A propriedade intelectual do programa de computador desenvolvido sob encomenda

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23/05/2019 às 01:38
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A propriedade intelectual de programa de computador é um tema que merece atenção, necessitando de uma consolidação de entendimentos no sentido de definir o que seria, ou não, atividade cuja natureza está relacionada à atividade de desenvolvimento de programa de computador.

I -        INTRODUÇÂO

O modelo social construído ao longo das últimas décadas, além de uma grande transformação social, nos apresentou um enorme avanço tecnológico, alterando radicalmente o modo em que viemos. Dentre as inúmeras alterações podemos destacar o avanço tecnológico e, em especial, o surgimento e a expansão da rede mundial de computadores. Diante dessas alterações, a qual pode ser verificada e dimensionada pela simples análise de quantos componentes eletrônicos nos cercam no nosso dia-a-dia, é possível afirmar que vivemos em uma sociedade da informação.

Nessa seara, temos que o avanço social e o desenvolvimento da tecnologia trouxeram um grande aumento na demanda de novos programas de computador, os quais, embora não sejam visíveis, estão difundidos em grande parte dos equipamentos utilizados no nosso cotidiano.

São os programas de computador que fazem os nossos aparelhos celulares funcionarem, em especial do modo que nós o conhecemos hoje, além de serem utilizados nas tarefas de comando dos computadores dos escritórios ou domiciliares, proporcionando a possibilidade de elaboração de textos, planilhas e acesso à internet, enfim, estão presentes nos mais importantes meios de comunicação modernos. É nesse contexto que o direito autoral aplicado ao programa de computador tem ganhado grande relevância no contexto social e jurídico.

Não obstante o fato de o direito autoral visar proteger os direitos do autor de uma obra, de forma a vedar a sua utilização não autorizada ou inadequada, bem como o fato de que o programa de computador ser considerado uma obra, nos termos estabelecidos pela Lei nº 9.610/98, deve ser considerado que o tema pertinente à proteção dos direitos de quem desenvolve um programa de computador sob a demanda de terceiros é ainda ignorado por boa parte da sociedade.

Diante desse fato, esse texto visa trazer à lume algumas considerações sobre a titularidade do direito autoral na hipótese de contratação de serviço de desenvolvimento de programa de computador. Pretende-se, portanto, responder perguntas como: Quem seria o titular do direito nessa hipótese, o contratante ou o contratado? Qual a regra aplicada no caso de vínculo celetista? E na hipótese de desenvolvimento de programa de computador por um empregado, sem, contudo, haver a conexão com suas obrigações contratuais? Perguntas como essas devem ser analisadas pelos possíveis contratantes, sob pena de criação de falsas expectativas de ambas as partes, podendo chegar, por fim, a um litígio.

O texto apresentará um breve histórico com intuito de demonstrar a importância do direito autoral, bem como, apresentará algumas definições inerentes ao tema a ser discutido, explicitando a legislação aplicável, analisando decisões judiciais proferidas sobre o tema e, por fim, trará uma breve conclusão.

A fim de ambientar o leitor com a importância do mercado do software no cenário nacional e internacional, trazemos à lume alguns resultados do relatório emitido pela Associação Brasileira das Empresas de Software, o qual aponta que somente no ano de 2017 o mercado mundial de softwares e serviços movimentou o valor de US$ 1.148 bilhões, sendo que o Brasil ocupou a 9ª colocação no ranking mundial, com a movimentação no mercado interno de cerca de US$ 18,6 bilhões. [1]

A atuação brasileira no mercado de Tecnologia da Informação corresponde a aproximadamente 36,5% do mercado na América latina e 1,9% do mercado mundial. O citado documento aponta ainda que existem, no mercado nacional, cerca de 17.000 empresas atuando no ramo de softwares, das quais 30,3% atuam no mercado de desenvolvimento e produção de softwares, 38,3% na distribuição e comercialização e 31,4% na prestação de serviços. [2]

