem como a criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública.

Em síntese, os órgãos, cargos, empregos e funções públicas são criados por lei. Questionamento: no caso da Administração Pública Federal, de quem é a competência privativa para dar início ao processo legislativo que veicule lei que crie órgãos, cargos, empregos e funções públicas?

Sabido que a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do senado Federal ou do congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Constituição (art. 61).

Todavia, algumas matérias são reservadas, e aqui trataremos da iniciativa privativa do Presidente da República (Governadores e Prefeitos em suas respectivas unidades), especificamente das leis que disponham sobre:

ü  Criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.

ü  Servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.

ü   Criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI.  

Apenas para fins de conhecimento, as iniciativas de leis para a criação desses plexos de atribuições e responsabilidades, além do presidente da república, privativamente, no âmbito da Administração Pública Federal, compete privativamente ao STF, Tribunais Superiores e Tribunais de justiça para o Poder Judiciário. No caso do Poder Legislativo, que não adota a lei em sentido estrito, a criação será mediante resolução da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.

Valer-nos-emos de alguns conceitos legais que estão pulverizados na legislação esparsa.

A Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 define em seu art. 3º o termo “cargo público”. Trata-se do conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que dever ser cometidas a um servidor.

Em observância ao princípio constitucional da legalidade estrita, o parágrafo único do art. 3º reforça a determinação de que os cargos públicos devam ser criados por lei. Nenhum outro ato normativo pode criar cargo público (decretos, instruções normativas, portarias).

O conceito legal de cargo público realça a natureza do termo: “um conjunto de atribuições e responsabilidades”.  Enfatiza a necessidade dos pormenores da atividade e suas respectivas consequências jurídicas em casos de desvios, omissões ou ilicitudes no exercício do cargo pelo servidor público.

Resumindo, a definição ventila a ideia de competências e consequências (poderes e deveres). Não se refere ao cargo como um posto ou lugar, mas enfatiza uma concepção jurídica e material do termo.

A lei deverá, ao criar o cargo público, pormenorizar as suas atribuições e responsabilidades. É um dever da autoridade ou órgão competente de iniciativa do projeto de criação esmiuçar as atribuições do cargo para distingui-lo dos demais. A confusão gera o denominado “desvio de função”, logo, processos judiciais de equiparação salariais por exemplo, serão propostos.

Além da lei que cria o cargo, o Edital do Concurso Público deverá também esmiuçar as atribuições do cargo e os requisitos para o seu exercício.  

No que se refere ao conceito de emprego público, há um hibridismo de normas administrativas e trabalhistas. Ao mesmo tempo que a relação se baseia em um contrato privado de ordem pública, regras administrativas incidem sobre a relação.

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A nomeação de pessoa física para o emprego somente pode ocorrer por meio de um processo administrativo meritório denominado “concurso público”. Assim, não há empecilho que as regras trabalhistas sejam adaptadas ao interesse público para o exercício eficaz e eficiente do emprego público.

A Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000, disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração direta, autárquica e fundacional. É uma lei polêmica, pois é assente que no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta de natureza pública a determinação é a de que o vínculo entre servidor e o Estado deva ser estatutário.

O motivo dessa necessidade do regime administrativo estatutário se relaciona ao fato de que as atribuições da Administração Direta e Indireta Autárquica e Fundacional são, em regra, típicas de Estado, não podendo ser exercidas por agentes públicos com vínculos privados. Além disso, a sistemática jurídica tem reservado o vínculo de emprego para a relação entre empregador e empregado, numa relação de subordinação com o fito de lucro.  

Deve-se reservar o emprego público para a Administração Pública Indireta de Direito Privado, como as estatais: Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas. Ao menos é assim que pensamos. Seria mais coerente ante as responsabilidades dos agentes estatutários e a fiscalização exercida pelo poder hierárquico, disciplinar e demais órgãos responsáveis pelo controle interno e externo.

Não se pode deixar de se ater à literalidade constitucional. A Constituição restringe a criação de empregos públicos, com iniciativa privativa do Presidente da República na Administração Pública Federal, às autarquias e Administração Direta. Portanto, não fez referência à criação de empregos nas estatais.

Devemos abrir um questionamento: se as estatais – administração indireta - estão vinculadas aos Ministérios, e esses estão vinculados ao Presidente da República, de quem seria a competência de iniciativa de lei para a criação de empregos públicos?

Deve-se tratar o assunto com muita cautela. As pessoas jurídicas de direito privado pertencentes à Administração Indireta (estatais) – Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista – são criadas mediante autorização de lei específica.

Não olvidemos: as estatais estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhista (regra insculpida no inciso II do § 1º do art. 173 da Constituição Federal).

A adoção do regime privado, como grafado alhures, não desnatura a necessidade de observância – são componentes da Administração Indireta – dos princípios fundamentais da Administração Pública constantes na Constituição Federal.

