Os bens das empresas estatais são bens públicos ou são bens privados? Breves reflexões: Parte 2: A nova lei (13.303/2016) e os bens das empresas estatais.

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4OS BENS DAS EMPRESAS ESTATAIS, PÚBLICOS OU PRIVADOS E A (IN) PENHORABILIDADE;

4.1 Breve evolução dos bens públicos;

A idéia de bem público remonta do Direito Romano. No direito Romano se fazia referência aos bens públicos, constando da divisão das coisas apresentadas por Caio e Justiniano nas Institutas. As Institutas foram um verdadeiro Manual de Direito Romano para uso dos estudantes de Direito, de Constantinopla no ano de 533 d.C.

Nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro(2008)[7], falava-se em, res nullius (coisas sem dono), como coisas extra commercium (coisa fora do comércio), dentre as quais se incluíam as res communes (coisa comum a todos -mares, portos, estuários, rios insuscetíveis de apropriação privada), as respublicae (coisa do povo - terras, escravos, de propriedade de todos e subtraídas ao comércio jurídico) e res universitatis (coisas da comunidade - fórum, ruas, praças públicas).

José Cretella Junior (1969)[8] entende que a res publicae são as res populi (coisa pública), ou seja, no Direito Romano, os bens públicos pertenciam ao populusromanus (o Senado e o  Povo Romano), de modo que, natural ou civilmente, pudessem estar franqueados ao uso de todos, como os portos, os rios, os caminhos públicos. O Autor lembra ainda que, na Idade Média, sob o domínio dos bárbaros, repartem-se as terras conquistadas entre o rei e os soldados, deixando-se uma parte aos vencidos. A parte que coube aos soldados combatentes, dada primeiro como prêmio por tempo determinado, passou depois a vitalícia e, finalmente, a hereditária, originando o feudo.

O feudo medieval. Este espaço era utilizado para produção e fonte de renda auto-sustentável. Diga-se, a organização econômica, política, social e cultural era baseada no feudalismo, que consignava que a propriedade territorial era concedida aos indivíduos por um poderoso Senhor, membro da alta nobreza, em troca de fidelidade e ajuda militar.  Esta era uma prática desenvolvida na alta Idade Média, durante os Séculos V ao XV, após o fim do Império Romano e constituiu a base para o estabelecimento de uma aristocracia fundiária.

Ensina a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005a, p. 577) que, nesta época, os bens públicos pertenciam ao rei e não mais ao povo, como outrora ocorria no Direito Romano. A parte do rei era destinada aos usos da Coroa e à defesa do Estado com nome de jus coronae (direito da coroa). Essa propriedade era personificada no príncipe, isto é, os bens públicos eram considerados propriedade do rei, e não mais do povo, como ocorria no Direito Romano.

Ainda, nas lições de Maria Sylvia Zanella[9],  nos séculos XVII e XVIII, alguns autores consideravam duas categorias de bens públicos: (a) as coisas públicas, que eram afetadas ao uso público, como os cursos d’água, rios, estradas, etc., sobre tais bens o rei não tinha direito de propriedade, mas apenas um direito de guarda ou poder de polícia; (b) e os bens integrados no domínio da coroa, sobre os quais o monarca detinha a propriedade.

Na perspectiva da evolução do Direito, insta observar que no Direito Brasileiro, a classificação dos bens públicos, foi feita pelo Código Civil de 1916, sendo incipiente na doutrina, o estudo a respeito do assunto. O Código Civil de 1916, no seu art.66, adotou terminologia própria, uma classificação tripartite dos bens públicos que até hoje se mantém: bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais. No Código Civil de 2002, a mesma classificação consta no art. 99. Todavia, o art. 98, estabelece que são públicos os bens de domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem. 

Na lições de Hely Lopes Meireles[10], sustenta-se que "o Estado, como Nação politicamente organizada, exerce poderes de Soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Alguns bens pertencem ao próprio Estado; outros, embora pertencentes a particulares, ficam sujeitos às limitações administrativas impostas pelo Estado; outros, finalmente, não pertencem a ninguém, por impropriáveis, mas, sua utilização subordina-se às normas estabelecidas pelo Estado. Este conjunto de bens ou pertencentes ao Estado constitui o domínio público".  

Os bens que pertencem à União estão definidos no art. 20, da Constituição Federal de 1988 e no Decreto-Lei nº 9.760, de 05/09/1946, os quais, são administrados pela Secretaria Patrimônio da União (SPU), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (MP). Por outro lado, nos termos do art. 3°, da Lei nº 13.303, de 30/06/2016 (lei das Estatais), as empresas públicas têm um patrimônio próprio que integra o seu capital social, sendo que este, é integralmente subscrito pela União. Assim, sejam bens da União ou das empresas públicas, portanto, da administração direta ou indireta, na hipótese de detrimento desses bens, que em última análise, pertencem ao Estado, caberá à Polícia Federal, realizar as investigações e diligências necessárias para apurações de responsabilidades, notadamente, de caráter penal, que possam comprometer o controle, o domínio e a posse desses bens públicos, consoante regra restabelecida no art. 144, § 1º, I, da Constituição Federal, in verbis: 

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; (...)

