Resumo
O presente artigo tem por objetivo apresentar a (in)aplicabilidade das causas interruptivas da prescrição nos casos de usucapião familiar. O instituto da usucapião familiar ou também chamado na doutrina por usucapião de abando de lar, ou ainda usucapião domiciliar está previsto no 1.240-A do Código Civil e foi incluído pela lei 12.424 de Junho de 2011, que regulamenta o “Programa Minha Casa Minha Vida”. Essa modalidade nova de usucapião protege o direito à moradia do cônjuge abandonado pelo ex-cônjuge, o companheiro que ficou na posse do imóvel poderá adquirir integralidade do bem em seu nome, ou seja, a propriedade através da usucapião familiar obedecendo os requisitos previstos na lei. No entanto, uma questão a ser enfrentada pelo Poder Judiciário é em relação a aplicabilidade ou não das causas interruptivas da prescrição. Utilizou-se para o estudo e investigação acerca do tema o método de pesquisa bibliográfica à legislação, doutrinas, jurisprudências e artigos científicos.
Palavras-chave: propriedade, usucapião, prescrição.
Abstract:
The purpose of this article is to present the (in) applicability of the interruptive causes of prescription in cases of family adverse effects. The institute of family cannulation or also called in the doctrine by usucapião of abandonment of the home, or even domestic usucaption is foreseen in 1.240-A of the Civil Code and was included by the law 12.424 of June of 2011, that regulates the "My Home My Life Program ". This new modality of usucapion protects the right to housing of the spouse abandoned by the former spouse, the companion who was in possession of the property can acquire all the property in its name, that is, the property through the family cancellation obeying the requirements provided by law . However, an issue to be faced by the Judiciary is in relation to the applicability or not of the interruptive causes of the prescription. The method of bibliographical research was used for the study and investigation on the subject to the legislation, doctrines, jurisprudence and scientific articles.
Keywords: property, usucaption, prescription.
Introdução:
A lei 12.424 de 11 de junho de 2011 que trata do “Programa Minha Casa Minha Vida”, acrescentou ao Código Civil o artigo 1.240-A, trazendo a usucapião familiar, que é uma forma de aquisição de propriedade pelo cônjuge que ficou residindo no imóvel do casal, por mais de dois anos ininterruptos, de forma mansa e pacífica, de imóvel urbano de até duzentos e cinquenta metros quadrados, desde que não tenha em seu nome outros imóveis e também não tenha se beneficiado desse instituto outras vezes. Dessa forma, a presente pesquisa pretende apresentar a (in)aplicabilidade das causas interruptivas da prescrição nos casos de usucapião familiar.
O artigo será dividido em tópicos, expondo primeiramente a definição de posse e propriedade, adiante bordará o conceito do instituto da usucapião, para assim especificar detalhadamente o conceito de usucapião familiar, os requisitos legais, os regimes de comunhão que podem se enquadrar, e por fim esclarecer nuances acerca da aplicabilidade ou não das causas interruptivas da prescrição na usucapião familiar.
O debate jurídico em torno do tema é se justifica pela importância social, por se tratar de uma novidade e ser de pouco conhecimento da população.
1- Posse e Propriedade:
Não há como falar de usucapião sem tratar sobre a propriedade e sobre a posse por estarem ligadas diretamente ao instituto.
A posse é uma das grandes manifestações no mundo do direito do princípio fundamental da inércia. Em princípio, não se muda nada. Deixa-se tudo continuar como está, para evitar o desgaste de uma mudança. Isto é assim, tanto na ordem política, como na vida das pessoas ou das instituições. Quando alguém exerce poderes sobre uma coisa, exteriorizando a titularidade de um direito, a ordem jurídica permite-lhe, por esse simples fato, que os continue a exercer, sem exigir maior justificação. Se ele é realmente o titular, como normalmente acontece, resulta daí a coincidência da titularidade e do exercício, sem que tenha sido necessário proceder à verificação dos seus títulos” (Oliveira Ascensão apud GONÇALVES, 2012, 35)
A Posse é o exercício de fato de algumas das faculdades de proprietário sobre uma coisa, ou seja, uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou não proprietária possui poderes ostensivos, e quem exerce tais poderes é considerado possuidor. Segundo o Conselho da Justiça Federal (Enunciado 492): “A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela.”
