3 DO TOMBAMENTO DOS BENS DAS EMPRESAS ESTATAIS;
A Constituição Federal do Brasil, no seu art. 216, estabelece que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens que possuem caráter relevante na memória nacional, merecendo estes proteção especial do Estado. O tombamento, disciplinado noDecreto-Lei nº 25/11/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e traz limites ao direito de propriedade, aos bens tombados. Somente com autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN, podem ser realizadas obras, bem como, a todos é conferida a obrigação de conservação e concretização da função social da propriedade do bem tombado, conforme enunciam os artigos 1º ao 7º, do Decreto-Leinº 25/11/1937, in vebis:
Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessoas naturais, bem como às pessoas jurídicas de direito privado e de direito público interno.
Art. 3º Excluem do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira:
1) que pertençam às representações diplomáticas ou consulares acreditadas no país;
2) que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que façam carreira no país;
3) que se incluam entre os bens referidos no art. 10 da Introdução do Código Civil, e que continuam sujeitas à lei pessoal do proprietário;
4) que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos;
5) que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais:
6) que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos.
Parágrafo único. As obras mencionadas nas alíneas 4 e 5 terão guia de licença para livre trânsito, fornecida pelo Serviço ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:
1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º do citado art. 1º.
2) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica;
3) no Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira;
4) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
§ 1º Cada um dos Livros do Tombo poderá ter vários volumes.
§ 2º Os bens, que se incluem nas categorias enumeradas nas alíneas 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, serão definidos e especificados no regulamento que for expedido para execução da presente lei.
Art. 5ºO tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício, por ordem do diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos.
Art. 6º O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.
Art. 7º Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para a inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.
O Decreto-Lei nº de 25/11/1937, no seu artigo 2º, estabelece que “a presente lei se aplica às pessoas naturais, bem como as pessoas jurídicas de direito privado e de direito publico interno.” Supondo que podem ser tombados os bens que pertecem tanto às empresas públicas, como as sociedades de economia mista, assumindo qualquer forma que sejam e de qualquer ramo do direito, seja pelo Direito Publico, seja pelo Direito Privado, a única excludente que impede o tombamento são bens provenientes de estrangeiros, como trás à luz, o artigo 3º, do referido Decreto-Lei 25/37.Todavia, alguns detalhes terão que ser levados em consideração para a realização do tombamento, tais como: interesse social do bens em questão, o bem deverá ser de valor cultural, histórico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico, paisagístico ou artístico.
O tombamento é uma forma do Estado preservar os valores culturais e suas derivações, de modo administrativo e com o caracter protetivo, devendo ser norteado pelos princípios do devido processo legal, legalidade e publicidade, que se encontra no próprio Decreto-Lei 25/37. Contudo, o Poder Judiciário poderá ser provocado somente em ocasiões em que o bem pretendido a ser tombado, não é da vontade do proprietário. Deverá ser analisado se o bem a ser tombado, possui as características constantes do art. 1º, do Decreto-Lei 25/37, e em um dos 4 livros do Tombo, que são elencados no artigo 4º, do Decreto-Lei 25/37.
Registre-se, pois, que no aludido diploma, está consignado que poderá haver duas formas o tobamento, o voluntário ou o compulsório. No caso de compulsório, que é quando o proprietário não aceita o tombamento, poderá ser ajuizado o pedido de nulidade, onde o juiz fará as observações descritas acima, caso seja coerente o tombamento do bem com a lei e se dará de maneira compulsória, observando-se o seguinte processo elencado no art. 9º, do Decreto-Lei 25/37, a saber:
Art. 9ºO tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado. que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, afim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso.
Em se tratando de empresas públicas e sociedade de economia mista, o processo de tombamento se dará conforme o art. 5º do Decreto-Lei 25/37, a saber, “o Tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de oficio, por ordem do diretor do serviço do Patrimônios Históricos e Artístico Nacional, mas, devera ser notificado a entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, afim de produzir os necessários efeitos “.
Quando se tratar de bens das empresas públicas e sociedades de economia mista, ainda que considerado a participação de recursos privados em seu capital social, como é o caso de sociedade de economia mista, o bem sempre é pertencente ou administrados pela Administração Pública direta.
Pode surgir uma dúvida quanto à aplicação entre o art. 6º e o art. 5º, do mesmo Decreto-Lei 25/37, e, assim, fazendo um exercicio de hermenêutica, pode-se concluir que é mais aconselhável emprego do art, 5º, pois as sociedades de economia mista e as empresas públicas sempre serão de domínio do Estado, mesmo que, em sua maioria, sejam regidas pelo Direito Privado. Assim sendo, o art. 6º, deverá ser reservado para as empresas privadas e às pessoas naturais, conforme o seu teor menciona.