Assim, o Estado concentra poder e o exerce sobre pessoas e bens em seu território. É o chamado domínio do Estado sobre pessoas e coisas. Na perspectiva do Direito, domínio é o direito de reger, é poder, é império, é o domínio atrelado ao Estado.  O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, porém, direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo especial.

Neste sentido complementa, Hely Lopes Meireles[11] "a esse regime subordinam-se bens públicos e, como tais, regidos pelo Direito Público, embora, supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada. Mas, advirta-se que as normas civis não regem o domínio público, suprem, apenas as omissões das leis administrativas".

Dessa forma, para que exista os bens públicos sob o domínio do Estado, é necessário a existência do Estado, seja na forma de República ou de uma Monarquia. O surgimento, a permanência e a sua manutenção dos bens de domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, conforme dispõe o art. 98, do Código Civil brasileiro, somente ocorrem quando há o interesse público sobre os mencionado bens.

Para tanto, no plano nacional, a Constituição Federal estabelece no seu art. 165, §5º, I, II e III, a necessidade de Lei, para, entre outras necessidades, as de instituir ou manutenir os bens existentes ou realizar novos investimentos, com o surgimento de novos bens, seja para Administração Direta ou Indireta, mais precisamente, pelas empresas Estatais, por intermédio da Lei Orçamentária Anual (LOA), onde são estimadas as receitas e fixadas as despesas do Governo Federal, in verbis:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

§ 3º O Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária.

§ 4º Os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional.

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Registre-se que a Lei Orçamentária Anual (LOA) estabelece os Orçamentos da União, por intermédio dos quais, são estimadas as receitas e fixadas as despesas do Governo Federal. Na sua elaboração, cabe ao Congresso Nacional avaliar e ajustar a proposta do Poder Executivo, assim como faz com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA). Os Orçamentos da União dizem respeito a todos, pois, geram impactos diretos na vida das entidades que integram o Governo, das entidades privadas, e ainda, das pessoas física e jurídicas, que, em síntese, são os contribuintes. Diga-se, que o Orçamento Federal é um instrumento que auxilia na transparência das contas públicas ao permitir que a sociedade e todo cidadão acompanhem e fiscalizem a correta aplicação dos recursos públicos.

Nesta perspectiva, a Lei nº 4.320, DE, 17/03/1964, estatui as Normas Gerais e Direito Financeiro para elaboração e controle dos Orçamentos e Balanços da União, dos  Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, estabelecendo, entre outras condições, a realização das despesas de capital, como Investimentos, obras públicas, serviços em regime de programação especial, equipamentos e instalações, material permanente, participação em constituição ou aumento de capital de empresas ou entidades Industriais ou agrícolas.

Para a consecução da instituição ou manutenção dos bens existentes ou realização de novos investimentos, com o surgimento de novos bens, seja para Administração Direta ou Indireta, a que se menciona o art. 165, da CF, o Código Civil Brasileiro, aprovado pela Lei 10.406, de 10/01/2002, prevê no seu art. 41, quais são as pessoas jurídicas de direito público interno, e neste rol, figuram os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as Autarquias e as demais entidades de direito público criadas por lei.

Em contraposição às pessoas jurídicas de direito público interno estabelece, igualmente, o Código Civil Brasileiro, no art. 44, quais são as pessoas jurídicas de direito privado, as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos. Em tese, no momento em que o legislador confere natureza pública ou privada a determinada pessoa jurídica, resta implicitamente especificado, qual o interesse prevalecente nas relações jurídicas por ela estabelecidas, razão pela qual, são concedidas prerrogativas às pessoas jurídicas de direito público.

Todavia, a classificação das pessoas jurídicas não se demonstra tão simples quanto parece ser. Não basta um rol taxativo determinando quais terão natureza de direito público e quais terão a natureza de direito privado. Em verdade, é a dinâmica das atividades de cada pessoa jurídica que será o principal fator determinante de sua natureza, e não tão-somente a classificação legal a ela atribuída. Neste particular, evidencia-se as empresas estatais, notadamente, as empresas públicas, cujos bens, podem ou não serem objeto de onerabilidade.

