O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SUA APLICABILIDADE NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

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23/04/2019 às 16:59

Resumo:


  • O aumento de demandas sobrecarregou o Poder Judiciário, tornando a prestação jurisdicional ineficaz.

  • Para lidar com a massificação de causas, foram criados mecanismos como súmula vinculante, julgamento de recursos repetitivos e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

  • O IRDR é um instituto novo, trazido pelo CPC de 2015, que busca dirimir processos com controvérsias sobre a mesma questão de direito, visando a celeridade e a segurança jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O objetivo principal analisar o instituto processual de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e sua aplicação no âmbito do rito especial dos Juizados Especial.

INTRODUÇÃO

O evidente aumento de demandas com o abarrotamento do Poder Judiciário tornou o exercício da prestação jurisdicional, por vezes, ineficaz.

Assim, a Constituição Federal de 1988 determinou a criação dos Juizados Especiais com o fim de incentivar um Poder Judiciário com uma participação ativa no processo democrático, mormente com a sua presença mais efetiva na solução dos conflitos e ao ampliar a sua atuação com novas vias processuais, ocasionando uma Justiça célere e distributiva.

Contudo, a massificação de causas forçou o ordenamento jurídico a criar novos mecanismos que visassem a celeridade nos trâmites processuais.

Ademais, a uniformização na jurisprudência é um outro vetor para tais mecanismos.

Sabe-se que a segurança jurídica de um sistema depende de decisões coerentes e uníssonas, assim é importante a utilização de institutos que fomentem a harmonia do Judiciário.

A fim de resolver a problemática das ações repetitivas, consideradas aquelas que são propostas por inúmeras pessoas que se encontram em idêntica situação jurídica e, por isso, tendem a se repetir inúmeras vezes, algumas técnicas foram inseridas no sistema processual brasileiro. Entre elas, estão a súmula vinculante, o julgamento de recursos repetitivos pelos tribunais superiores e a improcedência liminar do pedido, além do microssistema das ações coletivas.

Tais mecanismos fitam coibir a massificação de demandas com a consequente lentidão do sistema e decisões contraditórias, resultando um cenário de insegurança jurídica e juízos teratológicos.

Dentro desses institutos de uniformização de jurisprudência surge o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, o qual objetiva dirimir a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e diminuir o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

O IRDR é um instituto novo, de origem alemã, trazido pelo Código de Processo Civil de 2015. O mencionado código guarda estreita relação com todos os outros ramos do direito, pois existe a determinação de sua aplicação subsidiária e supletiva.

Os Juizados Especiais são regidos por lei específica, qual seja a Lei nº 9.099/95. Assim, é mister a análise de compatibilidade entre a lei especial e a lei processual civil.

Outrossim, na presente monografia, serão observados pontos relevantes sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, como seu conceito, origem, procedimento e competência.

O foco principal será o IRDR e os juizados especiais, demonstrando a possibilidade de cabimento e julgamento no âmbito do rito especial dos juizados, dentre todas as celeumas a serem enfrentadas.

Além disso, há que se observar também todo sistema recursal dos Juizados Especial, bem como a própria constitucionalidade do incidente citado.

Diante todo o exposto, busca-se no presente trabalho, com base nos ensinamentos doutrinários e jurisprudencial, elaborar uma análise sobre instituto processual de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e sua aplicação no âmbito dos Juizados Especial, conforme a Lei Processual Civil de 2015 e a Lei nº 9.099/95.Contudo, a massificação de causas forçou o ordenamento jurídico a criar novos mecanismos que visassem a celeridade nos trâmites processuais

CAPÍTULO I - O SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os juizados especiais são tidos como um importante meio de acesso à justiça, porque permitem que cidadãos busquem soluções para seus conflitos cotidianos de forma rápida, eficiente e gratuita. Inclusive, sem a presença de um advogado, como na esfera cível.

São considerados órgãos do Poder Judiciário, disciplinados pela Lei nº 9.099/95. Assim, os juizados especiais pertencem à jurisdição comum, estadual ou federal. Leis estaduais criam e regulamentam em cada unidade da federação esses órgãos e, no âmbito Federal, a Lei nº 10.259/01.

Outrossim, discute-se a natureza dos Juizados Especiais. Conforme leciona o professor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:

 

Os juizados especiais pertencem à jurisdição comum, estadual ou federal. Como se sabe, o CPC previu a existência de dois tipos de processos: o de conhecimento e o de execução, com procedimentos próprios. Os processos de conhecimento podem ter procedimento comum e especial. Muito se discutiu se nos Juizados haveria um novo tipo de processo, ou apenas um processo de conhecimento, de procedimento especial. Parece-nos que há um novo tipo de processo, com uma forma diferenciada de cognição, no qual é possível encontrar processos de conhecimento, de procedimento especialíssimo, mais concentrado e célere, e de execução. [1]

 

Pode-se concluir que os juizados especiais configuram uma espécie de rito/procedimento especial, muitos ainda se referem como “rito sumaríssimo”.[2]

1.1 BREVE HISTÓRICO

 A idealização dos Juizados Especiais começou a surgir, no cenário brasileiro, a partir de algumas iniciativas de magistrados no Rio Grande do Sul, na década de 1970.

Contudo, seu baluarte deu-se com a Lei dos Juizados de Pequenas Causas, a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984.

A referida lei foi inspirada na experiência americana nos chamados Small Claims Courts, retirando elementos como os princípios que norteiam o rito, a desnecessidade das partes serem assistidas em juízo por advogado, ou, ainda, a facilitação do acesso à justiça pelos cidadãos, bem como a celeridade processual.[3]

Assim escreve a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi:

 

A ideia posteriormente encampada pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul gerou, em 1982, a pioneira experiência dos Conselhos de Conciliação e arbitragem, posteriormente institucionalizada nacionalmente pela mente inovadora do então Ministro da Desburocratização - Hélio Beltrão (1916- 1997) - à frente da Coordenação do Programa Nacional de Desburocratização, com o envio de anteprojeto ao Congresso Nacional, que culminou com a Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei 7.244/84). Na época, o anteprojeto enviado ao Congresso Nacional, além de buscar elementos nesses primeiros ensaios sobre os Juizados, recebeu forte influência da experiência americana nos chamados Small Claims Courts, notadamente o de Nova Iorque, cidade na qual se buscou as referências teóricas e práticas para a implementação da mesma fórmula em solo pátrio. Extraiu-se, assim, dos Small Claims Court nova-iorquinos, propriedades passíveis de serem importadas e adaptadas às características de nosso país, como a facultatividade do acesso aos propostos Juizados de Pequenas Causas, os princípios da informalidade e oralidade, ou ainda a dispensabilidade das partes serem representadas em juízo por advogado. Até mesmo alguns aperfeiçoamentos construídos a partir da própria experiência americana foram, já naquela época encampados pela Lei, do que é o maior exemplo, a limitação do polo ativo, que tinha por escopo impedir que esse rito, ao invés de ser utilizado pela população com menos acesso, fosse, na verdade usado contra ela, fato que ocorria amiúde naquela cidade, onde os Small Claims eram recorrentemente utilizados para pessoas jurídicas cobrarem dívidas da população. [4]

 

À partir do texto da Lei nº 7.244/84, no qual facultava a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, o Estado do Rio Grande do Sul editou a primeira Lei Estadual que criou o sistema Estadual de Juizados de Pequenas Causas (Lei nº 8.124/86).[5]

Posteriormente, as dimensões atuais destes órgãos encontraram-se esculpidas no inciso I do Artigo 98 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A fim de dar cumprimento à determinação constitucional, foram editadas as Leis de números: 9.099/95, 10.259/2001 e 12.153/2009, que tratam dos Juizados Cíveis Estaduais, Federais e Juizados Especiais da Fazenda Pública, respectivamente.

Portanto, com a instituição do texto constitucional de 1988 e a experiência apurada com os Juizados Especiais de Pequenas Causas, deram ensejo à formulação da hodierna Lei dos Juizados Especiais.

 

1.2 PRINCÍPIOS

 

Conforme alhures explanado, os Juizados Especiais constituem um importante instrumento de facilitação do acesso à justiça, pois autorizam que determinadas causas, que talvez não fossem levadas ao Judiciário antes, possam sê-la. Não só causas, mas também determinadas classes sociais, como as mais carentes que não possuem recursos para contratação de advogados e custas judiciais.[6]

Sendo assim, os Juizados se valem de um procedimento muito simplificado, regido pela informalidade, de custos reduzidos e mais célere. Para que se possa alcançar tais finalidades, era necessário que o rito do Juizado Especial fosse alicerçado por princípios compatíveis com a facilitação do acesso à Justiça daqueles que o procuram. [7]

O sistema processual do Juizado é regulado por princípios próprios, determinados no art. 2°, da Lei nº 9.099/95: "o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou transação". [8]

Grifa-se que o art. 2º da Lei nº 9.099/1995 utiliza a expressão “critérios” orientadores do processo nos Juizados Especiais, e não princípios, mas para o presente estudo, a denominação e discussão doutrinária sobre o assunto pouco influi.[9]

Tais princípios devem ser alinhados com os princípios e garantias constitucionais, como a do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, isonomia, imparcialidade do juiz e publicidade, entre outros.

Ademais, não se pode esquecer que, além da harmonização constitucional, o microssistema dos Juizados Especiais deve observar e respeitar as regras e princípios do Código de Processo Civil, a fim de manter a coerência do sistema processual pátrio.

Todavia, ressalta Fátima Nancy Andrighi:

 

Seguindo a mesma postura de Justiça Especial esposada na Lei 7.244/84, a nova Lei não determina expressamente a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, podendo-se inferir, salvo situações especiais, que buscou-se manter afastada sua incidência, considerando a especialidade de que é revestida esta Justiça.[10]

 

Desta forma, as normas do Código de Processo Civil só poderão ser aplicadas supletivamente na omissão de normas específicas, e desde que não ofendam o sistema e os princípios dos juizados.[11] Diferentemente do Processo Penal, cuja aplicação subsidiária tem determinação legal.

 

1.2.1 Oralidade

 

O princípio da oralidade diz respeito a forma de realização do ato processual, isto é, elege o modo verbal da prática dos atos.[12]

Segundo Oscar Valente Cardoso:

 

Vista como um princípio, é norma informadora de outras regras e (sub)princípios, especialmente a identidade física do juiz, a imediatidade, a concentração dos atos (na audiência, em regra), a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias e a publicidade. Motiva a intervenção do juiz na produção da prova e exige a prática oral dos atos processuais (excepcionalmente à forma escrita).[13]

 

Desta forma, tem-se que a oralidade visa atingir os demais princípios como a própria celeridade, a economia processual e a informalidade.

Além disso, relaciona-se diretamente com a participação ativa e o contato direto das partes e das provas produzidas com o julgador.

