Breve discussão sobre remuneração, salário e formas de pagamento

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Há uma certa confusão conceitual, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, em torno das expressões remuneração e salário. Vamos entender porque?

No senso comum, os conceitos de remuneração e salários são considerados como sinônimos. No entanto, essa apreciação revela-se deveras equivocada quando é confrontada com as definições encontradas no âmbito do Direito do Trabalho tanto na doutrina quanto na jurisprudência. 

A partir de semelhante equívoco, o presente estudo objetiva não apenas diferenciar remuneração de salário, mas, principalmente, discuti-los, sucintamente, no contexto dos sistemas de pagamento. Para tanto, engendrou-se uma pesquisa de duplo caráter: bibliográfico e exploratório. 

O aspecto bibliográfico no caso em tela corresponde ao esposado por Antônio Joaquim SEVERINO (2007) como sendo “a pesquisa cuja realização se desenvolve por meio do registro disponível advindo de estudos anteriores em livros, artigos, teses, dentre outros documentos impressos – jurisprudência”

No tocante à dimensão exploratória, consoante Antônio Carlos Gil (2002), que a preceitua como “a modalidade de pesquisa cujo objetivo precípuo é aperfeiçoar ideias ou deslindar intuições, possibilitando a apreciação dos mais diversos aspectos dos objetos – remuneração, salário e sistemas de pagamento''. Vale ressaltar o caráter complementar entre as pesquisas bibliográfica e exploratória na medida em que ambas enveredam pelo levantamento bibliográfico.

Após a apresentação do objetivo e da metodologia responsáveis por nortear a construção do presente trabalho, faz-se necessário delinear o roteiro a partir do qual os objetos de estudo foram abordados: como doutrina conceitua e diferencia salário de remuneração, bem como o Tribunal Superior do Trabalho aplica esses conceitos no tocante aos sistemas de pagamento. 

Antes de discorrer como os estudiosos da ciência jurídica elaboraram o entendimento a respeito da concepção de remuneração e salário, é pertinente explicar a ideia de conceito. Essa tarefa pode ser atribuída a Paulo Nader para o qual conceito e noção são sinônimos de uma “representação intelectual da realidade”(2011, p.228). Em outros termos, a ação de conceituar consiste no ato do intelecto humano em apropriar-se mentalmente de um dado elemento do mundo real com a finalidade de conhecê-lo. 

No caso em estudo o elemento da realidade a ser possuído intelectualmente pelos juristas corresponde à dimensão onerosa ensejada pela relação entre patrão e empregado. Como lecionou DELGADO (2016), dentre os elementos “fático-jurídicos” constituidores do vínculo empregatício tem-se a onerosidade a qual se expressa no contrato de trabalho através do pagamento ao empregado de um “conjunto de parcelas econômicas” decorrentes, ou, da retribuição a um serviço prestado, ou, da supracitada relação.

Ao debruçar-se sobre a contraprestação financeira, tomando-a mentalmente o doutrinador formula um conceito jurídico na medida em que o objeto de sua ação intelectual é produto de uma relação jurídica cuja expressão legal no Brasil se encontra no caput do art. 457 da Consolidação das Leis Trabalhistas: “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.

A partir da leitura atenta do supracitado artigo, constata-se não somente os traços gerais atinentes ao conceito de salário, mas também as linhas iniciais para diferenciá-lo da noção de remuneração. Com referência à primeira parte de tal constatação, tem-se a lição de Gustavo Filipe Barbosa GARCIA (2015) ao explicar que salário é o montante a ser pago de forma direta pelo empregador em virtude de um “contrato de trabalho”.

À conceituação idêntica à acima, exposta chegou Ricardo RESENDE (2014), porém percorrendo um caminho marcado pela análise etimológica do verbete salário. Para o mencionado doutrinador as raízes dessa palavra são encontradas no latim, mais precisamente em salarium cujo emprego na Idade Antiga Clássica referia-se a uma quantidade de sal que era recebida como contraprestação por aquele que prestava um trabalho.