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4.2 Da (In)penhorabilidade dos bens das Empresas Estatais;

No que se refere aos bens da empresa pública, embora alguns autores sustentem que os bens podem ser penhorados, quando se tratar de empresas públicas que exercem uma atividade econômica, e impenhoráveis, quando se tratar de empresas públicas que prestam serviços públicos, convencemo-nos que o assunto merece melhor reflexão.

O § 1º, inciso II do art. 173, da Constituição Federal, estabelece que tanto a empresa pública quanto a sociedade de economia mista, que explorem atividade econômica, vale dizer, sejam elas prestadoras de serviço ou de produção e comercialização de bens, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, o que se pode pressupor, estarem sujeitas à falência e terem seus bens penhorados. Contudo essa sujeição não é plena, já que para existência das empresas estatais, deve existir o interesse público, consubstanciado nos imperativos de segurança nacional e no interesse coletivo e, por essa razão, os bens das empresas públicas são, em tese, impenhoráveis.

            Nesta perspectiva, a impenhorabilidade dos bens da empresa pública, decorre da própria definição do conceito de bens públicos, que destacamos:

É o conjunto de bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público (União, Distrito Federal, Estados Membros, Municípios, autarquias e fundações), assim como os que estejam destinados à prestação de serviços públicos, equiparando-se a estes o conjunto de bens formadores do patrimônio das pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista) criadas pelas entidades estatais, quando prestadoras de serviços públicos.

O conceito não encontra respaldo em toda doutrina. Há quem exclua da categoria os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito privado (empresas públicas e sociedades de economia mista), por somente reconhecer a aplicação do conceito aos bens sujeitos exclusivamente ao regime do direito público. Mas o patrimônio das empresas públicas e sociedades de economia mista, assim como os das concessionárias de serviços públicos são equiparados a bens públicos, visto estarem sujeitos a regime especial, gravados de inalienabilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade. Ademais, a administração dessas pessoas jurídicas deve seguir os parâmetros fixados pelo art. 37 da Constituição Federal, estando elas sujeitas a Controle legislativo (Congresso Nacional, Assembleia Legislativa, Câmara Municipal, Tribunal de Contas), e a Controle jurisdicional (em especial por ação popular e ação civil pública, inclusive por improbidade administrativa- Lei nº 8429/92. Não é outro o posicionamento de Hely Lopes Meireles (Direito Administrativo, cit. p. 459)”[12]

Corroborando o entendimento da impenhorabilidade dos bens da empresa pública, em decisão de 12.12.2000, publicada no Diário da Justiça da União, pp 00103, Ement., vol. 02023.1, pp 00063, a Primeira  Turma do C. Supremo Tribunal Federal, a contrário senso do posicionamento doutrinário preponderante, decretou a impenhorabilidade dos bens da empresa pública federal, por violação ao disposto no art. 100 da Constituição Federal, e art. 730 antigo Código de Processo Civil, além do Decreto-Lei nº 509/69, este, especificamente aplicado ao caso concreto. Eis na íntegra, o voto do Exmo. Sr. Ministro Relator, Maurício Correa, do Supremo Tribunal Federal, exarado no Recurso Extraordinário nº 220.699-3 SP:

1- Recentemente ao terminar o julgamento do RE 220.906, que versava sobre a mesma questão, o Plenário desta Corte decidiu que foi recebido pela atual Constituição o Decreto-lei nº 509/69, que estendeu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos `a Fazenda Pública dentre os quais o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, devendo a execução contra ela fazer-se mediante precatório, sob pena da ofensa ao disposto no art. 100 da Carta Magna.

Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido:

2- Em face do exposto, conheço do presente recurso e lhe dou provimento para conceder a segurança. Custas “ex lege”.

Destaque-se também que a impenhorabilidade, de bens da empresa pública foi acolhida pelo E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em Execução Fiscal promovida pela Prefeitura de Guarulhos em face da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária- INFRAERO, conforme divulgado no jornal “Gazeta Mercantil” edição de 02/08/2001 donde se extrai os seguintes parágrafos:

O desembargador Federal da Turma de Férias do TRF da 3ª Região, Nery Júnior, acolheu os argumentos da INFRAERO e entendeu que bens essenciais à execução dos serviços públicos devem ter tratamento diferenciado. O desembargador citou decisões semelhantes do Tribunal sediado em São Paulo que tiveram como base um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião os Ministros do Supremo decidiram que a exploração de atividade econômica pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) não implica a sujeição ao regime jurídico de empresas privadas. Entenderam que a participação econômica da ECT está ressalvada pelo art. 173 da Constituição Federal e decidiram que os bens dos correios e de empresas públicas em geral são impenhoráveis”. (Processo- Agravo Regimental nº 2001.03.00.021738-6 6ª Turma- TRF 3ª Região).