Existem duas grandes teorias que definem e explicam o sentido técnico da posse. De acordo com Gonçalves (2016, p. 349) a teoria subjetiva, de Friedrich Von Savigny, define a posse como o domínio físico da coisa juntamente com o animus domini (intenção de possuir) tratando a coisa como se sua fosse.
Conforme ensina Diniz (2012, p. 50) a teoria objetiva, de Rudolf Von Ihering, defende que para constituir a posse, basta o corpus (apreensão física do bem) e o domínio para finalidade econômica da coisa, ou seja, é a conduta objetiva do dono da coisa.
O código civil adota a teoria objetiva, a posse é um fato jurídico, com exceção a respeito da usucapião.
A propriedade ao contrário da posse faz parte do rol de direitos reais previsto no Código Civil e consiste no mais extenso direito real que um determinado ordenamento jurídico confere a uma pessoa. Tito Fulgêncio apud DINIZ (2012, p. 130) afirma que “Propriedade é o direito que tem uma pessoa de tirar diretamente da coisa toda a sua utilidade jurídica”.
O Código Civil Brasileiro não apresenta um conceito de propriedade, mas anuncia os poderes que um proprietário possui, assim, o artigo 1228 do Código Civil dispõe, in verbis: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. O uso, gozo, disposição ou fruição e a reivindicação compõe os elementos constitutivos da propriedade.
Há diferentes formas de aquisição de propriedade, o Código Civil em seu capítulo II, nos artigos 1238 a 1259 estabelece a usucapião, o registro de título, e a acessão. À essa pesquisa interessa a usucapião para que se possa alcançar o objetivo estabelecido.
2- Usucapião:
A Usucapião é um meio de aquisição da propriedade de bem móvel ou imóvel, que se dá através da posse continua mansa e pacífica por determinado lapso de tempo.
O fundamento do instituto da usucapião é o princípio da Função Social da Propriedade, nesse sentido, Orlando Gomes e Lafayette Rodrigues Pereira, apud GONÇALVES (2012, p.2019) elucida:
O fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos.
Diniz (2012, p. 178- 183) orienta que a usucapião exige uma série de requisitos gerais, tais como: posse justa, mansa, pacífica e contínua e duradoura, animus domini (intenção de ser dono) e lapso temporal.
O ordenamento jurídico brasileiro assinala quatro modalidades de usucapião: a extraordinária, a ordinária, a indígena e a especial ou constitucional dividida em rural e urbana que está subdivida em individual, coletiva e familiar. (GONÇALVES, 2016, p. 512)
Para a essência deste trabalho refere-se à usucapião familiar, para tal, no item a seguir se propõe a explanação sobre o conceito da mesma.
3- Usucapião Familiar
A usucapião familiar prevê, seguindo-se determinados requisitos legais, a aquisição da propriedade dividida com o ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar ao cônjuge abandonado. Essa modalidade de usucapião é normalizado pelo artigo 1240-A do Código Civil, inserido pela lei 12.424 de Junho de 2011, que regulamenta o “Programa Minha Casa Minha Vida. De acordo com o artigo 1.240-A do Código Civil, in verbis:
Artigo 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)” (CÓDIGO CIVIL
O referido artigo garante que aquele que exercer durante dois anos ininterruptamente e sem oposição a posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano próprio de até duzentos e cinquenta metros quadrados, cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, terá adquirido o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
O Conselho da Justiça Federal no Enunciado nº 500 dispõe que: “A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.”
Essa modalidade de usucapião visa a proteção do direito constitucional fundamental à moradia de pessoas de baixa renda abandonadas por seus parceiros. Nesse diapasão a autora Vilardo (2011, p. 02), menciona:
O direito à moradia é Constitucionalmente previsto como direito social. A utilização de novo instituto para preservar à moradia, e de forma desembaraçada, daquele que ficou no lar conjugal é conferir meios para se cumprir a Constituição Federal. Essa é a relevância da criação legislativa e deve ser aproveitada pelos Juízes no sentido de conferir ampla aplicação da lei com interpretação de forma a atender aos fins sociais e ao bem comum, tendo como propósito precípuo garantir o direito à disponibilidade do bem de moradia.
