3. Os Valores Éticos das Instituições.
Como visto, as inúmeras questões decorrentes da interação social são abordadas e tratadas de maneiras distintas pelas diversas instituições existentes, o que fez com que elas desenvolvessem valores próprios, coerentes com as respectivas áreas de atuação. Estas abordagens devem, necessariamente, ser diferentes, pois só assim ocorre a complementaridade funcional que mantém o corpo social íntegro.
O conjunto de valores difundidos pelas instituições é sintetizado nos denominados códigos de ética. Frequentemente, ao final dos cursos de formação referentes às diversas categorias profissionais, o concludente, por ocasião da formatura, presta um juramento, compromisso que simboliza a efetiva aceitação das regras de conduta concernentes a determinada categoria. Sua finalidade, em apertada síntese, é estabelecer um liame entre a conduta do novo profissional e a destinação funcional da instituição. Significa dizer que, sob uma ótica deontológica, todos possuem deveres para com a sociedade, os quais se encontram expressos num código de conduta, apanágio de quase todas as carreiras profissionais e instituições existentes na sociedade.
À guisa de exemplo, cabe trazer à colação alguns juramentos prestados por integrantes de instituições diretamente relacionadas com o trato da coisa pública, o que passamos a fazer.
Nos termos do Regimento Interno do Senado Federal (art.4º, §2º)[6], o senador eleito, por ocasião da posse, declara:
Prometo guardar a Constituição Federal e as leis do País, desempenhar fiel e lealmente o mandato de Senador que o povo me conferiu e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
De igual maneira, consoante o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art.4º, §3º)[7], o novo parlamentar profere o seguinte:
Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.
De fato, considerando a destinação funcional de suas instituições, aos parlamentares incumbe atentar para o arcabouço legislativo, representado pela Constituição e legislação infraconstitucional, bem como zelar pela integridade e soberania do Brasil. Não obstante, nota-se que no juramento proferido no Senado Federal (que representa os estados da Federação) o mandato parlamentar é tema central, ao passo que no compromisso realizado na Câmara dos Deputados encontra-se presente a expressão "bem geral", o que nos remete à ideia de conciliação (no sentido de harmonização) das legítimas demandas que são tratadas no âmbito da Câmara Baixa, instituição que, como cediço, representa o povo[8], o qual assume lugar de destaque na destinação de ambas as instituições legislativas.
Passemos, agora, à análise do juramento proferido por integrantes de uma instituição ligada à Justiça, qual seja, a Ordem dos Advogados do Brasil. Conforme preceitua o art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB[9], o advogado, operador do Direito com atuação na totalidade das estruturas jurídicas, preconiza o seguinte:
Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.
Com absoluta propriedade, o advogado, profissional indispensável ao funcionamento da Justiça (art. 133 da Constituição Federal), presta compromisso para com a defesa da ordem jurídica vigente e os direitos da pessoa humana, este último um dos fundamentos da República (art. 1º, III, da Carta Magna).
Atentemos, pois, para a essência dos juramentos prestados por integrantes de algumas das instituições policiais do País, a começar pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, cuja previsão constitucional reside no art. 144, caput, V, do Texto Magno.
A Lei nº 443, de 1º de julho de 1981, Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro[10], dispõe, em seu art. 31, que todo cidadão, após ingressar na instituição mediante concurso público, prestará compromisso de honra, no qual afirmará a aceitação consciente das obrigações e dos deveres policiais militares, bem como manifestará a sua firme disposição de bem cumpri-los. Em seguida, no art. 32 da mesma lei, está registrado o seguinte juramento:
Ao ingressar na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, prometo regular a minha conduta pelos preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades a que estiver subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço policial-militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o risco da própria vida.