Pontua o juiz Marcus Vinícius Rios Gonçalves:

 

É incluído entre os princípios gerais do processo civil, nos quais, no entanto, perdeu o sentido e alcance original, pois pouco restou de efetiva oralidade: todos os atos realizados oralmente têm de ser reduzidos a termo. No processo comum, a oralidade acabou traduzindo não propriamente a prática oral dos atos do processo, mas a necessidade de que o juiz esteja sempre o mais próximo possível da colheita de provas. Daí o seu desdobramento nos subprincípios da imediação, identidade física do juiz e concentração. [14]

 

Destarte, é cediço que nos Juizados Especiais a oralidade é muito mais evidente que no procedimento comum regido pelo CPC (ou CPP, se criminal), devendo ser notada com muito mais rigor, pois a grande maioria dos atos é oral, e apenas o essencial é reduzido a termo.

 

1.2.2 Informalidade e Simplicidade

 

Nos Juizados Especiais a busca é pela informalidade, pela simplicidade, assim é consagrada a instrumentalidade das formas, mormente ao art. 13, caput, da Lei nº 9.099/95.

Assim define Daniel Amorim Assumpção Neves:

 

A informalidade incentiva o relaxamento e este leva a uma descontração e tranquilidade natural das partes. Todos aqueles rituais processuais assustam as partes e geram natural apreensão, sendo nítida a tensão dos não habituados a entrar numa sala de audiência na presença de um juiz. Se ele estiver de toga, então, tudo piora sensivelmente. Esse efeito pode ser confirmado com a experiência dos Juizados Especiais, nos quais a informalidade é um dos traços mais elogiados pelos jurisdicionados.[15]

 

A informalidade e simplicidade do procedimento se traduz por uma redução substancial de termos e escritos do processo, perfilhando de mecanismos diferenciados.[16]

 Ademais, há inúmeras simplificações, como na petição inicial, na citação, na resposta do réu, na produção e colheita de provas, na complexidade da matéria, nos julgamentos e nos recursos. Ainda, há a dispensa da presença de advogado – nas causas de valor até vinte salários mínimos e que não sejam do âmbito do Juizado Especial Criminal.

 

1.2.3 Economia Processual

 

O princípio da economia processual é como uma tentativa de poupar qualquer desperdício. Seria a máxima efetividade na condução do processo bem como nos atos processuais, de trabalho, tempo e demais despesas, sem maiores esforços.

Objetiva o fim da morosidade nos trâmites processuais.

Segundo a doutrina, “esse não é um princípio apenas dos juizados especiais, mas do processo civil em geral, já que se há de tentar obter, sempre com o menor esforço possível, os resultados almejados. Mas nos juizados isso se acentua”.[17]

Outrossim, outros doutrinadores também consagram o referido princípio como aquele que visa o melhor resultado no processo com a redução das custas processuais.

O acesso aos Juizados Especiais é gratuito, apenas recolhe-se custas em caso de recurso.

Logo, o autor Demócrito Reinaldo Filho cita o segundo conceito:

 

O princípio da economia processual tem no processo especialíssimo dos Juizados Cíveis uma outra conotação, relacionada com a gratuidade do acesso ao primeiro grau de jurisdição, em que fica isento o demandante do pagamento de custas, e com facultatividade de assistência das partes por advogado, que dizem, à evidência, com o barateamento de custos aos litigantes fundamentado na economia de despesas, que, com a de tempo e a de atos (a economia no processo, enfim), constitui uma das maiores preocupações e conquistas do Direito Processual Civil moderno.[18]

 

Portanto, é um princípio vinculado tanto a economia temporal quanto à financeira.

 

1.2.4 Celeridade

 

É certo que a Constituição Federal assegura a todos o direito a um processo de duração razoável, e que, também no processo comum, deve-se buscar o resultado da forma mais célere possível.

A celeridade processual, insculpida no art. 5.º, LXXVIII da CF/88, pressupõe a ideia de efetividade do processo “em prol de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça.”[19]

Assim, a celeridade processual é intimamente ligada com o binômio tempo e eficiência, devendo ser evitada quando trazer eventual prejuízo ao processo, nas palavras de Daniel Amorim Assumpção Neves:

 

Deve ser lembrado que a celeridade nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a qualidade da prestação jurisdicional. Não se deve confundir duração razoável do processo com celeridade do procedimento355. O legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes visando somente a obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas. É natural que a excessiva demora gere um sentimento de frustração em todos os que trabalham com o processo civil, fazendo com que o valor celeridade tenha atualmente posição de destaque. Essa preocupação com a demora excessiva do processo é excelente, desde que se note que, a depender do caso concreto, a celeridade prejudicará direitos fundamentais das partes, bem como poderá sacrificar a qualidade do resultado da prestação jurisdicional. Demandas mais complexas exigem mais atividades dos advogados, mais estudo dos juízes e, bem por isso, tendem naturalmente a ser mais demoradas, sem que com isso se possa imaginar ofensa ao princípio constitucional ora analisado.[20]

 

            Desta forma, o princípio da celeridade dos Juizados Especiais deve observar sempre a efetividade dos atos do processo combinado com a rapidez em realizá-los, sem que haja prejuízo às partes.

 

1.3 PROCEDIMENTO ESPECIAL

 

            O escopo do presente trabalho é tratar sobre a dinâmica dos Juizados Especiais, mormente à esfera cível, portanto todo o procedimento do processo de conhecimento e do sistema recursal será à luz desta.

            De proêmio, o procedimento especial é definido pela Lei nº 9.099/95, atualmente, e é chamado de sumaríssimo – por grande parte da doutrina - possuindo princípios, instrumentos e peculiaridades próprias.[21]

            O rito do Juizado Especial é bastante simplificado, deduzindo a concentração dos atos processuais uma única audiência de instrução e julgamento, na qual serão ouvidas as partes, produzidas todas as provas, “ainda que não requeridas previamente e, em seguida, proferida a sentença, decidindo-se, de plano, os incidentes processuais que possam interferir no regular prosseguimento da audiência”[22].  

            Assim, explica Cláudio Antônio de Carvalho Xavier:

 

Consoante o disposto no art. 2º, a Lei dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais está calcada, estruturada e fundamentada em cinco pilares ou princípios fundamentais: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Desse modo, os critérios instituídos pela Lei objetivam a desburocratização, racionalização e simplificação dos procedimentos e são de especial valor para estabelecer a tônica do processo, mormente quando não há previsão legal expressa.[23]

 

            Nessa toada, o sistema recursal segue a mesma linha assingelada, contando com apenas dois recursos, o recurso inominado e os embargos de declaração, e a possibilidade de recurso extraordinário endereçado ao Supremo Tribunal Federal, em caso de flagrante violação constitucional.

 

1.3.1 Processo de Conhecimento

 

            A Lei nº 9099/95 prestigiou o princípio da oralidade ou imediação na tônica do processo dos Juizados Especiais, de modo que esse permeia toda a sistemática procedimental dos juizados.

            Assim, desde a postulação até apreciação final do pedido, é essencial os elementos da simplicidade e maior celeridade, na medida em que se estipula a colheita de prova em uma única audiência - inclusive, sem a necessidade de reduzir-se a termo a prova oral - e a aglutinação de todos os atos processuais nesta.

            Isto é, o processo de conhecimento deve ser sucinto, e a sentença deve conter apenas o essencial, conforme dita o art. 38 da Lei dos Juizados.

            Não se pode esquecer que no rito especial não é necessária a representação das partes por advogado, mas tão somente a sua assistência nas audiências.

            Pela simplicidade e menor complexidade das causas, a presença do advogado é obrigatória apenas naquelas cujo o valor ultrapassa 20 salários mínimos e na fase recursal.

            E, ainda sobre a questão de menor complexidade das demandas, deve-se reduzir esse fator também à produção de provas.

            O rito sumaríssimo inicia-se com a petição inicial do autor, diferenciando do procedimento comum quanto ao jus postulandi da parte:

 

A Lei 9.099/95 admite o jus postulandi nos juizados especiais, permitindo que a parte apresente sua reclamação e realize pessoalmente os atos processuais, podendo postular nos autos, eletrônicos ou não, sem a assistência de um profissional especializado e legalmente habilitado. Essa foi uma das formas encontradas pelo legislador para facilitar o pleno acesso da camada social menos favorecida à jurisdição, sem os entraves burocráticos do processo. É importante ressalvar que embora a assistência de advogado seja indispensável nas causas de valor superior a 20 salários mínimos, entende-se que a assistência obrigatória prevista no art. 9º da Lei tem lugar a partir da fase instrutória, não se aplicando para a formulação do pedido e a audiência inaugural (F ONAJE 36).[24]

 

Quanto ao pedido, seus requisitos não precisam obedecer inexoravelmente a estrutura formal da petição inicial do procedimento comum, mediante norma expressa do art. 14 e seu parágrafo 1º da Lei nº 9.099/95.

Poderá ser realizado de forma escrita ou oral, na última reduzido a termo, na secretaria do juizado, e redigido de maneira simples e em linguagem acessível, além da qualificação das partes, conterá, brevemente, os fatos e os fundamentos, o objeto e seu valor. [25]

Além do mais, há a viabilidade de formulação genérica, quando não for possível determinar, desde logo, a extensão da obrigação (art. 14, § 2º).

Não será admitida qualquer forma de intervenção de terceiro, além de outros incidentes, salvo o incidente de desconsideração de personalidade jurídica.

 

Uma leitura cuidadosa da Lei n. 9.099/95 permite constatar que foram vedados aqueles incidentes que pudessem implicar em demora ou retardo do processo: não cabem reconvenção; não se admite intervenção de terceiros, ressalvado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 1.062, do CPC); não se admite prova pericial.[26]

 

Contudo, aceita-se o litisconsórcio, no polo ativo ou passivo da demanda.

Nesse particular, “cumpre observar que a nomeação à autoria não é mais prevista no CPC/15, como modalidade de intervenção de terceiro”[27], submetendo-se ao estabelecido pelos artigos 338 e 339 do referido Código.

Após de registrado o pleito autoral, independentemente de distribuição e/ou autuação, será designada a sessão de conciliação, pela própria secretaria.

A sessão de conciliação funciona como uma espécie de audiência de conciliação e mediação do CPC/15, com apenas algumas especificidades.

Segundo o artigo 17 da Lei nº 9.099/95, com o comparecimento de ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, prescindindo o registro prévio de pedido e a citação do réu, podendo este apresentar pedido contraposto, dispensando a contestação formal, caso necessário, vedada a reconvenção.

Os efeitos do não comparecimento a esta sessão de conciliação são diferentes para o autor e réu: no primeiro, haverá a extinção do processo sem resolução do mérito com a possibilidade em condenação de custas processuais, salvo comprovada força maior; no segundo, haverá revelia, salvo convicção contrária do juiz, autorizando a prolação imediata da sentença.

