Lucro indireto online por violação de direitos autorais

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O advento da internet trouxe repercussões jurídicas importantes, de modo que a violação dos direitos autorais se apresenta de nova forma, com auferimento de lucro não pela venda ilegal das obras, mas por meio da monetização dos acessos trazidos por elas.

RESUMO

O presente estudo discute a aplicação da norma penal quanto ao crime de violação de direitos autorais no cenário virtual, o qual avança tecnologicamente de forma drástica, originando novos meios de acesso à informação e, assim, formas inéditas de se violar a propriedade intelectual. A fim de acompanhar tais mudanças, são necessárias novas interpretações da norma. Este estudo aborda a hermenêutica que envolve um dos núcleos da conduta típica do artigo 184 do Código Penal em sua forma qualificada, a qual traz à tona a figura do lucro indireto, ponto central do texto e que é analisado sob o prisma do atual contexto da web.

Palavras-chave: Direito Autoral. Lucro Indireto. Publicidade Online.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho foi elaborado para demonstrar o lucro indireto, no âmbito da internet, no que tange ao crime de violação ao direito autoral, previsto nas qualificadoras dos parágrafos 1º e 3º do artigo 184 do Código Penal, mediante a disponibilização de obras intelectuais, sem anuência de quem as elaborou, no contexto cibernético, mesmo que de maneira gratuita, auferindo lucro com base em publicidades e visualizações, possibilitando consequências jurídicas como a coautoria da empresa anunciante e do provedor.

Ainda, levanta-se o direito constitucional do acesso à cultura e informação pela pessoa que adquire determinada obra sem causar prejuízo para o autor desta, o que, em tese, não poderia configurar o delito previsto no artigo 184 do Código Penal, pois iria caracterizar o fair use, ou seja, o uso justo da obra.

Por fim, o principal objetivo nesta discussão seria procurar soluções criativas para inibir a prática de violação de direito autoral na internet e possibilitar as pessoas utilizam o meio cibernético o acesso às obras sem violar o direito autoral de outrem.

2. HISTÓRICO

Inicialmente, cabe destacar brevemente o progresso da internet na história e como esta chegou ao que é hoje, sendo o principal meio de comunicação que interliga o mundo inteiro, oferecendo ao usuário o acesso a uma quantia imensurável de conteúdo.

Como explica de Liliana Minardi Paesani (2006, p. 25), durante a Guerra Fria, os Estados Unidos, a fim de se precaverem de eventual ofensiva russa, elaboraram um sistema de telecomunicações visando garantir que caso houvesse algum ataque, este não iria interromper a corrente de comandos dentro do país. Desta maneira, foram criadas redes locais, denominadas de LAN, as quais ficavam coligadas via redes de telecomunicação geográfica chamadas de WAN em locais estratégicos, e, assim, formavam uma rede de redes conexas, a qual foi chamada de internet ou inter networking.

Contudo, segundo a autora (PAESANI, 2006, p. 25), a ascensão da internet foi no ano de 1973 após o projeto de Vinton Cerf, do Departamento de Pesquisa avançada da Universidade da Califórnia, no qual criou um código que permite a comunicação entre sistemas de computadores, mediante o registro do protocolo TCP/IP (Protocolo de Controle da Transmissão/Protocolo Internet). Após, com a criação do World Wide Web, em 1989, o qual também podemos simplesmente chamar de WWW, a internet se tornou de fato em um instrumento de comunicação a nível mundial, fazendo com que em um clique o usuário tenha acesso a diversos conteúdos. (PAESANI, 2006, p. 26)

Assim, com o avanço da tecnologia, a internet foi se modernizando e hoje temos um meio de comunicação rápido e eficaz, o qual anula toda a distância e permite a troca de diversos conteúdos de maneira instantânea. Destarte, gera efeitos no mundo jurídico, como o que será abordado no presente artigo científico no que tange à violação do direito autoral de obras intelectuais disponibilizadas na internet sem a devida autorização. 

Tal discussão faz-se pertinente, visto que o conteúdo é recurso inestimável na internet e muito disputado. Segundo Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 110/111):

No mundo virtual, o conteúdo tornou-se um objeto de negociação semelhante a uma commodity. [...] O conteúdo na internet não é gerado necessariamente para um comprador, mas torna-se cada vez mais uma mercadoria cuja posse agrega valor ao seu proprietário.

Obras intelectuais como músicas, filmes e livros são conteúdos valiosos que podem impulsionar a quantidade de visualizações de um website, tornando-o mais atrativo e assim, mais rentável por meio de anúncios publicitários de terceiros. Estas obras constituem um bem jurídico amparado pela lei e violá-lo significa cometer crime de violação de direito autoral, previsto no artigo 184 do Código Penal.

