AS DECISÕES NA CONCLUSÃO DO PROCEDIMENTO DE NOTÍCIA DE FATO CRIMINAL NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO AMAZONAS.

THE POSSIBLES DECISIONS IN CONCLUDING A PREPARATORY CRIMINAL INQUIRY AT PUBLIC MINISTRY OF STATE AMAZONAS.

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O presente trabalho versa sobre as possíveis decisões do membro do Ministério Público do Estado do Amazonas na conclusão do Procedimento de Notícia de Fato Criminal, regulado pelas Resoluções CNMP n. 174/2017, 181/2017 e CSMP/AM n. 006/2015.

SUMÁRIO

1. Introdução; 2. Aspectos Gerais e Específicos do Procedimento de Notícia de Fato Criminal; 2.1 Aspectos Gerais; 2.2 Aspectos Específicos; 2.3 Registro e Autução; 2.4 Formalização por Provocação; 2.5 Formalização de Ofício; 2.6 Formalização por Provocação Anônima; 2.7 Prazos; 2.8 Publicidade; 3 Objeto do Procedimento de Notícia de Fato Criminal e Verificação Preliminar de Informações – VPI; 3.1 Delimitação do Objeto do Procedimento de Notícia de Fato Criminal; 3.2 Verificação Preliminar de Informações ou Procedimentos Metodológicos; 4. Decisões Possíveis; 4.1 Declínio de Atribuição; 4.2 Arquivamento; 4.3 Deferimento de Instauração de PIC ou Requisição de IP; 4.4 Ajuizamento de Ação Penal; 4.5 Do Acordo de Não-Persecução Penal; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar o Procedimento de Notícia de Fato Criminal - PNFC, regulamentado pelas Resoluções CSMP/AM n. 006/2015[1] e CNMP n. 174/2017[2] e 181/2017[3], e as decisões possíveis de serem adotadas pelo Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Amazonas e por qualquer membro ministerial no exercício da atividade extrajudicial criminal para a conclusão desse procedimento.

Os objetivos gerais, portanto, são descrever a regulamentação do Procedimento de Notícia de Fato Criminal conforme Resoluções CSMP/AM n. 006/2015 e CNMP ns. 174/2017 e 181/2017; identificar os contornos teóricos para o uso prático desse instituto no exercício da atividade extrajudicial criminal do membro do Ministério Público; e apresentar as decisões possíveis para conclusão do procedimento.

Os objetivos específicos deste estudo são apontar a finalidade, o objeto e a metodologia aplicável ao instituto regulamentado pelos diplomas acima para que se obtenha um fim resolutivo e em prazo razoável; e propor a adoção de medidas que permitam a obtenção de resultados mais eficientes e eficazes pelos membros do Ministério Público do Estado do Amazonas no exercício de suas atividades extrajudiciais criminais.

A metodologia aplicada no desenvolvimento deste trabalho será de consulta normativa, pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, permitindo que no primeiro capítulo sejam apresentados os aspectos gerais e específicos; no segundo capítulo, o objeto do procedimento e a definição da metodologia investigativa; e no terceiro capítulo as decisões possíveis de serem adotadas pelo Promotor de Justiça Criminal para a conclusão do Procedimento de Notícia de Fato Criminal.

Ao final, sem a pretensão de apresentar respostas definitivas sobre os objetivos do estudo, ter-se-ão, oferecido caminhos seguros aos membros do Ministério Público do Estado do Amazonas na condução de Procedimentos de Notícia de Fato criminais que estejam sob sua responsabilidade, garantindo, portanto, uma maior resolutividade desses procedimentos.

ASPECTOS GERAIS E ESPECÍFICOS DO PROCEDIMENTO DE NOTÍCIA DE FATO CRIMINAL

Aspectos Gerais

Antes de estudar o tema, importa ter em mente que o Procedimento de Notícia de Fato regulamentado nas Res. CSMP/AM n. 006/2015 e Res. CNMP n. 174/2017 é equivalente às peças de informação previstas na Res. CNMP n. 181/2017 e no Código de Processo Penal. O primeiro destaque é que o Procedimento de Notícia de Fato - PNFC ou o procedimento referente às peças de informação não é instaurado, apesar de ser registrado e autuado. A ausência de instauração demonstra não haver uma decisão formal ou a expedição de uma portaria iniciando o Procedimento de Notícia de Fato, diferente do que acontece com o Procedimento Investigatório Criminal - PIC. A formalidade de registrar a notícia e autuá-la não significa que houve uma instauração de investigação criminal, pelo contrário. Apenas ao final é que se decidirá sobre a instauração da investigação ou não. Então, nem toda notícia de fato é convertida em investigação criminal, assim como nem toda notícia de um fato recebe tratamento formal de procedimento.

O Atendimento ao Público, por exemplo, é tratado na Res. CSMP/AM n. 006/2015 e na Resolução CNMP n. 174/2017 como Notícia de Fato, mas, nem por isso se confunde com o PNFC. Quando as resoluções em estudo estabelecem que a Notícia de Fato é qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, entendendo-se como tal a realização da atendimentos, bem como a entrada de notícias, documentos, requerimento ou representações, abriu-se margem para o entendimento de que tudo que ingressa na Promotoria de Justiça ou nas Procuradorias seriam Notícias de Fato. Entendimento, portanto, pouco resolutivo e dissonante com a finalidade do procedimento.

O Atendimento ao Público pode originar um Procedimento de Notícia de Fato, pois os fatos trazidos pelo atendido podem ser relevantes e exigirem mais esclarecimentos. Entretanto, o simples Atendimento ao Público não pode ser tratado como Procedimento de Notícia de Fato, sobretudo quando esse atendimento se refere à prestação de meras informações ou andamentos processuais judiciais. Ainda que isso represente uma demanda dirigida ao órgão da atividade-fim, já que exige uma resposta do órgão ministerial, esta não é uma demanda que justifique o início de um Procedimento de Notícia de Fato.

Da mesma forma, ofícios, convites, comunicações protocolares, etc. recebidas na promotoria de justiça, não obstante devam ter registro da entrada, não são Procedimentos de Notícia de Fato e, por isso, devem ser tratados de acordo com as normas organizacionais da promotoria.

Nesse sentido, portanto, foi o entendimento do CNMP no julgamento do Pedido de Providência n. 1.00784/2017-02 e na Consulta n. 1.00724/2017-27, nos quais o Conselho Nacional entendeu que a expressão “qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público” não pode ser interpretado de maneira elástica, já que evidentemente aquelas demandas que não guardassem conteúdo ou finalidade correlata à atividade-fim ministerial não exigiriam a atuação extrajudicial do membro do Ministério Público, sobretudo porque este deve se pautar pela entrega de resultados úteis e relevantes à sociedade como reflexo de sua atuação resolutiva.

O Procedimento de Notícia de Fato Criminal, portanto, pode ser definido, então, como uma pré-investigação, pois enquanto não houver um juízo de certeza sobre existência, ao menos indiciária, de um fato penalmente relevante, não há como se adotar uma das decisões possíveis para concluir o Procedimento de Notícia de Fato Criminal.

O móvel do PNFC é exatamente a dúvida quanto à existência de indícios de materialidade de um fato juridicamente relevante a dar suporte à tomada de decisão pelo Promotor de Justiça sobre a instauração de um PIC, a requisição de instauração de IP, a realização de acordo de não-persecução criminal, declínio de atribuição, arquivamento ou ajuizamento de ação penal.

Portanto, a busca por indícios de materialidade no PNFC não é completamente uma investigação, mas apenas uma pré-investigação sobre a existência do fato.

Isso fica ainda mais claro quando se percebe não existirem investigados nem haver expedição de requisições ou intimações em Procedimentos de Notícia de Fato Criminal, sendo apenas formulados convites e ofícios de solicitação.

Apesar de ser ontologicamente prevista para confirmar a existência de indícios ou prova de materialidade, às vezes, pode acontecer de, com a confirmação da materialidade de um delito, chegar-se a indícios de autoria, viabilizando o ajuizamento de ações penais. Essa, porém, não é a regra.

Logo, tem-se que o Procedimento de Notícia de Fato Criminal - PNFC está para a Pré-Investigação tanto quanto o PIC ou o IP estão para a Investigação ou a Ação Penal está para o Processo Penal.