A perspectiva etimológica foi ratificada por Alice Monteiro de BARROS (2016) ao lembrar que na língua dos romanos do Mundo Clássico, sal correspondia a salis, o qual deu origem a salarium – quantidade de sal paga, inicialmente, aos “domésticos”, e, posteriormente, aos “soldados” que participavam das legiões de Roma. Com isso, nota- se que desde as suas origens no Mundo Antigo até os dias hodiernos, o salário teve seu caráter contraprestativo/retributivo10 preservado, inclusive pela legislação pátria, consoante foi evidenciado no art. 457 CLT outrora transcrito. 

Segundo a lição de Alice Monteiro de BARROS (2016), ao discorrer sobre a utilização dos vocábulos “contraprestação” e “retribuição”, foi possivel  evidenciar a seguinte polêmica doutrinária: o primeiro termo tem uma dimensão limitadora do “contrato de trabalho” uma vez que encerra a ideia de uma mera troca entre “trabalho e remuneração”, deixando de lado o caráter pessoal do “liame empregatício”.  Por isso, a doutrinadora prefere adotar a retribuição, já que permite explicar a manutenção dos pagamentos remuneratórios mesmo quando há interrupção do contrato laboral.

Conhecida a origem segundo a etimologia bem como a definição legal, pode-se com o auxílio do magistério de Maurício Godinho DELGADO (2016) trazer à lume o conceito de salário como 

"Trata-se de um complexo de parcelas (José Martins Catharino) e não de uma única verba. Todas têm caráter contraprestativo, não necessariamente em função da precisa prestação de serviços, mas em função do contrato (nos períodos de interrupção, o salário continua devido e pago); todas são também devidas e pagas diretamente pelo empregador, segundo o modelo referido pela CLT ( art. 457, caput) e pelo conceito legal de salário mínimo (art. 76 da CLT e leis do salário mínimo após 1988)" (p. 781)

A segunda parte da constatação feita da leitura do art. 457 da CLT, refere-se à distinção entre salário e remuneração, como bem enfatizou GARCIA (2015) ao destacar a maior amplitude da noção de remuneração na medida em que esta, por se constituir enquanto gênero, abrangeu o salário e a gorjeta que são considerados como espécies. Cabe frisar que tal conceituação assemelhou-se ao ensinamento de RESENDE (2014)  o qual a expressou como o somatório dos “pagamentos” feitos tanto diretamente pelo “empregador” quanto indiretamente por “terceiros” ao “empregado” em decorrência do avença laboral.

Aproximando-se da concepção perfilada pelos dois doutrinadores, Alice Monteiro de BARROS (2016) a ampliou ao incluir o caráter habitual dos pagamentos. Desse modo, pode-se entender que remuneração é o pagamento, de caráter retributivo, devido ao empregado tanto pelo empregador quanto por terceiro, efetuado com habitualidade, em decorrência do “contrato de trabalho”

Tendo em vista os conceitos de salário e remuneração, evidenciam-se as seguintes diferenças entre ambos: a composição das parcelas econômicas – acréscimo da gorjeta – e a fonte pagadora – empregador e terceiro.   A relevância para o delineamento de semelhante distinção reside nos reflexos econômicos decorrentes da gorjeta, conforme se depreende da Súmula 354 do TST a qual fixa a repercussão dessa quantia no cálculo da contribuição previdenciária, do 13 salário e do recolhimento para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. (KLIPPEL, 2012)

Conhecidas as distinções básicas, resta saber como se realiza o pagamento da retribuição pecuniária ao empregador. Para essa abordagem o ponto de ignição é a classificação doutrinária concernente aos sistemas de pagamento – por unidade de tempo, por produção e por tarefa (FÜHRER; FÜHRER, 2011)  – em associação ao exame de acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho. 

A primeira forma de estipulação do pagamento do salário pode ser feita considerando a unidade de tempo tanto laborada pelo empregado, quanto a que ele esteve em disponibilidade para o empregador (RESENDE, 2014). Vale lembrar que há a possibilidade de medir essa unidade temporal em: mês, quinzena, semana, dia, hora, dentre outros modos.

