Fúria e tradição: Análise sobre a criminalização do uso e tráfico de drogas no Brasil e no exterior

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RESUMO:O presente estudo tem como objetivo analisar sobre a criminalização do uso e tráfico de drogas no Brasil e no exterior, a evolução histórica a respeito da matéria e a motivação que levou a criação das leis e ocorrência das convenções mundiais no decorrer do século XX. Desenvolvendo uma conexão entre o crime de uso e o de tráfico de drogas para verificar possíveis falhas que demandam o crescimento do mercado de entorpecentes no Brasil e no mundo. Para tanto, inicialmente são apresentados conceitos sobre tráfico e consumo de drogas, com a tratativa de autores que debatem a respeito da matéria e da polêmica envolvendo a criminalização do uso. Em seguida, discorre-se sobre os reflexos das politicas adotadas pelo Brasil para o combate a drogas em comparação aos demais países em nível mundial. Por fim, conclui-se que a globalização do mercado de entorpecentes tende a aumentar em decorrência da constante demanda de consumidores ilegais espalhados por diversos países do mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Criminalização, tráfico de drogas, entorpecentes.

ABSTRACT:The objective of this study is to analyze the criminalization of drug use and trafficking in Brazil and abroad, the historical evolution regarding the subject and the motivation that led to the creation of laws and occurrence of world conventions during the twentieth century. Developing a connection between the crime, that I use and the drug trafficking to verify possible failures, which demand the growth of the market of drugs in Brazil and in the world. To do so, initially are presented concepts about drug trafficking and consumption, with the discussion of authors who debate about the matter and the controversy surrounding the criminalization of use. Then, the reflections of the policies adopted by Brazil for the fight against drugs in comparison to the other countries in world-wide level are discussed. Finally, it is concluded that the globalization of the market for drugs tends to increase as a result of the constant demand of illegal consumers scattered around the world.

KEYWORDS: Criminalization, drug trafficking, narcotics.


INTRODUÇÃO

O que se observa é que a simples criminalização do uso de entorpecentes, ou comumente chamado de drogas ilícitas, não pode ser capaz de reduzir o número de consumidores das substâncias, tendo em vista que a tipificação para o uso está baseada apenas nas penas relativas a contravenções penais e quanto ao crime de trafico relacionadas a penas restritivas de liberdade.

Esta pesquisa dará oportunidade para analisar como se deu a evolução histórica das tratativas para os crimes de uso e trafico de entorpecentes, até a legislação atual e a forma como é tratado o assunto no Brasil e no mundo. Dentre outros aspectos apresenta uma investigação para esclarecer sobre as particularidades e diferenças entre os crimes de uso e tráfico e o impacto referente a esta diferenciação.

A importância deste tema baseia-se principalmente no impacto social causado pelo alto consumo de entorpecentes e na criminalização gerada em decorrência da proibição das drogas, o reflexo das politicas nos países desenvolvidos e no Brasil. Para auxiliar nessa avaliação, foi realizada uma pesquisa explicativa, e em análise por metodologia cientifica e com padrões bibliográficos, em analise a evolução histórica mundial, reflexo da sociedade da época em discussão as convenções que ocorreram no século XX, no entanto se faz necessário uma verificação sobre autores como Mark Thornton, Adalberto Santana, Francisco Alexandre de Paiva Forte, Rhael Vasconcelos Dantas, entre outros.

E por fim pretende-se confirmar que mesmo com as devidas politicas de repressão ao uso e trafico de entorpecente, pouco se pode esperar no que se refere a total extinção do trafico de entorpecentes, tendo em vista que o mercado informal geral uma movimentação de valores gigantesca e em escala mundial, para o mercado ilegal.


1 ANÁLISE DA CRIMINALIZAÇÃO DO USO E TRÁFICO DE ENTORPECENTES

O Brasil é um país marcado historicamente pela criminalidade e a violência derivada das mazelas sociais que afligem o país, dentre as quais o uso de substâncias ilícitas, que mesmo cercada de certo liberalismo ainda tem muito que se discutir em relação ao uso e a comercialização.