Aspectos específicos

Tanto na Res. n. 13/2006 quanto na Res. n. 181/2017, do CNMP, o Procedimento de Notícia de Fato Criminal é equivalente às peças de informação, apesar de estar regulamentada a Notícia de Fato na Res. CNMP  n. 174/2017 e na Res. CSMP/AM n. 006/2015. A novel[4] Res. no Art. 2º e Art. 3º, § 4º e § 6º, refere-se a peças de informação e, como se nota, não emprestou grande delineamento a esse instrumento no âmbito nacional, tendo, como se observa no § 4º do Art. 3º, definido que deverão ser seguidas as regras internas de divisão de serviços e, no § 6º, especificado que o prazo para a conclusão dessas peças de informação é de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por até 90 (noventa) dias. O regramento, portanto, ficou a cargo da Res. CNMP n. 174/2017 e, no caso do Amazonas, a Res. CSMP/AM n. 006/2015.

A Res. CSMP/AM n. 006/2015, no âmbito do Amazonas, regulamenta todos os procedimentos administrativos extrajudiciais destinados à atividade-fim ministerial estadual. Já a Res. CNMP n. 174/2017, cuidou apenas da Notícia de Fato e do Procedimento Administrativo. No Art. 15 da Res. n. 006/2015 do CSMP/AM se encontram regras comuns às notícias de fato cível e criminal. De forma geral, afirmar-se que o procedimento notícia de fato criminal se origina de qualquer documento ou informação dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, podendo ser formulada presencialmente ou não, bem como a partir de notícias, documentos, requerimentos ou representações protocoladas na unidade ministerial.

Os Atendimentos ao Público feitos pelo membro do Ministério Público também recebem a denominação de notícia de fato, mas, nem todo atendimento ao público se converte em PNFC, conforme demonstrado nos aspectos gerais. Portanto, para os fins deste estudo, tratar-se-á apenas do PNFC, pois este é mais complexo e exige uma atuação destinada a entrega de resultados úteis e relevantes à sociedade, diferente do atendimento ao público comum – no qual se preenche ficha de atendimento, ainda que numerado e eventualmente registrado em livro ou sistema e não se tratam de fatos penalmente relevantes – e se encerra com a conclusão do atendimento.

Mesmo sendo uma forma de procedimento simplificado, o Procedimento de Notícia de Fato Criminal exige um mínimo de formalidade, pois uma vez materializado o órgão ministerial terá que adotar um conjunto de medidas para definição do objeto do procedimento com a finalidade de identificar se há elementos que lhes permita adotar umas das possíveis decisões para a conclusão do PNFC.

Nesse sentido, a Res. CNMP n. 174/2017 prescreve no Art. 2º que a Notícia de Fato deverá ser registrada em sistema informatizado de controle e distribuída livre e aleatoriamente entre os órgãos ministeriais com a atribuição para apreciá-la, podendo, também, ser distribuída por prevenção quando o objeto noticiado já estiver abrangido por outro procedimento. Nada obstante, é evidente que a Res. CNMP n. 174/2017 não esgota o tema, tendo, o CSMP do Amazonas, acertadamente, melhor delimitado o tema em sua Res. CSMP/AM n. 006/2015, que prevê, na esteira do Art. 16 da Res. n. 006/2015 do CSMP/AM, que o PNFC deverá, preferencialmente, ser formulado por pessoa devidamente identificada e qualificada, com indicação de seu endereço, e conter minimamente a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação de seu autor, quando conhecido.

Apesar disso, mesmo sendo o PNFC um pouco mais formal do que a NF Atendimento ao Público, não se exige dele o mesmo rigor formal, por exemplo, do Procedimento Investigatório Criminal. A sua formalização prescinde de portaria, mas é obrigatório o registro e a autuação, conforme preconiza o Art. 17 da Res. n. 006/2015 do CSMP. O PNFC, então, assemelha-se à notitia criminis ou a peça de informação estudada no processo penal e, portanto, refere-se à comunicação de fatos dirigida a órgãos da atividade-fim do Ministério Público, a quem competirá fazer uma verificação preliminar das informações com o objetivo de confirmar a existência do fato (materialidade) ou indícios de existência desse fato. Como dito acima, no Procedimento de Notícia de Fato o objeto é a apuração de notícias ou informações que justifiquem a instauração de um ou mais procedimento(s) investigatório(s) específico(s) e a sua finalidade é decidir, ao final da pré-investigação, sobre a instauração de PIC ou não.

Registro e Autuação

Para que o PNFC seja iniciado, a movimentação do órgão ministerial deve se dar por provocação ou de ofício, exigindo-se apenas que ela seja conforme o direito. A partir dessas formas de demanda, as quais não exaurem as possibilidades em razão de sua não taxatividade, o primeiro passo importante é registrar o atendimento, representação, requerimento, petição, peças de informação ou qualquer outro documento que demande diligência, no meio escolhido pela Instituição para o controle de documentos, fazendo-o com a atribuição de um número sequencial, seguido pelo ano.

Depois de ter sido feito o registro do PNFC, passa-se à fase da autuação. Nas promotorias onde há servidores, a autuação é de responsabilidade desses; já nas outras, essa incumbência é do próprio membro, que será o secretário e presidente do próprio feito. Assim, para possibilitar o controle nessa fase, o membro precisa compreender que a autuação é importante, pois por ela é que se garante a cadeia de custódia dos documentos que compõem o PNFC, garantindo que eles possam ser aproveitados no PIC como documentos hábeis à formação da opinio delicti.

Nesse compasso, o Art. 17 da Res. CSMP/AM n. 006/2015 obriga o registro do PNFC em sistema de controle. A Res. CNMP n. 147/2017, no Art. 2º, estabelece que o PNFC deverá ser registrado em sistema informatizado de controle. O registro é expressamente previsto, a autuação, por sua vez, é subentendida e tende a ser substituída pelo processo eletrônico extrajudicial, cujo sistema será responsável pelos parâmetros de segurança e preservação da cadeia de custódia dos documentos. Entrementes, enquanto não há a digitalização do procedimento, o membro precisa realizar a autuação, como forma de proteção e preservação da higidez dos elementos de convicção produzidos no curso do procedimento.

No Ministério Público do Estado do Amazonas não há um ato específico que regulamente a autuação, mas há o Ato PGJ n. 112/2009 que regula a autuação dos processos administrativos que são destinados à prestação de contas da Instituição. Nesse ato estão regulamentados desde a forma como dar capa aos processos, o modo de numerar as páginas, a delimitação dos volumes em quantidade de folhas, os termos de juntadas de documentos, aberturas e encerramento de volumes. Sem dúvida, não é o ideal, mas é um norte que permitirá ao membro navegar em águas mais tranquilas na condução do Procedimento de Notícia de Fato Criminal.

Formalização por provocação

A Res. CNMP n. 147/2017 prescreve que a Notícia de Fato pode ser formulada presencialmente ou não, demonstrando que ela pode vir a partir da presença de alguém na Promotoria, cujas declarações podem ser reduzidas a termos, entregue pedido formal escrito ao membro ministerial ou, ainda, pelo envio não presencial das informações. O Art. 16 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, determina que a notícia de fato deverá, preferencialmente, ser formulada por pessoa natural ou jurídica, devidamente identificada e qualificada, com indicação de seu endereço; e conter a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação do seu autor, quando conhecido. Além disso, no § 1º do mesmo dispositivo, foi possibilitado ao noticiante apresentar as informações necessárias para esclarecimento dos fatos, bem como indicar meios para obtenção da prova e documentos pertinentes e requerer sigilo da fonte. Por fim, no § 3º do Art. 16 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, foi tratada a notícia de fato atendimento ao público.

O Procedimento de Notícia de Fato Criminal então terá início pelo atendimento ao público, devendo ser tomada por termo ou devidamente registrada em ficha de atendimento. Seja a ficha de atendimento ou a tomada por termo, haverá provocação para a instauração de Procedimento de Notícia de Fato Criminal, no caso ora estudado, já que o regramento é geral e comum ao procedimento cível e ao criminal. A forma anônima, prevista no § 2º do Art. 15, dada à sua especificidade, será tratada adiante em tópico próprio. A comunicação de uma notícia de fato pode se dar, por conseguinte, de duas espécies: a) por provocação; e b) de ofício. A maneira mais comum é a vinda do cidadão ao Ministério Público para dar conhecimento sobre um fato que está em desacordo com a lei.

