Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos gerais e específicos do procedimento de notícia de fato criminal. 2.1. Aspectos gerais. 2.2. Aspectos específicos. 2.3. Registro e autuação. 2.4. Formalização por provocação. 2.5. Formalização de ofício. 2.6. Formalização por provocação anônima. 2.7. Prazos. 2.8. Publicidade. 3. Objeto do procedimento de notícia de fato criminal e verificação preliminar de informações – VPI. 3.1. Delimitação do objeto do procedimento de notícia de fato criminal. 3.2. Verificação preliminar de informações ou procedimentos metodológicos. 4. Decisões possíveis. 4.1. Declínio de atribuição. 4.2. Arquivamento. 4.3. Deferimento de instauração de PIC ou requisição de IP. 4.4. Ajuizamento de ação penal. 4.5. Do acordo de não-persecução penal. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por escopo analisar o Procedimento de Notícia de Fato Criminal - PNFC, regulamentado pelas Resoluções CSMP/AM n. 006/20151 e CNMP n. 174/20172 e 181/20173, e as decisões possíveis de serem adotadas pelo Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Amazonas e por qualquer membro ministerial no exercício da atividade extrajudicial criminal para a conclusão desse procedimento.
Os objetivos gerais, portanto, são descrever a regulamentação do Procedimento de Notícia de Fato Criminal conforme Resoluções CSMP/AM n. 006/2015 e CNMP ns. 174/2017 e 181/2017; identificar os contornos teóricos para o uso prático desse instituto no exercício da atividade extrajudicial criminal do membro do Ministério Público; e apresentar as decisões possíveis para conclusão do procedimento.
Os objetivos específicos deste estudo são apontar a finalidade, o objeto e a metodologia aplicável ao instituto regulamentado pelos diplomas acima para que se obtenha um fim resolutivo e em prazo razoável; e propor a adoção de medidas que permitam a obtenção de resultados mais eficientes e eficazes pelos membros do Ministério Público do Estado do Amazonas no exercício de suas atividades extrajudiciais criminais.
A metodologia aplicada no desenvolvimento deste trabalho será de consulta normativa, pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, permitindo que no primeiro capítulo sejam apresentados os aspectos gerais e específicos; no segundo capítulo, o objeto do procedimento e a definição da metodologia investigativa; e no terceiro capítulo as decisões possíveis de serem adotadas pelo Promotor de Justiça Criminal para a conclusão do Procedimento de Notícia de Fato Criminal.
Ao final, sem a pretensão de apresentar respostas definitivas sobre os objetivos do estudo, ter-se-ão, oferecido caminhos seguros aos membros do Ministério Público do Estado do Amazonas na condução de Procedimentos de Notícia de Fato criminais que estejam sob sua responsabilidade, garantindo, portanto, uma maior resolutividade desses procedimentos.
ASPECTOS GERAIS E ESPECÍFICOS DO PROCEDIMENTO DE NOTÍCIA DE FATO CRIMINAL
Aspectos Gerais
Antes de estudar o tema, importa ter em mente que o Procedimento de Notícia de Fato regulamentado nas Res. CSMP/AM n. 006/2015 e Res. CNMP n. 174/2017 é equivalente às peças de informação previstas na Res. CNMP n. 181/2017 e no Código de Processo Penal. O primeiro destaque é que o Procedimento de Notícia de Fato - PNFC ou o procedimento referente às peças de informação não é instaurado, apesar de ser registrado e autuado. A ausência de instauração demonstra não haver uma decisão formal ou a expedição de uma portaria iniciando o Procedimento de Notícia de Fato, diferente do que acontece com o Procedimento Investigatório Criminal - PIC. A formalidade de registrar a notícia e autuá-la não significa que houve uma instauração de investigação criminal, pelo contrário. Apenas ao final é que se decidirá sobre a instauração da investigação ou não. Então, nem toda notícia de fato é convertida em investigação criminal, assim como nem toda notícia de um fato recebe tratamento formal de procedimento.
O Atendimento ao Público, por exemplo, é tratado na Res. CSMP/AM n. 006/2015 e na Resolução CNMP n. 174/2017 como Notícia de Fato, mas, nem por isso se confunde com o PNFC. Quando as resoluções em estudo estabelecem que a Notícia de Fato é qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, entendendo-se como tal a realização da atendimentos, bem como a entrada de notícias, documentos, requerimento ou representações, abriu-se margem para o entendimento de que tudo que ingressa na Promotoria de Justiça ou nas Procuradorias seriam Notícias de Fato. Entendimento, portanto, pouco resolutivo e dissonante com a finalidade do procedimento.
