DIVERSAS HIPÓTESES DE AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE
Rogério Tadeu Romano
I - A IMISSÃO DE POSSE NO DIREITO ROMANO
A doutrina tem entendido que a ação de imissão de posse, no direito brasileiro, é proveniente dos interditos romanos adipiscendae possessionis.
Câmara Leal(Comentários ao Código de Processo Civil, 1940, páginas 98 a 99) escreveu: “No direito romano, os interditos relativos à posse dividiam-se em três classes: a) interdicta adipiscendae possessionis – para obtenção de uma posse que não se tinha ainda; b) interdita retinendae possessionis – para a conservação de uma posse que já se tinha e não cessou, mjas na qual se foi molestado; c) interdicta recuperandae possessionis – para a recuperação de uma posse que se tinha, mas da qual se foi privado.
Depois de se referir a doutrina de Savigny e Maynz sobre a natureza não-possessória dos interditos “aquisitivos da posse” doutrina de que participava Lafayette(Direito das coisas, páginas 79 e 174), mencionou Câmara Leal os seguintes interditos adipiscendae possessionis, existentes no direito romano: “a) o interdito quorum bonorum, pelo qual o pretor ordenava, àquele que detinha, pro herede, ou pro possessore, bens hereditários, de imitir na sua posse aqueles aos quais ele dava o título de bonorum possessores; b) o interdito quod legatorum, que se concedia ao herdeiro testamentário contra o legatário ou fideicomissário que, por autoridade própria, se havia apoderado da coisa deixada em legado ou fideicomisso; c) o interdito de glande legenda, para que o proprietário dos frutos caídos no prédio vizinho os colhesse; d) o interdito salviano, análogo à ação serviana, que era dada ao proprietário de um fundo rural arrendado, para imiti-lo na posse dos objetos encontrados dentro do prédio, ou seus frutos para pagamento das rendas dentro do prédio, ou seus frutos, para pagamento das rendas vencidas”.
Entre outras ainda havia o interdito fraudatorium.
O mais conhecido interdito adipiscendae possessionis e que veio modernamente a se tornar mais polêmico, como disse Ovídio Baptista(Ação de imissão de posse, 2ª edição, pág. 146), é o denominado quorum bonorum, que era dado ao pretor àquele a quem ele outorgava a condição de bonorum possessor.
A necessidade que teve o pretor romano de conceber um instrumento jurisdicional, por meio do qual se pudesse imitir na posse a pessoa a quem ele própria concedera a condição de possuidor de bens hereditários, decorria de um princípio geral existente no direito romano, segundo o qual a posse, como fato, não se transmitia aos herdeiros com a simples ocorrência da morte do primitivo possuidor. Assim tinha-se do Digesto(Lei 223 do Título 41, § 2º) assim dizia: “Quando somos instituídos herdeiros, ao ser-nos adida a herança, passam-se todos os direitos; mas não teremos a posse, a não ser que a tenhamos tomado realmente”.
Quem tem ação de imissão de posse, tem direito à coisa e não ao cumprimento de uma obrigação.
O autor deverá provar que tem direito à posse e não direito a que o réu cumpra a obrigação de entrega. Quem estiver apenas obrigado, em virtude de contrato, ou outro negócio jurídico qualquer, a entregar coisa certa, terá de ser demandado por ação condenatória(obrigação de entregar coisa certa).
Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, 1959, tomo VI, pág. 169) ensinava: "Aqui há um ponto que merece a máxima atenção. O outorgado, nos contratos consensuais, não tem pretensão à imissão de posse; nem a têm os outorgados nos contratos reais, porque já a receberam. O locatário não poderia pedir a posse da casa que alugou: nem exercer a ação possessória, se não lhe entregou as chaves, ou por outro modo não lhe transferiu a posse o locador. A tutela do locatáro que recebe a posse do bem locado é a tutela possessória. A tutela do locatário, que assinou, com o locador, contrato de locação e nem recebeu a posse da casa é somente pessoal. Nâo tem ação de imissão de posse".
A ação de imissão de posse é ação real e não uma ação pessoal, fundada em direito obrigacional.
Sabe-se que o Código de Processo Civil de 1939 atribuia à ação de imissão de posse a natureza de uma demanda executiva, prevendo a possibilidade de o juiz ordenar -- independentemente de um processo de execução em separado.
Legitimado, para a ação de imissão de posse é: o adquirente a fim de obter, contra o alienante a posse da coisa adquirida, tanto na compra e venda, que á a hipótese mais comum, quanto em qualquer outra espécie de aquisição inter-vivos. Como disse Ovídio Baptista(Curso de processo civil, volume II, 1990, pág. 173), é mister que tenha havido, outrossim, aquisição do direito à posse, sem transmissão efetiva da posse, para que esta ação tenha lulgar. Se o transmitente instalou o adquirente na posse, caberá a este defendê-lo por meio de ações possessórias, uma vez que a pretensão, aqui, não seria mais à adquirir posse, e sim conservà-la.
A legitimação passiva para a ação de imissão de posse é restrita e determinada, de forma rigorosa. Isso foi assim desde o direito romano. O artigo 381 do CPC regulava a matéria.
Compete a ação de imissão de posse aos adquirentes contra os alienantes ou terceiros apenas detentores da coisa alienada. Não contra qualquer terceiro. A ação de direito material para imitir-se na posse competia, e compete, ao adquirente ou, tratando-se de terceiro, apenas aos que estejam em relação com a coisa na condição de detentores, com a detenção subordinada ou derivada do alienante. A ação é incabível contra os demais terceiros, com posse própria, ou mesmo com deternção que não seja derivada do alienante. Contra estes, o adquirente terá de se valer de ação reivindicatória ou de outra ação especial que lhe possa competir, como a de despejo se houver locação, ou propor ação possessória, como ocorre nos casos de comodato, desde que este contrato seja sem tempo ou encontre-se vencido e o comodatário haja sido previamente constituido em mora, mediante notificação judicial onde seja intimado a desocupar o prédio.