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Como exemplo de questão atinente a esse sistema de pagamento tem-se o acórdão concernente ao recurso de revista no qual o Valdeir Manoel Santana recorre de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região pelo fato deste ter provido parcialmente recurso interposto pela reclamada Auto Viação Urubupungá LTDA para o indeferimento do pagamento do período interjornada do tempo suprimido. Perante as alegações do recorrente bem como pela decisão do Tribunal Regional contrariar a OJ/SBDI-1 no 355 do TST, a Quarta Turma desta Corte, unanimemente, deferiu ao reclamante o pagamento majorado em 50% do tempo subtraído de seu intervalo interjornada, mais os respectivos reflexos econômicos (BRASIL, 2015, Processo Nº TST-RR-3074-75.2012.5.02.0385)

O segundo sistema de pagamento, por produção, consiste em somente computar o resultado auferido no período laborado, desconsiderando o tempo efetivamente gasto.(FÜHRER, 2011)  A título de ilustração, traz-se o acórdão relativo ao recurso de revista no qual a recorrente Agroterenas S.A.- Citrus ao discordar da decisão do Tribunal Regional do Trabalho que concedeu o pagamento de hora in itinere a obreiro cujo salário era calculado por produção. A Sexta Turma do TST, por votação unânime, negou conhecimento ao recurso de revista, mantendo a condenação do pagamento da hora in itinere ao obreiro recorrido Antônio Rodrigues. Cabe destacar que dentre as alegações aduzidas pela Sexta Turma, salienta-se o entendimento segundo o qual, independentemente do salário ser pago por produção, a “extrapolação da jornada legal” implica o pagamento de horas extras acompanhadas pelo respectivo adicional.(BRASIL, 2014, processo no TST-RR-600-03.2012.5.15.0149).

Com o objetivo de exemplificar esse derradeiro sistema de pagamento, pode-se mencionar o acórdão da Sétima Turma do TST que, unanimemente, negou a procedência do agravo de instrumento em recurso de revista das agravantes: Usina Central do Paraná S.A. – Agricultura, Indústria e Comércio e outros. Dentre os argumentos suscitados pelos réus agravantes, é cabível salientar que o autor agravado era pago por tarefa, devendo a condenação referente às horas in itinere restringir-se ao adicional. Entretanto, a Sétima Turma refutou tal alegação ao afirmar que, apesar do salário ser pago por tarefa, não descaracteriza que as horas in itinere extrapoladas merecem pagamento com valor superior ao adicional, pois constituem trabalho efetivo.(RESENDE, 2014,) 

Diante do exposto, percebe-se que, apesar da remuneração ser composta pelo salário e por outras parcelas de natureza distintas desta, há situações que, independentemente da natureza econômica e do modo de pagamento estipulado, ensejaram reflexos em verbas cuja base de cálculo, geralmente, é o salário. Tal situação foi evidenciada nos três acórdãos trazidos para sucinto exame.

REFERÊNCIA

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. Atualizada por José Cláudio Franco de Alencar. São Paulo: LTr, 2016. 
BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista TST-AIRR-36140-15.2006.5.09.0562. Agravante Usina Central do Paraná S.A. - Agricultura, indústria e comércio e outros Agravado José Aparecido Batista. Relator: Ministro Pedro Paulo Manus. Brasília, 3 de agosto de 2011. 
BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista TST-RR-600- 03.2012.5.15.0149. Recorrente Agroterenas S.A. - Citrus. Recorrido: Antônio Rodrigues. Relatora: Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos. Brasília, 12 de novembro de 2014. 
BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista TST-RR- TST-RR-3074- 75.2012.5.05.0385. Recorrente Valdeir Manoel Santana. Recorrida: Auto Aviação Urubupungá LTDA. Relatora: Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos. Brasília, 11 de novembro de 2015 
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016. 
FUHRER, M. R. E.; FUHRER, M. C. A.  Resumo de Direito do Trabalho. 22 ed. São Paulo: Malheiros editores, 2011. 
GARCIA, Gustavo Felipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 7 ed. Rev., atual.e ampl. São Paulo: Método, 2015. Versão Digital. 
GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. 
KLIPPEL, Bruno. Direito Sumular Esquematizado – TST. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Versão digital. 
NADER, Paulo.  Introdução ao Estudo do Direito.  33 ed. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2011. 
RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 4 ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014. Versão  digital. 
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23 ed. Rev e atualizada. São Paulo: Cortez, 2007. 
VADE MECUM obra coletiva de autoria da Editora Saraiva, com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 21. Ed. São Paulo: Saraiva 2016. Versão digital. 

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Sobre o autor
João Bosco de Almeida Rezende

Atua no campo da responsabilidade civil, no direito consumerista e no direito penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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