A possibilidade de fixação de piso salarial mínimo nas contratações com dedicação exclusiva de mão de obra de acordo com a jurisprudência do TCU

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Apenas em caráter excepcional, o TCU admite a fixação de salários acima do piso da categoria, mas desde que haja a devida fundamentação, vinculada às condições concretas de mercado que respaldem as justificativas apresentadas na fase interna da licitação.

Nas contratações de serviço com dedicação exclusiva de mão de obra, extrai-se da análise da jurisprudência do TCU, como premissa básica, ser “vedada a fixação de piso salarial mínimo [...] admitindo-se a flexibilização de tal vedação em situações específicas" (Acórdão nº 2.799/2017-1ª Câmara).

De se notar que o estabelecimento, como regra, da vedação de fixação de piso salarial, por corresponder a um conceito de "preço mínimo", tem por propósito evitar violação ao disposto no inciso X, art. 40, da Lei nº 8.666/1993.

No caso de contratação de serviços que envolvam o fornecimento de mão de obra, atento à regra de não fixação de um valor salarial mínimo, em decorrência do disposto no art. 611-B, IV, da CLT, o "valor mínimo salarial" que deverá ser observado, em regra, é o piso estabelecido em convenção da categoria abrangida no objeto do certame.

Para modelos de execução indireta de serviços, inclusive os baseados na alocação de postos de trabalho, se a categoria profissional requerida se encontra amparada por convenção coletiva de trabalho, ou outra norma coletiva aplicável a toda a categoria, determinando o respectivo valor salarial mínimo, esse pacto laboral deve ser rigorosamente observado nas licitações efetivadas pela Administração Pública e nas contratações delas decorrentes (Acórdão TCU nº 614/2008-Plenário)

Não obstante a necessária avaliação da vedação objetiva estabelecida no inciso X do art. 40 da Lei nº 8.666/1993, a busca pela proposta mais vantajosa para a Administração é outro forte pressuposto que conduz o TCU ao entendimento de ser a regra a impossibilidade de fixação de salários mínimos superiores ao piso da categoria. Nesse sentido, cumpre destacar alguns trechos do voto do Min. Augusto Sherman no Acórdão nº 2.144/2006-Plenário:

[...]

43. A fixação, no edital de licitação, de valor mínimo para remuneração de prestadores de serviço praticamente retira a margem de variação a menor das propostas de preços a serem ofertadas, uma vez que a remuneração da mão-de-obra, em regra, tem um altíssimo peso no custo total desses contratos. Assim, pode-se dizer que tal valor mínimo impede que o critério de julgamento pelo preço seja avaliado em sua amplitude, uma vez que as propostas ficam limitadas ao valor mínimo estipulado, de maneira que não serão apresentadas propostas exeqüíveis com preços menores aos estipulados. Estas propostas que não serão apresentadas, sob pena de desclassificação, são justamente as propostas mais vantajosas para Administração. São justamente as que atendem à finalidade da Lei 8.666/93 e ao interesse público. Nesse sentido, não me resta dúvida sobre o acerto da jurisprudência anterior desta Corte, que vedava a fixação de valores mínimos para mão-de-obra nos editais, salvo para as categorias mencionadas no item anterior.

[...]

46. Além disso, a simples fixação de valor mínimo para a remuneração não garante à Administração a prestação do serviço por profissionais mais qualificados. Essa garantia se obtém fixando-se no edital e no contrato, como já se disse, com clareza e precisão, os requisitos técnicos do profissional de que a Administração necessita, além da exigência durante a execução contratual de comprovação, pela contratada, do cumprimento de tais requisitos.

Destarte, apenas em caráter excepcional, o TCU admite a fixação de salários acima do piso da categoria, mas desde que haja a "devida fundamentação", vinculada às condições concretas de mercado que, comprovadamente, respaldem as justificativas apresentadas na fase de planejamento da contratação.

