O assédio moral no ambiente escolar

Ensinando “e aprendendo”, diariamente, uma espinhosa lição!

06/04/2019 às 05:09
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O problema do assédio moral só será resolvido, ou ao menos controlado, se ao invés de se restringir aos divãs dos psicanalistas, passar a ser debatido abertamente por todos os setores educacionais e universitários e, reprimido por disposições legais, de fato, eficazes.

No nosso ‘microuniverso’ jurídico, o assédio moral tomou corpo a partir do início deste novo milênio, especificamente em 2001, com a tese de mestrado de uma médica do trabalho apresentada na PUC-SP um ano antes, intitulada "Violência, Saúde e Trabalho – Uma Jornada de Humilhações". Ao mesmo tempo, na Europa se lançava a obra "Le harcèlement moral, la violence perverse au quotidien"; da psiquiatra e pesquisadora francesa Marie-France Hirigoyen. Na ocasião, o que a médica brasileira convencionou chamar de “jornada de humilhações”, a pesquisadora francesa apresentava, do outro lado do oceano, como “assédio moral”. E desta mesma época também vieram os primeiros “lampejos legislativos” definindo taxativamente o que seria e como se configuraria essa “jocosa conduta”, bem como também disciplinando a sua repressão e punição.

No mesmo ano de 2001, as duas pesquisadoras estabeleceram contato e a Dra. Marie-France veio ao Brasil para, juntas, organizarem exitosamente o “I Seminário Internacional sobre Assédio Moral”, na sede do Sindicato dos Químicos de São Paulo; sendo que a partir de então se enraizou de vez nas discussões e estudos acadêmicos do nosso país, e também no nosso meio forense, o assédio moral como saliente instituto jurídico.  

 De lá em diante, muito já se falou e discutiu nas últimas décadas a respeito das condições físicas do trabalhador e do ambiente de trabalho, sendo que nesse interregno, se verificou a sua ocorrência (e disseminação) nos cenários / ambientes de trabalho mais improváveis, como, por exemplo, nos ambientes escolares e acadêmicos e tendo como vítimas, até mesmo os professores.

E isso não nos é exclusivo, uma vez que existem relatos vindos de países representantes do chamado “primeiro mundo” (exemplos da Suécia, Noruega, Japão, França, entre outros), o que agregado ao que vem ocorrendo em algumas das nossas instituições de ensino, transcende até mesmo a criminalização desse tipo de conduta e nos remete à “ética e à moral”, discutidas filosoficamente desde a época de Aristóteles.

Como já é notório, podemos exemplificar o assédio moral, num sentido figurado, na transformação do saudável e prazeroso hábito de ir ao trabalho, nos riscos de se entrar numa jaula com um animal selvagem!

Numa definição mais técnica, temos o assédio moral como aquela espécie de "terrorismo psicológico" em que o patrão ou superior hierárquico almeja, em grande parte das vezes, que o empregado se demita, e para tanto, se valendo da criação de um ambiente de trabalho hostil e humilhante, e assim, a desencadear, acelerar ou agravar qualquer espécie de risco no desempenho da atividade laboral e que venha a ocasionar patologias físicas, oligofrênicas ou meramente funcionais.

Agora só imaginem quando esses destemperos, essa dantesca violência ocorre num ambiente escolar e tendo como protagonista um(a) coordenador(a) ou um(a) diretor(a) de determinada instituição, vitimando justamente os sagazes professores responsáveis pela instrução das nossas crianças e na formação de futuros cidadãos dos quais “desde logo” não se espera deles esse tipo de comportamento aviltante e asqueroso, no futuro que os aguarda.

E são muitos os jocosos métodos utilizados por esses chefes e/ou superiores hierárquicos ranzinzas, muitas vezes como suporte de um recalcado sentimento de ciúme, inveja, ou até mesmo como contrabalança de um complexo de inferioridade ou espécie de auto-reconhecimento da própria incompetência, originando aquela velha síndrome do "medo de perder o lugar para o subordinado". Enquanto uns, mais narcisistas, preferem apaziguar seus desgostos pessoais criando um clima de terror pautado pelo desprezo, perseguições, humilhações, boatos e ofensas pessoais e todo tipo de provocações; ‘outros’, mais ardilosos, pelejam contra seus "medos interiores" arquitetando tarefas extravagantes e irrealizáveis (como por exemplo, fazendo um professor corrigir provas que não são da sua disciplina ou até mesmo o absurdo de ter que ficar grampeando folhas fora do seu horário de trabalho), impondo prazos exíguos e impossíveis de serem cumpridos, semeando a discórdia entre colegas de trabalho, falando asneiras e proferindo ameaças em grupos de WhatsApp, sonegando informações ou ainda desmerecendo publicamente os notórios atributos técnico-profissionais do indefeso subalterno, no qual projetam suas próprias fraquezas e deficiências, e dessa forma, inspirando a premissa de que "os que podem, podem. Os que não podem, tiranizam"! 

