As decisões na conclusão do procedimento de notícia de fato criminal no Ministério Público do Estado do Amazonas.

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OBJETO DO PROCEDIMENTO DE NOTÍCIA DE FATO CRIMINAL E A VERIFICAÇÃO PRELIMINAR DE INFORMAÇÕES - VPI

A investigação deve ser vista como um processo de conhecimento, isto é, um encadeado de atos destinados a produzir conhecimento técnico sobre fatos, dados ou informações objeto da investigação. O conhecimento se distingue da informação, como bem lembra o professor Weber Barral, ao afirmar que:

Outra distinção, também importante, que deve ser realizada é entre conhecimento e informação. Essa distinção parece não ser percebida por alguns autores, alguns até respeitados, e que atulham suas obras de dados intermináveis e inúteis. Isso - esse conjunto de dados - é apenas informação. O conhecimento, por sua vez, pressupõe a organização dessa informação, buscando torná-la apta a produzir determinado resultado, de modo a dar-lhe serventia na formulação e demonstração de uma determinada hipótese.9

Ao trazer as lições acima para a apuração criminal, fica mais fácil evitar a juntada de dados e informações desconexos com seu objeto, já que a delimitação deficiente deste permite uma colheita tão ampla de elementos que impede o presidente de extrair o conhecimento útil ao encerramento da apuração10. O conhecimento é adquirido pela aplicação de técnicas (metodologia) que permitam prever, observar, organizar, tratar, analisar, formular juízos e extrair raciocínios sobre os dados e as informações apurados, e quanto melhor for a definição do objeto mais eficiente será a aquisição desse conhecimento na apuração. Saber, de partida, que a investigação deve produzir conhecimento11 e não apenas informações ajuda a compreender a necessidade de delimitar seu objeto. Sobre o conhecimento, Barral também pontua existirem pelo menos 3 (três) tipos, quais sejam, o popular, o técnico e o científico, sendo o técnico, nas palavras do professor, aquele que:

(...) pode ser caracterizado por (a) grau médio de sistematização; (b) preocupação imediata em resolver problemas (pragmatismo); (c) caráter acrítico; (d) geralmente relacionado com a capacitação profissional. Assim, o contabilista que organiza o pagamento de seus tributos, buscando evitar que você empobreça diante da voracidade do fiscal; ou o advogado que redige uma petição, para tentar convencer o juiz de que seu miserando cliente banqueiro não pode pagar pensão à ex-mulher; são exemplos de utilização de conhecimento técnico, que os capacita a organizar as informações obtidas.12

Apesar de o conhecimento técnico ser uma espécie de conhecimento decorrente da capacidade do profissional formado para trabalhar com determinadas informações, percebe-se que o conhecimento produzido na investigação, ainda que proveniente do uso de métodos adquiridos pela formação do profissional nela envolvido, não se amolda totalmente a esse tipo de conhecimento. Ainda que a investigação não seja uma atividade científica, pois destinada a produzir conhecimento sobre um fato específico sem criar novas teorias acadêmicas (acrítico), haverá fases e atores produzindo, no curso da apuração, dados e informações científicas. Porém, o presidente da apuração não pode esquecer que toda a sua atividade se destina a confirmar o objeto da pesquisa e não a produzir novos teoremas ou teorias científicas.

A relação entre o resultado e objeto da investigação é balizada por definições externas à própria apuração criminal, isto é, a Constituição, a lei processual penal, etc.. a conclusão do PNFC levará o presidente a um desses resultados: há ou não indício de materialidade, com ou sem indícios de autoria da prática de um crime previsto em lei; existem elementos que apontam para a atribuição de outro órgão; encontrou-se materialidade e indícios de autoria suficientes. Esses resultados, porém, conduzem a seis decisões. No primeiro caso, instaura-se a investigação criminal ou requisita-se a instauração de IP ou propõe-se o acordo de não-persecução penal; no segundo, arquiva-se; no terceiro, declina-se a atribuição; e no quarto, ajuiza-se a ação penal.