III - REMÉDIO SUMÁRIO
Fundado num texto de Gaio, Cornil(Traité de la possession dans le droit roman, 316 a 317) concluía: “o quorum bonorum mantinha uma manifesta relação com a ação de petição de herança, e a sua função devia ser a de disciplinar as posições processuais dos respectivos contendores durante o desenvolvimento da hereditatis bonorum a função de assegurar o commodum possessor. Em tal caso, se o demandado persistisse em considerar-se o herdeiro, devia ocorrer uma inversão do onus petitoris, pelo qual se assumiria a posição de demandante na hereditatis petitio, e não, como normalmente ocorreria se o interdito não existisse, a de demandado com o benefício do commodum possessionis, durante o decurso da lide petitória.
A doutrina acomodava para o interdito um juízo sumário (de cognição limitada) que era o quorum bonorum, em uma posição de juízo provisional, preparatório (e não definitivo), para a futura hereditatis petitio.
Ainda Ovídio Baptista(obra citada, pág. 149) nos informa que segundo a exposição de Cornil, em direito romano, o quorum bonorum só poderia ser dirigido com êxito contra o suposto herdeiro ou contra aquele que, pela aparência da posse, se pudesse concluir como herdeiro. Só muito mais tarde, quando, segundo ele, o quorum bonorum teria sofrido alargamento considerável de seu campo de incidência, por obra dos imperadores cristãos do último período do império romano, foi possível utilizá-lo contra todos os que tivessem tomado posse de bens hereditários, a qualquer título, sem que o demandado pudesse objetar, sequer, seu direito de propriedade.
O âmbito da legitimação passiva, naquele interdito quorum bonorum, abrangia, já no direito clássico, um campo mais vasto do que aquele reservado à hereditatis petitio.
Para Bonfarte(Instituzioni di diritto romano, 1975, § 194), nem só o interdito quorum bonorum se resumia em técnica de regulação provisional da posse da herança, senão que o instituto mesmo da bonorum possessio, em sua fase primitiva, teve, como função primordial, a distribuição dos papeis para a cena jurídica, indicando quem deveria ser autor e a quem caberia a função de demandado.
Por sua vez, Max Kaser(Derecho privado romano, trad. Da 5ª edição, 1968, § 75, II) dá ao interdito quorum bonorum, a par da função restituitória da posse contra todos os que não pudessem alegar uma ação in rem, já que, para ele, o interdito era de natureza possessória. Na mesma linha de pensar a doutrina aponta P. Jörs e W. Kunkel(Derecho privado romano, trad., 2ª edição, Madri, 1965, § 194, 5).
A bonorum possessio, segundo se vê dos autores, teve a função de, em certos casos, completar ou corrigir o rígido sistema ius civile que a evolução dos séculos tornava inadequado às novas circunstâncias, tarefa que era dada ao pretor romano.
Disse ainda Ovídio Baptista:
“Contudo, variadas mostravam-se as espécies em que tal benefício era outorgado pelo pretor, conforme o ato tivesse por objeto iuris civilis adiuvandi, corrigendi vel suplendi gratia. E, como decorrência dessa diversidade de situações, poderia ocorrer que a bonorum possessio fosse transmissão apenas provisional da posse da herança, reservando-se ao herdeiros a possibilidade de reclamá-la, depois, por meio das ações adequadas; e, noutros casos, que, como o passar do tempo, se foram multiplicando , a outorga da bonorum possessio assumia um significado de imissão definitiva na posse, em franco antagonismo com os preceitos do ius civile, resultando em tornar a posse pretoriana da herança inatacável pelo herdeiro legítimo, segundo o direito estrito.
Nesse caso, a situação daquele a quem fora outorgada a bonorum possessio era definitiva, uma vez que nada tinha de provisional e nem estava predisposta a regular a posse durante a demanda petitória.
Essa definitividade, em processo de índole sumária, como era processo interdital, é o que agora nos interessa, para demonstrar a improcedência da doutrina de Cornil que segue, no particular, a teoria de Ihering sobre o fundamento da ação possessória.”
Diga-se que a ação de imissão de posse é petitória, e não possessória, como ensinou Savigny, e há uma outra ação petitória, que é a de reivindicação, do proprietário, esta plenária e não sumária como aquela.
Já no direito germânico observava-se na estrutura desse procedimento sumário de investidura da posse, quando se trate de bens hereditários, traços marcantes que o aproximaram do interdito romano, onde a sumariedade de cognição era vista.
O quorum bonorum era outorgado pelo pretor ao bonorum possessor para que ele se imitisse na posse de bens hereditários mesmo que sobre estes, eventualmente, o defunto não exercesse a posse como expôs Savigny(Tratado da posse em direito romano, § 35).
IV - A TUTELA PETITÓRIA
Não há confundir-se segundo a doutrina de Savigny com qualquer forma especial de tutela possessória.
Gaio dizia que um interdito semelhante era concedido ainda em favor de quem comprava bens públicos em arrematação, assim como os proprietários do fundo para haver as coisas do colono que este ajustou ficassem em garantia dos alugueres, dito interdictum salvianum(4, 145 e 146).
O bonorum possessor só adquiria a posse por meio do interdito. O processo era dirigido por alguém que não tinha posse contra um possuidor. A posse deveria ser, como esclareceu Gaio, restituída ao bonorum possessor pelo possuidor pro herede ou pro possessore. O interdito é de aquisição da posse da coisa.