O Atendimento ao Público pode originar um Procedimento de Notícia de Fato, pois os fatos trazidos pelo atendido podem ser relevantes e exigirem mais esclarecimentos. Entretanto, o simples Atendimento ao Público não pode ser tratado como Procedimento de Notícia de Fato, sobretudo quando esse atendimento se refere à prestação de meras informações ou andamentos processuais judiciais. Ainda que isso represente uma demanda dirigida ao órgão da atividade-fim, já que exige uma resposta do órgão ministerial, esta não é uma demanda que justifique o início de um Procedimento de Notícia de Fato.
Da mesma forma, ofícios, convites, comunicações protocolares, etc. recebidas na promotoria de justiça, não obstante devam ter registro da entrada, não são Procedimentos de Notícia de Fato e, por isso, devem ser tratados de acordo com as normas organizacionais da promotoria.
Nesse sentido, portanto, foi o entendimento do CNMP no julgamento do Pedido de Providência n. 1.00784/2017-02 e na Consulta n. 1.00724/2017-27, nos quais o Conselho Nacional entendeu que a expressão “qualquer demanda dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público” não pode ser interpretado de maneira elástica, já que evidentemente aquelas demandas que não guardassem conteúdo ou finalidade correlata à atividade-fim ministerial não exigiriam a atuação extrajudicial do membro do Ministério Público, sobretudo porque este deve se pautar pela entrega de resultados úteis e relevantes à sociedade como reflexo de sua atuação resolutiva.
O Procedimento de Notícia de Fato Criminal, portanto, pode ser definido, então, como uma pré-investigação, pois enquanto não houver um juízo de certeza sobre existência, ao menos indiciária, de um fato penalmente relevante, não há como se adotar uma das decisões possíveis para concluir o Procedimento de Notícia de Fato Criminal.
O móvel do PNFC é exatamente a dúvida quanto à existência de indícios de materialidade de um fato juridicamente relevante a dar suporte à tomada de decisão pelo Promotor de Justiça sobre a instauração de um PIC, a requisição de instauração de IP, a realização de acordo de não-persecução criminal, declínio de atribuição, arquivamento ou ajuizamento de ação penal.
Portanto, a busca por indícios de materialidade no PNFC não é completamente uma investigação, mas apenas uma pré-investigação sobre a existência do fato.
Isso fica ainda mais claro quando se percebe não existirem investigados nem haver expedição de requisições ou intimações em Procedimentos de Notícia de Fato Criminal, sendo apenas formulados convites e ofícios de solicitação.
Apesar de ser ontologicamente prevista para confirmar a existência de indícios ou prova de materialidade, às vezes, pode acontecer de, com a confirmação da materialidade de um delito, chegar-se a indícios de autoria, viabilizando o ajuizamento de ações penais. Essa, porém, não é a regra.
Logo, tem-se que o Procedimento de Notícia de Fato Criminal - PNFC está para a Pré-Investigação tanto quanto o PIC ou o IP estão para a Investigação ou a Ação Penal está para o Processo Penal.
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Aspectos específicos
Tanto na Res. n. 13/2006 quanto na Res. n. 181/2017, do CNMP, o Procedimento de Notícia de Fato Criminal é equivalente às peças de informação, apesar de estar regulamentada a Notícia de Fato na Res. CNMP n. 174/2017 e na Res. CSMP/AM n. 006/2015. A novel4 Res. no Art. 2º e Art. 3º, § 4º e § 6º, refere-se a peças de informação e, como se nota, não emprestou grande delineamento a esse instrumento no âmbito nacional, tendo, como se observa no § 4º do Art. 3º, definido que deverão ser seguidas as regras internas de divisão de serviços e, no § 6º, especificado que o prazo para a conclusão dessas peças de informação é de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por até 90 (noventa) dias. O regramento, portanto, ficou a cargo da Res. CNMP n. 174/2017 e, no caso do Amazonas, a Res. CSMP/AM n. 006/2015.
A Res. CSMP/AM n. 006/2015, no âmbito do Amazonas, regulamenta todos os procedimentos administrativos extrajudiciais destinados à atividade-fim ministerial estadual. Já a Res. CNMP n. 174/2017, cuidou apenas da Notícia de Fato e do Procedimento Administrativo. No Art. 15. da Res. n. 006/2015 do CSMP/AM se encontram regras comuns às notícias de fato cível e criminal. De forma geral, afirmar-se que o procedimento notícia de fato criminal se origina de qualquer documento ou informação dirigida aos órgãos da atividade-fim do Ministério Público, podendo ser formulada presencialmente ou não, bem como a partir de notícias, documentos, requerimentos ou representações protocoladas na unidade ministerial.