Não deve haver apegos aos sentimentos ou convicções estranhos aos resultados extraídos dos indícios, evidências ou provas colhidos, pois a missão é esclarecer os fatos sem justiçamentos. No PNFC, os dados servirão exclusivamente para produzir conhecimento que subsidie a tomada de uma decisão final. Por essa razão, o conhecimento produzido pela pesquisa deve ser o técnico, não cabendo ao presidente, assim como ao juiz, fazer pseudociência na apuração. A ciência deve ser realizada fora da investigação ou do processo. A atuação tem que ser técnica e construída sob pilares já postos, sem margem para devaneio teórico, permitindo maior segurança e legitimidade na tomada de decisão com o conhecimento produzido na apuração.

Assim, a análise crítica a ser realizada na produção do conhecimento técnico da pesquisa é sobre a confirmação ou a negação do fato, sem apego à hipótese de partida. O presidente da apuração precisa praticar o desapego à paixão da causa, pois o objeto da investigação não é criação dele. As suas convicções devem sempre e periodicamente ser substituídas por questionamentos. As respostas aos questionamentos devem ser extraídas dos dados, provas, indícios, evidências e informações contidas no PNFC, de modo a garantir que o conhecimento seja técnico e não popular ou pessoal, dispensado ao máximo achismos. Sendo técnico o conhecimento, a sua demonstração será construída em certezas e não em opiniões e isso dará sustentação à decisão final.

Delimitação do objeto do Procedimento de Notícia de Fato Criminal

O objeto da apuração pode ser entendido como o tema, o problema e a hipótese da apuração, expressado na seguinte equação Objeto = tema + problema + hipótese. Esse conceito é extraído da metodologia da pesquisa científica como auxiliar teórico ao presidente de procedimentos destinados a pesquisar fatos ou acontecimentos com a finalidade de produzir conhecimento ao final. Ao definir o objeto da investigação como o tema, o problema e a hipótese, facilitada será a delimitação do objeto, conforme se verá adiante.

O tema é a delimitação do problema dentro da disciplina jurídica. O tema, portanto, apontará qual é classe de procedimento, ou seja, se é PIC, PP, IC, PA e PNFC. A importância de revelar o tema como integrante do objeto fica em evidência quando se enxerga essas várias classes sobre o mesmo fato. Ao saber o tema, exclui-se de logo a presença de temas incongruentes com a classe de procedimento, isto é, os cíveis, por exemplo, não devem integrar o objeto do PNFC.

Então, numa apuração criminal, não se devem pesquisar ilícitos civis ou administrativos. Entretanto, se o reconhecimento de que a apuração é criminal exclui outras pesquisas, esse saber não é suficiente para a delimitação do objeto, pois dentro dessa matéria cabem maiores restrições. O problema é o fato a ser pesquisado. Será o contorno fático delimitado em tempo e espaço sobre o qual deverá incidir a hipótese. Por exemplo, chega à promotoria a notícia de que o houve fraude na licitação X porque a empresa Y, vencedora, é de fachada. O problema é claro e sobre ele deverá o presidente direcionar sua pesquisa. Não adianta querer apurar a licitação 1.

A hipótese, por seu turno, é um elemento também importante, pois se refere à interpretação técnica que apresenta qualificações sobre o problema. Assim, a hipótese para o exemplo acima é de que o problema-fato, se confirmado, configura crime de fraude em licitação. A partir das bases expostas acima, o objeto do PNFC é composto por um tema, um problema e uma hipótese compatível com a finalidade do procedimento. A resposta ao tema será construída a partir da pesquisa metodológica utilizada. Nesse compasso, o objeto consiste na confirmação ou não da materialidade ou de indícios dum fato hipoteticamente criminoso que justifique a tomada de uma decisão, devendo essa a confirmação ser resultado de procedimentos metodológicos adequados (Verificações Preliminares de Informações).

Voltando ao exemplo acima, se a notícia é de que houve fraude na licitação 1 porque a empresa Y, vencedora, é de fachada, qual seria o objeto do PNFC? O objeto do PNFC seria houve a fraude na licitação 1 porque a empresa Y, vencedora, é de fachada. Como proceder metodologicamente a pesquisa desse objeto no PNFC? Primeiro ponto de pesquisa é: houve a licitação 1? Para responder a esse questionamento devem ser feitas pesquisas nos Diários Oficiais do Município. Se não há comprovação de que a licitação 1 aconteceu, a decisão é de arquivamento. Se a licitação aconteceu, ela foi vencida pela empresa Y? Para responder a essa pergunta, utiliza-se a pesquisa anterior. Se não foi vencida, a empresa que venceu é de fachada? Se foi vencida pela empresa Y, seria ela de fachada? Nos dois casos, é preciso pesquisar, por exemplo, no INFOSEG sobre o endereço da empresa e fazer uma verificação no local para confirmar a existência da sede da empresa.