Na capital do Estado, o setor encarregado de fazer o atendimento ao público, registrar no sistema as informações essenciais e encaminhar, se for o caso, a pessoa para atendimento em uma das Promotorias de Justiça da Capital é o Centro de Atendimento ao Público - CAP. Nas comarcas do interior do Estado a regra é o atendimento feito pelo próprio Promotor de Justiça ou, se houver, algum servidor da promotoria, preenchendo a ficha de atendimento e fazendo os devidos registros do atendimento. Nesse momento, muitas vezes, o laço de proximidade e compromisso do membro ministerial com a comunidade se fortalece.

Além do atendimento ao público, que é uma notícia de fato, mas não um Procedimento de Notícia de Fato, há a provocação que se dá pelo protocolo de requerimento, representação, ofício ou qualquer outro documento dirigido ao membro relatando um ou mais fatos que podem ser hipoteticamente apontados como ilícitos. Assim, será iniciado por provocação o Procedimento de Notícia de Fato sempre que o membro do Ministério Público seja instado a dar uma resposta ao noticiante do fato. Essa provocação, por conseguinte, também pode ser anônima, sendo necessário observar os delineamentos previstos no § 2º do Art. 15, que será adiante estudado. A hipótese de o noticiante requerer sigilo de sua identidade, o que lhe é facultado quando houver receio de perigo à sua segurança, não é anônima, mas apenas decorrente de um noticiante que solicita sigilo de sua identidade. A notícia é, portanto, identificada.

Acaso o noticiante seja ouvido na promotoria, o ideal é que sejam lavrados dois termos, um com a identificação do noticiante, no qual ele assinará e fará constar seus dados pessoais, sendo, ao final, lacrado esse termo em envelope sigiloso em anexo; e outro no qual não constará qualquer identificação do noticiante ou sua assinatura, sendo assinado apenas pelo membro que colheu o depoimento, com a cautela de não identificar o noticiante no texto e nem ser lacunoso demais que impeça a formação mínima de elementos de convicção para a decisão final do PNFC.

Outra possibilidade é a vinda de documentos por outros órgãos públicos ou entidades privadas dando conhecimento de situações que ocorrem no âmbito de suas funções. Não raro recebem-se notícias genéricas, indicando fatos abertos, pessoas indetermináveis, sem delineamento do suposto ilícito no tempo e no espaço, sem qualquer possibilidade de aferição. Para esses casos o § 2º do Art. 16 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, autorizou que o membro do Ministério Público solicite do noticiante complementos à notícia do fato com novas informações ou novos documentos.

Formalização de ofício

A atuação do membro do Ministério Público no exercício de sua independência funcional, também pode dar início ao PNFC na medida em que, atendendo aos anseios sociais dos quais teve conhecimento pelos meios mais variados, como a imprensa ou a internet e, ainda, tomando conhecimento por qualquer forma, inclusive presencial, de atos que tenham contornos suficientes para servir de objeto ao procedimento, age de ofício e inaugura, por despacho, a apuração. O § 1º do Art. 15 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, por sua vez, traz a possibilidade de tomada de conhecimento de ofício pelo órgão ministerial. Assim, se o Promotor de Justiça ou o Procurador de Justiça tomar, por qualquer meio lícito, conhecimento de fato suspeito determinado e relevante que tenha indício hipotético de ilicitude, sem a necessidade de qualquer provocação, poderá determinar o registro e autuação de Procedimento de Notícia de Fato Criminal, iniciando as verificações preliminares das informações.

Formalização por provocação anônima

Esta hipótese não foi prevista na Res. CNMP n. 174/2017, entretanto, na Res. CSMP/AM n. 006/2015, acertadamente, houve a regulamentação desse tipo de provocação.  No § 2º do Art. 15, encontra-se essa forma mais polêmica de provocação de atuação estatal e ministerial, pois se refere à provocação ministerial anônima. A comunicação anônima de fato suspeito ao órgão ministerial é uma das formas mais complexas que se pode enfrentar, pois acaso não sejam adotadas providências apuratórias mínimas de confirmação das informações sobre o fato e seu provável autor, donde se possa extrair uma qualificação mínima que permita a sua identificação e localização, pode-se pôr a perder todo um trabalho precioso.

Assim, ganha mais relevo a formalização do PNFC, pois é nele que as notícias anônimas serão ou não confirmadas, por meio das verificações preliminares, não podendo, apenas com base na informação anônima, ser instaurada um PIC ou ajuizada qualquer medida judicial de técnica especial investigativa mais invasiva, como quebras de sigilo bancário e fiscal, por exemplo, sem que tenham sido adotadas providências instrutórias mínimas para se confirmar a presença, ao menos indiciária, de elementos que apontem para a veracidade do fato narrado anonimamente. Sobre o início de investigações a partir de notícias ou peças de informação anônimas, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “é assente na jurisprudência pátria a impossibilidade de se decretar interceptação telefônica com fundamento apenas em denúncia anônicam”[5].

Portanto, uma vez recebida notícia anônima de fato supostamente criminoso, pode e deve ser instaurado o Procedimento de Notícia de Fato Criminal, a fim de que sejam realizadas verificações preliminares das informações, convencionais ou especiais, que ajudem a delinear serem os fatos apresentados na notícia anônima revestidos de um mínimo de veracidade quanto à sua ocorrência, sob pena de serem produzidas nulidades, acaso haja a adoção de técnicas especiais de investigação com amparo exclusivo nos fatos narrados anonimamente. Por mais críveis e reais que se mostrem os fatos narrados em uma notícia anônima, não pode o membro do Ministério Público instaurar uma investigação sem realizar verificações preliminares trazendo para o procedimento outras fontes de indícios e elementos de convicção que possam dar sustentação à hipótese de instauração.

Prazos

O Procedimento de Notícia de Fato Criminal, conforme se verá no capítulo seguinte, precisa ter um objeto bem delimitado para que possa ter seu objetivo bem atendido. Conforme já demonstrado anteriormente, o objetivo do PNFC é exatamente a formação de um juízo acerca da existência, ao menos, de indícios de materialidade de crime e a boa delimitação do objeto da pré-investigação é crucial para a melhor escolha da metodologia de apuração, permitindo maior agilidade na confirmação ou não dos fatos noticiados.

Assim, quando se consegue fazer bem esse juízo, os prazos previstos no Art. 24 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, no Art. 3º da Res. CNMP n. 174/2017 e no § 6º do Art. 3º da Res. CNMP n. 181/2017, que são 30 (trinta) dias podendo ser prorrogados por até 90 (noventa) dias, revelam-se razoáveis para o fim e a finalidade do PNFC. O problema do vencimento do prazo do PNFC sem que haja conhecimento produzido suficiente para a tomada de decisão será enfrentado no último capítulo.

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Publicidade[6]

A publicidade é a regra quando se trata de procedimentos administrativos extrajudiciais. O sigilo, por conseguinte, é a exceção. Na apuração criminal,  a publicidade deve ter a sua aplicabilidade conformada pelos balizadores previstos na Constituição Federal, nos Art. 5º, LX, e Art.93, IX, pois foi permitida a restrição da publicidade de atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem, sempre buscando que essa proteção não prejudique o interesse público à informação.

No PNFC a regra é a publicidade, porém foi permitida a decretação do sigilo quando a publicidade puder causar prejuízo ao interesse público ou à apuração. Apesar de a publicidade ser uma regra, haverá situações em que, mesmo sendo público o procedimento, determinados atos e documentos continuarão protegidos pelo sigilo. O sigilo do Procedimento de Notícia de Fato Criminal existe contra todos, exceto contra o noticiado e o noticiante. Assim, se o noticiado foi cientificado do procedimento ou se ele pedir uma certidão da Promotoria de Justiça acerca da existência de procedimentos em que ele figure como noticiado ou noticiante, mesmo que sejam sigilosos os procedimentos, a esses sujeitos o sigilo não pode ser oposto, mesmo que isso ponha em risco a apuração ou o interesse público.

A decretação do sigilo da apuração serve para permitir que a apuração possa levantar o máximo de informações que ajudem a decidir sobre a existência ou não de um fato penalmente relevante. Uma vez determinada a instauração de uma investigação, seja PIC ou IP, algumas restrições de acesso a documentos e autos sigilosos[7] podem ser opostas temporariamente ao investigado, como no exemplo das cautelares sigilosas não concluídas, conforme determina o Art. 13, § 5º, da Res. CSMP/AM n. 006/2015, guardando consonância com a Súmula Vinculante n. 14 do STF.