Evidentemente que a ausência do autor e do réu produzirá consequências distintas. O não comparecimento do autor, se devidamente intimado a qualquer das audiências do processo, revela o seu desinteresse tácito no prosseguimento do feito e importará na extinção do processo sem resolução de mérito (art. 51, I), com a possibilidade de condenação em custas processuais, salvo comprovada força maior (art. 51, § 2º). Por outro lado, a ausência do demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento produzirá a presunção de veracidade dos fatos alegados no pedido inicial (efeito principal da revelia), salvo se o contrário resultar da convicção do juiz (art. 20) e, por consequência, o julgamento antecipado do mérito (art. 355, II, do novo CPC), autorizando a prolatação de sentença (art. 23). Deve-se ter presente, ainda, que a revelia induz presunção relativa de veracidade da matéria fática, mas não acarreta, necessariamente, a procedência da demanda, podendo o magistrado, em virtude do livre convencimento, afastar a veracidade dos fatos narrados na inicial se houver nos autos outros elementos de convicção que lhe convençam do contrário. Em caso de litisconsórcio (art. 10), prevalece a regra do art. 345, I, do novo

CPC (aplicação subsidiária), de maneira que não incidem os efeitos da revelia se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação. Havendo dois ou mais autores (litisconsórcio ativo), a ausência de um dos promoventes produzirá a extinção do processo unicamente em relação ao que deu causa à contumácia, sendo irrelevante o fato de estarem assistidos pelo mesmo advogado. Destaque-se, ao lado disso, que o oferecimento de resposta, oral ou escrita, não dispensa o comparecimento pessoal da parte, ensejando, pois, os efeitos da revelia, nos termos do Enunciado 78 do FONAJE.[28]

 

Dessarte, o procedimento sumaríssimo não comporta a opção do autor pela realização ou não da sessão de conciliação, como é o caso do procedimento comum, regido pelo CPC/15, por se tratar de um direito irrenunciável inerente ao rito.

Portanto, não poderá o autor, na petição inicial, ou o réu, por petição, manifestar desinteresse na composição amigável do litígio. Além do mais, de acordo com o já demonstrado, o comparecimento das partes à audiência é obrigatório.

A resposta do réu no procedimento sumaríssimo, consoante o disposto no art. 30 da Lei dos Juizados, poderá ser na forma oral ou escrita, não cabendo a reconvenção, somente pedido contraposto em mesma peça processual.

O prazo de apresentação da contestação dar-se-á da audiência inaugural até a audiência de instrução e julgamento. Assim, dispõe o Enunciado 10 do FONAJE: “A contestação poderá ser apresentada até a audiência de Instrução e Julgamento”.[29]

A instrução probatória deve ser realizada na audiência de instrução e julgamento, recordando que não serão admitidas provas de alta complexidade[30], como aquelas que exijam perícia, segundo a jurisprudência dos enunciados do FONAJE, salvo algumas hipóteses como a informal.[31]

Sobre a sentença, tem- se que esta deverá ser concisa, dispensado, inclusive, o relatório, fundamentando-se nas audiências realizadas.

 

De acordo com o art. 38 da Lei 9.099/95, a sentença mencionará os elementos de convicção do juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência. Ademais, o relatório não constitui elemento essencial da sentença, sendo, portanto, dispensado. Desse modo, a ausência de relatório na sentença não acarreta a sua nulidade. A decisão deverá compreender apenas a fundamentação (limitada à síntese dos fatos relevantes ocorridos em audiência e elementos de convicção do juiz) e o dispositivo e será necessariamente líquida, possibilitando sua execução imediata. No novo CPC, o relatório só é dispensado na hipótese do art. 770. Uma particularidade da Lei 9.099/95 é que a sentença poderá ser proferida pelo juiz leigo que tiver dirigido a instrução, decisão esta que será imediatamente submetida ao juiz togado, o qual poderá homologá-la ou reformá-la parcial ou totalmente ou, se necessário, determinar a realização de atos probatórios indispensáveis ao julgamento da causa.[32]

 

 

A sentença é recorrível por recurso inominado para o próprio Juizado, além dos aclaratórios, nos moldes do art. 41 da Lei Especial.

 

1.3.2 Sistema Recursal

 

            A Lei nº 9.099/95, dentro de toda sua ideologia, procurou também simplificar o sistema recursal em face ao eleito pelo antigo Código de Processo Civil de 1973.

            Assim, prevê apenas dois recursos, quais sejam o recurso inominado e os embargos de declaração.

 

A Lei 9.099/95 procurou simplificar o sistema recursal adotado pelo Código de 1973 prevendo basicamente dois recursos: a) recurso inominado; b) embargos de declaração. Assim, em harmonia com o princípio da unirrecorribilidade ou unicidade do recurso, a sentença de mérito proferida em primeiro grau pode ser impugnada por meio de embargos de declaração e subsequente recurso inominado endereçado à turma recursal nos prazos previstos para interposição dos respectivos recursos: embargos de declaração, no prazo de 5 dias, e recurso inominado, no prazo de 10 dias.[33]

 

 

            Porém, é sabido na jurisprudência e doutrina que há a possibilidade de outros recursos, bem como o manejo do mandado de segurança frente à algumas decisões.

            Igualmente, é obrigatória a representação por advogado independente de qualquer valor da causa ou matéria, conforme ilustra a regra do art. 41, parágrafo 2º da nº Lei 9.099.

 

(...) na fase recursal é indispensável a representação por advogado, qualquer que seja o valor atribuído à causa. Entendeu o legislador que, nessa fase processual, a parte não dispõe de conhecimento técnico suficiente e, por isso, deve comparecer ao processo acompanhado de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técnica de qualidade (advogado inscrito nos quadros da OAB ou defensor público). A representação processual, portanto, constitui requisito indispensável à admissibilidade do recurso, a ensejar a deserção automática do referido recurso em caso de descumprimento da norma. [34]

 

            As custas processuais e honorários advocatícios se, em primeiro grau, eram despiciendos, nesta fase, serão arbitrados somente ao recorrente vencido, salvo se este é beneficiário da assistência judiciária gratuita.

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            Em se tratando de recursos em espécie, tem-se que a figura do recurso inominado interposto para impugnar os fundamentos da sentença e será recebido, em regra, somente no efeito devolutivo, segundo reza o art. 43 da Lei Especial.

Além do mais, o recurso inominado não utiliza com o fito de atacar as decisões interlocutórias, embora estas possam ser altercadas nas razões recursais.

Necessário relembrar que, mediante preceito do art. 41 da Lei dos Juizados, não se admite recorrer de decisões interlocutórias, nem por agravo de instrumento, nem pelo remédio constitucional do mandado de segurança, assim tem sido o entendimento doutrinário e jurisprudencial.

Todavia, tal máxima não é totalmente verdadeira, há algumas exceções onde tem-se admitido tais institutos, um exemplo do mandado de segurança seria quando há um pedido liminar a ser deferido e acaba sendo proferida decisão contrária que pode acarretar a parte enorme prejuízo e dano irreparável.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo criou um enunciado em seu Colégio Recursal que expressa ser cabível a figura do Agravo de Instrumento no caso de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e difícil reparação, bem como em casos em que há a inadmissão do Recurso Inominado.[35]

E, sobre o Agravo de Instrumento, há enunciados do FONAJE nos quais se admitem sua interposição. [36]

 

Há também a recente hipótese preconizada no Enunciado 15 do FONAJE: Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC. Essa hipótese objetiva fazer subir recurso que foi liminarmente negado o seguimento pelo próprio órgão julgador, no caso do art. 544, para instância superior, as Turmas Recursais e, no caso do art. 557, para os Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal Federal, tratando-se de decisão de Turma Recursal que nega seguimento a recurso destinado ao STF. [37] [38]

 

Mantendo a linha de pensamento, é forçoso concluir que a possibilidade da interposição de agravo instrumento ainda apresenta um cenário nebuloso.

Além do mais, a lei dos Juizados Especiais Federais, Lei nº 10.259/2001, traz em seu bojo a possibilidade da concessão de medidas cautelares no curso do processo.

Importante salientar, que tal regra não vem sido aplicada por analogia pelas Turmas Recursais dos juizados especiais estaduais, visto há uma bifurcação entre as esferas federais e estaduais, até mesmo jurisprudencial.[39]

Assim, apesar da divergência doutrinária, o entendimento consolidado pelo FONAJE e pela jurisprudência majoritária das Turmas Recursais defende que a interposição de agravo de instrumento apenas ocorrerá em situações excepcionais, atreladas sua maioria em questões pertinentes a subida ou não de Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, cujo seguimento pela Turma Recursal tenha sido irregularmente negado.[40]

Sobre os aclaratórios, tem-se que não se trata de recurso propriamente dito, pois seu objetivo é apenas complementar uma decisão eivada de vício de obscuridade, contradição ou omissão.

Insta grifar, que esses embargos se diferenciavam daquele do Código de Processo Civil de 1973, na medida em que, nestes, cabiam em caso de “dúvida”, situação não preconizada naquele e, também, o prazo do recurso principal seria apenas suspenso na seara dos Juizados Especiais, enquanto que, naquele, o prazo do recurso principal é interrompido.

Com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, a regra é a mesma, pois houve modificação na redação do art.48 e seguintes do diploma especial.

Sendo assim, atualmente, as hipóteses de cabimento são iguais no rito especial e comum e ambos interrompem o prazo para o recurso principal.

Os embargos de declaração são oferecidos no prazo de 05 (cinco) dias, contados da ciência da decisão e, uma vez recebidos, interrompem o prazo recursal, que, após a ciência da decisão dos embargos, volta a fluir pelo prazo eventualmente restante.

O Recurso Adesivo não é cabível, por falta de previsão legal.[41]

O Recurso Especial também não é cabível, a teor da súmula 203 do Superior Tribunal de Justiça: "Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais".[42]

Sua interposição, nos termos do art. 105 da Constituição Federal, só é admissível, quando a decisão recorrida for proferida em única ou última instancia, por Tribunais.

As Turmas Recursais não constituem Tribunal, senão mero órgão colegiado, não sendo possível, portanto, a utilização deste expediente recursal.

Há, todavia, a pequena possibilidade do STJ determinar uma ordem de natureza cautelar que afeta todo o trâmite da ação perante os Juizados Especiais, são casos excepcionais, que via de regra versam sobre conflito de competência, não se tratando em sentido estrito de um Recurso Especial em si considerado.