Em resumo, o interdito quorum bonorum era demanda sumária e, não obstante definitiva, circunstância que gera e gerou dificuldades para os estudiosos que ligam a noção de juízes definitivo às demandas plenárias, como se tudo o que fosse sumário, quando vitorioso, promovesse, a seguir, a demanda plenária destinada a conformar o resultado obtido no primeiro processo. A preocupação que se observa nos romanistas europeus do século XIX em acomodar os juízes sumários (de cognição limitada) como o era o quorum bonorum, numa posição de demanda preparatória, e, portanto, meramente provisional, de alguma demanda plenária subsequente, é visível como se nota em Cornil (obra citada, pág. 317).
A ação de imissão de posse, que subsiste no direito brasileiro, embora não se tenha registrado expressamente nos Códigos posteriores ao de 1939, desde sua origem ligada aos interditos adipiscendae possessionis, particularmente ao quorum bonorum, como Ovídio Baptista(A ação de imissão na posse, páginas 12 e 158), sempre foi concebida como ação sumária, sob o ponto de vista material, de modo que o demandado com essa ação se não puder demonstrar a invalidade do título, através do qual se obrigara a transmitir a posse, será forçado a demitir-se dele em favor do autor, ficando, porém, salvas as alegações que ele poderia ter feito nessa demanda, por meio da qual ele poderá reverter a situação de fato, conseguindo, eventualmente, recobrar a posse perdia pela sentença de procedência do pedido da ação de imissão de posse.
V - A IMISSÃO DE POSSE DO IMÓVEL E O CONTRATO DE COMPRA E VENDA
É possível a imissão na posse do imóvel nos casos em que o comprador possui contrato de compra e venda, mas não efetuou o registro do documento no cartório imobiliário.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de o comprador ajuizar a ação de imissão na posse, mesmo que o imóvel ainda esteja registrado em nome do antigo proprietário.
Essa a importante notícia que se colhe do site do STJ, em 26 de abril de 2019.
Conforme os autos, os réus (ocupantes ilegais) residem no imóvel há 16 anos, e ante a tentativa frustrada de um acordo para a desocupação, o comprador – que já havia quitado todas as prestações, mas não formalizara a transferência da propriedade – ingressou com ação de imissão na posse.
A sentença, mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP,) julgou o pedido improcedente por entender que cabia ao comprador provar o domínio e a posse injusta exercida pela parte contrária.
De acordo com o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a particularidade do caso é o fato de terceiros estarem na posse do imóvel sobre o qual o comprador não possui, ainda, propriedade; assim, não tem direito real a ser exercido com efeitos frente a todos (efeitos erga omnes).
Tal foi a decisão no REsp 1.724.739.
Segundo o ministro, diante de tal situação, o comprador do imóvel há de possuir meios para ter posse e poder utilizar o imóvel.
“O adquirente que tenha celebrado promessa de compra e venda da qual advenha a obrigação de imissão na posse do bem tem a possibilidade de ajuizar a competente imissão na posse, já que, apesar de ainda não ser proprietário, não disporá de qualquer outra ação frente a terceiros – que não o vendedor/proprietário – que possuam, à aparência, ilegitimamente o imóvel”, explicou o ministro Sanseverino.
O entendimento do STJ, para o caso, é de que o autor, ostentando título aquisitivo de imóvel em que consta o proprietário registral do bem como promitente vendedor, mas que não o registrou no álbum imobiliário, nem celebrou a escritura pública apta à transferência registral, pode se valer da ação de imissão de posse para ser imitido na posse do bem.
Na doutrina, lembra Luciano Camargo, com apoio em Bessone, que a ação de imissão na posse é ação de domínio, da mesma forma que a ação reivindicatória, tem por pedido a posse e como causa de pedir a propriedade. Ditos doutrinadores, referem que a imissão, no mais das vezes, é ajuizada por aquele que adquire a propriedade e procura ver a ele alcançada a posse de terceiro que se negue a do imóvel sair.
Nesse sentido, professam: Apesar do nome a ação de imissão na posse também é ação do domínio. Assemelha-se à ação reivindicatória por ser ação do domínio, mas tem um pressuposto que a especializa.
VI - A LEGITIMIDADE ATIVA NA IMISSÃO DE POSSE NOS CASOS EM QUE O ARREMATANTE E O ADJUDICATÁRIO BUSCA A POSSE
Realmente é questão interessante a que se tem no processo civil, para solução da legitimação ativa para a ação de imissão de posse e que surge quando se tem de resolver os casos surgidos entre arrematante ou adjudicatórios e os respectivos depositários judiciais de bens penhorados e depois arrematados e adjudicados. O ingresso na posse por parte desta categoria especial de adquirentes poderia encontrar solução de quatro maneiras: a) admitindo o princípio de que a carta de arrematação ou de adjudicação contenham, implícita, a ordem de entrega da coisa dirigida ao depositário, de modo que o adquirente não necessite promover qualquer demanda para imitir-se na posse, caracterizando-se a relação entre o juiz e o depositário como uma relação de natureza processual cuja inobservância daria lugar à pena de desobediência; b) afirmando que o remédio de que os arrematantes e adjudicatórios disporiam para imitir-se na posse seria a proposição de uma ação reivindicatória, a que eles se legitimariam uma vez registrada a carta, se tal fosse o caso, no registro imobiliário; c) dando-lhes o caminho de uma execução para entrega de coisa certa, segundo as disposições dos artigos 621 e seguintes do CPC de 1973; finalmente d) reconhecendo-lhes a possiblidade de que os mesmos usem da ação de imissão de posse contra os depositários.