Dificilmente haverá, no PNFC, o ajuizamento de uma medida cautelar sigilosa, pois se houver elementos para a provocação do Judiciário para que seja levantado o sigilo fiscal, bancário ou telefônico de alguém é porque há materialidade ou indícios de materialidade de um fato criminoso e, sendo assim, já é possível a tomada de decisão no PNFC. A priori, parece incompatível com o PNFC a existência de medidas cautelares sigilosas, levando-se à conclusão de que, se o noticiado tiver ciência da existência de procedimento em que ele figura como parte, a ele não haverá oposição de sigilo e restrição de acesso aos autos.

A publicidade do PNFC[8], segundo a Res. CSMP/AM n. 006/2015, a partir dos comandos do Art. 13 e seus parágrafos, consistirá na divulgação no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público - DOMPE, na expedição de certidão e na extração de cópias, mediante requerimento fundamentado e por deferimento do presidente do procedimento, na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente da apuração e na concessão de vista dos autos na própria promotoria ou procuradoria, mediante requerimento fundamentado do interessado ou procurador legalmente constituído, por deferimento total ou parcial.

Porém, restrição à publicidade deverá ser decretada em decisão motivada, para fins do interesse público ou para conveniência da investigação e poderá ser, conforme o caso, limitada a determinadas pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quando for extinta a causa que a motivou. Se houver decretação de sigilo, será dispensada a divulgação de publicações no DOMPE. Uma vez decidida pela publicidade, somente será permitido ao presidente do procedimento, nos termos do Art. 14 da Res. CSMP/AM n. 006/2015, prestar informações, inclusive aos meios de comunicação social, a respeito das providências adotadas para a apuração dos fatos em tese ilícitos, abstendo-se de externar ou antecipar juízo de valor a respeito de apurações ainda não concluídas.

OBJETO DO PROCEDIMENTO DE NOTÍCIA DE FATO CRIMINAL E A VERIFICAÇÃO PRELIMINAR DE INFORMAÇÕES - VPI

A investigação deve ser vista como um processo de conhecimento, isto é, um encadeado de atos destinados a produzir conhecimento técnico sobre fatos, dados ou informações objeto da investigação. O conhecimento se distingue da informação, como bem lembra o professor Weber Barral, ao afirmar que:

Outra distinção, também importante, que deve ser realizada é entre conhecimento e informação. Essa distinção parece não ser percebida por alguns autores, alguns até respeitados, e que atulham suas obras de dados intermináveis e inúteis. Isso - esse conjunto de dados - é apenas informação. O conhecimento, por sua vez, pressupõe a organização dessa informação, buscando torná-la apta a produzir determinado resultado, de modo a dar-lhe serventia na formulação e demonstração de uma determinada hipótese.[9]

Ao trazer as lições acima para a apuração criminal, fica mais fácil evitar a juntada de dados e informações desconexos com seu objeto, já que a delimitação deficiente deste permite uma colheita tão ampla de elementos que impede o presidente de extrair o conhecimento útil ao encerramento da apuração[10]. O conhecimento é adquirido pela aplicação de técnicas (metodologia) que permitam prever, observar, organizar, tratar, analisar, formular juízos e extrair raciocínios sobre os dados e as informações apurados, e quanto melhor for a definição do objeto mais eficiente será a aquisição desse conhecimento na apuração. Saber, de partida, que a investigação deve produzir conhecimento[11] e não apenas informações ajuda a compreender a necessidade de delimitar seu objeto. Sobre o conhecimento, Barral também pontua existirem pelo menos 3 (três) tipos, quais sejam, o popular, o técnico e o científico, sendo o técnico, nas palavras do professor, aquele que:

(...) pode ser caracterizado por (a) grau médio de sistematização; (b) preocupação imediata em resolver problemas (pragmatismo); (c) caráter acrítico; (d) geralmente relacionado com a capacitação profissional. Assim, o contabilista que organiza o pagamento de seus tributos, buscando evitar que você empobreça diante da voracidade do fiscal; ou o advogado que redige uma petição, para tentar convencer o juiz de que seu miserando cliente banqueiro não pode pagar pensão à ex-mulher; são exemplos de utilização de conhecimento técnico, que os capacita a organizar as informações obtidas.[12]

Apesar de o conhecimento técnico ser uma espécie de conhecimento decorrente da capacidade do profissional formado para trabalhar com determinadas informações, percebe-se que o conhecimento produzido na investigação, ainda que proveniente do uso de métodos adquiridos pela formação do profissional nela envolvido, não se amolda totalmente a esse tipo de conhecimento. Ainda que a investigação não seja uma atividade científica, pois destinada a produzir conhecimento sobre um fato específico sem criar novas teorias acadêmicas (acrítico), haverá fases e atores produzindo, no curso da apuração, dados e informações científicas. Porém, o presidente da apuração não pode esquecer que toda a sua atividade se destina a confirmar o objeto da pesquisa e não a produzir novos teoremas ou teorias científicas.

A relação entre o resultado e objeto da investigação é balizada por definições externas à própria apuração criminal, isto é, a Constituição, a lei processual penal, etc.. a conclusão do PNFC levará o presidente a um desses resultados: há ou não indício de materialidade, com ou sem indícios de autoria da prática de um crime previsto em lei;  existem elementos que apontam para a atribuição de outro órgão; encontrou-se materialidade e indícios de autoria suficientes.  Esses resultados, porém, conduzem a seis decisões. No primeiro caso, instaura-se a investigação criminal ou requisita-se a instauração de IP ou propõe-se o acordo de não-persecução penal; no segundo, arquiva-se; no terceiro, declina-se a atribuição; e no quarto, ajuiza-se a ação penal.

Não deve haver apegos aos sentimentos ou convicções estranhos aos resultados extraídos dos indícios, evidências ou provas colhidos, pois a missão é esclarecer os fatos sem justiçamentos. No PNFC, os dados servirão exclusivamente para produzir conhecimento que subsidie a tomada de uma decisão final. Por essa razão, o conhecimento produzido pela pesquisa deve ser o técnico, não cabendo ao presidente, assim como ao juiz, fazer pseudociência na apuração. A ciência deve ser realizada fora da investigação ou do processo. A atuação tem que ser técnica e construída sob pilares já postos, sem margem para devaneio teórico, permitindo maior segurança e legitimidade na tomada de decisão com o conhecimento produzido na apuração.

Assim, a análise crítica a ser realizada na produção do conhecimento técnico da pesquisa é sobre a confirmação ou a negação do fato, sem apego à hipótese de partida. O presidente da apuração precisa praticar o desapego à paixão da causa, pois o objeto da investigação não é criação dele. As suas convicções devem sempre e periodicamente ser substituídas por questionamentos. As respostas aos questionamentos devem ser extraídas dos dados, provas, indícios, evidências e informações contidas no PNFC, de modo a garantir que o conhecimento seja técnico e não popular ou pessoal, dispensado ao máximo achismos. Sendo técnico o conhecimento, a sua demonstração será construída em certezas e não em opiniões e isso dará sustentação à decisão final.

Delimitação do objeto do Procedimento de Notícia de Fato Criminal

O objeto da apuração pode ser entendido como o tema, o problema e a hipótese da apuração, expressado na seguinte equação Objeto = tema + problema + hipótese. Esse conceito é extraído da metodologia da pesquisa científica como auxiliar teórico ao presidente de procedimentos destinados a pesquisar fatos ou acontecimentos com a finalidade de produzir conhecimento ao final.  Ao definir o objeto da investigação como o tema, o problema e a hipótese, facilitada será a delimitação do objeto, conforme se verá adiante.

O tema é a delimitação do problema dentro da disciplina jurídica. O tema, portanto, apontará qual é classe de procedimento, ou seja, se é PIC, PP, IC, PA e PNFC. A importância de revelar o tema como integrante do objeto fica em evidência quando se enxerga essas várias classes sobre o mesmo fato. Ao saber o tema, exclui-se de logo a presença de temas incongruentes com a classe de procedimento, isto é, os cíveis, por exemplo, não devem integrar o objeto do PNFC.