Por fim, quanto ao Recurso Extraordinário, tem sido admitida sua interposição contra decisões preferidas pelas Turmas Recursais, pois não se poderia deixar de submeter ao Supremo Tribunal Federal, questões em que ocorrem um possível violação da norma constitucional, e, ao contrário do que acontece com o recurso especial, o legislador constituinte não especificou qual o órgão responsável pelas decisões que seriam objeto de Recurso Extraordinário, pelo que, podem ser elas advindas das Turmas Recursais dos Juizados Especiais.[43]

Seu processamento, prazo e demais requisitos serão os mesmos do Código de Processo Civil de 2015, por aplicação subsidiária e supletiva.

O STF sumulou o entendimento: "É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por Turma Recursal de juizado especial cível e criminal." – teor da súmula 640.[44]

Última observação, se caso seja negado seguimento a este Recurso é cabível, como exceção, o Agravo de Instrumento, mas sem efeito suspensivo, de maneira que o processo principal é remetido ao Juizado de origem para processamento do cumprimento provisória da sentença, conforme art.1042 combinado com o art. 932 IV do Código de Processo Civil de 2015. [45]

 

CAPÍTULO II - COMPATIBILIDADE E APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

 

            Desde a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, vem sendo discutida sua aplicação subsidiária e/ou supletiva de suas normas em outros ramos do direito.

De maneira geral, a doutrina e a tímida jurisprudência vêm admitindo a aplicação supletiva do macrossistema do CPC/15, em pontos que não estejam guarnecidos das hipóteses e situações elencadas na própria Lei, sempre que houver omissão legislativa. [46]

Sobre tal temática, a melhor orientação doutrinária posiciona-se no sentido de que a subsidiariedade do CPC/15 só pode ser aplicada naquilo que for compatível com a sistemática e os princípios informadores dos juizados especiais cíveis.

Salvaguardando-se as hipóteses excepcionais, previstas na própria Lei nº 9.099/95, o Código de Processo Civil, em regra, é inaplicável ao procedimento especial dos juizados, em razão da especialidade da citada lei, a qual contém regras próprias.

Todavia, sempre se defendeu a aplicação do CPC de forma supletiva nos casos omissos, pois nem todas as situações estão previstas na lei de rito especial, em função da dinâmica própria do processo.

Assim, isto não significa que se deva aplicar, indistintamente, a todos os casos o regime geral do CPC/15, sobretudo quando houver disposições específicas na Lei nº 9.099/95, cabe ao operador de Direito sopesar aquilo que é compatível ou não entre os dois sistemas, sem desvirtuar a mens legis com interpretações equívocas e procedimentos teratológicos.

 

2.1 APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA E SUPLETIVA DO CPC/15 EM OUTROS RAMOS DO DIREITO

 

Dispõe o artigo 15 do novo Código de Processo Civil:

 

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. [47]

 

Todavia, a primeira parte do dispositivo em comento é clara em estabelecer que as aplicações do novo Código serão aplicadas somente na ausência normas que regulem os processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos.

A novidade versa sobre a aplicação supletiva das novas disposições, considerando que a aplicação subsidiária já era autorizada e prevista em algumas legislações especiais, como na CLT.

Tem-se que a aplicação subsidiária é quando existe como a possibilidade de utilização de regras e conceitos quando houver omissões e lacunas dos demais diplomas.

Já a aplicação supletiva se dá de forma complementar, ou seja, é mais autônoma do que a aplicação subsidiária e visa aprimorar e suprir as falhas existentes no em outros diplomas, de modo a propiciar maior efetividade e justiça em qualquer esfera processual. [48]

O jurista Alexandre Freitas Câmara assim define:

 

A aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil vai muito além do que consta expressamente do texto do art. 15, porém. Em primeiro lugar, é preciso recordar a aplicação subsidiária do CPC ao processo penal, como expressamente tem reconhecido a jurisprudência do STJ. Além disso, o CPC é subsidiariamente aplicável a outras leis processuais, como é o caso da Lei de Locações (art. 79 da Lei no 8.245/1991) e de outras leis que sequer fazem expressa alusão ao ponto (como é o caso da Lei do mandado de segurança). Vale, aliás, frisar que o art. 1.046, § 2o, expressamente estabelece que o Código de Processo Civil é subsidiariamente aplicável aos procedimentos regulados em outras leis, o que afasta por completo qualquer risco de que se venha a sustentar (como tanto já se sustentou em relação a leis que não o estabelecem expressamente, como é o caso das leis que regula(ra)m o mandado de segurança e os Juizados Especiais Cíveis) a impossibilidade de aplicação subsidiária do CPC. Certo é que o Código de Processo Civil veicula a lei processual comum, a ser aplicada como regra geral a todos os processos judiciais ou administrativos em curso no Brasil, ressalvada apenas a existência de lei específica (como é o caso do Código de Processo Penal, da Consolidação das Leis do Trabalho ou da Lei de Processos Administrativos Federais) ou, no caso de omissão da lei específica, de incompatibilidade entre esta e a lei geral (caso em que se fala de aplicação subsidiária do CPC). Além disso, o Código de Processo Civil se aplica aos processos eleitorais, trabalhistas e administrativos em caráter supletivo. Aplicação supletiva não se confunde com aplicação subsidiária. Esta se dá na ausência de disposição normativa específica. Já quando se fala em aplicação supletiva, o que se tem é uma interação entre a lei específica e a lei geral (que, no caso em exame, é o CPC), de modo que será necessário interpretar a lei específica levando-se em consideração o que consta da lei geral. Não será possível, portanto, interpretar as disposições processuais da legislação eleitoral ou da Consolidação das Leis do Trabalho sem levar em consideração o Código de Processo Civil. [49]

 

De uma análise conjunta e sistêmica de todos os dispositivos do novo Código de Processo Civil, percebe-se que o legislador pretendeu conferir ao instituto processual um conjunto de normas básicas de introdução ao sistema processual brasileiro.

Isto é, perquiriu-se a finalidade de criar uma fonte permanente de atualização dos múltiplos segmentos processuais que já estavam obsoletos em nosso ordenamento jurídico.

Assim manteve-se as especificidades de cada ramo, porém, estabelecendo como alicerces, os princípios constitucionais.

Conclui-se, portanto, que o legislador atestou a aplicação subsidiária e supletiva do processo civil nos demais processos, com algumas exceções, logo que se a intenção é fazer com que as inovações do processo civil sejam aplicadas no aos demais ramos processuais, pode-se concluir a possibilidade de sua inserção no rito especial da Lei nº 9.099/95, dos Juizados Especiais, observada a compatibilidade com as regras e os princípios que regem sua especialidade.

Contudo, deverá ser procedida uma análise crítica de preceitos que não podem ser aplicados no processo sumaríssimo, em razão de manifesta incompatibilidade.

Por fim, destaca-se que, mesmo antes da nova previsão legal, a prática demonstra que determinados preceitos do processo civil já vinham sendo aplicados no procedimento especial dos Juizados, até mesmo dado que a lei já contemplava hipóteses de incidência expressas do CPC.

 

2.2 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS JUIZADOS ESPECIAIS

 

            Os Juizados Especiais, embora insertos no sistema jurídico nacional como órgão da Justiça, construíram, por força de sua matriz fixada no art. 98, inc. I, da Constituição Federal, um feito próprio que o apartou das linhas mestras dos demais ramos processuais, instituído de maneira precípua para dar efetividade a um procedimento oral e sumaríssimos, fitando seu objetivo constitucional de assegurar uma eficaz prestação jurisdicional.

Nessa senda, a Lei nº 9.099/95 mirou na precedente norma que regulava os Juizados de Pequenas Causas (Lei nº 7.244/84) e em todo o seu arcabouço doutrinário e jurisprudencial, e, também, na experiência americana com o Small Claims Court de Nova Iorque, conforme alhures já mencionado.[50]

Viu-se uma necessária celeridade no julgamento de demandas mais simplórias.

O rito do Juizado Especial trouxe para si nuances próprias e marcantes, norteadas pelos princípios do art. 2º da Lei Especial, quais sejam os da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Existe também uma valorização das decisões de primeiro grau e a maior autonomia do juiz, na condução do processo, com a evidente informalização e simplificação do sistema, sem ferir o duplo grau de jurisdição.

Os Juizados Especiais, e a sistemática nele contida, constituem-se em paralelo ao sistema processual civil ordinário, sendo um rito especial que afasta a aplicação de normas gerais.

Trata-se de um sistema especial de justiça, autônomo e distinto, e não uma derivação subsidiada pelo processo civil tradicional.

Contudo, existem remissões expressas em ambos os diplomas sobre a incidência da norma de caráter geral na especial, além de consolidada jurisprudência sobre o tema.

A Ministra Nancy Andrighi reverbera:

 

Nessa senda, urge afirmar e gizar, que não há espaço para a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil aos Juizados Especiais, porque os Juizados Especiais, por determinação idealizada do Legislador, instituiu soluções próprias para as hipóteses não abarcadas expressamente pela Lei 9.099/95. Nessas circunstâncias, deve o julgador atuar e solver as querelas e incidentes que lhe são submetidos, com base nos elementos principiológicos fixados no art. 6°, § 2° da Lei dos Juizados Especiais, denominados de "critérios" e, nunca recorrer às formulas construídas dentro do Código de Processo Civil. A Lei dos Juizados, quando foi erigida por sobre regras gerais e abrangentes, deixou a talante do julgador, com base nos princípios que essa mesma norma instituiu, e não de um sistema paralelo, a solução para as questões do cotidiano do processo não explicitada no texto da lei. Daí, deliberadamente também não indicar o Código de Processo Civil como norma de aplicação subsidiária, aliás, agindo de forma contrária quando trata da seara processual penal. Assim, no que concerne a subsidiariedade, na hipótese dos Juizados Especiais Cíveis, não há espaço para sua existência. É preciso repetir e insistir sobre o manifesto equívoco que se comete de formalizar o procedimento nos Juizados Especiais aos moldes dos preceitos exarados no Código de Processo Civil, tendência cada vez mais frequente, até mesmo em decorrência de uma indevida influência osmótica da Justiça tradicional sobre os Juizados Especiais. Os juízes que conduzem processos, concomitantemente, em varas cíveis comuns e Juizados Especiais, assim como os servidores, até mesmo por questão de praticidade vão, paulatinamente, adotando as fórmulas do Código de Processo Civil e, por conseguinte, fazendo minguar as qualidades tão caras aos Juizados Especiais, de informalidade, simplicidade e oralidade. Essa prática atinge negativamente, não apenas o tempo do curso do processo nos Juizados, mas a essência desse sistema, que repito, rompeu com as bases do Processo Civil exaustivamente codificado, para trilhar caminho próprio, em linha mais pragmática de entrega da prestação jurisdicional pleiteada, onde as decisões, finais ou interlocutórias, podem ser tomadas em linha diametralmente oposta ao que é preconizado no atual e no futuro Código de Processo Civil.[51]

 

Tecida tal crítica à aplicação subsidiária do Lei Adjetiva Processual Civil, observa-se a extrema cautela em sua aplicação, para não ferir o rito especial abarcado por lei própria.