A solução a foi defendida por Ernane Fidélis dos Santos(Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1978, volume VI, página 52) e por Gildo dos Santos(As ações de imissão de posse e cominatórias, 2ª edição, pág. 70 e igualmente por Herondes João de Andrade(revista brasileira de direito processual, volume 22, pág. 107 e 188). Como antes dissera Ovídio Baptista da Silva(A ação de imissão da posse, pág. 107 e 188), não pareceu a ele possível vislumbrar uma ordem de entrega na carta de arrematação ou de adjudicação, como se esses instrumentos contivessem eficácia mandamental.
Por sua vez, a solução b deve ser recusada por ser notoriamente excessiva. Não se nega, evidentemente, que os adquirentes em praça tenham ação de reivindicação para haver a posse do que lhes pertence, não apenas contra o depositário como igualmente contra qualquer outro terceiro. Mas o emprego da ação reivindicatória era considerado por Ovídio Baptista(Curso de Processo Civil, volume II, 1990, pág. 175), como excessiva.
A afirmativa c, ao invés de simplificar a solução, vem a torna-la mais complicada. Em que haveria de fundar a execução para entrega de coisa certa? Em sentença condenatória, que não houve? Ou em título extrajudicial a que seriam elevadas as cartas de arrematação e adjudicação?
Resta a alternativa d que confere aos legitimados ativos, arrematantes e adjudicatórios, a ação de imissão de posse.
Por sua vez, a legitimação passiva para a ação de imissão de posse é rigorosamente restrita e determinada. Daí porque se tinha o artigo 381 do CPC de 1939.
VII - A IMISSÃO DE POSSE COMO AÇÃO DO PROPRIETÁRIO PARA OBTER A POSSE QUE NÃO TEM
A ação de imissão de posse é incabível contra os demais terceiros.
A ação de imissão na posse é a ação do proprietário, em matéria imobiliária do proprietário tabular, para obter a posse que nunca teve. Neste aspecto, assemelha-se às ações possessórias quanto ao pedido, mas não quanto à causa de pedir, que é diversa. A causa de pedir na imissão é o domínio e o pedido a posse, fundada no direito à posse que integra o domínio (ius possidendi). Já a causa de pedir nas possessórias é a posse, injustamente ameaçada, turbada ou esbulhada, cujo pedido è a própria defesa da posse. A imissão na posse é frequentemente manejada nas hipóteses de aquisição de bem que se encontra com terceiro que se nega a restituí-lo ao dono. Saliente-se que, caso a relação jurídica entre terceiro e anterior proprietário seja locatícia submetida ao regime da L 8.245/1991, o remédio é o despejo (LI 5° caput). "Se não se considerar demasia a especulação que passamos a fazer, diremos que a distinção processual moderna entre a causa de pedir e o pedido pode ajudar na interpretação do pensamento de Savigny. Permitimo-nos suspeitar de que ao famoso romanista não passou despercebido o fato de que o objeto da ação é o mesmo, tanto na reivindicatória e na de imissão na posse quanto na ação de reintegração e na de manutenção de posse. Nos quatro casos, o que o autor da ação quer é a posse, importando-lhe pouco que ela preexista, como sucede na reintegração ou na manutenção de posse, ou que não haja existido antes, como ocorre na reivindicatória e na imissão na posse. A causa de pedir é que pode variar. Quem tem posse e é turbado ou esbulhado, funda-se no próprio fato possessório para pretender que ele não seja alterado por meio de violência, ou que somente possa ser modificado por efeito de decisão judicial. Quem tem o domínio e nunca teve posse quer conquistá-la porque é dono. Do mesmo modo, quem tem um título, de natureza pessoal ou obrigacional, que autorize a aquisição da posse, a quer por ter direito a ela, não por haver sofrido ou estar na iminência de sofrer alguma violência contra a sua atual situação fática. Como se vê, o pedido, nos quatro casos, tem por objeto a posse, mas a causa de pedir pode ser a preexistência do fato possessório ou a inexistência dele e a existência do ius possidendi produzido por um título de natureza real ou obrigacional. (...)". (in Direito das Coisas, Ed. RT, 1ª ed. em e-book, 2014, Cap. XI, item 80.2).
Eis o entendimento do STJ em outros julgados:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. IMISSÃO NA POSSE. CARTA DE ARREMATAÇÃO. REGISTRO. NECESSIDADE. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 3. A pretensão de quem objetiva a imissão na posse fundamenta-se no direito de propriedade. Visa à satisfação daquele que, sem nunca ter exercido a posse, espera obtê-la judicialmente. 4. Logo, na medida em que a transferência da propriedade imobiliária ocorre com o registro do título aquisitivo - no particular, a carta de arrematação - perante o Registro de Imóveis, somente depois da prática desse ato é que o arrematante estará capacitado a exigir sua imissão na posse do bem. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1238502/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 13/06/2013)
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE - NATUREZA JURÍDICA - INSTRUMENTO PROCESSUAL QUE REVELA UM VIÉS PETITÓRIO - DIREITO REAL DE PROPRIEDADE - CONSTITUIÇÃO - REGISTRO - PRETENSÃO DE IMITIR-SE NA POSSE - PREVALÊNCIA DAQUELE QUE É TITULAR DO DOMÍNIO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A ação de imissão na posse, ao contrário do que o nomen iuris pode indicar, tem natureza petitória. 2. A presente ação (ação de imissão na posse) é instrumento processual colocado à disposição daquele que, com fundamento no direito de propriedade e sem nunca ter exercido a posse, almeja obtê-la judicialmente. 3. De acordo com a legislação de regência, o direito real de propriedade imobiliária se perfaz com o respectivo registro no fólio real, medida esta não tomada pelos recorridos que, a despeito de terem adquirido o bem em momento anterior, não promoveram o respectivo registro, providência tomada pelos recorrentes. 4. In casu, confrontando o direito das partes, com relação à imissão na posse, há de prevalecer aquele que esteja alicerçado no direito real de propriedade, na espécie, o dos recorrentes. 5. Recurso especial provido. (REsp 1126065/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/09/2009, DJe 07/10/2009).
