O art. 40, § 4º, da Constituição da República prevê que lei complementar irá definir os critérios para a concessão de aposentadoria especial para os servidores públicos.
Como a lei complementar não foi editada, os servidores passaram a ajuizar mandados de injunção em face do Presidente da República para ter direito à aposentadoria especial.
Após o julgamento de diversos mandados de injunção sobre a matéria, o STF aprovou a Súmula 33, que garantiu temporariamente aos servidores públicos a aposentadoria especial com as mesmas regras aplicáveis aos filiados ao regime geral (RGPS):
Súmula 33: aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica. (Publicado no DJe em 24/04/2014).
A partir da edição dessa Súmula, os regimes próprios (RPPS) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios passaram a ter que analisar os pedidos de aposentadoria especial independentemente do servidor possuir ou não decisão judicial a seu favor.
A Administração também ficou obrigada a elaborar e manter atualizado o perfil profissiográfico previdenciário (PPP) de todos os servidores que trabalham expostos a agentes nocivos, não apenas daqueles que já cumpriram os requisitos para a concessão da aposentadoria especial. Isso porque o servidor público deve utilizar esse documento para provar que esteve exposto a agentes nocivos, para que lhe seja concedida a aposentadoria especial.
Essa comprovação se dá por meio da apresentação do formulário PPP e documento técnico (laudo técnico das condições ambientais de trabalho, programa de prevenção de riscos ambientais, etc.) ou laudo pericial.
Vedação do cômputo de tempo de contribuição fictício
No RPPS, ao contrário do RGPS, não é autorizada a aplicação dos fatores multiplicadores no cálculo do tempo de contribuição (1,40, 1,75 e 2,33 para homens e 1,20, 1,50 e 2,0 para mulheres), conforme o art. 40 da Constituição, corroborado por decisão unânime do STF:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS E AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE INJUNÇÃO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. IMPOSSIBILIDADE. SERVIDORES COM DEFICIÊNCIA. APLICABILIDADE DA LEI 142/2013 ATÉ QUE SOBREVENHAM AS LEIS COMPLEMENTARES QUE REGULAMENTEM O ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O Supremo firmou entendimento vedando a conversão de tempo de serviço especial em comum para fins de aposentadoria de servidor público, a teor do disposto nos §§ 4º e 10 do artigo 40 da Constituição Federal, diante da impossibilidade legal de contagem de tempo ficto. 2. A aposentadoria especial de servidor público portador de deficiência é assegurada mediante a aplicação da Lei Complementar 142/2013, até que editada a lei complementar exigida pelo art. 40, § 4º, I, da Constituição Federal. 3. Embargos de declaração da Impetrante rejeitados. 4. Agravo Regimental da União parcialmente provido. (STF, Plenário, Embargos de Declaração em Mandado de Injunção n. 1474, Rel.: Min. Luiz Edson Fachin, DJe 19/02/2016). Grifou-se
Logo, só irá se beneficiar dos períodos trabalhados em condições especiais aquele servidor público que completar integralmente os 15, 20 ou 25 anos exigidos pelo art. 57 da Lei 8.213/91.
Aos filiados do RPPS, que tenham exercido duas ou mais atividades em condições especiais, é possível a conversão do tempo especial para especial, conforme o art. 66 do Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social):
Art. 66. Para o segurado que houver exercido duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial, os respectivos períodos de exercício serão somados após conversão, devendo ser considerada a atividade preponderante para efeito de enquadramento.
A conversão do tempo especial para especial é feito conforme o art. 66, § 2º, do Regulamento da Previdência Social:
Tempo a converter |
Multiplicadores |
||
Para 15 |
Para 20 |
Para 25 |
|
De 15 anos |
- |
1,33 |
1,67 |
De 20 anos |
0,75 |
- |
1,25 |
De 25 anos |
0,60 |
0,80 |
- |
O tempo de contribuição nesses casos deve sempre ser convertido para o período especial que o segurado esteve por mais tempo exposto.
Cálculo dos proventos de aposentadoria especial no RPPS
Muito se assemelham as regras de cálculo e de reajustes do RGPS às aplicáveis aos proventos dos servidores públicos que recebem o benefício de aposentadoria especial:
RGPS (Lei 8.213/91) |
RPPS (Lei 10.887/04 e EC 41) |
|
Cálculo |
Média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, multiplicada pelo fator previdenciário |
Média aritmética simples das 80% maiores remunerações, sem o fator previdenciário |
Reajuste |
Sempre pelo INPC |
Variável |
Mínimo |
Salário mínimo |
|
Teto |
R$ 5.839,45 (2019) |
Remuneração do cargo em que se deu a aposentadoria |
Enquanto no RGPS há a aplicação do fator previdenciário, no RPPS não há diferença entre o cálculo dos proventos de aposentadoria especial e normal. Logo, não cabe revisão de benefícios para convertê-los de normal em especial.