Das empresas brasileiras que atuam no desenvolvimento e produção de softwares, aproximadamente 4.870, 49,3% são consideradas microempresas, 46,2% seriam consideradas pequenas, 4% seriam consideradas empresas de porte médio e somente 0,5% teriam o status de empresa grande. Há de destacar que da movimentação interna anteriormente citada, cerca de US$ 18,6 bilhões, cerca de 9,1% estão vinculadas ao desenvolvimento de softwares por encomenda. Por fim, o documento aponta para uma série de fatores que poderão trazer um aquecimento do mercado para o corrente ano e os seguintes, inclusive no que se refere ao ramo de programa de computadores, dos quais destacamos a aceleração dos projetos de Internet das Coisas (IoT), o amadurecimento e a consequente expansão da área de Big Data e Data Analytics, o aumento do interesse no desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA) e as soluções de Cloud Computing. [3]

Nesse cenário, fica evidenciada a importância do tema de proteção do direito de autor relacionada a programas de computador, seja para o desenvolvedor, seja para o contratante.


II –      O REGIME DA PROTEÇÃO JURÍDICA DO PROGRAMA DE COMPUTADOR

Inicialmente devemos esclarecer que o programa de computador, de acordo com a Lei dos Softwares, a Lei nº 9.609/98, pode ser definido como “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.

Já segundo o engenheiro de software norte-americano Roger Pressman, a definição de programa de computador poderia ser a seguinte:

(1)        Instruções (programa de computador) que, quando executadas fornecem características, funções e desempenho desejados; (2) estruturas de dados que possibilitam os programas manipular informações adequadamente; e (3) informação descritiva, tanto na forma impressa como na virtual, descrevendo a operação e o uso dos programas. {C}[4]

Verifica-se, portanto, que o programa de computador possui uma série de algoritmos os quais tem a finalidade de produzir um resultado determinado. Dessa forma, sem querer se aventurar a propor uma definição para o programa de computador, é possível asseverar que o programa de computador é, fundamentalmente, uma série de comandos estabelecidos em linguagem compreendida pelo hardware que visam o atingimento de uma meta, sendo imperioso lembrar também que tais comandos podem ser escritos de forma livre pelo programador, ou seja, o mesmo resultado final pode ser obtido por meio de inúmeros modos de comando, a serem definidos a critério do programador.

Cabe acrescentar que para fins de definição de programa de computador, deve ser considerado que integram o programa: código-fonte, o qual é criado por meio de editor de texto e contém os comandos da linguagem de programação; o código objeto, que resulta da conversão do código-fonte para a linguagem de máquina; e, ainda, a documentos que os acompanham, tais como diagramas, especificações e etc. [5]

Verifica-se, nesse contexto, que há de fato o exercício de uma atividade intelectual e criativa desenvolvida pelo desenvolvedor do programa de computador. E é por essa razão que o programa de computador é protegido pelas normas de direito autoral, conforme apregoa o artigo 7º, XII, da Lei nº 9.610/98, se tratando, portanto, de uma obra intelectual que traduz a criação do espírito humano. Sobre o tema, o advogado e autor Augusto Marcacini ensina que:

O software é algo que não guarda paralelo exato com bens materiais ou imateriais até então conhecidos. Não é propriamente uma expressão da personalidade humana, mas um conjunto de instruções técnicas que devem levar o computador a produzir um resultado desejado. Mas também não se aproxima, por exemplo, de um projeto para construir um avião a jato, pois o software é um conjunto de instruções que funciona e é útil por si, enquanto as plantas e desenhos de um avião não transportam nada nem ninguém para lugar algum. Seria, então, muito mais uma mercadoria, uma res, do que um projeto apenas; entretanto, na sua essência, o software é um conjunto de ideias que estão gravadas em meio eletrônico e podem ser infinitamente copiadas o que o distancia, pela imaterialidade, da noção de res, aproximando-se, neste aspecto prático, dos direitos de natureza autoral, de uma criação intelectual, e aqui voltamos para o começo do parágrafo, numa espiral infinita.[6]

Já o advogado Marcelo Athaíde, citando Elizabeth Pereira, dispõe que o desenvolvimento do programa de computador exige uma atividade criativa de seu desenvolvedor, de forma que a criação resultante da exteriorização dessa criatividade, deve ser objeto da proteção jurídica. Seguem abaixo, as palavras do nobre causídico:

Parte-se do pressuposto que, para a criação de softwares, é necessário o envolvimento, o trabalho e o esforço criativo de uma pessoa capaz de preparar gradualmente a programação. Como consequência, resulta uma verdadeira obra-prima, condizente com a subjetividade de seu criador. Mas é só através dessa exteriorização da concepção intelectual que se tem a proteção jurídica. Portanto, o criador intelectual possui um direito em relação aquilo que criou e esse direito recebe proteção do ordenamento. [7]

No mesmo sentido, segue o posicionamento de Denis Borges Barbosa, o qual expressa o seguinte:

O objeto de proteção no programa de computador não é uma ideia, mas a expressão de uma solução para um problema técnico. Assim como o engenheiro, lendo uma patente, prescreve um conjunto de instruções, seja a uma equipe de operários, seja a uma máquina qualquer, assim também o programa incorpora (ou expressa) este conjunto de instruções, mas destinado e legível apenas por uma determinada máquina de tratamento de informação.

O valor econômico do programa deriva assim não da sua novidade enquanto ideia, mas da realização desta ideia enquanto conjunto de instruções a uma máquina. Diferentes programas podem represen­tar a mesma ideia, ou mais frequentemente, incorporam dezenas ou centenas de soluções técnicas, novas ou ressabidas, mas de um modo específico.

Do mesmo jeito, um livro - este livro, por exemplo - incorpora ideias, informações, opiniões, métodos de exposição, tudo numa expressão determinada, e seu valor deriva nem tanto da novidade ou originalidade das ideias mas da maneira que elas estão expres­sas.[8]

Não obstante, o programa de computador ter sua propriedade intelectual regrada nos termos do direito do autor, a própria Lei de Direitos Autorais, a Lei nº 9.610/98, define, em seu art. 7º, parágrafo primeiro, que “os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis”.

Ou seja, o legislador houve por bem elaborar um regramento específico para balizar a proteção da propriedade intelectual do programa de computador, afastando, em um primeiro momento, a aplicação das regras expressas na Lei de Direitos Autorais, a qual será aplicada somente de forma subsidiária.

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A norma específica citada na Lei de Direitos Autorais é a Lei nº 9.609/98, também conhecida como Lei de Softwares, a qual define a proteção da propriedade intelectual dos programas de computador.

2.1.     Breves considerações sobre o direito autoral e o desenvolvimento de obra sob demanda de terceiro 

Inicialmente, deve ser lembrado que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXVII, estabeleceu que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Já o inciso XXVIII do citado artigo acrescenta que serão assegurados nos termos da lei a proteção às participações individuais em obras coletivas, sendo assegurando, também, o direito de fiscalização do aproveito econômico das obras que criarem ou que tomem parte os criadores.

Contudo, para haver a proteção no âmbito do direito autoral a obra precisa preencher alguns requisitos, que são: ser uma obra do espírito humano de cunho artístico, literário ou científico, como, por exemplo, as modalidades de obras citadas no art. 7º, da Lei nº 9.610/98; estar abrangido pela originalidade; ser expressa por qualquer meio ou fixadas por qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou a ser inventado no futuro; achar-se a obra protegida pelo tempo estabelecido em lei, atualmente é fixado pelo prazo de vida do autor da obra e por mais 70 anos, a contar de sua morte. [9]

Como autor, deve ser entendido a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, conforme estabelece o art. 11, da lei de Direitos Autorais. Vale ressaltar, por oportuno, que o parágrafo único do citado artigo assevera que a proteção concedida em favor do autor, que é uma pessoa física, pode ser aplicada em favor de pessoas jurídicas, quando assim previsto em lei. Sobre o tema o jurista Carlos Alberto Bittar Filho ensina que:

Considera-se autor a pessoa física criadora de obra protegível, podendo a proteção autoral aplicar-se às pessoas jurídicas nas hipóteses abrangidas pela lei. Do ponto de vista prático, reputa-se autor da obra intelectual, não havendo prova em contrário (presunção iuris tantum), aquele que, por uma das modalidades de identificação legalmente previstas (nome civil, completo ou abreviado até por suas iniciais, pseudônimo ou qualquer outro sinal convencional), tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na sua utilização. A co-autoria da obra se atribui àqueles em cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizada. Ao co-autor cuja contribuição possa ser utilizada separadamente são asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, vedada, no entanto, a utilização que possa acarretar prejuízo à exploração da obra comum. Não se considera co-autor quem simplesmente auxiliou o autor na produção da obra protegível, revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio. [10]