Cristiano Farias e Nelson Rosenvald remontam às palavras de Ovídio Baptista da Silva: A outro turno, importa ressaltar que a ação de imissão de posse extrapola os limites até agora enunciados de legitimação no polo ativo. É ação petitória que não socorre tão-somente ao proprietário, podendo-se afirmar com segurança que outras pessoas dela farão uso em situações específicas.
Em monografia sobre a matéria explicou Ovídio Baptista da Silva que "esse raciocínio coloca o fundamento decisivo e o único relevante para saber-se do cabimento da ação de imissão de posse, no caso de promessa, ou em qualquer outro, que é a existência ou não de negócio jurídico sobre transmissão da posse de que derive ao autor o direito de imitir-se na posse do bem objeto do contrato".
Na promessa de compra e venda - independentemente de registro, cláusula de arrependimento ou pagamento do preço -, caso os contratantes tenham expressamente previsto que o promissário comprador será imediatamente imitido na posse, não sendo a obrigação adimplida pelo promitente vendedor, a pretensão ao ingresso no bem será viabilizada em virtude da cláusula de imissão. O raciocínio é perfeito. Se não concedida esta via ao promissário comprador, faltar-lhe-ia outra para exercitar sua pretensão. Não poderia reivindicar pois não integralizou as prestações. Excluída também restaria a possessória, pois nunca teve poder de fato sobre a coisa. Esses comentários não se aplicam exclusivamente à hipótese de uma promessa de compra e venda; aplicam-se igualmente a todas relações consequentes a negócio jurídico de transmissão de posse, em que é outorgado contratualmente ao demandante o direito de se imitir na posse do bem (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 149-150).
Essa mesma orientação é professada, ainda, por Arnaldo Rizzardo (in Direito das Coisas, Ed. Forense, p. 151): Classifica-se, ainda, como ação petitória, reservada aos adquirentes do imóvel, para haverem a respectiva posse contra os alienantes. Distingue-se da ação reivindicatória, na qual o direito à posse decorre do domínio, que é a causa petendi da ação. Na ação de imissão, o direito à posse nem sempre se origina da condição de proprietário do autor. É viável que se ampare o autor em relação contratual ou legal. Mesmo não sendo proprietário, assegura-se a pretensão de imitir-se na posse, como acontece com o cessionário de herança. Na primeira, discute-se a propriedade, enquanto na última o fundamento está no direito à posse. Mas o objeto da reivindicatória, que é a posse em razão do domínio, envolve o objeto da imissão consistente no direito à posse.
Assim, encontram-se legitimados a promover a imissão de posse não só os adquirentes titulares do domínio. Há situações autorizadoras da imissão em favor de quem está amparado numa relação obrigacional, como no caso de retornar a posse ao promitente vendedor, se o promitente comprador descumpre o contrato. Feitos estes registros, lembro que a ação de imissão na posse fora regulada no CPC de 1939, mas não mais pelo CPC de 1973.
Diziam os arts. 381 e 382 que a referida demanda é ação do adquirente contra o vendedor ou terceiro na posse do imóvel e que, por isso, dependia da prova do domínio. Ilustro: Art. 381. Compete a ação de emissão de posse: I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham; (...) Art. 382. Na inicial, instruída com o título de domínio, ou com os documentos da nomeação, ou eleição, do representante da pessoa jurídica, ou da constituição do novo mandatário, o autor pedirá que o réu seja citado para, no prazo de dez (10) dias, contados da data da citação, demitir de si a posse dos bens, ou apresentar contestação, sob pena de, à sua revelia, expedir-se mandado de imissão de posse, sem prejuízo das perdas e danos que em execução se liquidarem. A ausência de previsão da ação de imissão na posse no rol de ações de rito especial no CPC de 1973, explicou Ovídio Baptista, não a retirou do ordenamento jurídico, apenas fazendo com que o rito a ser adotado fosse o ordinário.
VIII - A IMISSÃO DE POSSE COMO AÇÃO DO COMPRADOR CONTRA O VENDEDOR
Na matéria, já dissemos:
“Para muitos um verdadeiro “zumbi” processual extinto desde o Código de Processo Civil de 1973 diante da revogação do Código de Processo Civil de 1939, pode-se ainda falar em ação de imissão de posse.
Para a maioria não é mais um interdito possessório, diante do que se vê no CPC, para manutenção, reintegração e interdito proibitório, de caráter claramente preventivo, dotado de ordem.
Em verdade, com ensinou Miguel Seabra Fagundes (O controle dos atos administrativos pelo poder Judiciário, segunda edição, pág. 470) a de imissão de posse que se destina a transferir aos adquirentes de bens a posse mantida pelos alienantes ou terceiros ou a investir na posse os representantes das pessoas jurídicas privadas e os mandatários em geral, quando nela permaneçam os seus antecessores na representação de um mandato, pode ser utilizada pelo administrado, como o pode ser pela Administração Pública. Mas só tem cabimento quer utilizada pelo indivíduo, quer pela autoridade administrativa no caso de aquisição de um imóvel. Os demais casos em que é cabível sempre se configuram na vida privada.