É necessário que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha verdadeiramente abandonado o imóvel e a família para que se caracterize a perda da propriedade do imóvel por usucapião familiar, não bastando, portanto, a separação de fato. Embora a letra expressa da lei cite a expressão “abandono do lar”, o entendimento que prevalece na doutrina é que o abandono ensejador da usucapião familiar seja o abandono simultâneo do imóvel e da família, ou seja, o abandono material e afetivo.
Isto posto, o Conselho da Justiça Federal em seu Enunciado nº 499, da V Jornada do Direito Civil dispõe que:
A aquisição da propriedade na modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil só pode ocorrer em virtude de implemento de seus pressupostos anteriormente ao divórcio. O requisito "abandono do lar" deve ser interpretado de maneira cautelosa, mediante a verificação de que o afastamento do lar conjugal representa descumprimento simultâneo de outros deveres conjugais, tais como assistência material e sustento do lar, onerando desigualmente aquele que se manteve na residência familiar e que se responsabiliza unilateralmente pelas despesas oriundas da manutenção da família e do próprio imóvel, o que justifica a perda da propriedade e a alteração do regime de bens quanto ao imóvel objeto de usucapião.
O Conselho da Justiça Federal afirma ainda, no Enunciado nº 501 que: “As expressões "ex-cônjuge" e "ex-companheiro", contidas no art. 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio.”
A usucapião familiar também exige os requisitos do usucapião tradicional, destarte, é necessário que a pessoa abandonada pelo ex-companheiro exerça a posse justa, mansa, pacífica, sem oposição, de forma contínua e duradoura pelo lapso temporal de dois anos ininterruptamente, é necessário o animus domini, ou seja, que a pessoa tenha a intenção e a vontade de ser dono e persistir na propriedade. Em relação ao imóvel, é preciso que a propriedade em que se residia o casal pertença a ambos os parceiros conjugais e que esse imóvel seja urbano e tenha não ultrapasse 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados).
A lei em apreço disciplina o novo instituto nos mesmos moldes previstos no art. 183 da Constituição Federal. Tanto no caso da usucapião especial urbana como no da usucapião familiar, é necessário que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural e exerça posse mansa, pacífica e ininterrupta sobre imóvel urbano de até 250 metros quadrados, para fins de sua moradia ou de sua família, não sendo permitida a concessão da medida mais de uma vez em favor da mesma pessoa. (GONÇALVES, 2016, p. 522)
A respeito do início da contagem do lapso de tempo de dois anos, esse se inicia sempre após o abandono por um dos cônjuges, Ricardo Henriques Pereira Amorim (2011) afirma que:
O prazo há de iniciar sua contagem sempre após o abandono do lar por um dos consortes, precedida ou coincidente com o fim do relacionamento afetivo. Esta fase não exclui a possibilidade de interrupções do prazo, mas de qualquer forma o prazo só correrá após a separação. É por esta razão que o dispositivo é tão importante para o direito de família, já que seu principal âmbito de discussão será nas ações de partilha de bens vinculados ao divórcio, dissolução de união estável ou herança. Ou seja, a norma há de ser aplicada, mais comumente nas Varas de Família e Sucessões”. (AMORIM, 2011, p. 02)
Para aqueles que já se encontravam nessa situação de abandono material e afetivo por seu ex-cônjuge ou ex-companheiro, o início do computo do prazo se dá com entrada em vigor da Lei 12424/2011 conforme explicado pelo Enunciado 498 da V Jornada do Direito Civil: “A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011.”
4 – (in)Aplicabilidade das causas interruptivas de prescrição.
O instituto da Usucapião e o instituto da Prescrição Aquisitiva são tratados por alguns doutrinadores como institutos similares, assim, nessa perspectiva esclarece Gonçalves (2012, p. 2016):
A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos artigos 205 e 206 do Código Civil. Em ambas, aparece o elemento tempo, influindo na aquisição e na extinção de direitos. - Prescrição aquisitiva — Regulada no direito das coisas, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei.