Extrai-se que a investidura em emprego público depende de aprovação prévia em concursos públicos.

Da sistemática constitucional-administrativa extrai-se que tanto os cargos quanto os empregos públicos devem ser criados por lei. Não se restringe essa regra, portanto, aos cargos e empregos da Administração Direta e Indireta Autárquica, abrangendo, também a Administração Pública Indireta de natureza privada. Afinal, repisando, pertencem à Administração Pública, e a criação de cargos e empregos por lei é um princípio básico a todos aplicável.

Devendo ser o emprego público nas estatais criado por lei, indagamos: de quem é a competência de iniciativa para instaurar o processo legislativo que resultará na lei de criação? Devendo por lei ser criado, passamos a uma análise mais restritiva sobre quem poderá dar iniciativa ao processo legislativo de criação.

Pois bem. Os empregos públicos devem ser criados por lei. No caso de cargos públicos na Administração Direta e Indireta Autárquica e Fundacional, a competência de iniciativa de lei de criação é do Chefe do Poder Executivo. Nos demais casos, ou seja, nos casos das estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista – não há essa restrição à iniciativa, podendo, portanto, ser o caso de aplicação mais ampla constante no caput do art. 61 da Constituição Federal.

Além do exposto, como para a criação das estatais é indispensável lei autorizante, esta mesma lei deve ressaltar a possibilidade de criação dos cargos públicos das estatais. O que não pode ocorrer é a criação, nas estatais, de cargos públicos, por meio de atos normativos internos. Não olvidemos: todas as estatais no âmbito da Administração Pública Federal, pois dela participam como componente, se vinculam, de algum modo, ao chefe do poder executivo.

Quanto ao regime jurídico, no caso dos servidores públicos estatutários o regime jurídico será institucional. No caso do servidor lotado em emprego público, o regime jurídico é de direito privado, portanto, contratual.

Os regimes jurídicos dos cargos públicos só podem ser criados por iniciativa do chefe do poder executivo no âmbito do Poder Executivo. Será inconstitucional lei, com esse intuito, de iniciativa parlamentar.

No que se refere à extinção dos cargos e empregos públicos, deve prevalecer a ideia do mesmo nível hierárquico do instrumento normativo de criação – simetria.

No caso da Administração Pública Federal os cargos criados privativamente por iniciativa do Presidente da República, também deverão ser extintos por iniciativa deste e por lei de mesma hierarquia. Todavia, existe uma ressalva, que possibilita a extinção via decreto do executivo de cargos e funções públicos: quando vagos.

Vejamos que, no que se refere aos órgãos públicos, a reserva de lei, em relação à criação e extinção, não possui exceção. Somente por lei poderão ser criados e extintos os órgãos públicos.

Sobre os autores
Bruno Mariano Frota

Possui graduação em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Advogado e Servidor Público. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Direito Civil. Possui constante atuação na jurisdição de segundo grau junto ao TJDFT e ao TRF da 1ª Região. Foi membro integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal – OAB/DF.

David Augusto Souza Lopes Frota

DAVID AUGUSTO SOUZA LOPES FROTA Advogado. Servidor Público Federal. Pós-graduado em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Licitações Públicas. Especialista em Servidores Públicos. Foi analista da Diretoria de Reconhecimento Inicial de Direitos – INSS – Direito Previdenciário. Foi analista da Corregedoria Geral do INSS – assessoria jurídica e elaboração de pareceres em Processos Administrativos Disciplinares - PAD. Foi Analista da Diretoria de Recursos Humanos do INSS - Assessor Jurídico da Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da Previdência Social – Lei nº 8.112/90. Chefe do Setor de Fraudes Previdenciárias – Inteligência previdenciária em parceria com o Departamento de Polícia Federal. Ex-membro do ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça. Convidado para ser Conselheiro do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS. Convidados para atuação junto ao Grupo Responsável pela Consolidação dos Decretos Federais da Presidência da República. Assessor da Coordenação Geral de Recursos Logísticos e Serviços Gerais do MPS - COGRL. Elaboração de Minutas de Contratos Administrativos. Elaboração de Termos de Referência. Pregoeiro. Equipe de Apoio. Análise das demandas de controle interno e externo do MPS. Análise das demandas de Controle Interno e Externo do Ministério da Fazenda - SPOA. Assessor da Coordenação Geral do Logística do Ministério da Fazenda - CGLOG – SPOA. Assessor da Superintendência do Ministério da Fazenda no Distrito Federal - SMF-DF. Membro Titular de Conselho na Secretaria de Direitos Humanos para julgamento de Processos. SEDH. Curso de Inteligência na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Consultoria e Advocacia para prefeitos e demais agentes políticos. Colaborador das Revistas Zênite, Governet, Síntese Jurídica, Plenus. Coautor de 3 livros intitulados "O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO" tecido em 3 volumes pela editora Lumen Juris.

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