Por outro giro, o Decreto Estadual nº 3.044, de 22 de janeiro de 1980, Regulamento do Estatuto dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro, define em seu art 12. que o policial ao se apresentar ao seu chefe, em sua primeira lotação, prestará o seguinte compromisso:
Prometo observar e fazer observar rigorosa obediência às leis, desempenhar as minhas funções com desprendimento e probidade, considerando inerentes à minha pessoa a reputação e honorabilidade do órgão policial que agora passo a servir.[11]
Por seu turno, nos termos do cerimonial de formatura, o policial federal, declara:
Juro, pela minha honra, que envidarei todos os meus esforços no cumprimento dos deveres do policial federal, exercendo minha função com probidade e denodo e, se necessário, com o sacrifício da própria vida.[12]
Coerentes com suas destinações funcionais, percebemos, nos juramentos proferidos por policiais valores próprios da carreira. Da leitura dos três compromissos anteriores nota-se, nitidamente, que os profissionais da Polícia Federal, diferentemente dos demais, se ligam pela própria vida quando do desempenho de suas funções. Fieis ao princípio constitucional da hierarquia (art. 42, caput, da Lei Maior), as instituições policiais militares agregam o aspecto das relações verticais.[13]
No âmbito das Forças Armadas, o juramento prestado por aqueles que nelas ingressam está previsto no Decreto nº 2.243, de 3 de junho de 1997, que versa sobre o Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar:
Incorporando-me à Marinha do Brasil (ou ao Exército Brasileiro ou Aeronáutica Brasileira) - prometo cumprir rigorosamente - as ordens das autoridades - a que estiver subordinado - respeitar os superiores hierárquicos - tratar com afeição os irmãos de armas - e com bondade os subordinados - e dedicar-me inteiramente ao serviço da pátria - cuja honra - integridade - e instituições - defenderei - com o sacrifício da própria vida.
Diferentemente das anteriores, as instituições militares federais, por sua destinação constitucional, enfrentam um paradoxo. Em primeiro lugar, são primariamente vocacionadas para atuar na excepcionalidade, ou seja, na defesa da Pátria. Por conta disso, não estão inseridas, de um modo geral, no cotidiano da população. No entanto, quando instadas a atuar, devem ostentar elevado grau de preparo e prontidão, razão pela qual o juramento antes transcrito expressa algumas especificidades, ora apontadas: a imposição de dedicação integral ao serviço; o empenho da própria vida - não com a função que se desempenha ou com a organização a qual se integra - mas em defesa da Pátria, esta representada por todas as suas instituições.
Enfim, a análise dos diversos juramentos destacados alhures permite inferir que as instituições ostentam valores próprios, os quais, por sua vez, definem os respectivos códigos de ética institucional, a serem necessariamente infundidos na personalidade dos seus integrantes, mister realizado ao longo do processo de formação.
4. A Formação dos Quadros Institucionais.
Instituições distintas, dotadas de valores próprios, demandam, por consectário lógico, formações peculiares. Assim, cumpre analisar como se opera a formação dos integrantes das instituições anteriormente abordadas.
Iniciemos, pois, pelas instituições legislativas. Para se tornar um parlamentar e, assim, desempenhar plenamente seu mister constitucional, é necessário, antes de tudo, ser eleito pelo voto popular, exatamente de acordo com a forma preconizada pelas regras constitucionais e pela legislação eleitoral. Com efeito, a demonstração de que se possui a indispensável capacitação para a atividade parlamentar dá-se durante o próprio debate eleitoral e posterior captação do sufrágio, ao final do qual o povo aprova o candidato, elegendo, assim, de maneira direta, os integrantes das instituições políticas. O ordenamento jurídico aplicável, cônscio da diversidade (em todos os aspectos possíveis) dos candidatos ao mandato parlamentar, deles não exige um padrão de formação.