Consumir drogas ilícitas é, por definição, um comportamento desviante. Decorrente da categoria de ilegais, em que ora algumas, ora outras substâncias psicoativas são classificadas em cada cultura, época e sociedade, o consumo de drogas acaba por se constituir em um problema social cuja gravidade extrapola em muito os efeitos nocivos potenciais de seu uso abusivo, tendendo a mobilizar uma ampla rede de instituições locais encarregadas de seu controle. (Venturi, 2016, p. 160).

Quanto ao uso, os usuários levado pelo efeito do vício e da dependência química tendem a cometer diversos outros crimes para alimentar o seu consumo. Segundo Mark Thornton (2018, livro digital) “usuários de drogas, tentando pagar os preços inflacionados das substâncias ilegais cometem milhares de crimes contra a propriedade nas cidades e em seus subúrbios”.

Além disso, o uso e trafico de entorpecentes ocorre cada vez de maneira globalizada, onde a produção ocorre em um país e o consumo em outro, pode-se dizer até de um continente a outro. Verifica-se que a organização deste mercado é cada vez mais meticulosa. Segundo Adalberto Santana (1999, p. 106):

Percebemos que numerosas nações latino-americanas, por serem abastecedoras desse tipo de mercadorias para um mercado em constante crescimento, inseriram-se como os pontos principais de seu abastecimento. Entre a América Latina e os Estados Unidos, desenvolve-se um tráfico dinâmico, e não estático, onde o fluxo de drogas ao território norte-americano desde 1991 se orienta pela rota do Caribe via Flórida, em 32 por cento. Outro tanto, uns 52 por cento, move-se através do Pacífico, via México, e os restantes 16 por cento são transportados de maneira direta desde a América do Sul.

Neste sentido existem muitos outros efeitos colaterais resultados deste crime organizado, pois de acordo com a legislação de cada país, mulheres e criança são levadas ao mundo do tráfico, recrutadas para suprir uma lacuna de ausência de tipificação, deixando assim como verdadeiros soldados do tráfico. “Crianças, que são menos punidas criminalmente, são cada vez mais recrutadas para o comercio de drogas e muitas se tornam usuárias” (THORNTON, 2018, livro digital).

 “As convenções internacionais [...] surgem como resultado da guerra do ópio, conflito conhecido entre a Inglaterra e a China, entretanto, é fruto da disputa imperialista na Ásia. Patrocinadas pelos Estados Unidos, cujo interesse na questão” (CARVALHO, 2011, p. 4). Portanto, ao se analisar o uso de drogas ilícitas até a criminalização do uso de drogas, percebe-se que todo este caso é resultado de uma evolução histórica decorrente de medidas comerciais e até mesmo jogadas politicas adotadas pelos países, tendo início pela Europa, com reforço dos Estados Unidos até a tipificação brasileira.

1.1 Evolução Histórica

A história mundial da proibição vem baseada principalmente atrelada a história Norte americana de proibição ao consumo de álcool e posteriormente de substancia narcóticas. Segundo Thornton (2018, livro digital), esta ocorreu de forma gradativa e em momentos distintos:

O nascimento da proibição cobre o período desde a época colonial até a guerra de Secessão. A politização e o crescimento do proibicionismo ocorre desde a guerra de secessão até por volta de 1900. A adoção de proibições nacionais ocorre durante a era progressiva, grosseiramente entre 1900 e 1920. A proibição nacional da maconha, que não aconteceu até 1937, é tratada como uma consequência da adoção das proibições do álcool e dos narcóticos e da revogação da proibição do álcool (THORNTON, 2018, livro digital).

