Filiação e Investigação de paternidade na prática

12/05/2019 às 15:17
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Noções básicas sobre o tema discorridas de maneira objetiva para profissionais e estudantes da área no intuito tão somente de relembrar as bases sobre o tema.

Filiação remonta à Revolução Francesa, do direito francês (1804 - Code de France). Há, isto é, existiu, naquele tempo, uma correlação entre filiação e casamento, de maneira que, o filho era sempre concebido a partir do casamento. Nesse sentido não se admitia o reconhecimento de filho fora do casamento. Esse pensamento consubstanciou e consagrou a famosa frase de Napoleão Bonaparte, qual seja: "a sociedade não tem interesse em que os bastardos sejam reconhecidos".

Dessa maneira, filhos tidos como incestuosos, conhecidos como bastardos, não tinham reconhecimento justamente por não ter a estrutura familiar, isto é, para a designação família necessário se fazia o casamento. Dessa feita, o que prevaleceu, num primeiro momento, foi a ideia da filiação decorrente do casamento; e esta ideia chegou no Código Civil brasileiro de 1916, consignando a ideia do código francês.

Além disso, a ideia biológica também sempre este atrelada à ideia de filiação. Assim o filho nascia de uma relação sexual entre marido e mulher, dentro do casamento, portanto havia a proteção elemento sexual.

Com isso, o direito de família tinha por base a trilogia seguinte: casamento, sexo e reprodução. Desse modo, historicamente construiu-se a ideia de filiação estritamente biológica - todo pai, toda mãe, era, necessariamente, genitor e genitora, isso porque não havia filhos decorrentes de técnicas, tais como a fertilização assistida, v. g. Aliás, não havia a denominada "biotecnologia".

Novas possibilidades decorrentes da Biotecnologia. Possibilidade de adoção ou de origem socioafetiva.

Por outra banda, importa chamar atenção para o fato de que o filho adotivo não detinha os mesmos direitos do filho biológico. Isto é, a adoção não produzia os mesmos efeitos da filiação biológica; dessa forma, quando o pai adotivo falecia, desfazia-se o vínculo adotivo, estabelecendo assim o vinculo biológico. Com isso, extinguia-se a filiação reestabelecendo-se o vínculo biológico a quo. Razão clara disso residia no impedimento do acesso do filho adotivo à herança. Justamente impedir que o filho adotivo tivesse acesso ao direito hereditário.

O conceito histórico de filiação, entretanto, foi ganhando novos argumentos, novas ideias, ganhando respaldo jurídico, assim, aquela ideia foi, aos poucos, deixada de escanteio, senão vejamos.

 

FILIAÇÃO E A NOVA FASE DO SISTEMA JURÍDICO

Possibilidade de adoção homoafetiva (STJ, REsp. 889.852/RS). Induvidoso, portanto, que o par-homoafetivo pode adotar.

Princípio constitucional da igualdade entre os filhos - já não mais se leva em conta a distinção entre filiação biológica e a filiação adotiva. Além disso, a biotecnologia renovou o conceito de filiação já que é possível a filiação não decorrente do elemento sexual, mas decorrente das técnicas de fertilização assistida, que decorrem da fertilização "in vitro" e a inseminação artificial. Onde, naquela o médico trabalha com sêmen e óvulo e prepara o embrião no próprio laboratório, embrião esse que será implantado no corpo da mulher; e nesta o médico reduz seu labor ao sêmen, preparando-o de modo a implantá-lo no corpo da mulher, concepção essa uterina.

Lembra-se que, tanto a inseminação "in vitro", quanto a inseminação artificial, ambas podem se apresentar de forma homóloga ou heteróloga. Sendo que homóloga é quando o médico trabalha com o material genético do próprio casal, e heteróloga é quando há material genético de terceiro.

Consignamos, desse modo, que a fertilização medicamente assistida renova o conceito de filiação. Essa é a novel percepção contemporânea da filiação.

Nesse sentido: Filiação é o vínculo de parentesco no primeiro grau, na linha reta, determinado pela paternidade e/ou maternidade (doutrina argentina).

Há, portanto, o enriquecimento do conceito de filiação. Este enriquecimento é confirmado na nossa norma jurídica a partir do princípio constitucional da igualdade.

É a relação baseada no afeto e na solidariedade, conceitos esses que tomam como fundamentos do instituto da filiação.

O princípio constitucional da igualdade entre os filhos (CF 227 § 6º).

Proibição de designação discriminatória entre os filhos (adulterino, incestuoso, ilegítimo...) e proibição de tratamento discriminatório (direito sucessório).

Filho é, portanto, substantivo que não admite adjetivo. Pouco interessa, com isto, a origem desse filho, seja ele biológico, sócio-afetivo, ou adotivo, o que notabiliza o conceito de filiação são os efeitos, isto é a proteção que decorre à filiação independentemente de sua origem.

Além disso, é possível visualizar que o princípio constitucional da igualdade proíbe designações discriminatórias. Com isso, não há mais aquele legado deixado pelo code de france. Portanto, não mais se admite a qualificação de filhos, a adjetivação de filhos. Filho é filho, e ponto!