Procedimento completamente diferente acontece quando do ingresso nas instituições jurídicas. Em razão da tecnicidade da ciência do Direito, exige-se, do candidato ao cargo, a formação jurídica. Assim, a maioria dos cargos atinentes à atividade jurídica requer que o candidato seja bacharel em Direito. Para o exercício da advocacia, é mister, ainda, que se obtenha aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil; para o ingresso na magistratura, exige-se, além do mesmo bacharelado e outros requisitos, aprovação em concurso público e, uma vez empossado, o novo juiz deve frequentar escolas destinadas a prepará-lo para o exercício da função judicante, exatamente o que sucede na Escola da Magistratura do Tribunal Federal da 2ª Região (EMARF). Em ambos os casos (magistratura federal e advocacia), o ponto coincidente reside justamente na exigência de formação universitária em Direito, tudo na forma regulada pelo Ministério da Educação e Cultura, realizada em 5 (cinco) anos, no mínimo.
No caso das instituições policiais militares, a formação dos praças ocorre, em média, em 6 (seis) meses; para os oficiais, entre 2 (dois) a 3 anos. O ingresso é mediante concurso público e os cursos geralmente são ministrados em regime de internato ou semi-internato.
O curso de formação para os diversos cargos da carreira policial federal é realizado na Academia Nacional de Polícia (ANP), localizada em Brasília, possuindo duração média de 850 (oitocentos e cinquenta) horas/aula, a serem ministradas durante um período de 5 (cinco) meses, aproximadamente. O regime é de semi-internato, funcionando das 7h40 às 19h30, de segunda-feira a sábado.[14]
Nota-se que o aspecto comum relativo ao ingresso numa instituição policial é a necessidade de um padrão mínimo estabelecido pelo edital do certame público, cujas exigências podem ser assim resumidas: nível de escolaridade (superior, médio, etc.) e, uma vez aprovado nos demais exames (intelectual, psicotécnico, saúde, físico, social, dentre outros), a frequência e conclusão (com aproveitamento) do curso de formação, este imprescindível para o desenvolvimento técnico e afetivo (sedimentação de valores institucionais) dos futuros integrantes daquelas instituições.
As instituições militares, diferentemente das policiais antes referidas, são constituídas por profissionais de carreira e temporários. Atendo-se apenas ao denominado ramo combatente, há, dentre os militares temporários, os que prestam o serviço militar obrigatório por aproximadamente 1 (um) ano, alguns dos quais, de acordo com a disponibilidade de vagas, poderão permanecer por mais algum tempo na respectiva Força, sem que isto redunde em estabilidade na carreira militar. Igualmente, há oficiais e sargentos temporários. Já os militares de carreira são admitidos mediante concurso público destinado ao ingresso nas escolas de oficiais (Escola Naval, Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN e Academia da Força Aérea - AFA), escolas preparatórias (Colégio Naval, Escola Preparatória de Cadetes do Exército - EsPCEX e Escola Preparatória de Cadetes do Ar - EPCAR) ou escolas de formação de sargentos (dentre as quais cito: Escola de Aprendizes Marinheiros - EAM, Escola de Sargento das Armas - EsSA e Escola de Especialistas da Aeronáutica - EEAR). Convém registrar que há diferenças quanto ao grau de escolaridade exigido de acordo com a carreira pretendida.
Importa, nesse contexto, destacar a especificidade da formação do militar. E não poderia ser diferente, uma vez que o resultado a ser alcançado após tal processo será um profissional totalmente diferenciado dos demais. Apenas para ilustrar o que ora se afirma, cumpre ressaltar que o art. 7º da Constituição Federal assegura 34 (trinta e quatro) direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Por outro lado, o art. 142, VIII, da mesma Carta Política esclarece que apenas 6 (seis) destes direitos são extensivos aos militares. Com efeito, justamente a categoria que jura dedicação exclusiva e empenho da própria vida quando do cumprimento de sua destinação institucional não titulariza diversos direitos constitucionais consagrados a outras, dentre os quais: remuneração do trabalho noturno superior a do diurno; duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, facultada a compensação de horários e a redução de jornada; repouso semanal remunerado; remuneração do serviço extraordinário; adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, etc.