Neste sentido o que se observa é que a difusão do consumo de opioides surgiu em consequência da proibição da maconha e do álcool neste período do início do século XX. Tem-se então uma fuga do mercado consumidor para a prática de substâncias que pudessem substituir o álcool para os momentos considerados de diversão, no entanto apesar dessa visão. Tem-se ainda o aspecto politico e social que envolve as decisões que envolveram tais proibições. Segundo Thornton (2018, livro digital) “Primeiro, enquanto o álcool era aceito na sociedade, a ética puritana desencorajava seu consumo excessivo. Puritanos estabeleceram uma suntuária legislação designada para limitar o consumo de álcool e proibir o consumo de tabaco”. No mesmo sentido completa Rodrigues (2003, apud CARVALHO, 2011, p. 5):

Com a proibição do ópio, a partir de 1900, começaram as primeiras campanhas de amedrontamento da população norte americana com relação aos “perigos” da droga, correlacionados a específicos grupos étnicos, vistos como “ameaçadores”. Em território americano, a reprovação moral ao uso de substâncias psicoativas – representado pelas abstêmias ligas puritanas –era tradicionalmente acompanhada pela associação entre determinadas drogas e grupos sociais.

Outro ponto significativo deste período foi o inicio da globalização desta difusão do consumo, pois o que se observa é que apesar da proibição ter tido como inicio o continente americano, representado em grande parte pelas decisões norte americanas, estas foram seguidas por diversos outros países.

Não nos propomos a considerar a questão do quanto a proibição de bebidas alcoólicas levou à sua substituição pelo ópio. É um fato significativo, entretanto, que tanto na Inglaterra quanto neste país, o movimento em prol da abstinência total tenha sido quase imediatamente seguido pelo aumento no consumo de ópio (THORNTON, 2018, livro digital).

Neste período a proibição do álcool e da maconha levou a diversos consumidores a experimentar o novo tipo de drogas, neste caso fazendo com que o seu consumo se difundisse e aumentasse exponencialmente mesmo com a revogação da proibição do álcool, pois seu uso mesmo que de forma discreta já existia anteriormente ao século XX.

A cocaína era vista como uma droga maravilhosa e era utilizada como ingrediente em uma variedade de produtos comerciais, tais como o vinho, a coca-cola e tônicos. Estados começaram a banir a venda livre de cocaína após 1900. [...] Alegou-se que o uso de cocaína transformava os negros em criminosos ensandecidos e estupradores violentos, bem como impenetráveis pelas balas calibre 32 (THORNTON, 2018, livro digital).

Para tanto após a verificação desta crescente demanda mundial do consumo e motivado pela avaliação deste crescente mercado que se iniciava naquele momento. Foram propostas inúmeras discussões mundiais que em decorrência de diversos interesses desde o comercial ao politico levaram a diversas convenções para discutir a respeito do tema. “Em 1914, os Estados Unidos adotaram o Harrison Narcotic Act, proibindo o uso da cocaína e heroína fora de controle médico. Severas penas contra o consumo foram adotadas em convenções internacionais das décadas de 1920 e 1930” (FORTES, 2007, p. 195). Neste sentido afirma Dantas (2017, p. 12):

Além da Convenção do Ópio, há outras três convenções que valem ser mencionadas, vez que influenciaram fortemente a legislação interna. São elas: o Acordo de Genebra, de 1925, e as outras duas conferências realizadas também em Genebra, em 1931 e 1936.

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No Brasil, a evolução da criminalização das drogas acompanhou todas as convenções sendo absorvidas pela sua legislação interna, no entanto foi apenas em 1932 que dois decretos deram inicio oficial a politica de criminalização do Brasil, tais como retrata Dantas (2017, p. 12):

O Decreto nº 20.39014, que teria alguns de seus dispositivos alterados pelo Decreto nº 24.505, de 1934, que fora revogado pelo Decreto Lei nº 891 de 1938. Foram esses os decretos que pavimentaram o caminho para a elaboração do art. 281 do Código Penal de 1940.

Segundo Fortes (2007, p. 195) “A proibição ao comércio de drogas remonta ao final do século XIX e início do XX”.