A empresa Y tem aparência de empresa de fachada, pois sua sede se resume a uma salinha e tem apenas um funcionário. Há indícios de que o fato noticiado existe e, caso ele se confirme, a hipótese de crime de fraude em licitação se configura. Com a identificação, ao final das pesquisas sobre os indícios de materialidade de fato criminoso, surgem para o presidente da pré-investigação o conhecimento necessário para a tomada de decisão e sendo o fato criminoso também ilícito civil de improbidade, encaminham-se as cópias do PNFC para a promotoria cível correspondente apurar a improbidade é uma medida cabível. No exemplo acima, o conhecimento produzido permite a adoção das seguintes decisões:

  • instaurar um PIC na Promotoria para apurar o fato, devendo-se delinear, da mesma forma, o objeto da apuração, sendo este, em razão da finalidade do PIC, um pouco diferente do objeto do PNFC; ou

  • requisitar a instauração de um IP à autoridade policial;

  • instaurar um PIC e requisitar a instauração de um IP com o mesmo objeto para que sejam feitas investigações paralelas e compartilhadas entre o MP e Polícia Judiciária13;

A construção desses paradigmas teóricos levou em consideração as dificuldades práticas enfrentadas no dia-a-dia da atividade e, também, a teoria do crime, pois quando se estuda o fato crime (conduta + nexo de causalidade + resultado + tipicidade + antijurídico + punibilidade) fica claro quais elementos precisam ser pesquisados, bastando no Procedimento de Notícia de Fato Criminal, diferentemente do PIC, encontrar elementos ao menos indiciários do resultado e da tipicidade. A conduta e o nexo de causalidade dependem do PIC, como finalidade de procedimento, apesar de não haver impedimento que todos esses elementos sejam eventualmente descobertos dentro ou fora desses procedimentos, conforme se vê abaixo:

O exemplo acima foi simples e serviu apenas para apresentar um aspecto prático dos conceitos teóricos acima delineados, facilitando o entendimento adiante abordado sobre a verificação preliminar de informações ou os procedimentos metodológicos de pesquisa do PNFC.

Verificação Preliminar de Informações ou Procedimentos Metodológicos

O parágrafo único do Art. 3º da Res. CNMP n. 174/2017 prescreve que, no prazo de 30 (trinta) mais 90 (noventa) dias o membro do Ministério Público poderá colher informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições14. O PNFC pode ser classificado também como uma metodologia de pesquisa de um objeto e, como tal, possui vários procedimentos metodológicos (métodos) comumente conhecidos como diligências ou verificação preliminar de informações. Um dos efeitos da definição do objeto da investigação é exatamente a escolha dos procedimentos metodológicos mais úteis à resposta buscada no problema do objeto da apuração.

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Assim, se o problema a ser apurado é a existência de peculato decorrente do desvio de recursos públicos da prefeitura X, a busca em sistemas de informação abertos como sites de notícias, portais de transparência, consulta de dados cadastrais em sistemas fechados sobre aquele fato são procedimentos metodológicos úteis. Por outro lado, pedir certidões de levantamento patrimonial em todos os cartórios imobiliários se mostra pouco útil ao Procedimento de Notícia de Fato, apesar de ser bastante adequado quando for examinada a evolução patrimonial do investigado no PIC.

Da mesma forma, se a notícia do fato cuida da ocorrência de lesão corporal de uma vítima X, não se desvela procedimento metodológico útil o levantamento em portais de transparência, diários oficiais, etc. sobre aquele fato. O exemplo é esdrúxulo, mas serve justamente para demonstrar que existem vários procedimentos metodológicos de pesquisa dentro da metodologia do PNFC, mas nem todos são adequados para os mesmos fins.