Dessa forma, os artigos 197 e 198 do Código Civil, que dizem respeito as causam que impedem ou suspendem a prescrição também se aplicam ao instituto da usucapião. Assim, não corre a prescrição, portanto não se verifica a ocorrência da usucapião.
Contudo o objetivo do artigo é analisar as causas interruptivas da prescrição no instituto da usucapião familiar. Seguindo esse objetivo é necessário entender que a interrupção de uma prescrição impossibilita o direito à aquisição da propriedade em favor do possuidor solicitante, pois, interrompida a prescrição, ela recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, já que o lapso de tempo não pode ser calculado.
De acordo com o artigo 1.244 do Código Civil: “Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também se aplicam à usucapião.” À vista disso, a interrupção da prescrição aquisitiva, portanto da usucapião poderá ocorrer nos termos do artigo 202 do Código Civil, in verbis:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do Título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Nesse cenário, analisando o artigo 202 do Código Civil, mais especificamente, o inciso I, que pronuncia que por despacho do juiz que ordenar a citação, se o interessado promover no prazo e na forma da lei processual, interromperá a prescrição aquisitiva. É de entendimento do STJ que o curso da prescrição aquisitiva não é interrompido em razão da citação realizada em ação, nem mesmo a contestação feita nos autos. Conforme jurisprudências:
Superior Tribunal de Justiça STJ : Ag 1322607
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.322.607 - MG (2010/0111905-7) RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA AGRAVANTE : JUVENÍLIA LEMOS - ESPÓLIO REPR. POR : HELENA DAS GRAÇAS LEMOS ADVOGADO : LUIZ FERNANDO VALLADÃO NOGUEIRA E OUTRO (S) AGRAVADO : ABADIA PAULA DE JESUS ADVOGADO : RONALDO LOURENÇO FARIA AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - CONTESTAÇÃO - INTERRUPÇÃO DO PRAZO DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - NÃO OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - CONTAGEM DO LAPSO TEMPORAL COMPREENDIDO ENTRE O AJUIZAMENTO DA DEMANDA ATÉ A PROLAÇÃO DA SENTENÇA - POSSIBILIDADE - RECENTE PRECEDENTE - AGRAVO IMPROVIDO. DECISÃO Cuida-se de agravo de instrumento interposto por JUVENÍLIA LEMOS - ESPÓLIO contra decisão que negou seguimento a recurso especial(artigo 105, III, a e c, da Constituição Federal) em que se alega violação dos artigos 1238 e 2029 do CC, além de dissídio jurisprudencial. Busca a recorrente a reforma da r. decisão, argumentando, em síntese, que a contestação, nos autos da ação de usucapião, já deixa assente a oposição ao exercício da posse que lhe fora oposto, a obstar o reconhecimento da prescrição aquisitiva. Assevera, outrossim, que "(...) o decurso do prazo exigido para a presente ação deve estar completo no momento de sua propositura", não se admitindo, pois, a contagem posterior ao ajuizamento da ação até a data da sentença. É o relatório. A irresignação não merece prosperar. Com efeito. Inicialmente, com relação à tese de que "a simples contestação já é suficiente a impedir a continuação do prazo prescricional", tese trazida a esta Corte a pretexto de eventual ofensa ao artigo 1238 do CC, veja-se que razão não assiste à recorrente. Na realidade, veja-se que este Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que a mera contestação no bojo dos autos de ação de usucapião não se qualifica, nos termos da lei, como oposição, razão pela qual não tem o condão de interromper per se o prazo da prescrição aquisitiva. Nesse sentido, confira-se:"CIVIL. USUCAPIÃO. PRESCRIÇÃO. CONTESTAÇÃO. I. - A contestação na ação de usucapião não pode ser erigida à oposição prevista em lei, não tendo o condão de interromper, só por si, o prazo da prescrição aquisitiva II. - Comprovada a posse desde o ano de 1947, sem que fosse intentada qualquer medida judicial ou extrajudicial para desalojar os possuidores, é de ser reconhecido o direito ao usucapião pretendido. III. - Recurso especial conhecido e provido" (REsp 234240/SC, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 11/04/2005). In casu, o Tribunal local assim pontuou a controvérsia, in verbis: "Lado outro, não socorre o apelante a tese de que, em 11 de julho de 2005, o curso da prescrição aquisitiva foi interrompido em razão da contestação nos autos, que configuraria oposição à posse da apelada". Tal entendimento não destoa daquele firmado por este Superior Tribunal de Justiça e, portanto, não merece ser reformado. No mais, é dizer, quanto à contagem do prazo da prescrição aquisitiva, verifica-se que a questão deve ser analisada com mais vagar. De fato, há nesta Corte Superior dois julgados no sentido de que nãoé possível, nas ações de usucapião, contar o prazo compreendido entre o ajuizamento da demanda até a prolação da