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Capa: Globovisión (Flickr)

Mais um exemplo de asilo territorial

03/05/2019 às 10:52
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O artigo faz alusão com relação a caso concreto ocorrido na Venezuela nos tempos atuais.

O Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela ordenou no dia 2 de maio do corrente ano, a prisão do líder opositor Leopoldo López , que se refugiou na embaixada da Espanha em Caracas após ter conseguido sair da prisão domiciliar com a ajuda de membros do serviço de inteligência. O tribunal decidiu revogar a medida de prisão domiciliar por "violação flagrante" e ordenou que o Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin) o prenda imediatamente. O opositor já cumpriu cinco anos de sua sentença, de quase 13 anos de reclusão.

O refúgio, no direito internacional, tem suas normas elaboradas por uma organização (com alcance global) de fundamental importância vinculada às Nações Unidas para refugiados (ACNUR).

Assim quando se diz que alguém ingressou em certa Embaixada para buscar refúgio, não se está dizendo que o instituto mencionado é o de refúgio, e sim o de asilo.

A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, em 1951, e seu Protocolo de 1966, são os textos magnos dos refugiados em plano global. De acordo com a Convenção de 1951, o termo "refugiado" é aplicável a toda pessoa que, "em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, e temendo ser perseguida por motivo de "raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas", se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, em consequência de tais acontecimentos, nã pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (artigo 1º A e § 2º). Perceba-se a limitação temporal presente na definição original da Convenção de 1951, que restringiu a condição de refugiado aos "acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951" (artigo 1º, B, § 1º, caput). Como explicou Valerio de Oliveira Mazzuoli (Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 677), além dessa limitação temporal, o mesmo artigo 1º, B, § 1º, também colocava uma limitação geográfica à concessão de refúgio, ao dizer que apenas pessoas provenientes da Europa poderiam solicitar refúgio em outros países.

Ora, essa definição por não mais convir aos interesses da sociedade internacional, foi então ampliada pelo Protocolo sobre o Estado dos Refugiados de 1966, que, em seu artigo 1º, § § 2º e 3º, respectivamente, estabeleceu: "Para os fins do presente Protocolo o termo "refugiados", salvo no que diz respeito à aplicação do § 3º do presente artigo, significa qualquer pessoa que se encontre na definição dada ao artigo primeiro da Convenção, como se a palavras "em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e... "e as palavras".... como consequência de tais acontecimentos" não figurassem do § 2 da seção A do artigo primeiro". E que: "o presente Protocolo será aplicado pelos Estados-partes sem nenhuma limitação geográfica", como ainda explicou C. Hatyaway (The law of refugee status, Toronto, 1991, pág. 9.10).

A concessão de status de refugiado se dá não em virtude de uma perseguição política (como ocorre no caso do asilo), mas sim em virtude de perseguição por motivos de raça, religião ou nacionalidade, ou ainda pelo fato de pertencer a determinado grupo social ou ter determinada opinião política.

Aos refugiados são concedidos os direitos de um cidadão normal e atribuídos os deveres de um estrangeiro em território nacional, cabendo-lhes a obrigação de respeitar as leis, regulamentos e demais atos do Poder Público destinados a manutenção da ordem pública. O então passaporte para refugiados (chamado passaporte Nansen), criado pelo delegado norueguês para a Liga das Nações F. Nansen (primeiro Alto Comissariado da Liga das Nações para refugiados, premiado com o prêmio Nobel da Paz (1922) foi substituído pela Convenção de 1951 pelo Chamado Documento de Viagem (artigo 28), que garante proteção internacional àqueles que nessa situação se encontrem.

Estando na Embaixada da Espanha, Leopoldo López não poderá ser preso.

O asilo territorial é o recebimento de estrangeiro em território nacional, sem os requisitos de ingresso, para evitar punição ou perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica geralmente por crime praticado em seu país. Assim, tal concessão tem por objetivo proteger uma pessoa que, por seus motivos políticos ou ideológicos, se sinta perseguida ou ameaçada.

Independente do que enuncia a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948, em seu artigo 27, ao prescrever que “Toda Pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direitos comuns (crimes comuns), e de acordo com a legislação de cada país, e com as convenções internacionais”, a Constituição de 1988 prevê a concessão de asilo político, seja territorial ou diplomático, sem quaisquer restrições, sendo este um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger nas suas relações internacionais, como se lê do artigo 4º, inciso X.

O asilo político tem a característica de ser ainda asilo territorial, concedendo-o o Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira e ingressado em seu território, aí requereu o benefício. O asilo diplomático ou extraterritorial, por sua vez, é modalidade de asilo territorial, mas dotado de característica de provisoriedade e precariedade, e que é concedido, no âmbito da América Latina, pelo Estado fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado onde o individuo estaria sendo perseguido.

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Tal concessão se dá em locais imunes à jurisdição daquele Estado, como embaixadas, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares. Lembro que, a teor do artigo 5º da Convenção de Caracas, que uma vez concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a concedê-lo imediatamente, salvo por motivo de força maior. O salvo-conduto é requerido pela autoridade asilante - normalmente o embaixador – a fim de que o asilado possa deixar o território do país com segurança para receber o asilo territorial no Estado disposto a recebê-lo, impedindo que o asilado seja detido no caminho da embaixada até o aeroporto internacional da capital do seu País.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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