Tal entendimento foi incorporado no inciso VI do art. 5º da Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 05/2017, em atenção às recomendações exaradas pelo TCU:

Art. 5º É vedado à Administração ou aos seus servidores praticar atos de ingerência na administração da contratada, a exemplo de:

[...]

VI - definir o valor da remuneração dos trabalhadores da empresa contratada para prestar os serviços, salvo nos casos específicos em que se necessitam de profissionais com habilitação/experiência superior a daqueles que, no mercado, são remunerados pelo piso salarial da categoria, desde que justificadamente;

A jurisprudência do TCU firmou-se no sentido de ser admitida a exigência de "piso salarial mínimo acima daquele estabelecido em convenção coletiva de trabalho, desde que o gestor comprove que os patamares fixados no edital da licitação são compatíveis com os preços pagos pelo mercado para serviços com tarefas de complexidade similar" (Acórdão nº 2.758/2018-Plenário). 

Com efeito, da atenta leitura ao conteúdo do Acórdão TCU nº 2.758/2018-Plenário, referente a uma representação em face da decisão do Senado Federal de fixar salários mínimos acima do piso da categoria para a contratação de serviços de limpeza e conservação, são extraídos alguns pressupostos quanto ao entendimento da Corte de Contas tendente a admitir a fixação de salário mínimo nos editais de licitação:

Trechos do Relatório da Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog):

[...]

10. Conforme abordado em instrução inicial (peça 8), verifica-se que as atividades a serem desenvolvidas não possuem grau de complexidade ou especificidade tal que justifique a necessidade de maior qualificação dos profissionais a serem contratados, tendo em vista o caráter rotineiro inerente a elas.

[...]

13. Apesar de o cargo de recepcionista não estar abrangido na contratação pretendida pelo Senado Federal, entende-se que suas atribuições (peça 22, p. 31-32), dentre as quais citam-se o atendimento e a orientação de visitantes, incluindo autoridades, servidores e pessoas com dificuldades de comunicação (atendimento a ser feito em Linguagem Brasileira de Sinais – Libras), não se mostram excepcionais para a sua categoria, nem justificariam a elevação dos salários apenas pelo fato de estarem desempenhando as tarefas no ambiente da Presidência da República. Somente no caso das recepcionistas bilíngues, para as quais é exigido o atendimento de autoridades e visitantes nas línguas inglesa e espanhola, determinou-se o pagamento de salários maiores, considerando a efetiva necessidade de seleção de profissionais melhor qualificados em relação aos demais da categoria.

Trecho do voto do Min. Bruno Dantas:

[...]

13. Não houve motivação, no procedimento licitatório ou neste processo, com base na complexidade das tarefas exigidas, para a fixação de salários acima dos valores mínimos previstos em convenção coletiva.

14. O argumento do Senado Federal de que haveria necessidade de que os serviços fossem executados por profissionais melhor qualificados, dada a localização na qual são prestados – Senado Federal –, palco de diversos eventos nacionais e internacionais e que recebe diariamente autoridades de outros órgãos e países, não justifica a estipulação de salários mínimos com essadiscrepância.

15. Seria necessário demonstrar, com base em pesquisa de mercado de serviços com tarefas exercidas em condições similares, que a complexidade das tarefas envolvidas requer um pagamento superior ao mínimo.

16. Não basta a alegação geral de que é necessária mão de obra mais qualificada. É preciso consignar, com clareza, as atividades que seriam, efetivamente, mais complexas do que aquelas comumente oferecidas pelo mercado, a fim de justificar a elevação dos salários paradigma para a contratação.

17. Uma vez caracterizada a complexidade dos serviços demandados, o órgão também precisa fundamentar os reflexos financeiros dessa complexidade nos salários a serem pagos. Para tanto, é necessário realizar pesquisa de mercado levando-se em consideração condições semelhantes de contratação.

[...]      

