A hierarquia das normas e sua inobservância

12/04/2019 às 19:30
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1.         INTRODUÇÃO

Uma das primeiras noções que se estuda no curso de Direito diz respeito à hierarquia das normas, aprendendo-se que há as de maior e as de menor importância, ou seja, algumas prevalecem sobre outras. Nenhuma delas pode contrariar o que disponha a Constituição, por isso dita Carta ou Lei Magna.

Não é outro o motivo de, inicialmente, qualquer projeto de lei ter que ser analisado quanto à sua constitucionalidade. Sem superar essa análise, sendo dito haver alguma inconstitucionalidade, o projeto não avança, morrendo no nascedouro.

Também é forçoso ressaltar que no Direito Público somente se pode fazer o que a lei, autorize expressa e textualmente, diferentemente do Direito Privado, no qual pode-se fazer tudo aquilo que a lei não proíba.


2.         A HIERARQUIA DAS NORMAS

No Direito brasileiro, observa-se a chamada Pirâmide de Kelsen:

Constituição Federal e Emendas Constitucionais promulgadas

Leis Complementares

Leis delegadas

Leis ordinárias

Decretos–Lei

Regulamentos

Tratado, Acordos, Atos, Convenções Internacionais após Decretos Legislativos

Costumes e Doutrina

Jurisprudência

Decretos, Medidas Provisórias, Resoluções

Portarias, Instruções Normativas

Contratos em geral

Essa pirâmide, concebida pelo notável jurista austríaco, serve de fundamento para sua teoria e baseia-se na ideia de que há normas jurídicas inferiores (normas fundadas) que, necessariamente, têm que observar e respeitar o disposto nas normas jurídicas superiores (normas fundantes).

No âmbito das unidades que compõem a federação (estados, municípios e Distrito Federal), também têm-se as Constituições estaduais ou as Leis Orgânicas, suas eventuais Leis Complementares, em seguida as Leis Ordinárias, etc. que, de forma alguma, podem contrariar o que diga a legislação federal. Analogamente, dentro de um estado, a Lei Orgânica de cada município tem que respeitar a Constituição estadual e as

Leis municipais não podem ter nada que infrinja a legislação estadual. 

Ampliando ou detalhando mais a hierarquia de nosso ordenamento jurídico, podemos listar na ordem decrescente de importância ou prevalência:

1º, as Leis Constitucionais;

2º, as Leis Complementares;

3º, as Leis Ordinárias;

4º, os Regulamentos;

5º, as chamadas Decisões normativas;

6º, as Normas individuais ou singulares.

Portanto, pela ordem, temos a Constituição, as Normas Infraconstitucionais e as Normas Infralegais.


3.         A ILEGALIDADE OU INCONSTITUCIONALIDADE DE ATOS

Abaixo das leis, encontram-se as normas infralegais. Elas são normas secundárias, não tendo poder de gerar direitos, nem, tão pouco, de impor obrigações. Não podem contrariar as normas primárias (a legislação constitucional e a infraconstitucional), sob pena de invalidade. É o caso dos decretos regulamentares, portarias, das instruções normativas, dentre outras. Pode-se afirmar que sejam nulas de pleno direito normas infralegais que afrontem normas de hierarquia superior, caso de, em princípio, serem declaradas nulas, anuladas, insubsistentes com efeito ex-tunc (salvo raríssimas exceções circunstanciais).

Dentre as Decisões normativas, estão os atos administrativos normativos, que são aqueles que contêm um comando emanado do Poder Executivo, destinados a normatizar a correta aplicação das leis vigentes. São os Decretos, os Regulamentos, as Instruções Normativas, os Regimentos, as Resoluções e as Deliberações.

Cada qual desses atos tem sua competência específica, isto é, quem pode baixá-lo. É oportuno lembrar o significado de “competência” como quem detém o “poder de fazer”, diferentemente do sentido comum da palavra (quem “sabe fazer”). Até o Supremo Tribunal Federal é incompetente para julgar certos processos, pelo menos originalmente.

Evidentemente, nenhum desses atos pode alterar ou afrontar as normas de maior hierarquia.

Vejamos o que são, por exemplo:

Leis Complementares – são normas que complementam a Constituição, devendo observar a vontade constitucional, quando essa vontade não estiver suficientemente explicitada, ou por expressa disposição constitucional, de forma a inserir na legislação de regência todos os elementos necessários à sua implementação e eficácia. Uma Lei Complementar é uma lei que tem como propósito complementar, explicar ou adicionar algo à Constituição. Constitui, na hierarquia das normas jurídicas, uma classe intermediaria entre a norma constitucional e as Leis Ordinárias.