Ainda, nesta perspectiva:

À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do art. 12 do DL 509/1969 e não incidência da restrição contida no art. 173, § 1º, da CF, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no art. 100 da CF. [RE 220.906, rel. min. Maurício Corrêa, j. 16-11-2000, P, DJ de 14-11-2002.] = RE 407.099, rel. min. Carlos Velloso, j. 22-6-2004, 2ª T, DJ de 6-8-2004

No mesmo sentido, foi a decisão da MM. Juíza Federal Alda Maria Basto Caminha Ansaldi, proferida nos autos da Ação Ordinária de Cobrança nº 00.554.197-2, que se encontrava em trâmite na 1ª Vara Federal de São Paulo, promovida por Lopes Filho Engenharia Ltda., em face da empresa pública IMBEL, que transcrevemos em parte:

(...)

Todavia, o prosseguimento da execução do saldo que o autor pretende receber deve ser obstado, para que possa a União participar da discussão, normalmente porque não é mais possível a penhora de qualquer bem da IMBEL, face à decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que os tornou impenhoráveis”. (Grifamos).

Em verdade, dada a vinculação de toda a Administração Pública ao interesse público, ainda que detenham a natureza privada, as empresas estatais estarão sempre sujeitos ao regime jurídico híbrido (público e privado) e podem ser, como afirmou o saudoso Professor Celso Ribeiro Bastos (1938-2003)[13], que os seus bens sejam públicos em sentido amplo. O constitucionalista, com razão, afirmava que:

 (...)

em sentido lato, constituem também patrimônio público, os bens das entidades paraestatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), nada obstante serem regidas pelo Direito Privado.Esses bens têm uma destinação de interesse público a fim de atender aos objetivos visados pelo Poder Público criador da entidade. Portanto, a titularidade última desses bens pertence ao setor público, haja vista que no caso de extinção dessas entidades, os bens retornam à entidade estatal da qual foram desligados.

Registre-se, entretanto, a conclusão do Prof. Celso Ribeiro Bastos, no que diz respeito à natureza dessas entidades, tida como “paraestatal”, já que integram a Administração Pública Indireta e não são constituídas pelo Setor privado, asseverando que no caso de extinção dessas entidades, os bens retornam à entidade estatal da qual foram desligados.

São também impenhoráveis, os bens das empresas públicas e sociedades da economia mista, quando estejam diretamente vinculados à atividade-fim, para não prejudicar a continuidade do serviço público, conforme recente decisão do STF, no RE 881.665, que teve como Ministro Relator DIAS TOFFOLI[14], a saber:

DECISÃO. União interpõe recurso extraordinário, com fundamento nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do permissivo constitucional, contra acórdão da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. REGIME DE EXECUÇÃO APLICÁVEL ÀS SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. LEI N° 6.830/80 (LEI DAS EXECUÇÕES FISCAIS). 1. Ainda que prestem serviço público, as sociedades de economia mista sujeitam-se ao regime comum de execução, não se lhes aplicando a sistemática do art. 730 do CPC. São, porém, impenhoráveis os seus bens que estejam diretamente vinculados à atividade-fim, para não prejudicar a continuidade do serviço público. 2. Agravo de instrumento ao qual se dá parcial provimento. Prejudicado o agravo regimental. ” Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Sustenta a recorrente violação dos arts. 5º, incisos XXXV, LIV e LV, 93, inciso IX, 97 e 173, § 1º, inciso II, e § 2º, da Constituição Federal. Decido. Cinge-se a controvérsia em discussão nestes autos à análise da qualificação jurídica de sociedade de economia mista que presta serviço público em regime de exclusividade, para fins de determinar-se a possibilidade de que bens integrantes de seu patrimônio sejam penhorados, em razão de execução fiscal contra ela ajuizada. O acórdão ora vergastado consignou que: “(...) como bem ressaltou em seu voto o Exmo. Sr. Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, no julgamento do AGTR 58373/AL, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJ de 10/08/2005: Existe uma exceção à regra acima exposta, qual seja, aquela consolidada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o art. 12 do Decreto-Lei nº 509/69, que garante a impenhorabilidade dos bens, rendas e serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, estendendo a esta empresa pública, em caráter excepcional, os privilégios da Fazenda Pública, hipótese em que não incide a restrição do inciso II do § 1º do art. 173 da Carta Magna, que submete a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas, devendo a execução, no caso, dar-se pelo regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no art. 100 da Constituição Federal (Precedentes STF: RE 220906, RE 225011 e RE 229696, Rel. Min. Maurício Correia; RE 220902, Rel. Min. Moreira Alves; AI 313854 AGR, Rel. Min. Néri da Silveira). Desse modo, ainda que prestem serviço público, as sociedades de economia mista, sujeitam-se ao regime comum de execução, não se lhes aplicando a sistemática do art. 730 do CPC. São, porém, impenhoráveis os seus bens que estejam diretamente vinculados à atividade-fim, para não prejudicar a continuidade do serviço público. Com essas considerações, dou parcial provimento ao agravo de instrumento para reformar a decisão agravada, determinando que a execução siga o rito da Lei n° 6.830/80 (Lei das Execuções Fiscais), devendo, entretanto, ser observado que os bens diretamente relacionados à atividade-fim da empresa não são passíveis de penhora em face da continuidade ao serviço público prestado. Julgo prejudicado o agravo regimental. “ A jurisprudência desta Corte é no sentido da aplicabilidade do regime de precatório às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial. Sobre o tema, anote-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO EM REGIME NÃO CONCORRENCIAL: APLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. JULGADO RECORRIDO DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL. AGRAVO E RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDOS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO (ARE nº 698.357RS-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 4/10/12). “AGRAVO REGIMENTAL. FINANCEIRO. EXECUÇÃO DE SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO. ENTIDADE CONTROLADA PELO PODER PÚBLICO QUE EXECUTA SERVIÇOS PÚBLICOS PRIMÁRIOS E ESSENCIAIS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO ACÚMULO OU DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. REGIME DE PRECATÓRIO. APLICABILIDADE. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. O Pleno assentou que as entidades jurídicas que atuam em mercado sujeito à concorrência, permitem a acumulação ou a distribuição de lucros submetem-se ao regime de execução comum às empresas controladas pelo setor privado (RE 599.628, rel. min. Carlos Britto, red. P/ acórdão min. Joaquim Barbosa, j. 25.05.2011). Porém, trata-se de entidade que presta serviços públicos essenciais de saneamento básico, sem que tenha ficado demonstrado nos autos se tratar de sociedade de economia mista ou empresa pública que competiria com pessoas jurídicas privadas ou que teria por objetivo primordial acumular patrimônio e distribuir lucros. Nessa hipótese, aplica-se o regime de precatórios. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (RE nº 592.004/AL-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa DJe de 22.6.2012). A Segunda Turma desta Corte tem assentado que sociedade de economia mista prestadora de serviços de abastecimento de água e saneamento no Estado do Alagoas, análoga à ora recorrida, presta serviço público primário e em regime de exclusividade, o qual corresponde à própria atuação do Estado, haja vista não possuir finalidade à obtenção de lucro e deter capital social majoritariamente estatal, fazendo, portanto, jus ao processamento da execução por meio de precatório. Nesse sentido, anote-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PÚBLICA ESSENCIAL. SUBMISSÃO AO REGIME DE PRECATÓRIOS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE nº 852.527/AL-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe 12/2/15). “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRECATÓRIO. ART. 100 DA CF. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. REGIME DE MONOPÓLIO. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. DECISÃO FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. CITAÇÃO DE PRECEDENTE ISOLADO INSERVÍVEL PARA DESCONTITUIR A DECISÃO AGRAVADA. 