Assim, temos que o direito autoral contempla questões afetas ao direito moral do autor, o qual é delineado no âmbito da relação de paternidade do autor em face de sua obra, bem como, as questões relacionadas a perspectiva do direito patrimonial do autor, o qual tem como escopo a relação de poder de disponibilização da obra pelo autor, ou seja, esse tem a possibilidade de colocar sua obra em circulação, visando a sua exploração econômica. Sobre o tema Sydney Limeira Sanches leciona que:

Divergem os direitos patrimoniais dos direitos morais particularmente pela possibilidade de o criador da obra livremente dispor daqueles. Enquanto os direitos morais encontram-se permanentemente investidos na pessoa do criador, os direitos patrimoniais refletem a face econômica da criação. A Lei de Direitos Autorais, logo no seu art. 3º, confere aos direitos autorais a qualidade de bens móveis, exatamente para permitir, dentro dos limites fixados pela Lei, a possibilidade do autor explorar a sua obra.[11]

Os direitos morais do autor estão listados na Lei de Direitos autorais e são designados como inalienáveis e irrenunciáveis, o que que significa que dizer que os direitos morais do autor não podem ser transmitidos a terceiros e tampouco podem ser negados pelo autor. Como será visto, trata-se de direito relacionado a personalidade, devendo, portanto, ter efeito erga omnes.   {C}[12]

O artigo 24 da Lei de Direitos Autorais estabelece que os direitos morais são, dentre outros, o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; o de conservar a obra inédita; o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou prática de atos que possam prejudicar o autor, em sua reputação ou honra; o de modificar a obra; o de retirar a obra de circulação ou de suspender a sua utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização afrontar a sua imagem. O mesmo artigo trata, ainda, sobre a hipótese de sucessão e a competência protecional do Estado na hipótese de obra em domínio público.

A bem da verdade, o cerne em que se debruça o direito do autor é a relação entre o autor e sua obra, que mantém uma estreita relação com o direito de personalidade do autor. Daí decorre a condição da inalienabilidade e a irrenunciabilidade do direito moral do autor, devendo, contudo, haver uma atenção especial no que se refere ao direto patrimonial sobre a obra. 

O tema da propriedade intelectual de uma obra a ser desenvolvida deve ser sempre considerado em qualquer atividade a ser iniciada, incluindo no plano da informática, a hipótese de contratação de serviços para desenvolvimento de programa de computador, seja nas relações contratuais regidas pelas normas de direito civil ou nas fundadas na legislação trabalhistas e ainda nas relações entre a Administração Pública e seus empregados e servidores.

O tema se torna ainda mais relevante quando observados os números do mercado de softwares no mercado nacional. A eventual indefinição sobre o direito patrimonial de determinada obra pode culminar em uma grande celeuma jurídica e o caso pode acabar sendo levado para a apreciação do Poder Judiciário, condição que é desagradável para qualquer possível contratante. Sobre o tema Carlos Alberto Bittar leciona que:

Na regulamentação dos direitos sobre a obra intelectual, o objetivo básico é o de proteger o autor e possibilitar-lhe, de um lado, a defesa da paternidade e da integridade de sua criação e, de outro lado, a fruição dos proventos econômicos, resultantes de sua utilização, dentro da linha dos mecanismos de tutela dos direitos individuais. Por isso é que se relaciona mais a interesses da personalidade (caráter subjetivista e privatista do Direito de Autor). [13]

Contudo, uma vez verificada essa relação entre o autor e o programa de computador por ele produzido, deve ser analisada a hipótese de o programa de computador ter sido desenvolvido em favor de um terceiro, no caso, o contratante, considerando as condições por esse estabelecidas.