Para Tito Fulgêncio(Da posse e das ações possessórias, pág. 289) trata-se de um resquício das lições de Savigny, segundo os quais todos os interditos já pressupunham uma posse já adquirida e que, portanto, a ação possessória não tende a que ser a que objetiva a aquisição da posse.
Jhering via na ação de imissão de posse uma verdadeira ação possessória. Aliás, Astolfo Rodrigues entendia podia a via possessória servir a aquisição da posse.
Ovídio Baptista da Silva(em obra primorosa na matéria sobre imissão de posse) esclarece que “O que é necessário ficar estabelecido, porém é que a ação de imissão de posse – melhor seria dizer “imissão na posse”, apesar de se ter consagrado o emprego errôneo da expressão ‘imissão de posse’- não tem pôr fim a defesa da posse, que é indiscutivelmente, o fundamento da tutela outorgada pelos interditos possessórios”.
Concluindo que essa ação “… não protege uma posse que se tem e sim o direito a adquirir uma posse de que ainda não desfrutamos. Como a ação não protege a posse mas o direito à posse, torna-se evidente sua natureza petitória” (in Curso de Processo Civil, Vol. 2; 3.ª Edição; 1998; Editora Revista dos Tribunais; São Paulo; p. 232).
A ação de imissão de posse, portanto, é uma ação “real, e não uma ação pessoal, fundada em direito obrigacional, daí sua natureza executiva” (cf. obra citada, pag. 238). Na imissão não se discute a existência de um direito. O direito já é certo líquido e exigível. O pedido, enfim, é torná-lo efetivo.Sua natureza executivo lato sensu é evidente.
A nítida distinção entre ação condenatória, ex empto, outorgada ao comprador, e a imissão de posse, de que pode usar o "adquirente" , foi feita pela 2ª Câmara Civil do TJSP, a 26 de abril de 1960, no AgP 100.102, de que foi relator o Desembargador Paulo Barbosa(RT 303:389).
Se o comprador, enquanto tal, não dispõe de ação executiva para imitir-se na posse da coisa comprada, também nem todo adquirente estará legitimado para a imissão de posse. Esse acórdão do TJRS, da lavra do Desembargador Paulo Boeckel Velloso, coloca o problema nos seguintes termos:
"A ação de imissão de posse se funda na posse do alienante. Desde que este, ao fazer a venda, já não a detinha, descabe a ação."
"Constitui requisito para a o ajuizamento dessa ação a inexistência da relação obrigacionalo entre o alienante e o terceiro, quando movida contra este último(TJRS, Revista de Jurisprudência, 3:285).
Se o alienante não estava na posse, ao adquirente caberá socorrer-se das ações possessórias, ou da reivindicação, ou havendo alguma relação contratual que ligue o possuidor ao alienante, da ação que o contrato indicar.
A súmula 487 do Supremo Tribunal Federal determina:
“Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”.
A Súmula 4 do Tribunal de Justiça Paulista admite:
“É cabível liminar em ação de imissão de posse, mesmo em se tratando de imóvel objeto de arrematação com base no Decreto-Lei nº 70/66”.
Para as ações cominatórias(aceitas antes por alguns códigos estaduais na República Velha), anteriormente previstas para as ações que envolviam obrigações de fazer e não fazer, a tutela era condenatória. Ali se coibia a prestações de fato, positivas ou negativas, coibindo o indivíduo a determinadas obrigações públicas.
Ora, o artigo 461 – A do CPC de 1973 trata de ações inibitórias de cunho mandamental, em tese, para obrigações de dar , o que não implica em tocar nessas ações de imissão, que alguns até concedem por pedido, tão logo haja o lanço bem sucedido na arrematação pelo arrematante, que não é medida correta.”
A concepção do Código de 1939, cujo artigo 381, inciso I, se referia à imissão de posse como ação conferida ao "adquirente" para haver a posse do bem adquirido, contra o alienante, fez com que a jurisprudência e a própria doutrina se fixassem nessa hipótese como se ela fosse a única possivel de legitimar o pedido imissivo. Sabe-se, porém, como ensinou Ovídio Baptista da Silva(Ação de imissão de posse, segunda edição, pág. 193), que assim como nem todo o adquirente terá ação de imissão de posse, poderá ocorrer casos em que alguém esteja legitimado para ação sem ser adquirente do bem sobre o qual tenha direito de posse. O exemplo do compromissário-comprador, a quem o contrato haja conferido direito a posse, é o mais comum. O caso inverso, de adquirente sem pretensão à imissão de posse, está na hipótese de adquirente de prédio locado que terá de usar a ação de despejo e nunca a imissão de posse(errado: TJSP, RT, 317:418).
Lecionou ainda Ovídio Baptista da Silva(obra citada, pág. 193), que os casos mais comuns, na experiência judiciária brasileira, de ação de imissão de posse, contudo, correspondem a demandas propostas por adquirentes e, de modo particular, por compradores, para imitirem-se na posse da coisa adquirida. Disse ele que: "advirta-se, porém, que não é a relação obrigacional de compra e venda que legitimará a ação, e sim a condição de adquirente alegada pelo autor. A ação é de natureza real, fundada em direito à posse e não de natureza pessoal, derivada do contrato de compra e venda(actio ex empto) que não é ação executiva, mas condenatória passível de execução para entrega de coisa certa em processo executivo subsequente(equivocada a decisão do STF, no acórdão proferido no RE 60.336, de que foi relator o ministro Victor Nunes Leal, ao declarar que caberá a imissão de posse para o adquirente obter "do vendedor a tradição das coisas". . Se não houve tradição, adquirente ainda não haverá e, pois, incabível será a imissão de posse(RTJ, 38:609).