Dentro desse raciocínio, conclui-se que a Lei nº 9.099/95 permite a incidência das novas regras processuais na dinâmica dos juizados especiais cíveis.

Porquanto ainda que haja lacuna ou omissão na lei especializada, deve-se interpretar a norma à luz dos princípios reitores do sistema dos Juizados Especiais Cíveis, sem tergiversar seu conteúdo, não tendo incidência as normas gerais do CPC, quando atentar contra os seus princípios basilares.

Sempre há que primar pela celeridade ao processo, sem que se crie com o uso de normas gerais maiores entraves ao regular andamento processual, perdendo a finalidade do rito sumaríssimo.

O Enunciado 161 do FONAJE[52] diz que, considerando o princípio da especialidade, o CPC/15 somente terá aplicação ao Juizado Especial nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º, Lei n º 9.099/95, quais sejam os princípios gerais do Juizado Especial.

 

Assim, pela leitura do mencionado enunciado, é possível verificar que, durante o encontro, foi definido o entendimento de que há uma incompatibilidade normativa entre o novo CPC e a sistemática já estabelecida dos Juizados Especiais, sendo possível a aplicação apenas dos dispositivos que atendem os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95. (...) Todavia, existiam vários institutos processuais do Código Buzaidiano que eram aplicados nos juizados, a exemplo da concessão de tutelas antecipadas, que não há previsão nos juizados, e mesmo assim corriqueiramente eram de há muito utilizados nesse universo processual, e certamente continuaram a ser aproveitadas com as regras do novo CPC, referente às tutelas provisórias (CPC/2015, art. 294, e seguintes). Desse modo, apesar do enunciado acima mencionado demonstrar uma desejada autonomia do microssistema dos juizados especiais, o entendimento doutrinário, conforme será demonstrado no presente trabalho, tem sido no sentido de que, sempre que possível for, mister se faz a existência de um diálogo instrumental entre tal microssistema e o novo CPC, através de normas que repercutam naquele de forma subsidiária, e que estejam em conformidade com a sistemática dos Juizados. De tal forma, ante as considerações acima realizadas, no estudo das aplicações do recente Código de Processo Civil ao microssistema dos Juizados Especiais, é possível então estabelecer uma divisão bem nítida entre as normas de aplicação expressa e as normas de aplicação subsidiária.[53]

 

Nesse mesmo sentido é o Enunciado 151 FONAJEF[54], que diz que o CPC/15 só é aplicável nos juizados especiais federais se houver compatibilidade.

É possível afirmar que a Lei nº 9.099/1995 não trouxe em seu texto, por exemplo, qualquer disposição sobre alguns recursos e sobre o critério de fluência e contagem de prazos.

Entretanto, tal defectibilidade da lei especial resolve-se com a aplicação da lei geral, no caso, o Código de Processo Civil de 2015, que se harmonizam segundo os preceitos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-lei 4.657/1942).

O fato de o artigo 2º da Lei nº 9.099/1995 estabelecer diretivas principiológicas fundamentais do processo perante o Juizado Especial Cível, as quais privilegiam os ditames da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, não chega a ponto de prescindir a observância de certos regramentos responsáveis pela certeza do direito e segurança jurídica, como alguns trazidos pelo Código de Processo Civil.

Sustentar a incompatibilidade de diálogo entre essas fontes de direito seria o mesmo que “submergir o jurisdicionado nas trevas da ausência de norma sobre diversas questões, sujeitando-o às subjetividades solipsistas e discricionárias do juiz, eliminando toda certeza e segurança jurídica do direito e do processo perante o Juizado Especial Cível”, segundo Niemeyer.[55]

O Código de Processo Civil de 1973 não tinha qualquer norma expressa no sentido de determinar a sua aplicação supletiva na Lei nº 9.099/95, tal supletividade é uma consequência do próprio sistema jurídico em vigor, como baluarte das disposições da LINDB.

Haja vista o apontamento acima, o CPC/1973 sempre se aplicou supletivamente ou subsidiariamente aos processos perante o Juizado Especial Cível, desde o advento da Lei nº 9.099/1995.

Já no caso do novo Código de Processo Civil, a supletividade deste em relação à Lei nº 9.099/1995, conta com expressa disposição legal contida no § 2º do artigo 1.046.

 Ou seja, naquilo que a Lei nº 9.099/1995 é incompleta, por imperativo da certeza do direito e da segurança jurídica, a lacuna é colmatada pelas disposições do novo CPC.

Subsiste a necessidade de aplicar os institutos da teoria do diálogo das fontes e a compatibilidade sistêmica entre os dois ordenamentos, assim haverá uma aplicação concisa e prudente da lei.

           

2.2.1 Teoria do Diálogo das Fontes

 

            A essência da teoria do diálogo das fontes é que as normas jurídicas não se excluem, porque pertencentes a ramos jurídicos distintos, mas se complementam. A teoria foi desenvolvida por Erik Jayme, na Alemanha, e Cláudia Lima Marques, no Brasil.

Um pequeno esboço sobre a teoria do diálogo das fontes, pelo professor Flávio Tartuce, é que a teoria do diálogo das fontes surge para substituir e superar os critérios clássicos de solução das antinomias jurídicas: hierárquico, especialidade e cronológico, de Norberto Bobbio.

 

A essência da teoria é que as normas jurídicas não se excluem - supostamente porque pertencentes a ramos jurídicos distintos -, mas se complementam. Como se pode perceber há nesse marco teórico, do mesmo modo, a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico. [56]

 

O fundamento da teoria do diálogo das fontes está no fato de que as normas surgem para serem aplicadas como um todo e não para serem excluídas umas pelas outras, principalmente quando há um campo convergente, sendo forma de integração e não de exclusão das normas.

Tem-se que a aplicação da teoria do diálogo das fontes significa que a norma geral pode sim se sobrepor à norma especial, caso a norma geral se mostre mais eficiente para proteger aquele direito disciplinado pela norma especial.

            Com efeito, consoante a teoria do diálogo das fontes, as normas gerais mais benéficas supervenientes preferem à norma especial (concebida para conferir tratamento privilegiado a determinada categoria) a fim de preservar a coerência do sistema normativo.

            Assim, temos interpretações restritivas e ampliativas do novo sistema processual civil.

            É necessário que se faça um exercício de compatibilidade entre as normas, para que não haja contrariedades e nem desvirtuamento de sua função, o nosso ordenamento jurídico deve ser analisado sobre um prisma único e concatenado entre si.[57]

            Inclusive, essa harmonia no sistema jurídico deve-se a moderna corrente da constitucionalização das leis, na qual a interpretação deve sempre buscar raiz na Constituição Federal de 1988.

Exemplo disso é o art. 1º do Código de Processo Civil de 2015: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. ” [58]

 

O "modelo constitucional do direito processual civil brasileiro" compreende, para fins didáticos, quatro grupos bem destacados: os “os princípios constitucionais do direito processual civil”, a “organização judiciária”, as “funções essenciais à Justiça” e os “procedimentos jurisdicionais constitucionalmente identificados”. Mais do que do que enumerar os “princípios constitucionais do direito processual civil”, impõe analisar, desde a doutrina do direito constitucional – a chama “nova hermenêutica” -, seu adequado método de utilização, levando em conta, notadamente, o parágrafo primeiro do art. 5º da CF. (...) Essas anotações querem evidenciar a necessidade da adoção da perspectiva metodológica que, em última análise, acaba decorrendo do art. 1º do CPC de 2015 (apesar de, friso, ela ser desnecessária, porque decorre diretamente da própria Constituição). O estudo do direito processual civil nessa perspectiva, contudo, não se limita a pesquisar os temas de que a Constituição trata sobre direito processual civil. Muito mais do que isso, trata-se de aplicar diretamente as diretrizes constitucionais com vistas à obtenção das fruições públicas resultantes da atuação do Estado, inclusive no exercício de sua função jurisdicional, o Estado-juiz. A lei, nesse sentido, deve-se adequar, necessariamente, ao atingimento daqueles fins; não o contrário. E o CPC de 2015 não está imune a esse contraste nem a essa crítica, não obstante e justamente por força do seu art. 1º. [59]

 

Em síntese, percebe-se que essa teoria do diálogo das fontes juntamente com a visão constitucional das normas possibilitam a visão de um sistema unitário, em que há mútuos diálogos e o reconhecimento da interdisciplinaridade. [60]

Verifica-se uma compatibilidade sistêmica, ou seja, se a norma de processo civil de 2015 se mostra mais célere e confere maior eficiência que a própria Lei dos Juizados Especiais, há de se aplicar aqui o CPC/15, desde que respeitados todos os critérios da lei especial, como se fosse um filtro entre as duas normas.

 

2.2.3 Exemplos da compatibilidade e aplicação do CPC nos Juizados Especiais

 

            Com a chegada do novo Código de Processo Civil, uma outra faceta foi apresentada ao processo civil, instituindo novas regras, prazos e técnicas processuais.

Dentre as principais inovações, há uma quebra com o sistema tradicional, passando-se a valorizar a autocomposição e a autonomia das partes fora e dentro do processo.

Prestigiando o princípio oralidade, há um maior diálogo do juiz com as partes, com vista ao aformoseamento das técnicas processuais, exemplo disso é o contraditório diferido[61], segundo o qual não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente instada a se manifestar, evitando-se a extinção abrupta do processo.

Há uma verdadeira influência da Lei nº 9.099/95 sobre o Código de Processo Civil de 2015, e não só de forma contrária.

 

Desde logo se enfatize que o NCPC não terá grandes repercussões no âmbito dos juizados especiais, visto que, de regra, os dois sistemas muitas vezes não são convergentes. No entanto, a contrario sensu, a influência da Lei 9.099/95 sobre o novo CPC é notória. Podemos citar, dentre outras, as seguintes: a) reunião de princípios processuais em capítulo específico; b) ênfase na audiência de conciliação ou de mediação (art. 334); c) a contestação deve concentrar toda a matéria de defesa (art. 336), inclusive a arguição de incompetência relativa; d) produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade (art. 464, § 2º); e) audiência concentrada (art. 365); f) gravação da audiência (§§ 5º e 6º do art. 367); g) apresentação do pedido reconvencional na contestação; h) limitação do agravo de instrumento e fim do agravo retido. Exceto nos casos em que a Lei 9.099/95 for omissa, eventualmente poderá haver a aplicação subsidiária do novo CPC. E isso porque, como se verá adiante, a sistemática dos juizados especiais afasta, de regra, a aplicação do processo civil comum. As novas regras permitem reduzir o tempo de duração do processo (art. 190), em sintonia com o princípio da “razoável duração do processo”, consubstanciado no art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal, e, portanto, visando à efetiva e tempestiva concretização do direito material. Por isso, o NCPC reafirmou o princípio da razoável duração do processo, ao dispor, no art. 4º, que as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa e, concomitantemente, estende essa regra a todos os sujeitos do processo, os quais devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º). [62]

 

 De outro lado, o Código de processo Civil estabeleceu alterações cirúrgicas na Lei nº 9.099/95, cabendo gizar, dentre elas, as seguintes: aplicação do incidente de resolução de demandas repetitivas aos processos em tramitação nos juizados especiais e respectivas turmas recursais, modificação de texto dos artigos que versam sobre os embargos declaratórios, preservação da competência dos juizados especiais cíveis para as causas referidas no art. 275, II, do CPC/73[63] - fim do procedimento sumário- e previsão expressa acerca da possibilidade de aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

As mudanças em relação ao texto da Lei nº 9.099/95, consignadas expressamente no texto, foram poucas. Além das alterações referentes aos embargos declaratórios, que passou a prever suas hipóteses de cabimento e a interrupção, não mais suspensão, para interposição de recurso principal, também houve a previsão de manutenção expressa da competência para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, do CPC revogado, o que provocará uma adaptação da Lei dos Juizados à nova lei processual civil.