Nessa hipótese, não obstante o desenvolvedor do programa de computador ter a opção de escolher um entre uma série de caminhos possíveis para o desenvolvimento do programa, considerando que os documentos de suporte e os comandos expressos pelos algoritmos devem ser elaborados em função do atingimento da meta de interesse do contratante, é possível verificar que a criatividade do desenvolvedor fica limitada.

Essa condição é muito corriqueira no mercado atual, uma vez que cada vez mais as empresas necessitam de soluções computacionais específicas às suas demandas internas. Essa relação contratual pode se dar por meio de contratos regidos pelo Código Civil, pelas normas de Direito Administrativo ou, ainda, sob regência das regras do direito do trabalho.

Sobre o tema, Carlos Alberto Bittar, ao lecionar sobre a Lei nº 5.988/73, antiga norma legal que regia as questões relativas a direitos autorais no Brasil, sendo inclusive anterior à promulgação da Lei de Softwares, já expressava que:

Contrato de encomenda (ou de comissão) é aquele por meio do qual se incumbe alguém da elaboração de certa obra. A obra nasce, pois, por iniciativa de outrem, que sugere, solicita, orienta ou dirige, cuidando da respectiva reprodução e da divulgação, quando a tanto se destinar. (...)

Na recepção dessa espécie no Direito, muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência – principalmente francesa – tendo sido formuladas diversas teorias para enunciar e para explicar a titularidade de direitos nessa matéria. Prevalece hoje, como acentuamos, a orientação geral de que o encomendante adquire, a título derivado, direitos patrimoniais relativos à utilização da obra na forma específica avençada, remanescendo na esfera do autor os direitos morais, com restrições decorrentes da natureza da obra e do grau participação do comitente na elaboração, à exceção do sistema anglo-norte-americano, onde o copyright é originariamente atribuído ao comitente. (...)  Sugere o texto básico a existência de três modalidades de encomenda: a funcional, a de prestação de serviços e a decorrente de relação de emprego.[14] 

2.2.     Dos aspectos de gerais de proteção aos direitos autorais constantes na Lei de Softwares 

Uma vez estabelecido que o programa de computador é um bem imaterial, protegido no âmbito do direito autoral, devemos fazer uma análise sobre as disposições da Lei nº 9.609/98, a Lei de Softwares. Como citado anteriormente as disposições da Lei nº 9.610/98 são aplicadas de forma subsidiária aos regramentos expressos na Lei de Softwares, de forma que, quando se trata de direito autoral de programa de computador, as regras específicas estabelecidas pela Lei de Softwares devem prevalecer sobre as regras gerais previstas na Lei de Direitos Autorais.

Ciente que as regras da Lei de Softwares devem prevalecer, é mister citar que existem pontos em que as normas acima citadas se contrapõem e, como exemplo, citamos a questão dos direitos morais do autor que, no âmbito dos programas de computador, ficam reduzidos aos direitos de reivindicação da paternidade do programa de computador e de oposição a alterações não autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a honra ou a reputação do autor.

Outros pontos divergentes e relevantes para o estudo são: o prazo de proteção que, no caso de programa de computador, fica limitado a 50 anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação, fazendo um contraponto com o prazo estabelecido pela Lei de Direitos Autorais que estabelece a proteção durante toda a vida do autor, acrescida de um prazo de 70 anos; e, ao contrário da Lei dos Direitos Autorais, a Lei no 9.609/98 estabelece que, salvo quando estipulado em contrário, pertencem exclusivamente ao empregador, contratante de serviço ou órgão público os direitos relativos ao programa de computador desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, desde que este se destine expressamente à pesquisa e ao desenvolvimento, ou que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor, seja prevista, ou ainda que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.

Verifica-se que a Lei nº 9.609/98, no que se refere ao direito à propriedade intelectual do programa de computador desenvolvido sob encomenda, acompanha as definições expressas na Lei de Propriedade Industrial.

Vale esclarecer que a expressão “salvo estipulação em sentido contrário” indica que não estamos diante de uma norma dispositiva, e, portanto, o regramento geral expresso no texto legal pode ser livremente alterado pelas partes, de acordo com a autonomia das partes contratantes. Diante disso, passamos a estudar as formas de vínculo contratual que abarcam a hipótese de desenvolvimento de programa de computador sob a demanda de terceiro. 

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