Assim há de se observar o seguinte: a) a petição inicial, se a demanda for proposta por adquirente, ou nas demais hipóteses de ação de imissão de posse, deverá vir acompanhada do documento em que o autor fundar o alegado direito à posse. A demanda é nitidamente documental, motivo pelo qual deverá ser liminarmente rejeitada se o autor não o exibir, logo com o pedido inicial, o documento que, segundo ele, lhe confira o direito à posse. Trata-se de documento indispensável à propositura da ação, no sentido do que o artigo 282 do CPC de 1973; b) a controvérsia limitar-se-á ao alegado direito à posse, razão pela qual os limites da defesa ficarão restritos a esse ponto, não podendo qualquer discussão sobre as questões do dominio que nunca ficarão abrangidas pela coisa julgada da sentença que julgar a imissão de posse(Tito Fulgêncio, Da posse, cit. pág. 241); Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, volume X, pág. 528); Alexandre de Paula(O processo civil, volume VI, pág. 2782). Se o réu, porventura, tiver alguma objeção que envolva controvérsia sobre a titularidade do domínio, ou se ele arguir algum vício de consentimento que torne o negócio jurídico anulável sem insurgir-se contra o direito à posse, que ele próprio conferiu ao autor, sustentando a ineficácia do titulo para fundar tal direito, haverá de ser condenado a entregar a coisa, ficando-lhe, todavia, reservada a possibilidade de discutir, em processo subsequente, as causas cujo exame a ação de imissão de posse não comportara; c) tratando-se de ação que verse sobre imóvel, o procedimento será o ordinário e o documento hábil será o título aquisitivo regularmente registrado, ou documento posterior que confira o direito à posse; d) se a ação versar sobre posse de bem imóvel, a defesa abrangerá as questões relativas à validade de registro, já que o direito à posse decorre da condição de adquirente alegada pelo autor, o que pressupõe o registro imobilário válido e eficaz.
Na verdade, o comprador não terá nunca ação de imissão de posse enquanto sustentar-se apenas em seu contrato. A legitimação do comprador surge no momento em que ele incorpora a esssa condição do direito das obrigações a titularidade do domínio, que lhe advém da tradição da coisa.
Em síntese, naquele julgamento ficou o entendimento de que o adquirente que tenha celebrado promessa de compra e venda da qual advenha a obrigação de imissão na posse do bem, entende-se, tem a possibilidade de ajuizar a competente imissão na posse, já que, apesar de ainda não ser proprietário, não disporá de qualquer outra ação frente a terceiros - que não o vendedor/proprietário - que possuam, à aparência, ilegitimamente o imóvel. Não poderá pretender manter ou ser reintegrado na posse de imóvel que, apesar de ter higidamente comprado, nunca veio a ter sobre ele posse. Também não poderá lançar mão da ação reivindicatória. Aliás, consoante reconhecido pela instância de origem, os próprios demandados acostaram documentos relativos à fiscalidade municipal em que constaria o autor, ora recorrente, como proprietário do bem objeto de discussão, dando a entender que estavam cientes que terceiro seria ao menos compromissário do imóvel frente ao Município.
IX - A IMISSÃO DE POSSE E A PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Já no caso específico da imissão de posse e promessa de compra e venda cabem algumas considerações.
Pontes de Miranda(Comentários ao Código de Processo Civil, tomo X, pág. 509) refere o seguinte julgado das Câmaras Civis Reunidas do TJSP:
"O pré-contraente comprador não tem, em princípio, a ação de imissão de posse".
Mas, à página 517, Pontes de Miranda reproduz o mesmo acórdão, acrescentando, porém, uma observação pessoal que é de relevância:
"O pré-contraente comprador não tem a ação de imissão de posse(Câmaras Civis Reunidas do TJSP, 12 de novembro de 1951, RF, 134:295, RT 196: 350) se não se lhe atribui desde já direito à posse".
Para Ovídio Baptista da Silva(obra citada, pág. 199) "a observação do jurista fere o ponto preciso que deve ser investigado para saber-se se a ação de imissão de posse seria cabível a favor do promitente-comprador. Aqui, como nos caos dos adquirentes, o elemento decisivo para o cabimento da ação não é tanto o negócio jurídico em si mesmo, quanto a ocorrência dos demais pressupostos que poderão legitimar a ação, especialmente o negócio juridico sobre a transmissão da posse, que o contrato preliminar eventualmente contenha. O simples contrato de promessa de compra e venda nunca poderá gerar o direito à imissão de posse, uma vez que o próprio contrato de compra e venda não o autoriza. Se a compra e venda não autoriza ao comprador a ação de imissão de posse, com maior razão não a terá o simples promitente-comprador. Contudo, se no contrato de promessa de compra e venda o promitente-vendedor declara que o promitente-comprador desde logo, ou em certo tempo, terá direito a imitir-se na posse do bem prometido, ou declara o contrato desde já imitido na posse, o promitente-comprador, terá ele ação de imissão de posse, havendo obstáculo por parte do outro contratante ao ingresso na posse assegurada pelo contrato."
É conhecida a posição de Martinho Garcez Neto, então juiz da 2ª Vara Cívil do Distrito Federal, em despacho assim concluiu:
"É manifesto que o autor carece de direito e ação, no caso sub judice. A ação de imissão de posse disciplinada pelo art. 381 do CPC, e mantida pelo Decreto-lei 9.669, de 1946, é reservada, exclusivamente, ao novo adquirente. E novo adquirente, no direito positivo brasileiro, como não deixa dúvida o artigo 530 do CC, é somente aquele que tem título de propriedade devidamente transcrito no Registro Geral de Imóveis. Aliás, a colenda 4ª Câmara Civil do Egrégio Tribunal de Justiça local já decidira que só pode ser considerado como novo adquirente aquele que tem escritura definitiva de compra e venda do imóvel e inscrita no Registro de Imóveis(Arquivo Judic. v. 78, 112).