Então, numa apuração criminal, não se devem pesquisar ilícitos civis ou administrativos. Entretanto, se o reconhecimento de que a apuração é criminal exclui outras pesquisas, esse saber não é suficiente para a delimitação do objeto, pois dentro dessa matéria cabem maiores restrições. O problema é o fato a ser pesquisado. Será o contorno fático delimitado em tempo e espaço sobre o qual deverá incidir a hipótese. Por exemplo, chega à promotoria a notícia de que o houve fraude na licitação X porque a empresa Y, vencedora, é de fachada. O problema é claro e sobre ele deverá o presidente direcionar sua pesquisa. Não adianta querer apurar a licitação 1.

A hipótese, por seu turno, é um elemento também importante, pois se refere à interpretação técnica que apresenta qualificações sobre o problema. Assim, a hipótese para o exemplo acima é de que o problema-fato, se confirmado, configura crime de fraude em licitação. A partir das bases expostas acima, o objeto do PNFC é composto por um tema, um problema e uma hipótese compatível com a finalidade do procedimento. A resposta ao tema será construída a partir da pesquisa metodológica utilizada. Nesse compasso, o objeto consiste na confirmação ou não da materialidade ou de indícios dum fato hipoteticamente criminoso que justifique a tomada de uma decisão, devendo essa a confirmação ser resultado de procedimentos metodológicos adequados (Verificações Preliminares de Informações).

Voltando ao exemplo acima, se a notícia é de que houve fraude na licitação 1 porque a empresa Y, vencedora, é de fachada, qual seria o objeto do PNFC? O objeto do PNFC seria houve a fraude na licitação 1 porque a empresa Y, vencedora, é de fachada. Como proceder metodologicamente a pesquisa desse objeto no PNFC? Primeiro ponto de pesquisa é: houve a licitação 1? Para responder a esse questionamento devem ser feitas pesquisas nos Diários Oficiais do Município. Se não há comprovação de que a licitação 1 aconteceu, a decisão é de arquivamento. Se a licitação aconteceu, ela foi vencida pela empresa Y? Para responder a essa pergunta, utiliza-se a pesquisa anterior. Se não foi vencida, a empresa que venceu é de fachada? Se foi vencida pela empresa Y, seria ela de fachada? Nos dois casos, é preciso pesquisar, por exemplo, no INFOSEG sobre o endereço da empresa e fazer uma verificação no local para confirmar a existência da sede da empresa.

A empresa Y tem aparência de empresa de fachada, pois sua sede se resume a uma salinha e tem apenas um funcionário. Há indícios de que o fato noticiado existe e, caso ele se confirme, a hipótese de crime de fraude em licitação se configura. Com a identificação, ao final das pesquisas sobre os indícios de materialidade de fato criminoso, surgem para o presidente da pré-investigação o conhecimento necessário para a tomada de decisão e sendo o fato criminoso também  ilícito civil de improbidade, encaminham-se as cópias do PNFC para a promotoria cível correspondente apurar a improbidade é uma medida cabível. No exemplo acima, o conhecimento produzido permite a adoção das seguintes decisões:

  • instaurar um PIC na Promotoria para apurar o fato, devendo-se delinear, da mesma forma, o objeto da apuração, sendo este, em razão da finalidade do PIC, um pouco diferente do objeto do PNFC; ou
  • requisitar a instauração de um IP à autoridade policial;
  • instaurar um PIC e requisitar a instauração de um IP com o mesmo objeto para que sejam feitas investigações paralelas e compartilhadas entre o MP e Polícia Judiciária[13];

A construção desses paradigmas teóricos levou em consideração as dificuldades práticas enfrentadas no dia-a-dia da atividade e, também, a teoria do crime, pois quando se estuda o fato crime (conduta + nexo de causalidade + resultado + tipicidade + antijurídico + punibilidade) fica claro quais elementos precisam ser pesquisados, bastando no Procedimento de Notícia de Fato Criminal, diferentemente do PIC, encontrar elementos ao menos indiciários do resultado e da tipicidade.  A conduta e o nexo de causalidade dependem do PIC, como finalidade de procedimento, apesar de não haver impedimento que todos esses elementos sejam eventualmente descobertos dentro ou fora desses procedimentos, conforme se vê abaixo:

 

O exemplo acima foi simples e serviu apenas para apresentar um aspecto prático dos conceitos teóricos acima delineados, facilitando o entendimento adiante abordado sobre a verificação preliminar de informações ou os procedimentos metodológicos de pesquisa do PNFC.

Verificação Preliminar de Informações ou Procedimentos Metodológicos

O parágrafo único do Art. 3º da Res. CNMP n. 174/2017 prescreve que, no prazo de 30 (trinta) mais 90 (noventa) dias o membro do Ministério Público poderá colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições[14]. O PNFC pode ser classificado também como uma metodologia de pesquisa de um objeto e, como tal, possui vários procedimentos metodológicos (métodos) comumente conhecidos como diligências ou verificação preliminar de informações. Um dos efeitos da definição do objeto da investigação é exatamente a escolha dos procedimentos metodológicos mais úteis à resposta buscada no problema do objeto da apuração.

Assim, se o problema a ser apurado é a existência de peculato decorrente do desvio de recursos públicos da prefeitura X, a busca em sistemas de informação abertos como sites de notícias, portais de transparência, consulta de dados cadastrais em sistemas fechados sobre aquele fato são procedimentos metodológicos úteis.  Por outro lado, pedir certidões de levantamento patrimonial em todos os cartórios imobiliários se mostra pouco útil ao Procedimento de Notícia de Fato, apesar de ser bastante adequado quando for examinada a evolução patrimonial do investigado no PIC.

Da mesma forma, se a notícia do fato cuida da ocorrência de lesão corporal de uma vítima X, não se desvela procedimento metodológico útil o levantamento em portais de transparência, diários oficiais, etc. sobre aquele fato. O exemplo é esdrúxulo, mas serve justamente para demonstrar que existem vários procedimentos metodológicos de pesquisa dentro da metodologia do PNFC, mas nem todos são  adequados para os mesmos fins.

O objeto, por óbvio, influencia a escolha das verificações preliminares de informações. Como conjunto de métodos de pesquisa, a VPI é extensa e flexível, admitindo quase que uma infinidade de caminhos. Porém, se não guardarem pertinência com o objeto da pesquisa, serão apenas perda de tempo não-resolutiva. A frase que deve nortear o membro na condução da escolha dos procedimentos metodológicos de comprovação é: “tudo que é lícito e compatível é permitido, mas nem tudo é conveniente”. Existem à disposição do Promotor de Justiça que preside um PNFC as chamadas técnicas convencionais de investigação e as técnicas especiais de investigação.

As técnicas convencionais estão previstas no Código de Processo Penal e podem ser listadas como sendo as seguintes: exames de corpo de delito e perícias, oitiva de pessoas, reconhecimento de pessoas e coisas, documentos e indícios, já que o interrogatório, a busca e apreensão e a confissão somente se destinam a investigações em que os investigados estão formalmente presentes. Já as técnicas especiais de investigação, que podem ser apresentadas nas demais legislações penais e processuais, como consultas em fontes abertas de dados e informações, consultas ao COAF (quando o fato trate de lavagem de capitais) afastamento de sigilos de dados cadastrais telefônicos, bancários e fiscais, etc.

As demais técnicas especiais, como interceptação telefônica, ambiental óptica e/ou acústica, ação controlada, infiltração de agentes de polícia ou inteligência, quebra dos sigilos bancário, fiscal, financeiro e eleitoral, delação premiada e interceptação telemática somente possuem sentido dentro de investigação criminal formalmente instaurada porque se apoiam em prova ou indícios de materialidade e autoria e dependem de autorização judicial. Diante disso, metodologicamente, podem ser apontadas as seguintes Verificações Preliminares de Informações no Procedimento de Notícia de Fato Criminal:

Técnica Especial

Técnica Convencional

Consulta a sistema

INFOSEG (CPF/CNPJ - RENAVAM - RENACH)

Solicitação de Informações

CGU

SISP - PC - PF

CGE

CNE

CAOs - MPAM

BANCOS DE DADOS DA PROMOTORIA

OFÍCIOS DE SOLICITAÇÕES EM GERAL

SIEL

EXAME DE CORPO DE DELITO

PROJUDI

SOLICITAÇÃO DE DOCUMENTOS

SAJ

PERÍCIAS

PJE

Oitiva de Pessoas

TERMOS DE DECLARAÇÕES

CCS

RECONHECIMENTO DE PESSOAS

CENSEC

RECONHECIMENTO DE COISAS

CAGED

Análise de dados

INDÍCIOS

ANAC

TCU

TCE   - JUCEA

Solicitação de Informações

LUZ

ÁGUA

COAF

INCRA - SNCR

CAPITANIA DOS PORTOS

IPTU - SEMEF

CARTÓRIOS DE NOTAS, TÍTULOS E DOCUMENTOS

Pesquisa direta em site

DIÁRIOS OFICIAIS

PORTAIS DE TRANSPARÊNCIA

MEC/FNDE

DATASUS

SITES DE NOTÍCIAS

REDES SOCIAIS

SITES DE BUSCAS

STREET VIEW

Atuação Externa

CAMPANA

VIGILÂNCIA

CONFIRMAÇÃO DE LOCAL

 

Portanto, VPI ou Procedimentos Metodológico de Pesquisa são técnicas de verificação destinadas a comprovar o objeto da apuração, permitindo ao presidente encontrar provas, indícios, evidências ou outros elementos de convicção que lhes permita tomar uma decisão importante e segura sobre o problema do objeto do PNFC por ele dirigido.