 Assim agindo, e se referindo especificamente aos ambientes escolares, vão além do que bombardear a auto-estima do professor, e aí reside a gravidade do problema, que em não raras vezes já culminou em suicídio! Quando não chegam a tanto, os divãs dos psicanalistas nem sempre se mostram suficientes e são necessárias massudas doses de tranqüilizantes e antidepressivos, além da demissão voluntária que é quase sempre festejada pelo tirano superior hierárquico – muito embora alguns prefiram manter o subalterno ali, ao seu alcance para continuarem oprimindo e se sentirem “aquilo que definitivamente, não são”! Enfim, qualquer que seja o método utilizado, além do aspecto moral, a saúde mental do professor restará ultrajada, e por logica consequência, também prejudicada a instrução dos alunos e a formação dos futuros profissionais, que se anseia que não sigam futuramente, esse malfadado exemplo comportamental nas suas respectivas carreiras profissionais.

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Diante do exposto, e vislumbrando-se esses novos “tentáculos” dessa mazela, anseia-se por medidas ainda mais contundentes do que as que já foram implantadas e que venham a coibir com invulgar tenacidade, todo o tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, "de qualquer forma", a autoestima, o bem-estar e a segurança dos nossos respeitados educadores, fazendo-os duvidar de si mesmos e de suas preciosas competência.

Certo é que o problema existe, e é grave! Cresce vertiginosamente em nível global e vem sim, se disseminando nas escolas e universidades, e só será resolvido, ou ao menos controlado, se ao invés de se restringir aos divãs dos psicanalistas, passar a ser debatido abertamente por todos os setores educacionais e universitários, e reprimido por disposições legais, de fato, eficazes.

Entretanto, são cada vez mais competitivas as vagas de trabalho entre os profissionais da área, e em alguns casos, torna-se até mesmo compreensível que o medo e o silêncio venham a se tornar, de certa forma, cúmplices da opressão. Ocorre que, diante de um chefe déspota e intragável e que não respeita nem mesmo as crianças e os adolescentes que são os destinatários finais do equilíbrio e da serenidade que deve ter um professor motivado e satisfeito com o seu trabalho... diante de um(a) coordenador(a) ou diretor(a) absorvido em fantasias de poder ilimitado e incapaz de perceber suas próprias contradições interiores, cedo ou tarde se findará a relação de trabalho, e o único modo de cessar essa verdadeira 'guerra invisível' sem ficar desempregado, é combatendo o inimigo de frente!

E apesar do desamparo legal que “ainda” reina no nosso país, aqueles que padecem dessa verdadeira "crucificação profissional" não se encontram, em todo, desguarnecidos. Dentre outros dispositivos legais tais como o artigo 927 do novo Código Civil (artigo 159 do código anterior), que prescreve a obrigação de reparação a qualquer dano ou eventual prejuízo, temos ainda à disposição, a invocação de princípios basilares do Direito do Trabalho, como os da norma mais favorável e o da condição mais benéfica ao trabalhador, e não obstante, a própria Constituição Federal, quando declara como sendo invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, incisos V e X).

Fluindo-se por essa vertente, não devem os que padecem de tamanha violência psicológica, acumpliciarem o medo e o silêncio a caprichos maquiavélicos de quem não tem confiança em si próprio. Guardem cópias de todas as cartas, memorandos, avisos informais, bilhetinhos e e-mail's, façam um diário detalhado a respeito do comportamento do(a) tirano(a) e dos infortúnios ocasionados, anotem datas, horários e testemunhas presenciais, gravem telefonemas e mensagens (principalmente fora da jornada de trabalho), reclamem do assédio moral ao escalão superior (se bem que em alguns casos é justamente o(a) tirano(a) que recebe o apoio de cima), busquem, se for o caso, auxílio psicológico (porque tudo o que foi aqui estampado “realmente” arrebenta com o nosso patrimônio moral), não desconsiderem tornar público o caso (inclusive na imprensa e externando aos colegas e pais de alunos) e... procurem um advogado! Enfim, não tenham medo de defender e lutarem pelos seus interesses e principalmente seus direitos, porque é despertando neles (os alunos) a mesma irresignação diante da incontestável violência sofrida, e também polinizando a coragem e inflamando o entusiasmo por causas justas, que os estimados alunos de vocês, jamais os esquecerão! De qualquer forma, e parafraseando-se o argucioso Walt Disney... "Não deixem, jamais, que os seus medos tomem o lugar dos seus sonhos".

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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