Os Atendimentos ao Público feitos pelo membro do Ministério Público também recebem a denominação de notícia de fato, mas, nem todo atendimento ao público se converte em PNFC, conforme demonstrado nos aspectos gerais. Portanto, para os fins deste estudo, tratar-se-á apenas do PNFC, pois este é mais complexo e exige uma atuação destinada a entrega de resultados úteis e relevantes à sociedade, diferente do atendimento ao público comum – no qual se preenche ficha de atendimento, ainda que numerado e eventualmente registrado em livro ou sistema e não se tratam de fatos penalmente relevantes – e se encerra com a conclusão do atendimento.
Mesmo sendo uma forma de procedimento simplificado, o Procedimento de Notícia de Fato Criminal exige um mínimo de formalidade, pois uma vez materializado o órgão ministerial terá que adotar um conjunto de medidas para definição do objeto do procedimento com a finalidade de identificar se há elementos que lhes permita adotar umas das possíveis decisões para a conclusão do PNFC.
Nesse sentido, a Res. CNMP n. 174/2017 prescreve no Art. 2º que a Notícia de Fato deverá ser registrada em sistema informatizado de controle e distribuída livre e aleatoriamente entre os órgãos ministeriais com a atribuição para apreciá-la, podendo, também, ser distribuída por prevenção quando o objeto noticiado já estiver abrangido por outro procedimento. Nada obstante, é evidente que a Res. CNMP n. 174/2017 não esgota o tema, tendo, o CSMP do Amazonas, acertadamente, melhor delimitado o tema em sua Res. CSMP/AM n. 006/2015, que prevê, na esteira do Art. 16. da Res. n. 006/2015 do CSMP/AM, que o PNFC deverá, preferencialmente, ser formulado por pessoa devidamente identificada e qualificada, com indicação de seu endereço, e conter minimamente a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação de seu autor, quando conhecido.
Apesar disso, mesmo sendo o PNFC um pouco mais formal do que a NF Atendimento ao Público, não se exige dele o mesmo rigor formal, por exemplo, do Procedimento Investigatório Criminal. A sua formalização prescinde de portaria, mas é obrigatório o registro e a autuação, conforme preconiza o Art. 17. da Res. n. 006/2015 do CSMP. O PNFC, então, assemelha-se à notitia criminis ou a peça de informação estudada no processo penal e, portanto, refere-se à comunicação de fatos dirigida a órgãos da atividade-fim do Ministério Público, a quem competirá fazer uma verificação preliminar das informações com o objetivo de confirmar a existência do fato (materialidade) ou indícios de existência desse fato. Como dito acima, no Procedimento de Notícia de Fato o objeto é a apuração de notícias ou informações que justifiquem a instauração de um ou mais procedimento(s) investigatório(s) específico(s) e a sua finalidade é decidir, ao final da pré-investigação, sobre a instauração de PIC ou não.
Registro e Autuação
Para que o PNFC seja iniciado, a movimentação do órgão ministerial deve se dar por provocação ou de ofício, exigindo-se apenas que ela seja conforme o direito. A partir dessas formas de demanda, as quais não exaurem as possibilidades em razão de sua não taxatividade, o primeiro passo importante é registrar o atendimento, representação, requerimento, petição, peças de informação ou qualquer outro documento que demande diligência, no meio escolhido pela Instituição para o controle de documentos, fazendo-o com a atribuição de um número sequencial, seguido pelo ano.
Depois de ter sido feito o registro do PNFC, passa-se à fase da autuação. Nas promotorias onde há servidores, a autuação é de responsabilidade desses; já nas outras, essa incumbência é do próprio membro, que será o secretário e presidente do próprio feito. Assim, para possibilitar o controle nessa fase, o membro precisa compreender que a autuação é importante, pois por ela é que se garante a cadeia de custódia dos documentos que compõem o PNFC, garantindo que eles possam ser aproveitados no PIC como documentos hábeis à formação da opinio delicti.