DECISÕES POSSÍVEIS

Concluídas as pesquisas metodológicas hábeis a responder o problema do objeto da apuração, quatro decisões possíveis se apresentam para o órgão titular da apuração: declínio de atribuição, deferimento de instauração de investigação, indeferimento de instauração de investigação ou ajuizamento de ação penal.

A Res. CNMP n. 181/2017 prescreve, em seus Arts. 2º, que em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá: I – promover a ação penal cabível; II – instaurar procedimento investigatório criminal; III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo; IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento; V – requisitar a instauração de inquérito policial, indicando, sempre que possível, as diligências necessárias à elucidação dos fatos, sem prejuízo daquelas que vierem a ser realizadas por iniciativa da autoridade policial competente. O Art. 2º, IV, da Res. CNMP n. 181/2017 é regulamentado no Art. 19 do mesmo diploma. A Res. CNMP n. 174/2017 estabelece que a Notícia de Fato comporta decisões de arquivamento, declínio de atribuição e instauração de procedimento próprio (Arts. 2º, § 2º, Art. 3º, parágrafo único, Art. 4º, Art. 6º e Art. 7º).

Já a Res. CSMP/AM n. 006/2015 trata das decisões possíveis no PNFC em artigos diversos, prevendo o indeferimento da notícia de fato criminal nos Arts. 18 e 25; o deferimento, no Art. 21; e o declínio de atribuição no Art. 5º. Entretanto, não regulamenta o ajuizamento de ação penal cabível e a requisição de instauração de inquérito policial. A partir desse cenário normativo, é que serão abordadas as decisões possíveis nos subitens seguintes.

Declínio de Atribuição (Art. 2º, III, da Res. CNMP n. 181/2017, Art. 2º, § 2º, da Res. CNMP n. 174/2017 e Art. 5º da Res. CSMP/AM n. 006/2015)

Após a realização das verificações preliminares de informações, os indícios de materialidade podem apontar para a ocorrência de ilícitos penais para os quais o presidente não tenha atribuição para decidir sobre a instauração ou não investigação. A Res. CSMP/AM n. 006/2015, no seu Art. 3º, determina que atuará em notícia de fato ou em procedimento extrajudicial o órgão de execução do Ministério Público do Estado do Amazonas com atribuições descritas em lei ou em ato normativo correspondente.

No caso do PNFC, os principais atos normativos são a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e as Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos. A Constituição regulamenta a competência tanto administrativa quanto das justiças comuns federal e estadual e das justiças especializadas eleitoral, militar e do trabalho. Logo, como há essa divisão e uma das finalidades da futura investigação criminal é o ajuizamento ou não de ação penal, resta evidente que o PNFC também sofrerá influências dessas regras judiciais referentes à competência dos juízos. O Código de Processo Penal, por sua vez, estabeleceu no Art. 69 que a competência jurisdicional será determinada pelo lugar da infração, pelo domicílio ou residência do réu; pela natureza da infração; pela distribuição; pela conexão ou continência; pela prevenção; e pela prerrogativa de função.

 A distribuição e a prevenção possuem menos importância que as demais regras de fixação de competência, apesar de haver situações em que elas influenciarão o PNFC, pois com pesquisas em sistemas de processos judiciais, o fato narrado estará sendo apurado em processo judicial anterior. Todavia, é importante lembrar que a atribuição para investigar, ainda que guardem certa similitude com a competência judicial é bem diferente desta, já que a atribuição para investigar é uma espécie de competência administrativa extrajudicial, regulada pela Lei Orgânica de cada Ministério Público. Logo, a atribuição para apreciar o PNFC deve seguir as regras administrativas de cada Ministério Público.

A Lei Complementar n. 75/1993, no Art. 39, estabelece que compete ao Ministério Público Federal atuar sempre que a obrigação de agir para respeitar os direitos violados for pelos Poderes Públicos Federais;  pelos órgãos da administração pública federal direta ou indireta; pelos concessionários e permissionários de serviço público federal; e por entidades que exerçam outra função delegada da União. A Lei n. 8.625/1993, em seu Art. 27, determina que é da atribuição do Ministério Público Estadual a atuação sempre que a obrigação de garantir o cumprimento dos direitos violados for pelos poderes estaduais ou municipais; pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta; pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal; e por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública.

Assim, além dessa atribuição geral ainda existe a atribuição interna de cada MP e hipóteses em que há a concorrência de competências de órgãos federais e estaduais, dando ensejo a uma possível concorrência de atribuições. O assunto das atribuições é verdadeiramente denso e ensejaria até um trabalho específico sobre ele, mas como a ideia neste estudo é tratar apenas das decisões possíveis na conclusão do PNFC, a simples referência a essas formas de atribuições extrajudiciais e competências judiciais são suficiente para avançar sobre a decisão de declínio de atribuição.

O § 2º do Art. 2º da Res. CNMP n. 174/2017 e O Art. 5º da Res. CSMP/AM n. 006/2015, prescrevem, em resumo, que se entender que não possui atribuições para atuar em notícia de fato recebida, o membro do Ministério Público deverá providenciar a sua remessa direta ao órgão de execução interno ou externo que entenda possuir atribuições para tanto. Assim, se os indícios de materialidade apontarem para a participação de autoridade com foro por prerrogativa, o declínio de atribuição pelo Promotor de Justiça de primeiro grau é obrigatório, valendo a pena destacar que os indícios, evidências, provas e elementos colhidos em VPI no Procedimento de Notícia de Fato Criminal são totalmente hígidas, pois o PNFC é uma pré-investigado do fato e não dos autores, já que sequer há investigados nesse procedimento. Então, constatada a existência de indícios de materialidade da provável participação de autoridade com foro por prerrogativa de função, deverá o membro responsável pelo PNFC declinar a atribuição para o órgão investido de habilitação para a instauração ou não da investigação sobre os fatos noticiados.

Não é possível, porém, a instauração de procedimento investigatório pela autoridade sem atribuição com posterior remessa do PIC ao outro órgão encarregado, pois a decisão quanto à instauração, para ser válida, precisa ser proferida por quem atribuição para presidir uma investigação envolvendo autoridade detentora de foro, por exemplo. Importante lembrar que, como regra processual, o princípio do tempus regit acto se aplica, de sorte que o exame da presença de foro por prerrogativa por função, por exemplo, tem que se concretizar prévia ou contemporaneamente à decisão final do PNFC. Se a pessoa adquirir foro posteriormente, as decisões anteriores são perfeitamente válidas.

Quando envolve autoridade com prerrogativa de função, o declínio de atribuição pode se dar dentro da mesma instituição, isto é, do membro de primeiro grau para o Procurador-Geral de Justiça, como pode exigir a remessa do procedimento para fora da instituição, em casos que envolvam autoridades submetidas à atribuição do PGR. Da mesma forma, o lugar da infração pode ser diferente e a remessa dos autos, ainda que entre órgãos com mesma atribuição, torna-se obrigatória em atenção à regra do Código de Processo Penal. Assim, se o Promotor de Justiça recebe a notícia de um fato em Tabatinga/AM e ao fazer a VPI constata indícios de que o fato se deu em São Paulo de Olivença/AM, deverá declinar a atribuição para este último órgão. A importância desse cuidado quanto à atribuição, no criminal, tem maior relevo do que no cível, pois as medidas judiciais destinadas a produção de provas, se não observarem as regras das competências judiciais, podem gerar nulidades insanáveis.