O objeto, por óbvio, influencia a escolha das verificações preliminares de informações. Como conjunto de métodos de pesquisa, a VPI é extensa e flexível, admitindo quase que uma infinidade de caminhos. Porém, se não guardarem pertinência com o objeto da pesquisa, serão apenas perda de tempo não-resolutiva. A frase que deve nortear o membro na condução da escolha dos procedimentos metodológicos de comprovação é: “tudo que é lícito e compatível é permitido, mas nem tudo é conveniente”. Existem à disposição do Promotor de Justiça que preside um PNFC as chamadas técnicas convencionais de investigação e as técnicas especiais de investigação.

As técnicas convencionais estão previstas no Código de Processo Penal e podem ser listadas como sendo as seguintes: exames de corpo de delito e perícias, oitiva de pessoas, reconhecimento de pessoas e coisas, documentos e indícios, já que o interrogatório, a busca e apreensão e a confissão somente se destinam a investigações em que os investigados estão formalmente presentes. Já as técnicas especiais de investigação, que podem ser apresentadas nas demais legislações penais e processuais, como consultas em fontes abertas de dados e informações, consultas ao COAF (quando o fato trate de lavagem de capitais) afastamento de sigilos de dados cadastrais telefônicos, bancários e fiscais, etc.

As demais técnicas especiais, como interceptação telefônica, ambiental óptica e/ou acústica, ação controlada, infiltração de agentes de polícia ou inteligência, quebra dos sigilos bancário, fiscal, financeiro e eleitoral, delação premiada e interceptação telemática somente possuem sentido dentro de investigação criminal formalmente instaurada porque se apoiam em prova ou indícios de materialidade e autoria e dependem de autorização judicial. Diante disso, metodologicamente, podem ser apontadas as seguintes Verificações Preliminares de Informações no Procedimento de Notícia de Fato Criminal:

Técnica Especial

Técnica Convencional

Consulta a sistema

INFOSEG (CPF/CNPJ - RENAVAM - RENACH)

Solicitação de Informações

CGU

SISP - PC - PF

CGE

CNE

CAOs - MPAM

BANCOS DE DADOS DA PROMOTORIA

OFÍCIOS DE SOLICITAÇÕES EM GERAL

SIEL

EXAME DE CORPO DE DELITO

PROJUDI

SOLICITAÇÃO DE DOCUMENTOS

SAJ

PERÍCIAS

PJE

Oitiva de Pessoas

TERMOS DE DECLARAÇÕES

CCS

RECONHECIMENTO DE PESSOAS

CENSEC

RECONHECIMENTO DE COISAS

CAGED

Análise de dados

INDÍCIOS

ANAC

TCU

TCE - JUCEA

Solicitação de Informações

LUZ

ÁGUA

COAF

INCRA - SNCR

CAPITANIA DOS PORTOS

IPTU - SEMEF

CARTÓRIOS DE NOTAS, TÍTULOS E DOCUMENTOS

Pesquisa direta em site

DIÁRIOS OFICIAIS

PORTAIS DE TRANSPARÊNCIA

MEC/FNDE

DATASUS

SITES DE NOTÍCIAS

REDES SOCIAIS

SITES DE BUSCAS

STREET VIEW

Atuação Externa

CAMPANA

VIGILÂNCIA

CONFIRMAÇÃO DE LOCAL

Portanto, VPI ou Procedimentos Metodológico de Pesquisa são técnicas de verificação destinadas a comprovar o objeto da apuração, permitindo ao presidente encontrar provas, indícios, evidências ou outros elementos de convicção que lhes permita tomar uma decisão importante e segura sobre o problema do objeto do PNFC por ele dirigido.

Sobre os autores
Alessandro Samartin de Gouveia

Promotor de Justiça do Estado do Amazonas. Possui graduação em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (2004). Pós-graduado em nível de Especialização em Direito Processual pela ESAMC/ESMAL(2006). Formação complementar em política e gestão da saúde público para o MP - 2016 - pela ENSP/FIOCRUZ. Pós-graduando em prevenção e repressão à corrupção: aspectos teóricos e práticos, em nível de especialização (2017/2018), pela ESTÁCIO/CERS. Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes temas: súmula vinculante, separação dos poderes, mandado de segurança, controle de constitucionalidade e auto de infração de trânsito. http://orcid.org/0000-0003-2127-4935

Christianne Corrêa

Promotora de Justiça

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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