sentença, como pretende a agravante. A propósito da questão, confiram-se:"CIVIL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – PRAZO. Para efeito de usucapião extraordinário, é inadmissível o cômputo do prazo posterior ao ajuizamento da demanda até a prolação da sentença. Recurso não conhecido" (REsp 61218/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ 17/11/2003). "CIVIL. USUCAPIÃO. PRAZO. O tempo decorrido entre o ajuizamento da ação e a sentença não pode ser computado para o efeito do usucapião. Recurso especial conhecido e provido"(REsp 30325/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 05/08/2002). Sucede, todavia, que recentemente este Tribunal Superior de Justiça se manifestou em sentido contrário, vale dizer, é possível, nos termos do artigo 462 do CPC, o reconhecimento do usucapião nas ocasiões em que o prazo fixado por lei se perfaz no curso do processo. Nesse sentido:"DIREITOS REAIS. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. POSSE PARCIALMENTE EXERCIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. APLICAÇÃO IMEDIATA DO ART. 1.238, § ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA CONFERIDA PELO ART. 2.029. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Ao usucapião extraordinário qualificado pela"posse-trabalho", previsto no art. 1.238, § único, do Código Civil de 2002, a regra de transição aplicável não é a insculpida no art. 2.028 (regra geral), mas sim a do art. 2.029, que prevê forma específica de transição dos prazos do usucapião dessa natureza. 2. O art. 1.238, § único, do CC/02, tem aplicação imediata às posses ad usucapionem já iniciadas,"qualquer que seja o tempo transcorrido"na vigência do Código anterior, devendo apenas ser respeitada a fórmula de transição, segundo a qual serão acrescidos dois anos ao novo prazo, nos dois anos após a entrada em vigor do Código de 2002. 3. A citação realizada em ação possessória, extinta sem resolução de mérito, não tem o condão de interromper o prazo da prescrição aquisitiva. Precedentes. 4. É plenamente possível o reconhecimento do usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido"(REsp 1088082/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 15/03/2010). Do voto do eminente Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, colhe-se, por oportuno, o seguinte fundamento:"É de se ressaltar ainda que a doutrina civilista moderna entende ser possível a declaração de usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, verbis : 'Porém, se o prazo for completado no curso da lide, entendemos que o Juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil. É de se compreender que a prestação jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença. Não se esqueça, por sinal, que a citação feita ao proprietário na ação de usucapião não se insere dentre as causas interruptivas da usucapião. Ora, o art. 202, inciso I, do Código Civil foi instituído em proveito daquele a quem o prazo da usucapião prejudicaria apenas nas ações por ele ajuizadas, mas não naquelas contra ele promovidas. Daí a necessidade de se outorgar eficácia jurídica ao fato superveniente, pois a lide mudou de configuração no seu curso".(FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 272). Confira-se ainda, no mesmo sentido, a grandiosa obra de Benedito Silvério Ribeiro, Tratado de Usucapião , p. 698. De fato, o art. 462 do CPC autoriza tal providência: 'Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença'. Como se percebe, o "fato constitutivo" a que se refere o dispositivo permite, tanto ao Juízo singular como ao Tribunal, a análise de circunstâncias outras que, devido a sua implementação tardia, não eram passíveis de resenha inicial. A solução proposta pelo artigo ora examinado tem como escopo a economia processual, para que a tutela jurisdicional a ser entregue não seja uma mera resposta a formulações teóricas, sem qualquer relevo prático. Privilegia-se, assim, o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes (...)". Na espécie, o entendimento adotado na origem não destoa daquele firmado recentemente por este Tribunal e, portanto, não merece ser reformado. Nega-se, portanto, provimento ao recurso. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 21 de setembro de 2010. MINISTRO MASSAMI UYEDA Relator
(STJ - Ag: 1322607, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Publicação: DJ 27/09/2010)
É importante salientar que a entrada no divórcio dá fim a tramitação do prazo bienal prescricional que prevê o artigo 1.240-A do Código Civil, aplicando-se assim a interrupção da prescrição correspondente ao inciso V, do artigo 202 do Código Civil exposto acima. De tal modo, assegura Débora Spagnol (2016, p. n.p): “[...] não terá cabimento da usucapião sendo feito o divórcio ou uma notificação judicial para fins de interrupção da prescrição (art. 202, V, CC) [...]”.