Ademais, também houve expressa previsão, no CPC/15, sobre a possibilidade de o juiz, nos autos da própria ação, determinar a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Todas essas alterações estão insertas no capítulo sobre disposições finais e transitórias do CPC/15.

Fátima Nancy Andrighi se posicionou no sentido que a compatibilidade entre os ritos comum e especial decorrem de lei, assim não haveria como criar outras hipóteses de aplicação sem previsão legal.

 

Nessa medida, nada muda em relação ao novo Código de Processo Civil. Este traz, expressamente indicadas, três referências expressas aos Juizados Especiais: art. 985 quando, ao tratar do incidente de resolução de demandas repetitivas, vincula os Juizados Especiais à tese jurídica consolidada -; arts. 1.062 e 1.063, dispositivos constantes das disposições finais e transitórias do novo CPC. O primeiro, afirmando que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, aplica-se ao processo de competência dos Juizados Especiais e o segundo, reafirma a continuidade da competência dos Juizados Especiais, até a edição de lei específica, para julgar as causas prevista no art. 275, inc. II, do vigente Código de Processo Civil- Lei 5.869/73. A Lei 9.099/95, por seu turno, remete apenas em três situações, os seus procedimentos às disposições do Código de Processo Civil: a primeira, no art. 30 - infine -, que remete o processamento de possível arguição de suspeição ou impedimento do juiz para o CPC; a segunda, no art. 52, quando fixa que se aplica às execuções de sentença, "no que couber, o disposto no Código de Processo Civil', elencando, no entanto, nove distinções em relação ao rito preconizado no CPC; e a terceira, no art. 53, onde igualmente fixa o procedimento delimitado pelo Código de Processo Civil, mas também aqui, insere quatro modificações em relação à execução de título executivo extrajudicial, prevista no CPC. Na verdade, fica evidente, que há uma reiterada opção legislativa pela permanente apartação dos sistemas, sob pena de os julgadores perderem a autonomia na condução dos processos; das partes perderem, na prática, o acesso direto ao sistema, considerando o aumento da complexidade na tramitação das ações, o que imporia, necessariamente, o apoio técnico especializado de advogados; e de se perder a celeridade nos julgamentos, provocando um prolongamento dos processos, incompatível com a natureza do sistema dos Juizados Especiais. [64]

 

Conforme amplamente já debatido, o entendimento da r. Ministra não é perfilhado majoritariamente, pois entende-se que pode haver a incidência e compatibilidade do CPC/15 no âmbito dos Juizados Especiais em tudo aquilo que for patível ou houver uma patente omissão na lei especial.

Além dos expressamente citados artigos, pode-se compatibilizar alguns institutos do CPC/15 com o rito especial dos juizados, como o incidente de assunção de competência, distinguishing[65], overruling[66], improcedência liminar do pedido [67], ata notarial, inquirição direta, protesto da decisão judicial, regras gerais da conciliação e mediação, negócio jurídico processual, distribuição do ônus da prova, prazo em dias úteis e etc.

Sobre ônus da prova:

 

Por isso, o novo diploma processual confiou ao magistrado a tarefa de, à luz das peculiaridades do caso concreto, afastar o ônus estático da prova, atribuindo-o à parte que tenha melhores condições dele se desincumbir, sistemática compatível com o procedimento dos Juizados Especiais.  Entretanto, em sede especializada predomina a oralidade e a concentração dos atos processuais em audiência, não havendo um momento procedimental específico para o saneamento do processo.  Logo, não se pode simplesmente transportar a regra do procedimento comum previsto pelo NCPC para o procedimento sumaríssimo, sendo imprescindível que a dinamização seja determinada, ao menos, na audiência inaugural de conciliação, antes de se realizar a instrução. Em suma, a dinamização do ônus da prova contribui para a prestação de uma tutela jurisdicional legítima e efetiva, evitando que o acesso à justiça se torne letra morta no texto constitucional, não podendo jamais ser desprezada.  Afinal, os provimentos jurisdicionais são frutos da convergência de vontades das partes (ainda que antagônicas), somente se legitimando quando assegurado o direito fundamental à prova.[68]

 

O que não há como ser aplicado seriam casos como o prazo em dobro, recursos[69], dilação probatória[70], elementos essenciais da sentença[71], ritos especiais de procedimento comum, ação rescisória, entre outros.

Nesses casos acima elencados, há evidente contraposição ao disposto na Lei dos Juizados Especiais, exemplo disso é ação rescisória que é claramente vetada na lei especial.

Portanto, havendo harmonia e nenhuma disposição em contrário na Lei nº 9.099/95, pode ser o CPC/15 aplicado de modo supletivo ou subsidiário ao rito especial.

CAPÍTULO III - O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas

 

Trata-se de uma das mais importantes e inovações do CPC atual, pois visa a uniformização de demandas, conferindo maior segurança jurídica a todos os jurisdicionados, coibindo decisões contraditórias e em discordância com a jurisprudência.

Na vigência do CPC de 1973, havia sido criado o mecanismo de julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos, pelo qual era dado ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça afetar um recurso paradigma e julgar de uma única vez questão de direito, que era objeto de uma multiplicidade de recursos, mecanismo este também mantido no CPC atual.

Já com o incidente de resolução de demandas repetitivas, cria-se um mecanismo semelhante, mas de extensão muito maior, que abrange todas as causas com a questão de direito e que correm nas instâncias ordinárias, não só as que constam em sede de recurso.

A finalidade do instituto é assegurar um julgamento único da mesma questão jurídica que seja objeto de demandas múltiplas, repetitivas, com eficácia vinculante sobre os processos em curso, garantindo a isonomia e segurança jurídica, com procedimento próprio diferente dos mecanismos já existentes.

 

3.1 CONCEITO

 

            O incidente de resolução de demandas repetitivas, possuí inspiração alemã no Musterverfahren (procedimentos-modelo ou representativos), o instituto mira viabilizar uma concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos Tribunais, permitindo que a decisão a ser proferida nele vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do Tribunal competente para julgá-lo. [72]

 

Nos termos do art. 976, caput, do Novo CPC, é cabível o incidente de resolução de demandas repetitivas, conhecido por IRDR, quando houver simultaneamente a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. [73]

 

Portanto, o CPC de 2015 trouxe um mecanismo destinado a assegurar que casos iguais recebam resultados iguais: o IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas), é um incidente processual destinado a fixar um precedente dotado de eficácia vinculante capaz de fazer com que casos idênticos recebam soluções idênticas, sema necessidade de uma demanda coletiva.[74]

É decisão que terá eficácia vinculante, a depender do Tribunal a ser julgada, assegurando isonomia e segurança jurídica, uma vez que submete os órgãos jurisdicionados a uma decisão uma e vinculativa, atribuindo uma previsibilidade do resultado do processo.

Para a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas é preciso que sejam preenchidos alguns requisitos cumulativos, quais sejam: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica e que a tese não esteja afetada em julgamento de recurso repetitivo em tribunal superior.

Pode até ocorrer de haver recurso especial e/ou extraordinário para o STJ e/ou para o STF, respectivamente, viabilizando que o “mérito” do incidente alcance todo o território nacional e não apenas o Tribunal onde foi instaurado o respectivo incidente.

Sendo assim, o IRDR é um instrumento importante para a uniformização vinculante da jurisprudência, com o fito de evitar a massificação de demandas com a consequente lentidão do sistema e decisões contraditórias, resultando um cenário de insegurança jurídica, observado a força que o precedente ganhou com a entrada em vigência do CPC/15.

 

3.3 COMPETÊNCIA E PROCEDIMENTO DO IRDR

 

O IRDR deverá ser distribuído ao órgão colegiado indicado no regimento interno do Tribunal de Justiça ou Regional Federal que deve ser o mesmo que detém competência para a uniformização de sua jurisprudência (art. 978 do NCPC).

A doutrina já se posicionou no sentido que serão os tribunais de segundo grau competentes para tal enfrentamento incidental.[75]

Será, contudo, do Plenário ou de um Órgão Especial a competência sempre que o julgamento da causa que for paradigma da demanda repetitiva conter uma solução de questão constitucional, respeitando-se, a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição da República).

Sendo assim, verificada a existência de questão jurídica idêntica em demandas repetitivas, em processos em curso na primeira ou na segunda instância, o próprio juiz da causa ou o relator, por ofício, ou qualquer das partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública, por petição, suscitarão o incidente, demonstrando, no ofício ou na petição, o preenchimento dos requisitos do art. 976 do CPC, isento de custas processuais.

O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dos tribunais.

Admitido, ele deverá ser julgado no prazo de um ano, e o relator deverá suspender todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na Região envolvendo a mesma questão jurídica.

A suspensão deverá ser comunicada aos juízes diretores dos fóruns de cada comarca ou seção judiciária por ofício.

Se ultrapassar o prazo de um ano sem julgamento do incidente, cessa a suspensão dos processos.

Se ele for instado quando o processo estiver em grau de recurso, remessa necessária ou se tratar de processo de competência originária, o órgão colegiado competente de julgar o incidente, julgará igualmente o recurso, a remessa ou a causa de competência originária. Caso o processo se encontre em primeiro grau, ficará suspenso aguardando a solução do incidente, com forte no já mencionado.