Arquivamento (Art. 4º da Res. CNMP n. 174/2017) e Indeferimento de Instauração de PIC (Art. 2º, IV, e Art. 19 da Res. CNMP n. 181/2017 e Arts. 18 e 25 da Res. CSMP/AM n. 006/2015)

Aqui vale à pena relembrar que o PNFC não é instaurado formalmente, isto é, não existe uma decisão ou uma portaria de instauração, especialmente pela sua natureza de pré-investigação. Por esse motivo nem a Res. CNMP n. 174/2017 e nem a Res. CSMP/AM n. 006/2015 prevêem regramentos sobre a instauração. Entretanto, há entre as duas resoluções um conflito sobre uma das decisões possíveis do procedimento.

A Res. CNMP n. 174/2017 prevê, no Art. 4º, que a Notícia de Fato será arquivada quando o fato não configurar lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo MP, o fato narrado já tiver sido objeto de investigação ou de ação judicial ou já se encontrar solucionado, a lesão ao bem jurídico tutelado for manifestamente insignificante, nos termos de jurisprudência consolidada ou orientação do CSMP ou Câmara de Coordenação e Revisão, for desprovida de elementos de prova ou de informações mínimos para o início de uma apuração e o noticiante não atender à intimação para complementá-la ou, por fim, for incompreensível a notícia narrada.

A Res. CSMP/AM n. 006/2015, por seu turno, utiliza o verbo indeferir. Todavia, o indeferimento referido pela resolução em questão é do PIC e não da Notícia de Fato, conforme se lê no Art. 25 que assim determina: “se o membro do Ministério Público se convencer da inexistência de fundamento para a instauração de procedimento investigatório criminal, indeferirá a notícia de fato, fazendo-o fundamentadamente.

Assim, ao fazer uma análise com a finalidade do Procedimento de Notícia de Fato Criminal, percebe-se que as duas regulamentações se complementam, pois o indeferimento da instauração da investigação, previsto na Res. CSMP/AM n. 006/2015, tem por fim direto o arquivamento do Procedimento regulado na Res. CNMP n. 174/2017. Logo, o Procedimento de Notícia de Fato que não servir à instauração de investigação deverá ser arquivada e não indeferido.

Nesse aspecto, parece ser equivocada a menção “será indeferida a instauração de Notícia de Fato” na proposta de inclusão do § 4º ao Art. 4º da Resolução n. 174/2017, já que essa resolução trata do arquivamento do Procedimento de Notícia de Fato. Assim, o mais adequado seria manter a redação atual do Art. 4º da Res. CNMP n. 174/2017, já que a ausência de lesão ou ameaça a lesão aos interesses ou direitos tutelados já é hipótese de arquivamento do PNFC. Pode-se, nos termos da Res. CNMP n. 174/2017, arquivar o Procedimento de Notícia de Fato quando: I – o fato narrado não configurar lesão ou ameaça de lesão aos interesses ou direitos tutelados pelo Ministério Público; II – o fato narrado já tiver sido objeto de investigação ou de ação judicial ou já se encontrar solucionado; III – a lesão ao bem jurídico tutelado for manifestamente insignificante, nos termos de   jurisprudência   consolidada   ou   orientação   do   Conselho   Superior   ou   de   Câmara   de Coordenação e Revisão; IV – for desprovida de elementos de prova ou de informação mínimos para o início de uma apuração, e o noticiante não atender à intimação para complementá-la; V – for incompreensível.

Nada obstante, além de arquivar o Procedimento de Notícia de Fato por esses motivos, há a possibilidade de indeferir a instauração de investigação, hipótese que poderia estar prevista no rol dos motivos que enseja o arquivamento do Procedimento de Notícia de Fato. Assim, em vez de propor o acréscimo do § 4º ao Art. 4º da Res. CNMP n. 147/2017, seria melhor que se introduzisse o inciso VI ao Art. 4º para fazer constar a hipótese de indeferimento de investigação por ausência de justa causa.

A Res. CNMP n. 181/2017, o Art. 2º, IV, determina que o membro do Ministério Público poderá  promover fundamentadamente o respectivo arquivamento das peças de informação, enquanto os Arts. 18 e 25 da Res. CSMP/AM n. 006/2015 prescrevem que a Notícia de Fato será indeferida[15] fundamentadamente quando faltar justa causa ou condição de procedibilidade à futura ação penal; ou os fatos narrados não configurarem crime ou contravenção penal; ou o fato já tiver sido objeto de investigação ou de ação penal; ou se, mesmo após as diligências preliminares, não surgirem quaisquer provas suficientes de crime ou de contravenção penal.

É interessante notar que a Res. CNMP n. 181/2017 menciona promover fundamentadamente o respectivo arquivamento quando o membro do Ministério Público responsável pelo procedimento se convencer da inexistência de fundamento para a propositura de ação penal pública ou constatar o cumprimento do acordo de não-persecução, esclarecendo que a promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente, nos moldes do art. 28 do Código de Processo Penal, ou ao órgão superior interno responsável por sua apreciação, nos termos da legislação vigente.

As Resoluções do CNMP e do CSMP/AM, nesse particular, divergem, pois a do Amazonas, editada pelo órgão superior interno CSMP - assim como a Res. CNMP n. 174/2017 - decidiu que o Procedimento de Notícia de Fato Criminal dispensa a remessa ao Conselho quando de seu arquivamento, apesar de ter permitido que haja recurso contra essa decisão e que este recurso será examinado pelo CSMP. A questão relevante aqui é: seria possível uma interpretação de conformidade entre esses dispositivos? Sim, é cabível uma interpretação de conformação.

Nesse caso, como o parágrafo único do Art. 19 da Res. CNMP n. 181/2017 prescreve que a promoção de arquivamento será apresentada ao juízo competente ou ao órgão superior interno responsável pela sua apreciação, torna-se possível que o órgão superior interno, neste caso o CSMP/AM, estipule regramento específico sobre o arquivamento do Procedimento de Notícia de Fato Criminal. Logo, como o CSMP/AM estipulou regramento específico quanto ao Procedimento de Notícia de Fato Criminal, assegurando, inclusive, a possibilidade de revisão dessa decisão, em consonância com a sistemática existente no Código de Processo Penal, não há ilegalidade em aplicar esse entendimento ao PNFC.

A outra opção viável, não excluída pela Res. CSMP/AM n. 006/2015, em seus parágrafo único do Art. 19 e  § 2º do Art. 25, é a faculdade de submeter o indeferimento da instauração do PIC ao CSMP (Arquivamento do PNFC) ou, por conseguinte, ao próprio Poder Judiciário. A escolha ficará a cargo do membro responsável pela presidência do procedimento. O ideal, sem dúvida, é a unificação do procedimento, porém, todas essas possibilidades, quanto ao indeferimento da instauração do PIC são legalmente possíveis.

Acaso opte pelo sistema de controle previsto na Res. CSMP/AM n. 006/2015, o membro deverá observar os dispositivos contidos nos Arts. 18 a 20 e § 2º do Art. 25, in verbis:

“Art. 18. Em caso de indeferimento da notícia de fato, de natureza cível ou criminal, o noticiante será cientificado da decisão de indeferimento.

§1º. A cientificação será realizada, preferencialmente, por meio eletrônico, podendo também ser efetivada por carta com aviso de recebimento ou notificação pessoal, ou, na hipótese de não localização, por publicação no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público (DOMPE).

§2º. A cientificação é facultativa no caso de a notícia de fato ter sido encaminhada ao Ministério Público por órgão público em face de dever de ofício.

§3º. Se a notícia de fato for anônima, a cientificação será efetivada pela publicação no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público (DOMPE).

Art. 19. O indeferimento de notícia de fato prescinde de sua remessa ao Conselho Superior do Ministério Público.

Parágrafo único. É facultado ao membro do Ministério Público submeter o indeferimento de notícia de fato anônima ou de grande repercussão social a reexame voluntário pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Art. 20. Do indeferimento da notícia de fato caberá recurso administrativo ao Conselho Superior do Ministério Público, devidamente fundamentado e com as respectivas razões, no prazo de 10 (dez) dias.