Verifica-se, portanto, que o benefício de aposentadoria especial, no RPPS, é mais vantajoso apenas quanto ao tempo de contribuição necessário para a aposentadoria, sendo iguais os valores dos benefícios normal e especial.
Em relação ao teto, se devidamente instituído o regime de previdência complementar, nos termos do art. 40, §§ 14 a 16, da Constituição, aplica-se aos proventos da aposentadoria especial do RPPS o teto dos benefícios do RGPS.
Aposentadoria do policial civil
A única profissão que possui Lei Complementar com os critérios para a concessão de aposentadoria especial, desde a promulgação Constituição de 1988, é a do policial civil.
A Lei Complementar 51/1985, com a redação alterada pela Lei Complementar 144/2014, estabelece que o servidor público policial será aposentado, compulsoriamente, aos 65 anos de idade (mesma idade para homens e mulheres).
O policial pode também optar por se aposentar voluntariamente após 30 anos de contribuição e 20 de exercício de cargo de natureza estritamente policial.
Já a policial pode se aposentar voluntariamente após 25 anos de contribuição e 15 anos de exercício de cargo de natureza estritamente policial.
Caso opte pela aposentadoria voluntária, os proventos serão integais independentemente da idade em que se der a aposentadoria. Caso seja aposentado compulsoriamente, os proventos serão proporcionais ao tempo de contribuição.
Apesar de não serem considerados cargos de natureza estritamente policial, o STJ entende que os períodos como policial militar e bombeiro militar podem ser somados como se assim fossem para a concessão de aposentadoria do policial civil:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MÉDICO LEGISTA DA POLÍCIA CIVIL. CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO NAS FORÇAS ARMADAS. APOSENTADORIA ESPECIAL. LEI COMPLEMENTAR N. 51/1985. EXIGÊNCIA DE ATIVIDADE ESTRITAMENTE POLICIAL. RESTRIÇÃO LEGAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. O Tribunal a quo não se manifestou sobre o Estatuto dos Militares, sobre as Leis n. 3.313/1957 e 4.878/1965, logo, não se fez o necessário prequestionamento. Aplicação das súmulas 282 e 356 do STF. 2. Não é possível computar o tempo de serviço prestado nas Forças Armadas para concessão de aposentadoria especial de policial civil, porquanto o art. 1º da Lei Complementar n. 51/1985 exige pelo menos 20 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial. 3. As atribuições dos militares das Forças Armadas não são idênticas às dos policiais civis, militares, federais, rodoviários ou ferroviários. Enquanto aquelas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, as atribuições dos policiais estão relacionadas com a segurança pública, preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Apesar das atividade se assemelharem, em razão do uso de armas, hierarquia e coerção para a ordem, possuem finalidades e atribuições distintas. 4. Ademais, a atividade estritamente policial a que se refere a Lei Complementar n. 51/1985 não diz respeito apenas ao exercício do cargo em si, mas deve ser entendida como o efetivo desempenho de atividades em condições de risco ou que representem prejuízo à saúde ou à integridade física, conforme interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 3817/DF). Tais condições não poderiam ser examinadas em sede de recurso especial, em razão da súmula 7/STJ. Precedente do STJ. Recurso especial conhecido em parte e improvido. (REsp 1357121/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 05/06/2013). Grifou-se
Por outro lado, o trabalho nas forças armadas não pode ser somado como se fosse de natureza estritamente policial para a concessão da aposentadoria especial do policial civil, pois está vinculado à segurança nacional e não à segurança pública.
Paridade e integralidade
O servidor que completou os requisitos para a concessão da aposentadoria especial até 16/12/1998, ainda que a aposentadoria tenha sido concedida depois da emenda, tem direito a proventos integrais.
Pela regra da integralidade, até a EC 20/98 o cálculo dos proventos de aposentadoria especial eram relacionados diretamente com a remuneração do servidor, sendo a remuneração o valor mínimo dos proventos.
Os reajustes dos proventos de aposentadoria eram definidos pela regra da paridade, pela qual os proventos deveriam ser revistos, na mesma proporção e na mesma data que se modificasse a remuneração do servidores em atividade.
Já os servidores que preencheram os requisitos para a aposentadoria especial entre 16/12/1998 e 31/12/2003 têm direito ao cálculo dos proventos com base na totalidade das remunerações do cargo em que se der a aposentadoria.
A diferença está na limitação dos proventos à remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria. Antes da EC 20/98, os proventos poderiam ser maiores que a própria remuneração do servidor ativo, pois eram somadas aos proventos os adicionais e vantagens que o servidor recebia.