Diante desse cenário, resta evidente que o profissional militar possui incontestes diferenças jurídicas em relação aos demais, particularmente quanto aos direitos trabalhistas. Diante de tal quadro, fazer com que os militares possam assimilar os valores institucionais próprios da Caserna demanda uma acentuada dose de formação afetiva. Neste aspecto, a coesão é fator primordial para o correto desempenho da atividade militar e, em última análise, explica o empenho da própria vida por obrigação profissional, mesmo diante da inexistência de boa parte das compensações trabalhistas insculpidas no art. 7º da Carta Federal, algo impensável em se tratando da maioria das atividades laborais e demais instituições.
A propósito, aduz o General FERNANDO GOULART:
Os laços de fraternidade e companheirismo e a sensação de que na guerra o destino de todos está "interligado" fazem surgir entre os soldados um senso de objetivo comum. Esse é um processo natural que em geral ocorre de forma espontânea, mas pode também ser induzido pelo líder. Quanto mais intensa a afeição entre os membros do grupo e quanto maior sua atenção aos interesses comuns, mais forte será a propensão individual a abdicar de interesses pessoais em nome do conjunto.
A lealdade espontânea do soldado acaba sendo direcionada para os membros de seu grupo imediato. Uma das principais razões para o combatente engajar-se na luta é a amizade que nutre por seus companheiros e sua lealdade a eles. "Não deixar os companheiros na pior", "não deixar que eles morram", "fazer por eles o que eles fazem por você" são respostas constantes quando se questiona soldados veteranos sobre o que os motivou a lutar. Os homens, em sua grande maioria, combatem simplesmente porque se sentem moralmente obrigados a não faltar a seus camaradas. (GOULART, 2012, p. 167).
O trecho acima nos remete às noções de liderança e coesão enquanto aspectos de extrema importância para o labor em situações extremas.
Por seu turno, SILVEIRA sintetiza a relevância de outros aspectos atinentes aos valores das instituições militares:
A coesão da organização militar, portanto, foi sempre encarada como imprescindível ao cumprimento das missões impostas a ela. A obtenção desse efeito em todas as fases de sua evolução, só foi possível com o reconhecimento de três fatores ativantes. Em primeiro lugar, a garantia de uma sui generis autoridade militar capaz de criar dentro dessa organização o poder das armas, dinamizá-lo e aplicá-lo preservando a mística do comando. Para isso, em segundo lugar, a importância vital de obediência sob crise, sem discussão, ao comandante – a disciplina militar. E em terceiro lugar, uma ordem impessoal que estabelecesse níveis de autoridade e de subordinação, transformando essa obediência reativa no ligamento capaz de resguardar a indissociabilidade do instrumento que estivesse sendo aplicado sob árduas condições: a hierarquia militar. (SILVEIRA, 2009, p. 36)
Como se nota, o espírito de coletividade apresenta-se como uma ferramenta fundamental para a potencialização dos valores atinentes à atividade militar. Independentemente das diferenças técnicas inerentes a cada carreira militar, todas devidamente contempladas nos currículos acadêmicos, pode-se afirmar que dois fatores otimizam a consolidação afetiva ao longo da formação profissional, a saber: as acomodações organizadas através de alojamentos coletivos e a adoção do regime de internato. Tais ferramentas, de inquestionável caráter pedagógico, assumem papel central na introspecção dos valores militares, os quais precisam ser apreendidos, incorporados e postos em prática pelo profissional. Justamente por isso, para os militares de carreira, os cursos de formação são obrigatoriamente ministrados em regime de internato. Para os sargentos, por um período de 2 (dois) anos; para os oficiais, de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos, podendo chegar a 7 (sete) anos, se considerarmos o tempo destinado às escolas preparatórias. A nosso ver, a adoção de tal regime é extremamente condizente com os objetivos institucionais que se pretende alcançar, dentre as quais a denominada padronização, precisamente o que acende, no âmago do militar, o coletivismo característico e básico dos valores castrenses, aspecto ímpar da formação militar e que a diferencia, definitivamente, das outras formações profissionais.