Não há restrições quanto a venda, alienação, aluguel ou qualquer outra forma de disponiblização do bem tombado, seja de forma onerosa ou não. Somente quando se fala de bens inalienáveis, por natureza pertencentes à Administração Publica direta, que não poderão ser vendido, e é permitida a sua transferencia entre outras entidades da Administração Publica direta.
Ainda, em se tratando de bens inalienáveis, mesmo que pertencentes a pessoas naturais ou pessoas jurídicas do Direito Privado, deve-se seguir as restrições dos bens alienávéis por natureza, observando-se o art. 11, paragrafo único e o art. 12 do Decreto-Lei 25/37.
Tratando-se de bens alienávéis das empresas públicas e sociedades de economia mista deverá ser seguido o que diz o art. 13, e seus incisos do Decreto-Lei 25/37:
Art. 13. O tombamento definitivo dos bens de propriedade particular será, por iniciativa do órgão competente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, transcrito para os devidos efeitos em livro a cargo dos oficiais do registro de imóveis e averbado ao lado da transcrição do domínio.
§ 1o No caso de transferência de propriedade dos bens de que trata êste artigo, deverá o adquirente, dentro do prazo de trinta dias, sob pena de multa de dez por cento sôbre o respectivo valor, fazê-la constar do registro, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis.
§ 2o Na hipótese de deslocação de tais bens, deverá o proprietário, dentro do mesmo prazo e sob pena da mesma multa, inscrevê-los no registro do lugar para que tiverem sido deslocados.
§ 3o A transferência deve ser comunicada pelo adquirente, e a deslocação pelo proprietário, ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, dentro do mesmo prazo e sob a mesma pena.
Deve-se atentar ainda sobre a alienação honerosa no que diz o artigo 22, §1º do Decreto-Lei, assim descrito:
Art. 22. Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência.
§ 1o Tal alienação não será permitida, sem que previamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como ao Estado e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.”
O art. 19 do Decreto-Lei nº 25/37, determina que o proprietário da coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fora avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
A Professora Maria Sylvia Zanella di Pietro[6] nos ensina que o proprietário do bem tombado passa a ter obrigações positivas e negativas, a saber:
(...)
O proprietário do bem tombado fica sujeito às seguintes obrigações:
1. Positivas: fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19); em caso de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência da União, Estados e Municípios, nessa ordem, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente; as punições serão determinadas pelo Judiciário (art. 22). Se o bem tombado for público, será inalienável, ressalvada a possibilidade de transferência entre a União, Estados e Municípios (art. 11).
2. Negativas: o proprietário não pode destruir, demolir ou mutilar as coisas tombadas nem, sem prévia autorização do IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17); também não pode, em se tratando de bens móveis, retira-los do país, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN (art. 14); tentada a sua exportação, a coisa fica sujeita a seqüestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15);
3.Obrigação de suportar: o proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente, sob pena de multa em caso de opor obstáculos indevidos à vigilância. ”
Por cautela, o processo de tombamento, deve respeitar, em tese, as disposições contidas no art. 2º, do Decreto-Lei nº 3.665, de 21/06/1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, in verbis:
Art. 2° Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[...]
§ 2° Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
Assim, o entendimento prevalente é no sentido de que a norma contida no artigo 2º, do Decreto-Lei nº. 3.365/41, apenas autoriza que entes políticos desapropriem bens de entidades federativas, “se menores”, e sempre, mediante previsão expressa em lei. Em outros termos, mediante previsão legal, a União pode desapropriar bens dos Estados e estes dos municípios. Por conseguinte, os bens da União seriam inexpropriáveis.
Diga-se, então, que, uma vez obedecido o critério hierárquico contido no art. 2º, §2º, do Decreto-Lei nº3.365/1941, que estabelece que o tombamento de bens de particulares gera obrigações ao Estado, garantida a reserva do possível, sempre com a atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, gera-se, também, ao proprietário, obrigações, deveres, restrições edilícias e, em alguns casos, direito de serem devida, justa e previamente indenizados pelo órgão público. Em ambos os casos, pode ser necessária e cabível a interferência do Poder Judiciário, dentro de seus limites de atuação.
É digno de registro que os bens, móveis ou imóveis que integram o patrimônio das empresas estatais para a realização de uma atividade econômica de produção, comercialização ou para prestação de um serviço público, nem sempre é aconselhável a realização de tombamento, já que muitas vezes, as adaptações necessárias ao desenvolvimento tecnológico e as práticas de gestão corporativa, necessitam a atualização dos equipamentos (bens móveis) e de determinados imóveis, para uma nova realidade, e que tem que ser analisado com maior profundidade em cada caso concreto, a intenção do tombamento.