É necessário observar que a interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez, portanto aquele que abandona o lar e se utiliza da interrupção do prazo prescricional para afastar o direito ao instituto da usucapião familiar ao ex-cônjuge não poderá praticar tal ato com o mesmo objetivo novamente.
5 - Jurisprudências:
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO FAMILIAR (BENS IMÓVEIS). POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROMITENTE COMPRADORES. REQUISITOS PREENCHIDOS. ART. 1.240-A DO CC/02. Possibilidade jurídica do pedido. Pode ocorrer de o casal não ser titular do domínio, mas sim de direitos de promitentes compradores, ou cessionários, como com frequência acontece e, a tais situações se estende a usucapião familiar, embora não haja ainda registro em nome de ambos os cônjuges ou companheiros. Caso. Muito embora o imóvel permaneça em nome da COHAB/RS, todas as parcelas do contrato de promessa de compra e venda foram satisfeitas, não havendo interesse do ente público na demanda. Requisitos preenchidos. Art. 1.240-A, do CC/02. Usucapião Familiar. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Caso. Na hipótese dos autos, o conjunto probatório enseja uma conclusão segura no sentido de que os requisitos para a aquisição por usucapião se encontram devidamente preenchidos, deve ser dado provimento... ao apelo e julgada procedente a demanda. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70078413242, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 30/08/2018).
(TJ-RS - AC: 70078413242 RS, Relator: Giovanni Conti, Data de Julgamento: 30/08/2018, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 14/09/2018)
Tribunal de Justiça de Santa Catarina TJ-SC - Apelação Cível : AC 20130655496 SC 2013.065549-6 (Acórdão)
DIREITO DE FAMÍLIA. SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DO VARÃO À DIVISÃO DE IMÓVEL ADQUIRIDO PELO CASAL NO CURSO DO MATRIMÔNIO. REGISTRO DOMINIAL QUE AINDA CONSTA A TITULARIDADE CONJUNTA DO BEM. DEMANDADA QUE, À GUISA DE DEFESA, ALEGA A OCORRÊNCIA DA USUCAPIÃO. INCONTROVERSO ABANDONO DO LAR, PELO AUTOR, NO LONGÍNQUO ANO DE 1967, DEIXANDO À PROPRIA SORTE A ESPOSA E OS 7 (SETE) FILHOS COMUNS. AFASTAMENTO QUE SE DEU DE FORMA UNILATERAL, VOLUNTÁRIA E COMPLETA. DIVÓRCIO DECRETADO APENAS EM 2000. SENTENÇA INACOLHEDORA DO PLEITO EXORDIAL. USUCAPIÃO ENTRE CÔNJUGES. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA IMPEDITIVA À PRESCRIÇÃO AQUISITIVA (ARTS. 197, INC. I, E 1.244 DO CC/2002, CORRESPONDENTES AOS ARTS. 168, INC. I, E 553 DO CC/1916). ABANDONO DO NÚCLEO FAMILIAR A PARTIR DO QUAL SUCEDEU A SEPARAÇÃO DE FATO DO CASAL. COMPLETA DISSOCIAÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO E ESVAZIAMENTO DOS LAÇOS MATRIMONIAIS. INEXISTÊNCIA DE MANCOMUNHÃO. CESSAÇÃO, NAQUELE ENSEJO, DOS EFEITOS PRÓPRIOS AO REGIME DE BENS. POSSE EXERCIDA DE FORMA EXCLUSIVA E EM NOME PRÓPRIO PELA VIRAGO SOBRE O IMÓVEL POR 45 (QUARENTA E CINCO) ANOS ININTERRUPTOS, SEM QUALQUER OPOSIÇÃO DO VARÃO. REGRA OBSTATIVA DA USUCAPIÃO ENTRE OS CÔNJUGES QUE DEVE MERECER INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA, OU