Mas a 6ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, em 22 de maio de 1965, afirmou que "o compromissário-comprador pode exercer ação de imissão de posse contra o promitente-vendedor.
Para Ovídio Baptista da Silva(obra citada, pág. 202) o argumento básico a favor do cabimento da ação de imissão de posse, nos contratos de promessa de compra e venda, foi o articulado perante o STF pelo ministro Luiz Gallotti, e reproduzido no acórdão do 2º Grupo de Câmaras Civis do TASP, no Emb. 23.783, proferido a 27 de outubro de 1958, que adotou a seguinte fundamentação da 1ª Câmara desse mesmo Tribunal:
"Se ao promitente-comprador com direito à posse não se der a ação de que ora se trata(a de imissão de posse), de nenhuma outra se poderá ele valer para tornar efetiva a detenção do objeto do compromisso de compra e venda. Nâo poderá reivindicar, porque não tem o domínio; não poderá pleitear reintegração de posse porque o ocupante não era locatário"(Jurandyr Nilsson, Jurisprudência, pág. 748).
Realmente esse raciocínio coloca o fundamento objetivo e o único relevante para saber-se do cabimento da ação de imissão de posse, no caso de promessa, ou em qualquer outro, que é a existência ou não de um negócio jurídico sobre transmissão da posse de que derive ao autor o direito a imitir-se na posse do bem objeto do contrato. Daí porque seria errôneo o seguinte acórdão do STF em que foi relator o ministro Barros Barreto:
" A promessa de compra e venda com os requisitos de direito real é irrevogável e irretratável, permite ao seu titular acionar pela imissão de posse"(Jurandyr Nilsson, Jurisprudência, pág. 736).
Entendeu Ovídio Baptista da SIlva(obra citada, pág. 202) que " a circunstãncia de ser a promessa irrevogável e irretratável de modo algum confere ao promitente-comprador direito a imitir-se na posse, se o pacto não contiver cláusula que configure negócio jurídico de transmissão de posse que dê ao futuro adquirente direito à posse, na condição de promissário-comprador."
O Tribunal de Justiça, em acórdão da lavra do Desembargador Araken de Assis, na Ap. Cível 593.047.970, julgada a 9 de junho de 1993, reconheceu a natureza petitória da ação de imissão de posse.
Embora petitória, a ação de imissão de posse toca, igualmente, ao promitente comprador, cuja promessa não foi registrada, se o título exibido prevê o direito à posse.
O registro do album imobiliário é apenas uma circunstância a mais que a lei não exige - como de resto não exige igualmente que a promessa seja irretratável, e nem a estas exigências fez menção o acórdão lavrado pelo ministro Luiz Gallotti(RJTJSP, 34/23).
X - A IMISSÃO DE POSSE E O DIREITO HEREDITÁRIO
Discute-se, finalmente, a questão da pertinência da ação de imissão de posse ao cessionário de direitos hereditários.
Pontes de Miranda a esse respeito ensinou:
"A cessão da herança, com a transferência da propriedade e da posse, ainda que se exclua algum direito ou se excluam alguns bens, descritos no instrumento de cessão, desde que se transcreva, é título hábil para a imissão de posse, que há de ser proposta contra o cedente ou terceiro que está na situação de demandado. Hà posses de patrimônio e a posse da herança é uma delas"(Comentários ao CPC, tomo X, pág. 517).
O formal de partilha constitui título hábil para a viúva pedir a imissão de posse de imóvel que coube em sua meaçâo.
Disse a esse respeito, Pontes de Miranda:
"A hipótese é curiosa porque a meeira não recebe sua meação em virtude do direito sucessório, de modo que a atribuição a ela da ação de imissão de posse sequer infringiria o princípio segundo o qual a ação seria imprópria nos casos de transmissão de posse em virtude da saisina. Mesmo assim, não deixará ela de receber a meação em virtude da partilha hereditária, cuja sentença normalmente terá eficácia constitutiva, além de outras"(Comentários ao CPC, tomo XIV, pág. 196).
XI - AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE CONFERIDA AOS ADMINISTRADORES E MANDATÁRIOS
O artigo 381 do Código de Processo Civil de 1939 dispunha:
Compete a ação de imissão de posse:
II - aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada;
III - aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.
Trata-se de ação de imissão de posse, de índole petitória, e rito sumário.
A sumariedade da ação de imissão de posse dá ensejo a que a sentença favorável não exclua a possiblidade de impugnação do próprio título em que a demanda se tenha baseado, desde que os fundamentos para tal impugnação não fossem admissíveis, como matéria de contestação, como explicou Pontes de Miranda(obra citada, tomo 8, pág. 222). Se, em demanda posterior que reconheça alguma causa de anulação(não de eficácia) do título, o bem passar à posse do primitivo demandado - autor da ação anulatória posterior-, a modificação da eficácia executiva da primeira sentença apenas evidencia a correção da tese da modificabilidade dos efeitos da sentença, como ensinou Barbosa Moreira(Direito processual civil, ensaios e pareceres, 1971, pág. 139).
Para Pontes de Miranda se o impuganante ganhar a sentença subsequente "tudo passará como se tivesse havido rescisão da sentença proferida na ação de imissão de posse, inclusive quanto as perdas e danos por decisão injusta".