1. A citação de um único precedente, em contraposição ao que foi sustentado na decisão agravada, ainda mais quando tal decisão esposa entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, não é suficiente para desconstituí-la. 2. Agravo regimental improvido” (RE nº 485.000/AL-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 4/6/09). Ressalte-se que no julgamento plenário do RE nº 599.628/DF, Relator para acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 14/10/11, cuja repercussão geral havia sido reconhecida, restou assentado que os privilégios da Fazenda Pública não são extensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo primordial a obtenção de lucro. O referido julgado restou assim ementado: “FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento”. Sendo assim, o Tribunal de origem alinhou-se à jurisprudência desta Corte. Por conseguinte, concluindo-se que à sociedade em questão aplica-se o regime de precatórios, no mesmo sentido, a empresa estatal fará jus à impenhorabilidade de seus bens. Destaque-se a doutrina do ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: b) Impenhorabilidade: bens públicos não podem ser penhorados. Isto é uma conseqüência do disposto no art. 100 da Constituição. Com efeito, de acordo com ele, há uma forma específica para satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente (v., a respeito do Capítulo XX, ns. 105 e 106). Ou seja, os bens públicos não podem ser praceados para que o credor neles se sacie. Assim, bem se vê que também não podem ser gravados com direitos reais de garantia, pois seria inconseqüente qualquer oneração com tal fim.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de Curso de Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 932 – g.n.)Transcrevo, ainda, para ilustrar, os seguintes trechos de alentado voto nesse sentido proferido pelo eminente Ministro Celso de Mello: “Cabe destacar, neste ponto, o magistério da doutrina (CARLOS SOARES SANT'ANNA, ‘Imunidade de Empresas Públicas Prestadoras de Serviços Públicos’, ‘in’ ‘Imunidade Tributária’, obra coletiva, p. 43/54, 2005, MP Editora; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ‘Manual de Direito Administrativo’, p. 848/849, item n. 4, 12ª ed., 2005, Lumen Juris; ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ‘A Imunidade Tributária das Empresas Estatais Delegatárias de Serviços Públicos’, p. 38/48, 2004, Malheiros; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ‘Curso de Direito Administrativo’, p. 656/657, item n. 17, 21ª ed., 2006, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, ‘Direito Administrativo Brasileiro’, p. 640/641, item n. 3.1, 32ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho, 2006, Malheiros), cujas lições acentuam a estatalidade dos serviços constitucionalmente monopolizados pelo Poder Público, valendo referir, ante a pertinência de suas observações, o preciso entendimento de REGINA HELENA COSTA (‘Imunidades Tributárias - Teoria e Análise da Jurisprudência do STF’, p. 144/145, item n. 2.1.6, 2001, Malheiros): ‘Inicialmente, analisemos a situação da empresa estatal - empresa pública ou sociedade de economia mista - que recebeu a outorga, por meio de lei, da prestação de serviço público cuja competência pertence à pessoa política que a criou. Tais pessoas detêm personalidade de Direito Privado e compõem a Administração Pública Indireta ou Descentralizada. Têm sua criação autorizada, sempre por lei (art. 37, XIX, da CF), para desempenhar atividade de natureza econômica, a título de intervenção do Estado no domínio econômico (art. 173 da CF) ou como serviço público assumido pelo Estado (art. 175 da CF). Recebendo tais entes o encargo de prestar serviço público - consoante a noção exposta -, o regime de sua atividade é o de Direito Público, o que inclui, dentre outras prerrogativas, o direito à imunidade fiscal. O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política estará, indubitavelmente, imune à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que é titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída - empresa pública ou sociedade de economia mista -, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico - inclusive tributário - que incide sobre a mesma prestação. A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, 'caput', da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador da exoneração tributária concernente a impostos.’ (grifei) Diversa não é a percepção do tema revelada, em douto magistério, por ROQUE ANTONIO CARRAZZA (‘Curso de Direito Constitucional Tributário’, p. 706/709, 22ª ed., 2006, Malheiros): ‘Aprofundando o assunto, as empresas estatais, quando delegatárias de serviços públicos ou de atos de polícia - e que, portanto, não exploram atividades econômicas -, não se sujeitam à tributação por meio de impostos, justamente porque são a 'longa manus' das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar. A circunstância de serem revestidas da natureza de 'empresa pública' ou de 'sociedade de economia mista' não lhes retira a condição de 'pessoas administrativas', que agem em nome do Estado, para a consecução do bem comum. Valem, a respeito, as observações do mesmo mestre Geraldo Ataliba: 'Há delegação (o que só cabe por decisão legislativa) quando a pessoa política (União, Estado ou Município) cria uma entidade sob forma de empresa (pública ou mista) e a incumbe de prestar um serviço público. Assim, a empresa estatal é delegada e (na forma da lei) exerce serviço público próprio da entidade política cuja lei a criou'. Muito bem, as pessoas administrativas delegatárias de serviços públicos ou do poder de polícia titularizam interesses públicos, que lhes dão grande cópia de prerrogativas, inclusive no que concerne à tributação, a elas se aplicando, por inteiro, a imunidade do art. 150, VI, 'a', da CF. Sendo mais específicos, tais pessoas, enquanto, no exercício de suas funções típicas, auferem rendimentos, são imunes ao IR e aos demais tributos que incidem sobre lucros, receitas, rendimentos etc.; enquanto proprietárias dos imóveis que lhes dão 'base material' para o desempenho de suas atividades