§1º. Caso o noticiante apresente recurso contra a decisão de indeferimento da notícia de fato, o recurso será protocolado na secretaria do órgão que indeferiu a instauração de procedimento e juntado aos respectivos autos extrajudiciais, que deverão ser remetidos, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público, para apreciação, caso não haja reconsideração.

§2o. Não havendo recurso, os autos serão arquivados na própria origem, registrando-se no sistema respectivo.

(...)

Art. 25. Se o membro do Ministério Público se convencer da inexistência de fundamento para a instauração de procedimento investigatório criminal, indeferirá a notícia de fato, fazendo-o fundamentadamente.

(...)

§2o. O indeferimento da notícia de fato de natureza criminal, na forma do parágrafo anterior, dispensa a remessa ao Poder Judiciário e será arquivada na própria Promotoria de Justiça de origem.

E quando deverá indeferir a instauração de PIC ou não requisitar a instauração de IP? A resposta está nos incisos I a IV do § 1º do Art. 25, abaixo transcrito:

Art. 25. Se o membro do Ministério Público se convencer da inexistência de fundamento para a instauração de procedimento investigatório criminal, indeferirá a notícia de fato, fazendo-o fundamentadamente.

§1o. O membro do Ministério Público indeferirá a instauração de procedimento de investigação criminal.

I - se faltar justa causa ou condição de procedibilidade à futura ação penal;

II - se os fatos narrados não configurem crime ou contravenção penal;

III - se o fato já tiver sido objeto de investigação ou de ação penal;

IV - se, mesmo após as diligências preliminares, não surgirem quaisquer provas suficientes de crime ou de contravenção penal.

 

A clareza das hipóteses acima dispensa maiores aprofundamentos teóricos, já que podem ser resumidos na ausência de justa causa para futura investigação ou simplesmente não houver indícios de materialidade de crimes.

Deferimento de Instauração de PIC ou Requisição de IP (Art. 2º, II e V, da Res. CNMP n. 181/2017 e Art. 52, II e V, e Art. 54 da Res. CSMP/AM n. 006/2015)

Em sentido contrário ao que ocorre com o indeferimento, será possível o deferimento quando houver justa causa para a investigação. Se a justa causa for para a ação penal não fará sentido a instauração da investigação, pois já haverá elementos para o ajuizamento da ação penal. A justa causa para a instauração da investigação é a presença de indícios de materialidade de crime, ainda que não se saiba ou se tenha indícios de autoria. Assim, haverá justa causa para a instauração de Procedimento Investigatório Criminal ou Requisição de Instauração de Inquérito Policial sempre que, após a fase de VPI, o presidente do procedimento encontrar indícios de materialidade crime, do contrário o indeferimento é impositivo.

A requisição de instauração do IP não é excludente da instauração do PIC, ainda que o Art. 25, § 1º, III, da Res. CSMP/AM n. 006/2015, mencione ser essa uma hipótese de indeferimento, mostra-se muito interessante a formação de forças-tarefas pela Polícia Judiciária e o Ministério Público a partir da instauração de IP e de PIC, posteriormente reunidos para ajuizamento de ação penal. Por essa razão, o Art. 2º, II e V, da Res. CNMP n. 181/2017 e o Art. 52, II e V, da Res. CSMP/AM n. 006/2015 colocam essas duas possibilidades em favor da decisão do membro.

A exceção à existência de justa causa está prevista no Art. 21 da Res. n. 006/2015, quando estabelece que se o fato requerer apuração ou acompanhamento ou vencido o prazo do Art. 20, instaurará o procedimento próprio. Disposição similar está no Art. 7º da Res. CNMP n. 174/2017, quando estabelece que se o fato requerer apuração ou acompanhamento ou vencido o prazo de 30 (trinta) mais 90 (noventa) dias, deverá ser instaurado o procedimento próprio. O problema é que o Art. 20 da Res. CNMP/AM n. 006/2015 não trata de prazo do Procedimento de Notícia de Fato Criminal, que está definido no Art. 24. Parece, portanto, ter havido equívoco na referência ao Art. 20, pois este dispositivo se refere ao prazo para recurso quanto ao indeferimento da notícia de fato. Tal equívoco, porém, foi corrigido no  Art. 7º da Res. CNMP n. 174/2017, que deixa clara a referência ao prazo de 120 (cento e vinte) dias.

Logo, parece que a ideia foi de evitar um prolongamento desnecessário da duração do PNFC, de modo que se os fatos se mostrarem mais complexos, a instauração do PIC ou a requisição de IP seriam a via mais adequada. Por isso, quando se previu a vedação à expedição de requisições, ficou evidente a compatibilidade com o procedimento, pois tal medida evita o prolongamento e o uso indevido da Notícia de Fato como investigação, desvirtuando a sua real finalidade.

Entrementes, é de se buscar sempre a existência de justa causa, pois a instauração de PIC ou a requisição de IP representam um risco maior do que os inquéritos civis. Assim, a interpretação mais prudente nesse caso não seria se os fatos são mais complexos por si mesmos, mas sim aqueles fatos cuja apuração exija o ajuizamento de medidas investigatórias submetidas à reserva de jurisdição. Nesse contexto, se após a VPI houver indícios de materialidade que somente poderão ser confirmados mediante o uso de medidas cautelares de afastamento de sigilos, por exemplo, vencido o prazo do PNFC, a instauração do PIC é necessária Não se pode confundir essa possibilidade com aquela em que o PNFC está vencido, mas não houve a realização de VPI. Aqui, ainda que em desconformidade com a regra do prazo para conclusão, deve ser adotada a prorrogação do PNFC para realizar a VPI, pois a instauração de uma investigação sem elementos mínimos de justa causa é mais nocivo do que prorrogar o procedimento por prazo superior ao limite previsto nos regulamentos.

Ajuizamento de Ação Penal (Art. 2º, I, da Res. CNMP n. 181/2017 e Art. 52, I, da Res. CSMP/AM n. 006/2015)

Conforme já delineado no curso deste estudo, é possível que ao final do PNFC, a VPI traga elementos de materialidade e indícios suficientes de autoria, de sorte que não haveria sentido em instaurar um PIC ou requisitar o IP se o membro já possui os requisitos para o ajuizamento da ação penal pública incondicionada. Portanto, a decisão do PNFC nesse caso será de oferecimento da denúncia e com isso encerra-se o procedimento. Vale destacar que esta, porém, não é a regra.

Do Acordo de Não-Persecução Penal (Art. 18 da Res. CNMP n. 181/2017)

De todas as decisões possíveis, a mais polêmica certamente é a prevista no Art. 18 da Res. CNMP n. 181/2017, que é o acordo de não-persecução penal. Neste trabalho não serão abordados os aspectos específicos do tema e, portanto, todas as atuais discussões travadas sobre a constitucionalidade ou não dessa decisão. Por outro lado, como este trabalho tem por objeto as Resoluções CNMP n. 181/2017 e CSMP/AM n. 006/2015, essa possibilidade de decisão não poderia ficar de fora do estudo.

Esse acordo de não-persecução penal somente tem regramento na Res. n. 181/2017 do CNMP e aplicar-se-ia aos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o membro do Ministério Público poderia propor ao investigado um acordo de não-persecução penal, desde que o suspeito confessasse formal e detalhadamente a prática do delito, indicasse eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir pelo menos um dos requisitos previstos nos incisos I a VI e não se enquadrar em nenhum dos incisos I a IV do §1º, todos do Art. 18 da Res. CNMP n. 181/2017. Com isso, concluem-se as possíveis decisões a serem adotadas pelo Promotor de Justiça do Estado do Amazonas na conclusão do Procedimento de Notícia de Fato Criminal, regulado pelas Resoluções CNMP n. 181/2017 e CSMP/AM n. 006/2015.

REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Alessandro Samartin de Gouveia

Promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Possui graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (2004). Pós-graduado em nível de Especialização em Direito Processual pela ESAMC/ESMAL(2006). Formação complementar em política e gestão da saúde público para o MP - 2016 - pela ENSP/FIOCRUZ. Pós-graduando em prevenção e repressão à corrupção: aspectos teóricos e práticos, em nível de especialização (2017/2018), pela ESTÁCIO/CERS. Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: súmula vinculante, separação dos poderes, mandado de segurança, controle de constitucionalidade e auto de infração de trânsito. http://orcid.org/0000-0003-2127-4935

Christianne

Promotora de Justiça

Informações sobre o texto

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