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Status da parte autora na execução trabalhista pós-reforma: um panorama geral

31/05/2019 às 15:30
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A partir da reforma trabalhista, deve a parte autora assumir posição ativa também na fase de execução.

A reforma trabalhista alterou o art. 878 da CLT[1] para determinar expressamente que a execução deve ser promovida pela parte interessada, limitando-se a execução de ofício aos casos nos quais o reclamante não se encontra assistido por advogado.

Existe uma corrente que, por considerar a execução ex officio mais adequada ao sistema processual trabalhista, especialmente ao princípio da eficiência, afasta a aplicação do referido dispositivo, sob o fundamento de que o art. 765 da CLT permite ao magistrado impulsionar oficiosamente a execução, de modo que, na prática, é como se o art. 878 da CLT fosse desprovido de força normativa.

Assim dispõe o art. 765 da CLT:

Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

Conforme se extrai da referida norma, os julgadores trabalhistas têm ampla liberdade para dirigir/direcionar o processo. Ocorre que tal dispositivo encontra-se inserido em título e capítulo (IV) da consolidação trabalhista que tratam do procedimento geral, sendo “geograficamente” anterior à execução, tratada em capítulo próprio e posterior (V). Portanto, ao que parece, a intenção do mencionado dispositivo não foi conceder poderes ao juiz para atuar de ofício, até mesmo porque, estando na parte geral (desde a promulgação da CLT), se assim fosse, haveria permissão para o magistrado atuar de ofício na própria fase de conhecimento, o que é impensável, salvo excepcionalmente, mesmo sob a ótica da legislação anterior à reforma trabalhista.

Logo, seja utilizando-se da interpretação sistemática ou lógica, ou, ainda, dos princípios da especialidade e cronológico (aplicados aos casos de antinomias de normas, o que sequer é o caso), tal interpretação não se sustenta.

Na realidade, verifica-se que a ideia do art. 765 da CLT é deixar claro que o magistrado não é um mero expectador, mas cooperador e fiscal do curso processual, devendo zelar pelo regular andamento do processo e pelo esclarecimento dos fatos, sendo-lhe permitido, por exemplo, determinar pesquisa por meio de alguma ferramenta eletrônica ainda que a parte tenha requerido a expedição de ofício com o mesmo fim, ou, na instrução de um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, se entender necessário, ouvir testemunhas do Juízo (referidas nos depoimentos das partes ou das testemunhas).

Nesse panorama, também é possível afirmar que o requerimento da parte autora é pressuposto para instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ressalvando-se, nos termos do próprio art. 878 da CLT, os casos de jus postulandi.

Inclusive, embora a nova sistemática da execução trabalhista, decorrente do art. 878 da CLT, seja suficiente para subsidiar tal afirmação, corrobora esse entendimento o fato de o art. 855-A da CLT fazer alusão ao art. 133 do CPC, segundo o qual “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”. Aliás, nesse sentido, é a redação do art. 13 da Instrução Normativa n. 41 do TST.

Destaca-se, ainda, que não há falar em ineficácia da nova sistemática, uma vez que ela reforça a necessidade de cooperação de todos os sujeitos do processo, seja em busca da verdade real, seja em busca da efetividade da execução, mormente considerando que, atualmente, a informatização e as informações que dela podem advir estão ao alcance de todos os advogados, tanto que não raro pesquisas efetuadas diretamente pelos patronos mostram-se cruciais no deslinde de muitas questões, sendo frequentemente noticiados pela mídia casos de fraudes constatadas por meio de dados públicos obtidos nas redes sociais.

Ademais, em regra, quem detém melhor conhecimento acerca dos negócios do empregador é o próprio empregado, o que lhe permite, em parceria com seu advogado (o qual, muitas vezes, atua em outras causas com idêntico polo passivo), estabelecer as melhores estratégias para obtenção do seu crédito. Estas, aliás, vão muito além das ferramentas eletrônicas costumeiramente utilizadas (BACENJUD e RENAJUD), as quais não mais se mostram eficazes, pois o que se vê, rotineiramente, são tentativas de bloqueio on line frustradas e veículos que, embora com lançamento de restrição, não são encontrados para concretização da penhora.

Por conseguinte, o que se observa é que a partir da reforma trabalhista deve a parte autora assumir posição ativa também na fase de execução, promovendo-a de fato, tendo em vista que, assim como na fase de conhecimento cabe ao reclamante eleger os melhores meios de prova para comprovar suas alegações, na execução cabe a ele eleger os meios coercitivos mais viáveis para alcançar seu crédito, podendo entender, por exemplo, que é inócuo suspender a execução para instaurar IDPJ, tendo em vista que a medida se mostrou ineficaz em inúmeros processos em curso em outras varas ou, em contrapartida, optar por requerer penhora de créditos em empresas que o reclamante reconheça como clientes da parte ré ou, ainda, pleitear bloqueio de crédito em operadoras de cartão de crédito que sabidamente são utilizadas pelo empregador.

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O fato é que o antigo sistema de execução de ofício, com medidas padronizadas de coerção, gera na parte autora uma atuação passiva, o que contribui para a adoção de medidas inócuas e para a existência de execuções que se arrastam sem qualquer perspectiva de êxito. 

Por outro lado, embora, pelo caráter de urgência que lhes é inerente, as medidas cautelares não devam ser utilizadas de ofício, tampouco de maneira padronizada, mormente considerando a nova sistemática da execução trabalhista, segundo a qual cabe a parte exequente promover a execução. O entendimento majoritário sobre o assunto (medidas cautelares) é de que em casos excepcionais, de risco extremo, tal conduta se justifica. Aliás, nesse sentido, é o que se depreende do § 2º do art. 855-A da CLT, segundo o qual “A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015”.

Portanto, verifica-se que, quanto ao tema, somente dois caminhos se coadunam com o devido processo legal e a independência dos poderes, princípios basilares do Estado Democrático de Direito: a declaração de inconstitucionalidade do art. 878 da CLT pelo magistrado de 1º grau (ou no 2º grau, observando-se a reserva de plenário, nos termos dos arts. 948 e seguintes do CPC e da Súmula vinculante n. 10), com fundamento na incompatibilidade da norma com o art. 114, VIII, da CF[2], ou a aplicação do referido dispositivo (art. 878 da CLT), o que, como apontado, não traz qualquer prejuízo ao trabalhador exequente, ao contrário, revela-se mais adequado e eficaz no atual contexto sociológico e jurídico. 


Notas

[1] Art. 878 da CLT: “A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

[2] Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir

Parte da doutrina defende a inconstitucionalidade do art. 878 da CLT com base no dispositivo supra, sob o fundamento de que se a própria Carta Magna determina a execução de ofício das contribuições previdenciárias, não cabe ao legislador proibir a execução de ofício do principal (crédito líquido do autor), o que, inclusive, ofenderia o princípio geral do direito de que o acessório segue o principal.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Fabíola Silva. Status da parte autora na execução trabalhista pós-reforma: um panorama geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5812, 31 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74283. Acesso em: 25 abr. 2024.

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