típicas, são imunes ao IPTU; enquanto proprietárias de veículos automotores utilizados na prestação dos serviços públicos ou na prática de atos de polícia, são imunes ao IPVA; e assim avante. Remarque-se que a circunstância de estas pessoas terem personalidade de direito privado não impede recebam especial proteção tributária, justamente para possibilitar a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia. Reforçando estas ideias, é ponto bem averiguado que algumas atividades só podem ser exploradas pelo Estado, entre nós representado pelas pessoas políticas (a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal). É que a Constituição entendeu que elas são tão essenciais ou dizem tão de perto com a soberania nacional, que não convém naveguem ao sabor da livre concorrência. De fato, embora entre nós vigore o regime da livre iniciativa, aos particulares - e, por extensão, às empresas privadas - não é dado imiscuir-se em determinados assuntos. Quais assuntos? Basicamente os adnumerados nos arts. 21, 25, 30 e 32 da CF, que tratam, respectivamente, das competências administrativas da União, dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal.  Os particulares só ingressam no campo reservado aos serviços públicos ou aos atos de polícia quando contratados pelo Estado, segundo as fórmulas da concessão e permissão. Mas, mesmo quando isto acontece, o Estado não se desonera do dever e da titularidade de supervisioná-los. Afinal, os serviços e os atos de polícia continuam públicos. Não migram, por forca da concessão ou da permissão, para as hostes do direito privado. O que estamos querendo significar é que, do mesmo modo em que há um campo reservado à livre iniciativa (art. 170 da CF), há um outro reservado à atuação estatal (art. 175 da CF). Quando, porém, a empresa pública ou a sociedade de economia mista são delegatárias de serviços públicos ou de poder de polícia, elas, por não concorrerem com as empresas privadas, não se sujeitam aos ditames do precitado art. 173. Podemos, pois, dizer que, neste caso, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, pelas atribuições delegadas de poder público que exercitam, são, 'tão-só quanto à forma', pessoas de direito privado. 'Quanto ao fundo' são instrumentos do Estado, para a prestação de serviços públicos ou a prática de atos de polícia. Acabam fazendo as vezes das autarquias, embora - damo-nos pressa em proclamar - com elas não se confundam. Neste sentido, enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública por meio de impostos. Esta é a conseqüência de uma interpretação sistemática do art. 150, VI, 'a', da CF. Não se deve distinguir entre a empresa estatal e a pessoa política que a instituiu, mas, simplesmente, se a hipótese de incidência (fato gerador 'in abstrato') do imposto provém da prestação de serviços públicos ou do exercício do poder de polícia, isto é, de atividades de competência governamental. Em caso afirmativo, são, s.m.j., alcançadas pelos benefícios do art. 150, VI, 'a', da CF.’ (grifei)” Nessa conformidade, os bens da ora recorrida gozam do privilégio da impenhorabilidade, desde que haja a vinculação desses bens com a atividade-fim, como bem salientado no acórdão atacado. Portanto, como consta da ementa da decisão atacada, são “impenhoráveis os seus bens que estejam diretamente vinculados à atividade-fim, para não prejudicar a continuidade do serviço público”, sejam eles bens, serviços, e até mesmo a renda. Anoto, para exemplificar, os seguintes precedentes, proferidos em casos similares: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Vícios no julgamento. Embargos de declaração rejeitados” (RE nº 230.051-ED/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 11/6/03). “Recurso extraordinário. 2. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Penhora. 3. Recepção, pela Constituição Federal de 1988, do Decreto-lei nº 509/69. Extensão à ECT dos privilégios da Fazenda Pública. 4. Impenhorabilidade dos bens. Execução por meio de precatório. 5. Precedente: RE nº 220.906, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Plenário, sessão de 17.11.2000. 6. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI nº 313.854/CE-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Néri da Silveira, DJ de 26/10/01). Por outro lado, anote-se que a interposição de recurso extraordinário com fundamento no artigo 102, inciso III, alínea “b”, requer declaração formal de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal pelo decisório recorrido, o que não se deu nos presentes autos. Nesse sentido: “Embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário. Recurso extraordinário. Cabimento pela alínea b do inciso III do art. 102 da CF. Juizados especiais. Necessidade de afastamento da norma infraconstitucional sob fundamento de contrariedade à Constituição Federal. Não ocorrência. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. Para que se abra a via do recurso extraordinário pelo art. 102, inciso III, alínea b, da Constituição, é necessário que a turma recursal haja afastado a aplicabilidade da norma infraconstitucional sob fundamento de contrariedade à Constituição Federal, o que não ocorreu no caso dos autos. 2. O acórdão objeto do recurso extraordinário interposto pela União foi proferido por Turma Recursal de Juizado Especial Federal, donde não cabe falar em incidente de inconstitucionalidade julgado pelo Plenário ou órgão especial. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o exame de ofensa reflexa à Constituição. 4. Embargos de declaração acolhidos, em parte, para prestar esclarecimentos, sem efeitos infringentes” (RE nº 574.503/RJ-AgR-ED-ED, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 03/4/14). Ante o exposto, nos termos do artigo 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 29 de outubro de 2015. Ministro Dias Toffoli Relator: Documento assinado digitalmente.(RE 881665, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 29/10/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-221 DIVULG 05/11/2015 PUBLIC 06/11/2015)