Nesse compasso, o Art. 17. da Res. CSMP/AM n. 006/2015 obriga o registro do PNFC em sistema de controle. A Res. CNMP n. 147/2017, no Art. 2º, estabelece que o PNFC deverá ser registrado em sistema informatizado de controle. O registro é expressamente previsto, a autuação, por sua vez, é subentendida e tende a ser substituída pelo processo eletrônico extrajudicial, cujo sistema será responsável pelos parâmetros de segurança e preservação da cadeia de custódia dos documentos. Entrementes, enquanto não há a digitalização do procedimento, o membro precisa realizar a autuação, como forma de proteção e preservação da higidez dos elementos de convicção produzidos no curso do procedimento.
No Ministério Público do Estado do Amazonas não há um ato específico que regulamente a autuação, mas há o Ato PGJ n. 112/2009 que regula a autuação dos processos administrativos que são destinados à prestação de contas da Instituição. Nesse ato estão regulamentados desde a forma como dar capa aos processos, o modo de numerar as páginas, a delimitação dos volumes em quantidade de folhas, os termos de juntadas de documentos, aberturas e encerramento de volumes. Sem dúvida, não é o ideal, mas é um norte que permitirá ao membro navegar em águas mais tranquilas na condução do Procedimento de Notícia de Fato Criminal.
Formalização por provocação
A Res. CNMP n. 147/2017 prescreve que a Notícia de Fato pode ser formulada presencialmente ou não, demonstrando que ela pode vir a partir da presença de alguém na Promotoria, cujas declarações podem ser reduzidas a termos, entregue pedido formal escrito ao membro ministerial ou, ainda, pelo envio não presencial das informações. O Art. 16. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, determina que a notícia de fato deverá, preferencialmente, ser formulada por pessoa natural ou jurídica, devidamente identificada e qualificada, com indicação de seu endereço; e conter a descrição dos fatos a serem investigados e a indicação do seu autor, quando conhecido. Além disso, no § 1º do mesmo dispositivo, foi possibilitado ao noticiante apresentar as informações necessárias para esclarecimento dos fatos, bem como indicar meios para obtenção da prova e documentos pertinentes e requerer sigilo da fonte. Por fim, no § 3º do Art. 16. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, foi tratada a notícia de fato atendimento ao público.
O Procedimento de Notícia de Fato Criminal então terá início pelo atendimento ao público, devendo ser tomada por termo ou devidamente registrada em ficha de atendimento. Seja a ficha de atendimento ou a tomada por termo, haverá provocação para a instauração de Procedimento de Notícia de Fato Criminal, no caso ora estudado, já que o regramento é geral e comum ao procedimento cível e ao criminal. A forma anônima, prevista no § 2º do Art. 15, dada à sua especificidade, será tratada adiante em tópico próprio. A comunicação de uma notícia de fato pode se dar, por conseguinte, de duas espécies: a) por provocação; e b) de ofício. A maneira mais comum é a vinda do cidadão ao Ministério Público para dar conhecimento sobre um fato que está em desacordo com a lei.
Na capital do Estado, o setor encarregado de fazer o atendimento ao público, registrar no sistema as informações essenciais e encaminhar, se for o caso, a pessoa para atendimento em uma das Promotorias de Justiça da Capital é o Centro de Atendimento ao Público - CAP. Nas comarcas do interior do Estado a regra é o atendimento feito pelo próprio Promotor de Justiça ou, se houver, algum servidor da promotoria, preenchendo a ficha de atendimento e fazendo os devidos registros do atendimento. Nesse momento, muitas vezes, o laço de proximidade e compromisso do membro ministerial com a comunidade se fortalece.
Além do atendimento ao público, que é uma notícia de fato, mas não um Procedimento de Notícia de Fato, há a provocação que se dá pelo protocolo de requerimento, representação, ofício ou qualquer outro documento dirigido ao membro relatando um ou mais fatos que podem ser hipoteticamente apontados como ilícitos. Assim, será iniciado por provocação o Procedimento de Notícia de Fato sempre que o membro do Ministério Público seja instado a dar uma resposta ao noticiante do fato. Essa provocação, por conseguinte, também pode ser anônima, sendo necessário observar os delineamentos previstos no § 2º do Art. 15, que será adiante estudado. A hipótese de o noticiante requerer sigilo de sua identidade, o que lhe é facultado quando houver receio de perigo à sua segurança, não é anônima, mas apenas decorrente de um noticiante que solicita sigilo de sua identidade. A notícia é, portanto, identificada.