Por conta disso, também, que as normas infraconstitucionais devem obedecer à amplitude do conceito, interpretando, assim, seu instituto da forma mais abrangente possível de modo a incluir, proteger os filhos - vide STJ, REsp.7631/RJ).

Conclui-se que filiação e casamento são institutos diversos, e o fundamento central do sistema é que, todo filho, independente de sua origem, merece a mesma proteção jurídica, isto é uma proteção dedicada à igualdade de origens, efeitos, baseada no afeto e na solidariedade. Renovou-se assim sobremaneira o conceito do instituto da filiação.

 

CONCEITO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE

Filiação é conceito baseado na maternidade e/ou paternidade (podendo ser um, outro, ou ambos). É preciso dessa feita aprofundar um pouco mais o estudo no sentido de se saber pouco mais sobre esses institutos.

Prova da maternidade

Juridicamente, e desde a antiguidade, o conceito de maternidade é respaldado em presunção decorrente da própria gestação. Essa presunção adveio do direito romano nos seguintes dizeres: mater is semper certus (a maternidade é sempre certa). Maternidade é presumida pela gestação (Enunciado 129, Jornada).

Naturalmente a presunção de maternidade há de ser relativa. Admite-se assim prova em contrário. Exemplo: hipótese de troca de bebês em maternidade; barriga de aluguel/gestação por substituição (Res. 1.957/10, CFM)- obs.: lei n. 11.804/08, que trata da possibilidade de cobrança de alimentos gravíticos.

Vale observar, ainda, a regra do CC 1.608 e a possibilidade de ação negatória de maternidade.

Critérios determinantes da paternidade.

Existem três critérios determinantes da paternidade, sendo: 1. presunção legal (1.597CC), presunção "pater is est"; 2. biológico (paternidade determinada pelo exame de DNA); e 3. sócioafetivo (1.593CC).

Em linha de princípio, esses critérios são excludentes, de maneira que se a parte interessada teve o reconhecimento por um deles aos demais são excluídos. São, portanto, critérios excludentes entre si - essa é a posição predominante no sistema jurídico nacional.

Há, porém, o surgimento de uma nova tese denominada pluripaternidade/multipaternidade. Essa interpretação nova sobressai a partir de teses doutrinárias do direito de família, tais como Belmiro e Walsy Rodrigues Jr. De acordo com esse entendimento, uma pessoa pode, ao mesmo tempo, ter dois ou mais pais, e/ou duas ou mais mães, concomitantemente, simultaneamente, evidenciando-se assim a pluripaternidade.

Deve-se, entretanto, utilizar-se dessa interpretação apenas em casos específicos, haja vista o envolvimento de direitos de herança entre outros.

Critério presuntivo (presunção pater is est quaem justae nupcias demonstrant) CC 1.597

O próprio nome diz tudo, ou seja o filho da mulher casada é, por presunção, do marido dela. Trata-se de presunção relativa (código supra).

Obs.: Inaplicabilidade à união estável (admitindo: STJ, REsp.23/PR e REsp. 1.194.059/SP). Crítica doutrinária (TARTUCE; MH DINIZ).

Presunção decorrente de relações sexuais (fundamento biológico). Início 180 dias após o casamento e permanência até 300 dias depois da sua dissolução. Presunção decorrente de fertilização medicamente assistida (fundamento artificial).

Nesse sentido, a presunção de paternidade incide tanto na fertilização sexual, quanto na fertilização medicamente assistida.

Extensão para alcançar a concepção artificial (Jornada 105 e 257: as expressões concepção e inseminação artificial devem ser interpretadas como técnicas de reprodução assistida, mas interpretadas restritivamente).

Inadmissibilidade de escolha de material genético (impossibilidade do super homem genético).

Caráter absoluto da presunção de paternidade decorrente de fertilização heteróloga com autorização prévia do marido (Jornada 258).

Art. 1.597CC:

“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V- havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

 

 

Critério biológico (o DNA).

A recusa na realização do exame, a Súmula 301 e a presunção relativa legal (Lei n.12.004/09).

Gratuidade na perícia (Lei n.1.060/50, art. VI).

Se o Estado não pagar a perícia, julga com base em prova testemunhal. Relevância de todos os meios de prova. STJ admite que até mesmo “ficar” pode ser prova (STJ, REsp 557.365 / RO): “Verificada a recusa, o reconhecimento da paternidade decorrerá de outras provas, estas suficientes a demonstrar ou a existência de relacionamento amoroso à época da concepção ou, ao menos, a existência de relacionamento casual, hábito hodierno que parte do simples 'ficar', relação fugaz, de apenas um encontro, mas que pode garantir a concepção, dada a forte dissolução que opera entre o envolvimento amoroso e o contato sexual”.

Determinação de sua realização ex officio.

Conversão do julgamento em diligência quando não foi realizado anteriormente (STJ, REsp. 397.013/MG).