SEJA, CONFORME O ESCOPO DA NORMA E NA CONFORMIDADE DA EVOLUÇÃO DOS INSTITUTOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. ACOLHIMENTO DA TESE DE USUCAPIÃO COMO DEFESA QUE SE AFIGURA PERFEITAMENTE VIÁVEL. PRECEDENTE DA CORTE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A posse exercida exclusivamente pelo cônjuge separado de fato sobre o imóvel que serve de residência à família, pode, excepcionalmente, dar ensejo à usucapião do bem registrado em conjunto, a depender das circunstâncias, quando ficar demonstrado cabalmente que essa posse unilateral é exercida em nome próprio e não por convenção entre as partes ou imposição judicial, tampouco se qualificando como mera tolerância do outro cônjuge enquanto pendente a partilha definitiva dos bens. 2. Assim sendo, a norma que impede a fluência dos prazos de usucapião ent [...]
(TJ-SC - AC: 20130655496 SC 2013.065549-6 (Acórdão), Relator: Eládio Torret Rocha, Data de Julgamento: 04/06/2014, Quarta Câmara de Direito Civil Julgado)
Conclusão
O presente trabalho expôs considerações acerca do novo instituto da usucapião familiar. É notório que o artigo 1240-A do Código Civil é um importante instrumento de proteção ao direito constitucional a moradia e de proteção a família, pois tem como finalidade favorecer e proteger a pessoa que foi abandonada material e afetivamente por seu ex-companheiro, ficando desamparada, tendo de arcar sozinha com os tributários do imóvel.
Tendo em vista se tratar de instituto novo, a usucapião familiar pode ser alvo de críticas e dúvidas a respeito do prazo bienal e as causas que podem interrompe-lo, ou seja, as causas de interrupção do prazo prescricional exigido. O ordenamento jurídico deixa expresso que as causas interruptivas da prescrição também se aplicam ao instituto da usucapião, por consequência à usucapião familiar. A crítica que pode ser gerada é a respeito de ações realizadas para descaracterizar a ininterruptabilidade da posse, como por exemplo, a reaparição do ex-cônjuge antes que acabe o prazo de dois anos exigidos pela norma, apenas para interromper o prazo para novamente realizar o abandono quantas vezes quiser, apenas para obstar o direito a seu ex- cônjuge, o que constituiria em uma ofensa ao caput do artigo 202 do Código Civil.
O referido artigo traz algumas possiblidades de interrupção da prescrição, mas deixa claro que só pode ser realizada por uma única vez, de modo que o ex-cônjuge que abandonou uma vez não mais poderá abandonar o lar conjugal e reaparecer para se opor a posse exclusiva, bem como, interromper a prescrição novamente por qualquer outra forma, pois se isso fosse possível, o artigo. 1240-A do Código Civil, estaria desprovido de eficácia, gerando insegurança jurídica.
Por fim, cabe ao Judiciário elucidar as dúvidas que poderão surgir a respeito dessa nova modalidade de usucapião, espera-se que a Jurisprudência seja sólida diante dos fatos apresentados, de modo a não originar ilegalidade, aplicando-se a lei de forma justa na configuração da usucapião familiar.
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