Resoluções – são atos administrativos normativos expedidos pelas autoridades do Executivo (podem ser pelos presidentes de Tribunais ou de Casas Legislativas) bem como por colegiados administrativos no que concerne a matéria de sua competência específica. Ensina Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, Malheiros) que as Resoluções são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, “não podendo invocá-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los”

Deliberações - são atos administrativos normativos ou decisórios de órgãos colegiados, podendo ser atos gerais (os normativos propriamente ditos) ou atos individuais (os atos decisórios). Os normativos prevalecem sobre os decisórios, pois são superiores na hierarquia. Uma Deliberação normativa não pode ser contrariada por uma decisória, somente podendo ser modificada ou revogada por outra Deliberação normativa ou por deliberação de outro órgão de maior hierarquia legal (notadamente decisões judiciais).

Por hierarquia legal, deve-se entender, assim, que umas normas são superiores a outras porque algumas normas, para serem válidas, têm de respeitar o conteúdo, formal e material, de norma jurídica superior.

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4.         O ESTADO-JUIZ CHAMADO A DIZER

Muito frequentemente, o Poder Judiciário é acionado (só age provocado) para dizer da inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas. Apenas e tão-somente a Constituição não pode ser alvo dessas investidas, porquanto até Emendas Constitucionais podem ser declaradas inconstitucionais, por vício de iniciativa ou outra razão.

Esse tipo de ação resulta do alegado cometimento de infringências, desrespeitos, inobservâncias ou má interpretação de normas de hierarquia superior.


5.         QUESTÕES FINAIS                   

Cabe perguntar:

- Quem cometeu a inconstitucionalidade ou a ilegalidade pode ser responsabilizado pelas consequências do ato ilegal, ou inconstitucional, até que a Justiça dirima a questão? Ou deve sempre haver uma responsabilização?

- Que medidas quem se sinta prejudicado pode adotar \?

- O ato lesivo dito ilegal se extingue, e ponto final?

- Quem o praticou ou contribuiu para que fosse praticado merece sanção de alguma maneira?

- Foi por desconhecimento, falta de discernimento ou afronta deliberada ao que dispõem as leis, para não imaginar hipóteses de cunho criminal, ainda que na esfera administrativa?

- Deverá ser punido ou lhe ser determinado apenas que não faça mais aquilo ou daquela maneira?

- Ou terá sido mera incompetência, no sentido vulgar de “não saber” o que faz?


6.         CONCLUSÃO E RESPONSABILIDADES

No serviço público, de qualquer esfera, mais que se esperar, exige-se que o ocupante de cargo público conheça e aplique corretamente a legislação. Seus atos têm  fé pública e presunção de legalidade. Esse conhecimento é requisito a ser cobrado de todos, e não apenas dos que sejam servidores públicos estrito senso (concursados e pertencentes aos quadros de sua unidade funcional, seja ela uma repartição, uma autarquia ou uma fundação pública, isto é, da administração direta ou indireta).

É inaceitável que alguém que não pertença ao serviço púbico (o que é cada dia mais comum) e exerça cargos comissionados ou de assessoramento e direção – além da excrescência da terceirização nas atividades-fim –, não estando subordinado à lei que criou o regime jurídico dos servidores públicos civis da sua área de atuação, alegue o fato para fugir daquela responsabilidade.

Agir dessa maneira demonstra, claramente, despreparo, falta da necessária capacitação e de compromissos com o serviço público. Ou coisa pior, ainda que se possa tentar arguir tratar-se de crime próprio (ação ou omissão de determinadas pessoas especificadas legalmente. No caso, que a lei exija ser servidor público para cometer).

É maior e mais grave a situação se o ato decorreu ou contou com a participação de servidor público (concursado ou não, pois ainda existem os admitidos como celetista antes da Constituição Federal de 1988 e tornados servidores públicos por força do art. 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que de “transitórias” não têm nada), quem sabe, dando um parecer ou uma informação que induza as chefias superiores a endossarem e consumarem um ato administrativo ilegal.

A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal diz que a responsabilidade recai em quem deu a última palavra, seja uma decisão de um gestor ou de um colegiado, pouco importando, por exemplo, que sua Procuradoria houvesse dado parecer sobre a legalidade de algo que venha a ser declarado ilegal.

Essa explicação não serve para justificar ou eximir o signatário (ou signatários, quando se tratar de decisão coletiva, colegiada) do ato normativo questionado, por ilegalidade ou inconstitucionalidade (que não deixa de ser uma ilegalidade), afastando sua responsabilidade.

O que pode caber é abrir sindicâncias ou processos administrativos disciplinares para apurar atitudes omissivas ou comissivas, por parte dos servidores públicos, que resultarem nos atos administrativos tornados ilegais, assegurado, lógico, o direito à ampla defesa e observado o devido processo legal.        

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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