21. Assim, embora seja possível flexibilizar, em algumas situações, a regra de vedação à fixação de piso salarial mínimo para as contratações de serviços, não basta para esse propósito a simples alegação de que as tarefas a serem desenvolvidas são mais complexas. É necessário que o gestor comprove que, para o tipo de tarefa exigida, o mercado paga preços acima do mínimo estabelecido em convenções coletivas de trabalho. Em outras palavras, é preciso que o gestor comprove que os patamares fixados no edital estão compatíveis com os preços pagos pelo mercado em situações de complexidade semelhante, à luz do art. 3º da Lei 8.666/1993.

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A bem da verdade, a possibilidade de fixação de salário mínimo superior ao piso da categoria concernente à necessidade de contratação de profissionais de "maior qualificação", também foi afastada pelo TCU, no Acórdão nº 2.799/2017-1ª Câmara, diante da constatação, no caso concreto, que as atividades previstas para os profissionais a serem contratados apresentam natureza "rotineira", "burocrática" ou "sem complexidade que exija maior qualificação acadêmica e/ou profissional":

11. No tocante à ocorrência 1, a jurisprudência do TCU é no sentido de que a regra é a vedação de fixação de piso salarial mínimo para as contratações de serviços. Entretanto, existem vários precedentes que admitem a flexibilização de tal regra em situações específicas (p.ex., Acórdãos 256/2005, 290/2006, 1.327/2006, 332/2010, 1.584/2010 e 189/2011, todos do Plenário).

12. No presente caso, os gestores alegam que o piso salarial mínimo superior à convenção teria sido fixado com vistas a garantir o desenvolvimento de serviços com a qualidade necessária e que teria levado em conta a contratação anterior. A reitora, Márcia Perales Mendes Silva, inclusive reafirma que “o ato praticado foi INTENCIONAL realizado com CONVICÇÃO da legalidade” e com suposto respaldo em decisões do TCU.

13. Contudo, conforme exposto pela Secex-AM, deixou-se de demonstrar a superioridade da mão-de-obra contratada, bem como as especificidades da Ufam que justificassem a alegada maior qualificação dos terceirizados contratados para o desempenho de atividades rotineiras: atendimento ao público, expedição de documentos, tramitação de papeis, telefonista, entre outras.

Destarte, do cotejamento dos elementos fáticos e jurídicos das decisões do TCU[1], é possível evidenciar os seguintes pressupostos essenciais que poderão, a depender das circunstâncias do caso concreto e das especificações do objeto pretendido, conduzir à compatibilidade com a jurisprudência da Corte de Contas da decisão da Administração em fixar valores salariais mínimos acima do piso da categoria:

a) fundamentação robusta, vinculada às condições concretas de mercado, que, comprovadamente, demonstre que as atividades contempladas no objeto da contratação são mais complexas do que aquelas comumente oferecidas pelo mercado, o que justificaria a elevação dos salários paradigma conforme piso da categoria fixado em convenção coletiva de trabalho;

b) as atividades contempladas no objeto da contratação apresentem considerável grau de complexidade a serem desempenhadas por terceirizados que detenham qualificação acadêmica e/ou determinada experiência profissional superior ao padrão médio existente no mercado;

c) as atividades contempladas no objeto da contratação não deverão ostentar natureza "rotineira", "burocrática" ou "sem complexidade que exija maior qualificação acadêmica e/ou profissional";

d) comprovação, mediante adequada pesquisa de mercado, de que os patamares fixados no edital estão compatíveis com os preços pagos pelo mercado em situações de complexidade semelhante.

Por fim, cumpre consignar que tais pressupostos deverão estar, de forma devida, robusta e comprovada, presentes nos estudos preliminares e no termo de referência, devendo ser submetidos à deliberação específica da autoridade superior, porquanto, a fixação de salário mínimo acima do piso da categoria representa critério de aceitabilidade de proposta de preços.


[1][1] Vide Acórdãos 256/2005, 290/2006, 1.327/2006, 332/2010, 1.584/2010 e 189/2011, todos do Plenário.

Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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