Acaso o noticiante seja ouvido na promotoria, o ideal é que sejam lavrados dois termos, um com a identificação do noticiante, no qual ele assinará e fará constar seus dados pessoais, sendo, ao final, lacrado esse termo em envelope sigiloso em anexo; e outro no qual não constará qualquer identificação do noticiante ou sua assinatura, sendo assinado apenas pelo membro que colheu o depoimento, com a cautela de não identificar o noticiante no texto e nem ser lacunoso demais que impeça a formação mínima de elementos de convicção para a decisão final do PNFC.
Outra possibilidade é a vinda de documentos por outros órgãos públicos ou entidades privadas dando conhecimento de situações que ocorrem no âmbito de suas funções. Não raro recebem-se notícias genéricas, indicando fatos abertos, pessoas indetermináveis, sem delineamento do suposto ilícito no tempo e no espaço, sem qualquer possibilidade de aferição. Para esses casos o § 2º do Art. 16. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, autorizou que o membro do Ministério Público solicite do noticiante complementos à notícia do fato com novas informações ou novos documentos.
Formalização de ofício
A atuação do membro do Ministério Público no exercício de sua independência funcional, também pode dar início ao PNFC na medida em que, atendendo aos anseios sociais dos quais teve conhecimento pelos meios mais variados, como a imprensa ou a internet e, ainda, tomando conhecimento por qualquer forma, inclusive presencial, de atos que tenham contornos suficientes para servir de objeto ao procedimento, age de ofício e inaugura, por despacho, a apuração. O § 1º do Art. 15. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, por sua vez, traz a possibilidade de tomada de conhecimento de ofício pelo órgão ministerial. Assim, se o Promotor de Justiça ou o Procurador de Justiça tomar, por qualquer meio lícito, conhecimento de fato suspeito determinado e relevante que tenha indício hipotético de ilicitude, sem a necessidade de qualquer provocação, poderá determinar o registro e autuação de Procedimento de Notícia de Fato Criminal, iniciando as verificações preliminares das informações.
Formalização por provocação anônima
Esta hipótese não foi prevista na Res. CNMP n. 174/2017, entretanto, na Res. CSMP/AM n. 006/2015, acertadamente, houve a regulamentação desse tipo de provocação. No § 2º do Art. 15, encontra-se essa forma mais polêmica de provocação de atuação estatal e ministerial, pois se refere à provocação ministerial anônima. A comunicação anônima de fato suspeito ao órgão ministerial é uma das formas mais complexas que se pode enfrentar, pois acaso não sejam adotadas providências apuratórias mínimas de confirmação das informações sobre o fato e seu provável autor, donde se possa extrair uma qualificação mínima que permita a sua identificação e localização, pode-se pôr a perder todo um trabalho precioso.
Assim, ganha mais relevo a formalização do PNFC, pois é nele que as notícias anônimas serão ou não confirmadas, por meio das verificações preliminares, não podendo, apenas com base na informação anônima, ser instaurada um PIC ou ajuizada qualquer medida judicial de técnica especial investigativa mais invasiva, como quebras de sigilo bancário e fiscal, por exemplo, sem que tenham sido adotadas providências instrutórias mínimas para se confirmar a presença, ao menos indiciária, de elementos que apontem para a veracidade do fato narrado anonimamente. Sobre o início de investigações a partir de notícias ou peças de informação anônimas, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “é assente na jurisprudência pátria a impossibilidade de se decretar interceptação telefônica com fundamento apenas em denúncia anônicam”5.
Portanto, uma vez recebida notícia anônima de fato supostamente criminoso, pode e deve ser instaurado o Procedimento de Notícia de Fato Criminal, a fim de que sejam realizadas verificações preliminares das informações, convencionais ou especiais, que ajudem a delinear serem os fatos apresentados na notícia anônima revestidos de um mínimo de veracidade quanto à sua ocorrência, sob pena de serem produzidas nulidades, acaso haja a adoção de técnicas especiais de investigação com amparo exclusivo nos fatos narrados anonimamente. Por mais críveis e reais que se mostrem os fatos narrados em uma notícia anônima, não pode o membro do Ministério Público instaurar uma investigação sem realizar verificações preliminares trazendo para o procedimento outras fontes de indícios e elementos de convicção que possam dar sustentação à hipótese de instauração.
Prazos
O Procedimento de Notícia de Fato Criminal, conforme se verá no capítulo seguinte, precisa ter um objeto bem delimitado para que possa ter seu objetivo bem atendido. Conforme já demonstrado anteriormente, o objetivo do PNFC é exatamente a formação de um juízo acerca da existência, ao menos, de indícios de materialidade de crime e a boa delimitação do objeto da pré-investigação é crucial para a melhor escolha da metodologia de apuração, permitindo maior agilidade na confirmação ou não dos fatos noticiados.