Ora, conforme se depreende da decisão do Exmo Ministro Relator  Dias Toffoli, do STF, é que, se os bens da sociedade de economia mista, em que o Estado detém a maioria do capital do votante,  não podem ser penhorado quando destinados para a realização de um serviço público, com muito mais razão serão impenhoráveis os bens da empresa pública, em que o Estado detém a integralidade do capital social, não podendo estes bens ser objeto de penhora em processos de execução, devendo o credor receber seu eventual crédito, por meio da ordem de precatórios, prevista no art. 100, da Constituição Federal.

Neste sentido a Lei nº 10.259, de 12/07/2001, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu nos seus artigos 3º, 6º, II e 17, § 4º, o pagamento por meio de precatório para as Empresas Públicas, a saber:

Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Art. 6o Podem ser partes no Juizado Especial Federal Cível:             

I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei no 9.317, de 5 de dezembro de 1996;

II – como rés, a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1o Para os efeitos do § 3o do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3o, caput).

§ 2o Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

§ 3o São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1o deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.

§ 4oSe o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1o, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.

Assim, embora o pagamento via precatório seja  acima do limite de sessenta salários mínimos, ele foi estabelecido dentro do Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Portanto, ao que se depreende, quando o valor devido por uma empresa pública estiver acima do limite de sessenta salários mínimos, e estando ou não, o feito ou a demanda fora do Juizado Especial Cível Federal, o pagamento, SMJ, também poderá ser realizado por precatório, na medida em que, para as empresas públicas, o próprio legislador já estabeleceu que, na hipótese de valores superior a sessenta salários mínimos, o pagamento far-se-á, sempre por meio do precatório,conforme expressa disposição contida no art. 17, §4º, da Lei nº 10.259, de 12/07/2001.

Não obstante, conforme acima demonstrado, a jurisprudência do STF consolidou o entendimento de que, na hipótese em que as sociedades de economia mista tenham por objeto a prestação de serviços públicos essenciais e próprios do Estado, entendendo este como serviço público (industrial), é aplicável às suas dívidas o regime deprecatórios judiciários previsto no art. 100 da Carta Política, ou seja, todos os bens dessas entidades administrativas, embora privados, são impenhoráveis,e sobre eles não podem incidir ônus reais, mesmo aqueles que não sejam diretamente utilizados na respectiva atividade-fim. Da mesma forma e, em idêntica situação, ocorrerá, com muito mais razão, quando envolver a empresa pública, cujo capital for integralmente subscrito pelo Estado.

Assim, embora respeitando-se opiniões doutrinárias divergentes e a par do venerandos Acórdão do STF, convencemos que a empresa pública, exercendo uma atividade econômica própria do Estado, fundamentada nos imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo, tem seu patrimônio constituído de bens públicos, já que se sujeita aos princípios constitucionais da universalidade, da anualidade orçamentária e do precatório, em razão da impenhorabilidade seus bens, rendas e serviços (LVI do art. 5º, § 1º do art. 100 e § 5º, do art. 165 da Constituição Federal), portanto, seus bens são impenhoráveis, como apontam os subsídios da teoria de Hely Lopes Meireles, de que os bens das empresas públicas, são, também, bens públicos com destinação especial e administração particular das instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários.

Sobre os autores
Daniel Rodrigo de Castro

Advogado, OAB-SP nº 206.655, Especialista em Direito Público, integrante da Advocacia Geral da IMBEL, empresa pública vinculada ao Ministério da Defesa.

José Francisco Alves Neto

Acadêmico do Curso de Direito, 3º Semestre, do Centro Universitário Estácio de Brasília, campus, Taguatinga.

Melissa Aparecida Batista de Souza

Acadêmica do Curso de Direito, 3º Semestre, do Centro Universitário Estácio de Brasília, campus, Taguatinga.

Letícia de Araújo Ferreira Marques

Acadêmica do Curso de Direito, 3º Semestre, do Centro Universitário Estácio de Brasília, campus, Taguatinga.

René Dellagnezze

Doutorando em Direito Constitucional pela UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES - UBA, Argentina (www.uba.ar). Possui Graduação em Direito pela UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES - UMC (1980) (www.umc.br) e Mestrado em Direito pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL (2006)(www.unisal.com.br). Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Publico, no Curso de Direito, da UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ, Campus da ESTACIO, Brasília, Distrito Federal (www.estacio.br/brasilia). Ex-Professor de Direito Internacional da UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP (www.metodista.br).Colaborador da Revista Âmbito Jurídico (www.ambito-juridico.com.br) e e da Revista Jus Navigandi (jus.com. br); Pesquisador   do   CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL;Pesquisador do CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL. É o Advogado Geral da ADVOCACIA GERAL DA IMBEL - AGI, da INDÚSTRIA DE MATERIAL BÉLICO DO BRASIL (www.imbel.gov.br), Empresa Pública Federal, vinculada ao Ministério da Defesa. Tem experiência como Advogado Empresarial há 45 anos, e, como Professor, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes ramos do Direito: Direito Constitucional, Internacional, Administrativo e Empresarial, Trabalhista, Tributário, Comercial. Publicou diversos Artigos e Livros, entre outros, 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e "Soberania - O Quarto Poder do Estado", ambos pela Cabral Editora (www.editoracabral.com.br).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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