Os reajustes continuaram a ser feito com base na regra da paridade. Dessa forma, todo aumento ou concessão que era dado aos servidores ativos deveriam se estender aos inativos.
Para os servidores que preencheram os requisitos para a concessão da aposentadoria especial após a EC 41/03, os proventos são calculados com base na média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição.
Os valores utilizados para compor essa média devem ser atualizados mês a mês pelo INPC, assim como é feito no cálculo da RMI no RGPS. A diferença para o RGPS está na não aplicação do fator previdenciário.
Os reajustes dos proventos de aposentadoria especial deixaram de ser feitos com base na regra da paridade, passando a ser feitos a partir do INPC, conforme art. 15 da Lei 10.887/2004.
A eficácia desse dispositivo, todavia, não alcança os Estados, Municípios e o Distrito Federal, conforme medida cautelar do STF na ADI 4.582, uma vez que lei federal que não pode criar obrigações para esses entes federados.
A aposentadoria especial não foi contemplada por nenhuma das regras de transição trazidas pelas EC 20/98, EC 41/03 e EC 47/05.
Servidores públicos aposentados pelo RGPS
Pelo disposto no art. 40 da Constituição da República, todos os servidores públicos titulares de cargos efetivos devem se aposentar pelo RPPS:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo
Apesar dessa previsão, vários Municípios não possuem RPPS e adotam, para seus servidores, o RGPS.
Essa divergência entre a previsão legal e a prática dos Municípios gerou interpretações divergentes a respeito da aplicação ou não do art. 37, § 10, da Constituição ao servidor aposentado pelo RGPS.
Esse artigo veda a percepção simultânea de proventos de aposentadoria previstos nos artigos 40, 42 e 142 da Constituição com a remuneração de cargo, emprego ou função pública.
Na prática, a Administração exonera o servidor público aposentado pelo RGPS, por entender que ele está sujeito as regras do RPPS, apesar de ter seu benefício concedido pelo INSS.
No sentido oposto é o entendimento de alguns tribunais, que aplicam a Lei 8.213/1991 para reintegrar os servidores que são exonerados pelos Municípios quando eles se aposentam.
Isso porque não há, na legislação que orienta o funcionamento do RGPS, a vedação de recebimento acumulado do benefício de aposentadoria com outros proventos e salários, incluídos os decorrentes de cargo, emprego ou função pública.
Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SERTÃO. APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA PELO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA DO CARGO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Segundo já decidido pelo c. Segundo Grupo Cível nos Embargos Infringentes n° 70051219863, a aposentadoria voluntária pelo regime do INSS não provoca a automática vacância do cargo ocupado pelo servidor público, em razão de que não se trata de inativação concedida pelo Município, e que, pois, não lhe pagará qualquer aposentadoria ou pensão. [...] (TJRS, Apelação cível n. 70052802154, Rel.: Des. Eduardo Uhlein, DJe 02/05/2014). Grifou-se
Da mesma forma, não há na Lei 8.213/1991 disposição que proíba os servidores públicos filiados ao RGPS de terem o período trabalhado sob condições especiais convertido pelos fatores multiplicados.
Por esse motivo, entendo que todos aqueles servidores que trabalham em Municípios que não possuem RPPS têm direito à conversão do tempo especial em comum pelos fatores 1,40, 1,75 ou 2,33, se homem, e 1,20, 1,50 ou 2,0, se mulher.
Período especial reconhecido no RGPS
É possível computar no RPPS o período especial convertido no RGPS pelos fatores multiplicadores 1,40, 1,75 ou 2,33 (se homem) e 1,20, 1,50 ou 2,0 (se mulher), conforme entendimento do TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL NO RGPS. CTC. AVERBAÇÃO NO RPPS. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. É possível o reconhecimento do tempo de serviço especial prestado junto ao RGPS, bem como a expedição da respectiva CTC, para fins de averbação no RPPS. (TRF4, AC 0018804-52.2014.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 23/04/2015). Grifou-se
Para que a especialidade seja considerada no cálculo de tempo de contribuição no RPPS, deve constar na Certidão de Tempo de Contribuição (CTC) do segurado, de forma discriminada, o cômputo do tempo de serviço especial e o acréscimo decorrente a da sua conversão em tempo de serviço comum.
Referências
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos servidores públicos. Curitiba: Juruá, 2014.
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Município que não tem regime previdenciário próprio deve filiar seus servidores à Previdência Social. Disponível em: <https://bit.ly/2vGdNCj>. Acesso em 06 de abril de 2019.
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL. Nota técnica nº 02/2014/CGNAL/DRPSP/SPPS/MPS. Brasília: [s.n.], 2014.