STJ 301:“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”

 

Critério socioafetivo.

A posse do estado de filho (pai é quem cria). Quando as partes assumem, na prática, o papel de pai e filho. Admissibilidade da posse do estado de filho como concretização da filiação socioafetiva (STJ, REsp.709.608/MS).

Desvinculação dos conceitos de genitor e pai. Desbiologização da filiação.

Efeitos jurídicos familiares e sucessórios fixados automaticamente na quando caracterizada a filiação socioafetiva. STJ, REsp. 878.941/DF.

A paternidade socioafetiva e os seus efeitos patrimoniais e pessoais. Ex: herança e alimentos (Enunciado 341, Jornada).

A possibilidade de investigação de paternidade socioafetiva.

As ações filiatórias e as novas ações determinativas do estado biológico (ação de investigação de paternidade versus ação de investigação de origem genética). Admissibilidade pelo STJ (STJ, REsp.833.712/RS). ECA 48.

Ilegitimidade do Ministério Público e necessidade de plena capacidade. Inexistência de efeitos jurídicos familiares e sucessórios. Relativização do direito à origem genética em alguns casos (ex: parto anônimo).

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Reconhecimento voluntário de filhos e a possibilidade de impugnação

 

Art. 1.614CC:“O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação.”

 

Reconhecimento judicial de filhos: a ação de investigação de parentalidade e o seu procedimento.

O procedimento especial para as ações de família (novo CPC, arts. 693-699). A MEDIAÇÃO OBRIGATÓRIA.

Atuação do Ministério Público (nCPC, art. 698).

A ação de investigação de parentalidade e o procedimento cabível (procedimento comum ordinário) e a sua natureza jurídica (declaratória ou constitutiva). Possibilidade de uso das ações filiatórias pelos filhos e pelos pais. A investigação de fraternidade, de maternidade, de paternidade, a investigação avoenga...

O procedimento especial do novo CPC (arts. 693-699).

A investigação avoenga. Admissibilidade jurisprudencial (STJ, REsp 807.849 / RJ). Discussão sobre a possibilidade de ajuizamento enquanto vivo o pai (entendimento do STJ de ilegitimidade ativa do neto, enquanto vivo o pai – STJ, REsp. REsp 876.434/RS, DJe 1.2.12).

Impossibilidade de limitação de causa de pedir.

Cumulabilidade. Ações cumuláveis: petição de herança e indenização por dano moral.

A desnecessidade de cumulação da anulação de registro público (STJ, REsp.693.230/MG, rel. Min. Nancy Andrighi).

Imprescritibilidade (Súmula 149, STF e ECA 27).

STF 149:“É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança.”

Competência (Súmula 1, STJ). Posição crítica de NELSON NERY Jr.

Art. , Lei n.8.560/92: “Sempre que na sentença de primeiro grau se reconhecer a paternidade, nela se fixarão os alimentos provisionais ou definitivos do reconhecido que deles necessite.”

STJ 1: “O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos.”

 

Legitimidade ativa: i) o próprio investigante maior ou menor (assistido/representado); ii) o nascituro (ECA 26 e CC 1.609); iii) o filho já morto (a investigação avoenga); iv) o filho registrado em nome de outra pessoa e o litisconsórcio passivo necessário (STJ, Ac.4ªT., REsp.117.129/RS, rel. Min. Aldir Passarinho Jr.); v) o Ministério Público (Lei n.8.560/92). A possibilidade de formação de litisconsórcio ativo facultativo.

Legitimidade passiva. i) o suposto pai (não necessariamente genitor); ii) os herdeiros (não o espólio, inclusive a viúva); iii) os legatários; iv) a Fazenda Pública Municipal (se a ação for cumulada com petição de herança).

Os efeitos da revelia (CPC 320, II). Fluência do prazo recursal para o réu independentemente de intimação (Súmula 7, TJ/RS).

A questão da prova ilícita e a admissibilidade doutrinária. Posição do TJ/SP (TJ/SP, Ac.5ªCâm.Cív., AgInstr.223.044-1, rel. Des. Barbosa Pereira).

Desistência e possibilidade de assunção da demanda pelo MP.

Natureza da sentença e fixação de alimentos independentemente de pedido expresso da parte (art. , Lei n.8.560/92).

Possibilidade de fixação dos alimentos em grau recursal, independentemente de pedido da parte por conta do efeito translativo do recurso (CPC 516).

Retroatividade dos alimentos à data da citação (Súmula 277, STJ). Posição de MARIA BERENICE DIAS de retroação até a data da concepção.

STJ 277:“Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”.

 

O recurso e os seus efeitos.

Coisa julgada na ação filiatória e sua flexibilização pelo STJ e pelo STF (STJ, Ac.4ªT., REsp.226.436/PR; STF, RE 363.889/DF).

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Sobre o autor
Felipe Alén Cavalcante

Ex-Advogado. Concursado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Público. Pós-graduado em Direito Empresarial. Pós-graduando em Direito Material e Processual Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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