 

Este órgão colegiado, competente para fixar o padrão decisório através do IRDR, não se limitará a estabelecer a tese. A ele competirá, também, julgar o caso concreto (recurso, remessa necessária ou processo de competência originária do tribunal), nos termos do art. 978, parágrafo único. Daí a razão pela qual se tem, aqui, falado que o processo em que se instaura o incidente funciona como verdadeira causa-piloto. É que este processo será usado mesmo como piloto (empregado o termo no sentido, encontrado nos dicionários, de “realização em dimensões reduzidas, para experimentação ou melhor adaptação de certos processos tecnológicos”; “que é experimental, inicial, podendo vir a ser melhorado ou continuado”; “que serve de modelo e como experiência”; “qualquer experiência inovadora que sirva de modelo ou exemplo”), nele se proferindo uma decisão que servirá de modelo, de padrão, para a decisão posterior de casos idênticos (e que, evidentemente, poderá depois ser melhorado ou continuado).[76]

 

Outrossim, a instauração e o julgamento do incidente devem ser sucedidos da mais ampla e específica divulgação, devendo os tribunais manter banco eletrônico de dados atualizados com as informações específicas sobre as questões de direito submetidas ao incidente, com comunicação ao Conselho Nacional de Justiça.

Deverão constar os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos relacionados à tese jurídica que tenha sido objeto do incidente no registro eletrônico.

Depois que for suscitado, ainda que haja desistência ou abandono da causa, ele prosseguirá sem prejuízo do exame do mérito, devendo o Ministério Público assumir a sua titularidade.

Quando não for o suscitante do incidente, o Ministério Público será sempre ouvido, devendo ser intimado para manifestar-se em 15 dias.

O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, no prazo comum de 15 dias. Pode haver designação de audiência pública, para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, solicitando em seguida dia para o julgamento.

No dia do julgamento do IRDR, o relator fará a exposição do objeto do incidente, podendo haver sustentação oral, sucessivamente, do autor e do réu do processo originário, e do Ministério Público, pelo prazo de 30 minutos, e dos demais interessados, no mesmo prazo, que será dividido entre todos eles.

O conteúdo do acórdão que julgar o incidente deverá analisar todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, tanto os favoráveis como os contrários.

O julgamento tem eficácia vinculante sobre todos os processos que tenham permanecido suspensos, por envolverem questão jurídica idêntica. Assim, a tese jurídica acolhida ou rechaçada no incidente deverá ser aplicada a todos os processos individuais e coletivos, em curso ou futuros, que tramitem no território de competência do tribunal, inclusive nos juizados especiais do respectivo Estado ou Região, sob pena de caber reclamação.

Do julgamento de mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, com efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral da questão constitucional eventualmente discutida.

Caso seja interposto os referidos recursos, e seu mérito venha a ser apreciado, a tese jurídica adotada pelo STF ou STJ deverá ser aplicada em todo o território nacional, nos processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão jurídica, sob pena de caber reclamação.

Por fim, visando à garantia da segurança jurídica, a lei permite que as partes, o Ministério Público ou a Defensoria Pública possam requerer ao órgão competente para o julgamento do recurso extraordinário ou especial que, durante a tramitação do incidente, sejam suspensos todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre a questão jurídica objeto do incidente, em todo o território nacional.

 

3.3 O IRDR E OS JUIZADOS ESPECIAIS

 

O impasse a ser enfrentado está na interpretação, restritiva ou ampliativa, que deve ser dada a um conjunto de artigos que estabelecem a competência do juízo singular para suscitar o IRDR, a competência dos Tribunais para julgar e processar o IRDR, a eficácia e extensão da decisão proferida, que engloba os juizados, e a recorribilidade das decisões proferidas no IRDR.

 

Primeiramente, analisando o caput do art. 977, existe menção clara que o Incidente de Resolução de Demanda Repetitivas será dirigido ao presidente do Tribunal, mesma regra é repetida no art. 978, caput, que determina a indicação de órgão responsável pela uniformização de jurisprudência do tribunal para julgamento do instituto.

Os Juizados Especiais não estão sujeitos à jurisdição dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais, constituindo um microssistema próprio.

As decisões de primeiro grau são revisadas por uma Turma Recursal, composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição.

Sendo assim, a Turma Recursal não é tribunal, logo não teria competência para apreciar os incidentes suscitados em seus processos.

 

O IRDR foi pensado para completar o microssistema de demandas repetitivas. Enquanto o Resp e o RE repetitivos dão ao STJ/STF uma abrangência nacional, os TJs/TRFs teriam o IRDR como ferramenta de uniformização similar. A partir desta premissa, não entendo ser possível o julgamento do IRDR por uma turma recursal. Até por uma interpretação a contrario sensu, chegaríamos a tal conclusão. O caput do art. 977 fala que “ o pedido de instauração do incidente será dirigido ao PRESIDENTE DO TRIBUNAL”. Na mesma linha, o art. 978 diz que “o julgamento do incidente caberá ao ÓRGÃO indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do TRIBUNAL”. Daí minha conclusão: turma recursal não é tribunal, então não poderia julgar IRDR. [77]

           

Da interpretação literal dos artigos citados, entende-se que o Tribunal, no qual o Juizado Especial integra, seria competente para análise dos IRDR´s.

Todavia, tem-se que analisar a regra trazida pelo parágrafo único do art. 978 do CPC, na qual há determinação se caso julgado o IRDR também haverá julgamento conjunto do recurso, remessa necessária ou processo de competência originária de onde se originou o incidente.

É cediço que nos Juizados Especiais não cabe reexame necessário e não existem ações de competência originária do tribunal pela simples razão de não existir tribunal em tal microssistema.

O cerne do problema está exatamente no recurso, pois se o tribunal de segundo grau realizar o julgamento do IRDR, não teria competência para julgar o recurso inominado.

A doutrina concluiu que uma o ideal seria uma competência não prevista em lei ao próprio colégio recursal para julgar tanto o IRDR como o recurso inominado, através de um órgão colegiado de uniformização do próprio sistema.[78]

A crítica a referida solução, já adotada pela doutrina e já por alguns Tribunais do país, entretanto, é que além de criar uma competência inexistente, permeia um risco de decisões conflitantes ou contraditórias entre os incidentes julgados pelo órgão especial do Tribunal e pelo da Turma Recursal, prestando-se o IRDR a violar justamente os princípios que fundamentam sua existência.

Embora não haja hierarquia e subordinação das Turmas Recursais para os Tribunais, em caso de discrepância entre julgamentos, a doutrina entende a prevalência do julgado pelos Tribunais, até por regra expressa do art. 985, I do CPC/15, sob pena de reclamação.

Nisso, não sendo seguido pelos juizados o acórdão proferido em IRDR pelo TJ ou TRF, caberá, certeiramente, a Ação de Reclamação para o respectivo tribunal, conforme bem disciplina o art. 988, II do CPC/2015, favorecendo assim o respeito e a uniformidade das decisões, fortalecendo a previsibilidade racional e integridade do próprio sistema normativo.[79]

 

A ideia de um tribunal de segundo grau, excepcionalmente, ganhar competência para julgar o recurso inominado e IRDR oriundo de Juizados Especiais, não parece adequada, em razão da falta de sua ingerência jurisdicional nos Juizados Especiais.

Ademais, tratando-se de competência absoluta do tribunal, é necessária a existência de expressa previsão legal, e não simples determinação em Regimento Interno.

A questão da eficácia vinculante da decisão e a suspensão processual em primeiro grau determinada pelo Tribunal atingir os Juizados Especiais parece também lesionar a independência do microssistema.

 

Assim como a redação da parte final do inciso I do art. 985 do CPC/2015, ou seja, a eficácia suspensiva e a aplicação vinculante da tese jurídica aos processos em tramitação nos juizados especiais do respectivo Estado ou região, são inconstitucionais. Frise-se não se trata do que seria mais eficiente do ponto de vista processual, defendemos que o primeiro critério de verificação, obrigatoriamente, é a conformidade com a Constituição e ato subsequente a deferência para a opção legislativa. Ou seja, nosso posicionamento não é uma discordância com o critério escolhido pelo Legislador. Nossa objeção se dá porque a opção legislativa é inconstitucional em sua literalidade daí nossa proposta de interpretação conforme a Constituição. A primeira grande discussão travada nos tribunais acerca da vinculação jurisdicional dos juízes integrantes dos juizados especiais ao tribunal do respectivo Estado ou região surgiu em decorrência do ajuizamento de diversos mandados de segurança contra decisões judiciais irrecorríveis, proferidas no procedimento sumaríssimo. Como se sabe, no âmbito dos juizados especiais, as decisões interlocutórias são, em regra, irrecorríveis, dando ensejo à impetração do mandado de segurança, na forma de sucedâneo recursal, como autoriza o inciso II do art. 5° da Lei do Mandado de Segurança. (...). Todavia, o STF decidiu, diversas vezes, que os juizados especiais não estão sujeitos à jurisdição dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais. Isto é, os juízes que integram os juizados especiais não estão subordinados (para efeitos jurisdicionais) às decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados ou dos Tribunais Regionais Federais. A suspensão e a imposição vinculativa da tese jurídica aos processos repetitivos em tramitação nos juizados especiais violam o texto constitucional. Em doutrina, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery também defendem a não vinculação dos magistrados integrantes dos juizados especiais às decisões dos tribunais locais e regionais. Por essas razões, defendemos no mencionado texto de 2015 que os Juizados somente seriam alcançados pela vinculação caso o IRDR fosse instaurando em órgão que integrasse o microssistema processual dos juizados especiais.[80]

 

Após a entrada em vigor do CPC/2015, por meio da jurisprudência já se verificou uma tendência em não se aceitar que decisões oriundas de IRDR´s instaurados em Tribunais tenham eficácia vinculante sobre aos processos em tramitação nos juizados especiais. [81]

A ideia é que o IRDR seja julgado por órgão colegiado de uniformização do próprio sistema dos Juizados, em consonância com a jurisprudência do Tribunal de origem, salvo os casos de Resp ou RE. Assim preserva-se a estrutura organizacional de nosso sistema judiciário de maneira constitucional.

O IRDR dos juizados deve ser feito dentro de sua própria estrutura funcional, evitando-se eventual inconstitucionalidade, pois regras de competência funcional não podem ser modificadas por legislação ordinária muito menos resoluções e atos de natureza administrativa

 

Destaco que o inciso I do art. 985 estabelece que a aplicação da tese alcançada no incidente se dará também no âmbito dos Juizados Especiais. A questão merece reflexão mais demorada porque, em rigor, o órgão de segundo grau de jurisdição dos Juizados Especiais não são os TJs, tampouco os TRFs, mas as Turmas ou Colégios Recursais. A solução dada pelo CPC de 2015 é, inquestionavelmente, a mais prática e “lógica”, fazendo eco, até mesmo, à Resolução n. 12/2009 do STJ, que, em última análise, permite que aquele Tribunal controle o conteúdo das decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais de todo o país por intermédio de reclamações (sejam elas de conteúdo material ou processual). Todavia, não há como deixar de lado a configuração dada aos Juizados Especiais pelo inciso I do art. 98 da CF, a impor, destarte, necessária (e prévia) revisão daquele modelo constitucional e do sistema de competência dele extraível para, depois, viabilizar que a lei (e isso é pertinente também para ato administrativo de Tribunal, ainda que do STJ) estabeleça técnicas de uniformização de jurisprudência aplicáveis também aos Juizados Especiais. Por isso, prezado leitor, sou obrigado a sustentar a inconstitucionalidade do alcance pretendido pelo inciso I do art. 985 aos Juizados Especiais.[82]

 

Portanto, parece ser a maneira mais adequada que haja uma separação entre os sistemas da justiça comum e especial, cada uma com a criação de um órgão responsável pela uniformização de jurisprudência de sua alçada.

