A Constituição é fascista?

Jamais, eu acuso quem a distorcer!

25/05/2019 às 15:53

Resumo:


  • A Constituição de 1988 é uma Carta Política baseada na autonomia, inclusão, descentralização do poder e prevalência dos direitos humanos.

  • Estabelece como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

  • Defende a democracia, a participação popular e a garantia dos direitos fundamentais, sendo uma Carta Política antifascista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A CF/88 é uma Carta Política.

Há constituições fascistas – ou melhor, tivemos muitos casos na história, inclusive com o uso de uma Constituição Social (Weimar/Alemanha) para incrementar o “Kaiserpresidente” que assumiria os destinos do III Reich.

Em oposição à autocracia, a nossa Constituição de 1988, em que pesem seus defeitos – que narrarei (alguns) outro dia –, é uma Carta Política com ascendência na autonomia, na inclusão, descentralização e desconcentração do poder, na proposta da “cidadania como concerto”, na igualdade, equidade e solidariedade, e na prevalência dos direitos humanos.

 De modo mais específico – a partir do preâmbulo, e que é parte ativa da CF/88 – nossa Carta Política é objetiva ao menos em um ponto: art. 5º, XLIV – “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

No artigo 23, I, da CF/88, a tarefa constitucional, assentada como “dever público de fazer”, obriga a todos os entes federados a defenderem a própria Constituição e, por óbvio, a “agirem em concerto” para o reconhecimento, manutenção e promoção do Estado Democrático de Direito.

 Aliás, o art. 1º, a partir do caput, ao identificar a soberania popular, a República e a Federação, ao Estado Democrático de Direito (por si, conceitualmente, em combate ao fascismo), declara solenemente que se opõe a toda e qualquer manifestação e conduta antipopular, antirrepublicana ou, manifestamente, fascista. 

Mais além, vislumbramos os artigos 136 e 137 – da forma-Estado de “exceptio”: Estado de Defesa e Estado de Sítio –, e, ainda ali, os direitos fundamentais são assegurados e o poder belicoso segue limitado.

No mesmo sentido, o art. 142 coloca as Forças Armadas sob o comando civil (“autoridade suprema”) da Presidência da República. Como meios e não fins (golpe institucional) de defesa do Estado Democrático de Direito e da “cidadania em concerto”.

 Além disso, a CF/88 é antirracista e sob esta veste civilizatória, além de se avolumar diante do Processo Civilizatório, ainda institui ao racismo o tipo penal mais grave: crime hediondo (art. 5º, XLII). Assim como o Supremo Tribunal Federal fez valer, em consentâneo entendimento de aproximação por analogia, esta tipologia penal, às práticas de homofobia.

 Desse modo, a CF/88 é ainda pedagógica, pois ao aquilatar gravemente com a reclusão da liberdade, os fautores da dignidade humana, sinaliza que as instituições públicas devem agir, com o aporte da soberania popular, a fim de que a cidadania seja um constructo societário, como edificação da sociabilidade e da interação social. Em suma, como “cidadania em concerto”: enquanto participação política democrática ativa. Assim, quando direciona o tratamento legal ao atentado contra os direitos fundamentais, a CF/88 revigora o Princípio Democrático: (art. 5º) “XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Como visto, sob o guarda-chuva do Estado Democrático de Direito e da “cidadania em concerto”, a Carta Política de 1988 se mantém em equidistância jurídica e epistemológica (nomologicamente em conflito) com a deformidade política que os gregos antigos definiam como “ídion”: ou, modernamente, o “idiota”, idiotamente pacificado pela inércia e abdução quando sua democracia é atacada.

Enfim, recusando-se prontamente à Idiocracia (como governo dos idiotas sedentos de “servidão voluntária”), a Constituição Federal de 1988 é uma Carta Política (antifascista do começo ao fim) que defende e promove a participação popular na defesa da democracia e na garantia dos direitos fundamentais.

Portanto, e por fim, o que deve estar em conserto é a “apropriação autocrática” dessa mesma Carta Política de 1988.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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