Excessivo consumo de ópio pelos ingleses levou a Inglaterra a promover, em 1909, uma conferência internacional, em Shangai, com a participação de treze países (a Opium Commission). O resultado foi a Convenção Internacional do Ópio, assinada em Haia em 1912, visando ao controle da produção de drogas narcóticas, convenção com a qual o Brasil se comprometeu, mas, na prática, até 1921, tolerara “os vícios elegantes” dos boêmios ricos, quando sobreveio a primeira lei proibicionista de ópio, morfina, heroína e cocaína (RODRIGUES, 2002 apud FORTES, 2007, p. 195).

O resultado disto foi a atual política de criminalização do uso de entorpecentes no Brasil, que de forma gradativa no decorrer do século XX e início do XXI, tomou forma e adquiriu o aspecto que possui atualmente.


2 CRIMINALIZAÇÃO DO USO NO BRASIL

A politica de criminalização do uso no Brasil, não é tratada de mesma maneira que o crime de tráfico por exemplo. Sua tipificação remonta de origem histórica e social como anteriormente tratado e tem como principal foco a convenção da ONU de 1961, conforme trata FORTES (2007, p. 195):

A Convenção Única de 1961 da ONU ampliou o alcance das medidas proibicionistas, além de burocratizar a estrutura regulatória internacional das drogas ilícitas, convenção essa incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n.54.216/1964, servindo de instrumento para justificar a atualização da legislação interna brasileira que resultou na lei de tóxicos, Lei n.6.386/1976, recentemente revogada pela Lei n.11.343/2006.

Em análise feita por Becker & Murphy (2006 apud FORTES, 2007, p. 196):

Demonstra que quanto mais inelástica a demanda por drogas ilícitas, ou quanto mais inelástica a oferta, tanto maior o aumento no custo social de reduzir sua produção via repressiva, de modo que mais eficiente seria uma taxa monetária na redução da demanda e aumento do preço do que o sistema tradicional, ainda que a taxação tenha o inconveniente de alguns produtores sonegarem a tributação.

Historicamente já se observa que o uso apesar de gerar em resultado direto para a demanda do consumo e mercado, sempre foi tratado como uma conduta de menor relevância do ponto de vista criminal.

Por se tratar de um crime de mera conduta, ou seja, em que o delito resta configurado mesmo que não seja gerado dano ao bem jurídico protegido, no caso, a saúde da coletividade e, de forma secundária, a saúde do usuário (em relação a este último, há um amplo debate acerca da atipicidade do artigo 28, da lei de drogas, à luz do princípio da alteridade, segundo o qual não é passível de punição a conduta que não lesiona bem jurídico alheio), grande parte da doutrina e da jurisprudência aponta para a impossibilidade da forma tentada desse crime (DANTAS, 2017, p. 26).

Neste caso, tratar o uso de drogas ilícitas no Brasil, sob o ponto de vista da restrição de liberdade e da punição passa a ficar sob a ótica de um crime mais brando, ou um ato menos severo ao que se considera relacionado ao mundo do tráfico de drogas e do consumo de entorpecentes.

O fato é que o governo brasileiro não foge à política padronizada de repressão ao comércio de drogas. A tão decantada nova Lei de Drogas (Lei n. 11.343/2006) adota a “teoria dualista do sistema penal com regras de imputação e princípios de garantias processuais de dois níveis” (Bonho, 2006): na prática, apenas protege os consumidores de drogas, em geral filhos da classe média e alta que não devem ter a ficha criminal manchada (FORTE, 2007, p. 196).

O resultado disto é uma opressão em determinada parte da cadeia e a liberação em outra considerada como consumo final, e portanto esta menor aplicação da severidade da lei abre uma margem para a ilegalidade e o aumento do mercado informal do consumo de entorpecentes, tendo em vista que apesar de haver medidas para a opressão da venda e da fabricação, o afrouxamento da opressão ao consumo apenas aumenta a demanda para o tráfico no Brasil.

Sobre os autores
Antonio José Cacheado Loureiro

Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Mestrando em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Gabriel Cunha Alves

Administrador, Servidor da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Amazonas, Especialista em Direito Militar, Gestão em Segurança Pública e Docência em Administração Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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