Assim, quando se consegue fazer bem esse juízo, os prazos previstos no Art. 24. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, no Art. 3º da Res. CNMP n. 174/2017 e no § 6º do Art. 3º da Res. CNMP n. 181/2017, que são 30 (trinta) dias podendo ser prorrogados por até 90 (noventa) dias, revelam-se razoáveis para o fim e a finalidade do PNFC. O problema do vencimento do prazo do PNFC sem que haja conhecimento produzido suficiente para a tomada de decisão será enfrentado no último capítulo.
Publicidade6
A publicidade é a regra quando se trata de procedimentos administrativos extrajudiciais. O sigilo, por conseguinte, é a exceção. Na apuração criminal, a publicidade deve ter a sua aplicabilidade conformada pelos balizadores previstos na Constituição Federal, nos Art. 5º, LX, e Art.93, IX, pois foi permitida a restrição da publicidade de atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem, sempre buscando que essa proteção não prejudique o interesse público à informação.
No PNFC a regra é a publicidade, porém foi permitida a decretação do sigilo quando a publicidade puder causar prejuízo ao interesse público ou à apuração. Apesar de a publicidade ser uma regra, haverá situações em que, mesmo sendo público o procedimento, determinados atos e documentos continuarão protegidos pelo sigilo. O sigilo do Procedimento de Notícia de Fato Criminal existe contra todos, exceto contra o noticiado e o noticiante. Assim, se o noticiado foi cientificado do procedimento ou se ele pedir uma certidão da Promotoria de Justiça acerca da existência de procedimentos em que ele figure como noticiado ou noticiante, mesmo que sejam sigilosos os procedimentos, a esses sujeitos o sigilo não pode ser oposto, mesmo que isso ponha em risco a apuração ou o interesse público.
A decretação do sigilo da apuração serve para permitir que a apuração possa levantar o máximo de informações que ajudem a decidir sobre a existência ou não de um fato penalmente relevante. Uma vez determinada a instauração de uma investigação, seja PIC ou IP, algumas restrições de acesso a documentos e autos sigilosos7 podem ser opostas temporariamente ao investigado, como no exemplo das cautelares sigilosas não concluídas, conforme determina o Art. 13, § 5º, da Res. CSMP/AM n. 006/2015, guardando consonância com a Súmula Vinculante n. 14. do STF.
Dificilmente haverá, no PNFC, o ajuizamento de uma medida cautelar sigilosa, pois se houver elementos para a provocação do Judiciário para que seja levantado o sigilo fiscal, bancário ou telefônico de alguém é porque há materialidade ou indícios de materialidade de um fato criminoso e, sendo assim, já é possível a tomada de decisão no PNFC. A priori, parece incompatível com o PNFC a existência de medidas cautelares sigilosas, levando-se à conclusão de que, se o noticiado tiver ciência da existência de procedimento em que ele figura como parte, a ele não haverá oposição de sigilo e restrição de acesso aos autos.
A publicidade do PNFC8, segundo a Res. CSMP/AM n. 006/2015, a partir dos comandos do Art. 13. e seus parágrafos, consistirá na divulgação no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público - DOMPE, na expedição de certidão e na extração de cópias, mediante requerimento fundamentado e por deferimento do presidente do procedimento, na prestação de informações ao público em geral, a critério do presidente da apuração e na concessão de vista dos autos na própria promotoria ou procuradoria, mediante requerimento fundamentado do interessado ou procurador legalmente constituído, por deferimento total ou parcial.
Porém, restrição à publicidade deverá ser decretada em decisão motivada, para fins do interesse público ou para conveniência da investigação e poderá ser, conforme o caso, limitada a determinadas pessoas, provas, informações, dados, períodos ou fases, cessando quando for extinta a causa que a motivou. Se houver decretação de sigilo, será dispensada a divulgação de publicações no DOMPE. Uma vez decidida pela publicidade, somente será permitido ao presidente do procedimento, nos termos do Art. 14. da Res. CSMP/AM n. 006/2015, prestar informações, inclusive aos meios de comunicação social, a respeito das providências adotadas para a apuração dos fatos em tese ilícitos, abstendo-se de externar ou antecipar juízo de valor a respeito de apurações ainda não concluídas.