Caso ocorra uma discordância entre as turmas de uniformização de jurisprudência do Tribunal e dos Colégios Recursais, há de se observar o disposto em cada Regimento Interno, o qual poderá constituir um órgão único para dirimir tais questões, sem ferir competência de nenhuma das esferas jurisdicionais.[83]

Por fim, uma vez descumprida a orientação firmada no IRDR, caberá a parte ajuizar reclamação perante o Tribunal contra a decisão descumpridora, ainda que proveniente do sistema dos juizados. [84][85]

 

3.4 CONSTITUCIONALIDADE DO IRDR

 

Atualmente, discute-se sobre a (in) constitucionalidade do IRDR, pois todos os incidentes anteriormente criados foram considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que lei ordinária não poderia atribuir competência aos tribunais.

A competência dos tribunais é matéria constitucional, não podendo ser modificada por lei.

O que se tem em relação ao IRDR é que ele é julgado pelos tribunais de segunda instância - Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais.

Isto é, a lei ordinária nº 13.105/15 (Código de Processo Civil de 2015) não poderia atribuir competência aos tribunais, mesmo sob uma proposta de uniformização e massificação do sistema, como forma de se tornar razoável o prazo do processo.

Porém, houve uma modificação no texto da Lei nº 13.105/15 antes de sua aprovação, pois havia uma regra expressa no sentido de que o incidente ora analisado poderia ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal, atribuindo competência para o julgamento do IRDR aos tribunais de segundo grau de jurisdição.

Tal regra foi suprimida no texto final aprovado do CPC/15, mas não elide a competência dos tribunais de segundo grau, pois implícita na leitura dos artigos que versam sobre a matéria.[86]

Ademais, ainda no projeto aprovado originariamente no Senado do CPC/2015, havia indicação da competência interna dos tribunais para julgar o incidente, por meio do plenário ou órgão especial, previsão que não foi repetida no projeto aprovado, evidente a inconstitucionalidade de tal premissa, porque cabe ao regimento interno dos tribunais a definição da competência interna de seus órgãos para o julgamento do incidente ora analisado.[87]

Sobre a competência, reside ainda uma inconstitucionalidade sobre a determinação de que a tese jurídica posta no incidente afete os processos que tramitam nos juizados especiais, haja vista os juizados não estão submetidos aos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Tribunais Regionais Federais.

O STF já se posicionou que os juízes que integram os juizados especiais não estariam subordinados, de modo jurisdicional, às decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados ou dos Tribunais Regionais Federais, assim “a suspensão e a imposição vinculativa da tese jurídica aos processos repetitivos em tramitação nos juizados especiais violariam o texto constitucional”[88].

Porém, o art. 985 do CPC/15, inc. I[89], estabelece o contrário, que a tese jurídica fixada no julgamento do IRDR também será aplicada obrigatoriamente aos processos em andamento nos juizados especiais do respectivo Estado ou região. [90]

Essa questão está vinculada mais a quem será atribuída a competência para processar o IRDR, se as Turmas Recursais ou o Tribunal, a depender de disposição de Regimento Interno de cada TJ ou TRF[91], tópico abordado alhures.

Existem outras questões atinentes ao tema da inconstitucionalidade do incidente, todas referentes ao princípio constitucional do devido processo legal:

 

Deixe-se claro, todavia, que entendemos que o IRDR pode ser um eficaz mecanismo de resolução de litígios de massa. Apesar disso, não podemos fechar os olhos e ignorar algumas inconstitucionalidades constantes do texto projetado que violam diversos princípios constitucionais do processo decorrentes da cláusula do devido processo geral. São elas: (a) violação  à  independência  funcional  dos  magistrados  e  à  separação  funcional  dos  Poderes:  a vinculação da tese jurídica aos juízes de hierarquia inferior ao órgão prolator da decisão não está prevista na Constituição da República;(b)violação ao contraditório: ausência do controle judicial da adequação da representatividade como pressuposto fundamental para a eficácia vinculante da decisão de mérito desfavorável aos processos dos litigantes ausentes do incidente processual coletivo;(c) violação  ao  direito  de  ação:  ausência  de  previsão  do  direito  de  o  litigante  requerer  sua autoexclusão (opt-out) do julgamento coletivo; e (d) violação ao sistema de competências da Constituição: a tese jurídica fixada no IRDR pelo TJ ou TRF  será  aplicada  aos  processos  que  tramitem  nos  juizados  especiais  do  respectivo  Estado  ou região (art. 982, I, do NCPC).[92]

 

Embora sejam pontos importantes a serem analisados, a violação ao devido processo legal não gera uma inconstitucionalidade do IRDR, pois deve ser interpretada sobre o prisma de uma visão constitucionalmente adequada, o sistema deve ser estudado como um todo, portanto não há o que se falar sobre qualquer mácula ao referido princípio.

 

CONCLUSÃO

 

Diante das considerações anteriores, inevitável a conclusão de que a aplicação do novo Código de Processo Civil aos Juizados Especiais, pode ocorrer tanto nas estritas hipóteses delimitadas nos respectivos ordenamentos jurídicos, quanto naquilo em que for compatível mediante uma análise sistêmica ou unitária à luz da Constituição Federal da República do Brasil de 1988.

O microssistema dos juizados veio ampliar o acesso do cidadão à Justiça, visando à obtenção rápida e eficaz da tutela jurisdicional.

O Código de Processo Civil vem ao encontro das novas tendências do moderno processo civil, de modo a torná-lo mais célere, havendo forte influência dos princípios que já regiam o rito especial dos Juizados.

O rito procedimental dos juizados especiais cíveis possui um sistema próprio e uma dinâmica bastante peculiar, inconciliável com o formalismo exacerbado e a instrumentalidade das formas, que visa, acima de tudo, ao melhoramento e a entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável e de modo eficaz, assim há que se fazer uma aplicação adequada do Código de Processo Civil.

O Código de Processo Civil, ao valorizar os precedentes, privilegia a segurança jurídica e estimula a uniformização da interpretação acerca das questões jurídicas.

Certo que vivem em um sistema de Civil Law, porém com a vigência do Código Processual Civil de 2015 abriu-se as portas para o Common Law, um sistema mais flexível de julgamentos.

Assim sendo, pode-se utilizar uma interpretação ampliativa dos dispositivos do CPC que versam sobre o IRDR.

A compreensão majoritária é no sentido de que o novo CPC, implicitamente admitiu que os incidentes sejam instaurados a partir de processos que tramitam nos juizados especiais, e a eficácia das decisões proferidas pelos Tribunais de apelação englobam a todos os processos que tramitem na sua área de jurisdição, inclusive àqueles que tramitem nos Juizados Especiais do respectivo Estado ou Região.

Muito embora não haja submissão entre o Juizado Especial e os Tribunais, visto a independência funcional de cada um, é certo que a intenção do legislador não foi suprimir competência, e sim uniformizar e conciliar dos os ramos de jurisdição, seja a comum ou a especial.

Portanto, é possível admitir a instauração de IRDR a partir de causas originárias do sistema dos juizados especiais, observada a necessidade de uniformização de jurisprudência entre eles e a justiça comum ordinária.

Não há inconstitucionalidade do IRDR no âmbito dos Juizados Especiais, mas deve o Tribunal de cada Estado ou Região estipular de maneira clara em seu Regimento Interno a estrutura e competência de julgamento dos IRDR´s, seja por órgão especial dentro da própria Turma Recursal ou do Tribunal.

Os únicos empecilhos residem em um risco de decisão contraditórias entre esses órgãos especiais, o que poderá ser dirimida conforme cada Regimento Interno, ou a prevalência da decisão do Tribunal.

O outro seria a impossibilidade do manejo de um Recurso Especial ou Extraordinário, a depender do caso, se o Incidente for julgado pela Turma Recursal.

Todavia, sempre será cabível a reclamação, por expressa determinação legal e jurisprudencial.

Em razão de tais celeumas, a aplicação de lei da dimensão do CPC/2015 gerará algumas polêmicas tal qual a ora analisada, mormente a competência e independência funcional trazidas pela a Constituição.

Há que sempre ter uma análise de aplicação do CPC/15 em outros ramos sob o manto de uma constitucionalmente adequada.

Por conseguinte, a que se superar tais questões, inicialmente, por meio doutrinário e jurisprudencial, porque mais importante do que quem vincula o juizado, é que construa alicerces para como decidir da melhor maneira possível um IRDR, seja no TJ, TRF ou Turma Recursal, tornando o sistema de decisões uníssono.

O IRDR é um novo instituto e não se pode interpretá-lo à luz do CPC/73.

Sendo assim, caberá a cada Tribunal em seu Regimento Interno estabelecer um órgão especial para o julgamento do incidente, que abranja tanto a justiça comum quanto a especial, para que não haja decisões contraditórias dentro da mesma circunscrição territorial daquele tribunal.

Portanto, atualmente, não há mais impedimentos para o processamento e julgamento do IRDR no âmbito dos juizados, de modo que os Regimentos Internos pelos Tribunais locais e regionais podem e devem ser plenamente observadas, mostrando coerência com o modelo constitucional de processo.

Por fim, uma vez descumprida a orientação firmada no IRDR, caberá a parte ajuizar reclamação perante o Tribunal contra a decisão descumpridora, ainda que proveniente do sistema dos juizados.

 

Sobre a autora
Isabella Bishop Perseguim

Advogada. Graduada pela PUCPR em Direito em 2014. Pós- Graduada pela PUCPR em Direito Tributário Empresarial e Processual Tributário 2015. Curso de Extensão de Direito Empresarial na Universidade Federal do Paraná - UFPR – 2015-2016.Pós- Graduada Processo Civil pelo IBMEC 2017.Certificação em Propriedade Intelectual e Contratos de Tecnologia, pela WIPO e Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI 2022. MBA em Gestão Tributária, pela Universidade de São Paulo – USP 2023-2025. Membro da comissão de Direito Tributário da OAB/SP. Advogada atuante em Gestão Empresarial e Tributária. reestruturação de empresas, planejamento sucessório, gestão de passivos e contratos empresariais nacionais e internacionais. Em especial, ao contencioso tributário e desenvolvimento de teses.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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