3. FORMAS QUALIFICADAS DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS  AUTORAIS

No Brasil, conforme ensinamentos de Cézar Roberto Bittencourt (2012, p 544), a violação da propriedade intelectual referente ao direito autoral já era tutelada no Código Criminal de 1830 como uma modalidade de furto. Após, com o Código penal de 1890 estendeu a tutela de eventual violação de direito autoral com vários dispositivos próprios. Diante destes diversos dispositivos, o Código Penal de 1940 foi elaborado pensando em sintetizar as normais penais. Por fim, com a redação dada pela Lei nº 6.895/80, foi inserido no atual Código Penal Brasileiro o artigo 184, caput, e, posteriormente, as Leis nº 8.635/93 e 10.695/03 introduziram as modalidades qualificadas.

Assim, diante do dispositivo acima mencionado, Cléber Masson (2014, p 775) diz que a propriedade intelectual possui proteção legal, tendo em vista que, mesmo se tratando de bens imateriais, estes possuem valor econômico a partir do momento em que se concretizam em obras científicas, literárias, artísticas e invenções em geral.

Desta forma, diante desta tutela, vale ressaltar que os crimes contra a propriedade imaterial estão fundamentados primeiramente na Constituição Federal de 1988, nos termos do seu artigo 5º, IX, “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Ainda, posteriormente no mesmo artigo, no inciso XXVII, diz que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”.

De maneira mais específica, o Código Penal tipifica como crime a violação de direito autoral, em seu artigo 184, a qual é uma modalidade de crime contra a propriedade imaterial, sendo o objeto de estudo do presente artigo científico as modalidades qualificadoras dos parágrafos 1º e 3º, quais sejam:

Artigo 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

[...]

§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Isto posto, a finalidade lucrativa é imprescindível para a majoração penal do delito, tendo em vista seu caráter de maior reprovação social, no qual o autor do crime se utiliza de obra intelectual de outrem, sem autorização, para auferir lucro.

A modalidade qualificada do parágrafo primeiro está fundamentada na ideia de que o autor do crime irá utilizar a obra de outrem sem prévia autorização, com o intuito de obter lucro direto ou indireto, o que enseja maior tutela jurídica.

O objeto deste delito é a própria obra violada, sendo o seu núcleo o verbo “violar”, conforme o caput do artigo 184 do Código Penal.  Acontece que, por se tratar de forma qualificada, o referido núcleo será acompanhado de um elemento subjetivo, qual seja, o intuito de obter lucro direto ou indireto em decorrência da violação, o qual majora a pena, trazendo consequências mais gravosas para o “violador”.

O intuito do autor do crime, em obter lucro direto ou indireto, é chamado pela doutrina como o caráter mercenário desta qualificadora, o que justifica uma penalidade maior para o infrator, impossibilitando benefícios a este, como a suspensão condicional do processo e a transação penal, o que reforça a proteção jurídica do direito autoral.

Quanto à conduta tipificada no parágrafo terceiro do mesmo artigo, novamente viola-se o direito do autor, almejando-se a percepção de lucro direto ou indireto, com a diferença de referir-se exclusivamente ao oferecimento da propriedade intelectual ao público, sem autorização do autor, por meio de vias tecnológicas. Na lição de Cézar Roberto Bittencourt (2012, p. 821), “Pretende esse dispositivo coibir o trânsito ilegal de obras intelectuais na rede mundial de computadores (Internet).”

O tipo do parágrafo primeiro traz a expressão “por qualquer meio ou processo”, o que também englobaria os meios virtuais sugeridos no parágrafo terceiro. A diferença, no entanto, se dá pela forma de violação. Enquanto o crime do parágrafo 1º utiliza o termo “reprodução”, o do parágrafo 3º, por sua vez preconiza o “oferecimento”. A diferença entre tais terminologias pode ser encontrada na Lei de Direitos Autorais 9.610/98, a qual define, sem seu artigo 5º, reprodução como: “a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido”, enquanto oferecimento, por sua vez, surge no significado de publicação, que é: “o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público”. Reproduzir, portanto, é realizar uma cópia, ao passo que oferecer traduz-se em entregar, dedicar, conceder ao público.

Nestes tipos penais, o sujeito passivo será o autor, artista intérprete ou executante, podendo ser até o produtor ou quem represente estas pessoas elencadas, sendo possível também serem pessoas jurídicas de direito público e privado. Desta maneira, a vítima somente poderá ser o titular do direito autoral violado, ressaltando a possibilidade de que, em virtude da ausência do titular, podem ser sujeitos passivos os herdeiros ou sucessores deste.

No que se refere ao sujeito ativo, por ser crime comum, este poderá ser qualquer pessoa, sem nenhuma exigência legal.

Ademais, de acordo com o doutrinador Cleber Masson (2014, p. 778), a majoração do crime de violação de direito autoral necessita de um elemento normativo, o qual seria “sem expressa autorização”, ou seja, para configurar a qualificadora, além dos requisitos acima expostos, é necessário que a violação ocorra sem a anuência da vítima, salientando que, esta autorização deverá ser expressa, sob pena de subsistir o crime mesmo que haja autorização tácita.

No que concerne à consumação e tentativa, ensina Cézar Roberto Bittencourt (2012, p. 822/823), “Consuma-se com a prática efetiva das ações incriminadas, com a publicidade de obra inédita ou reproduzida. [...] Como crime material, é admissível a tentativa em qualquer das figuras descritas. Apresenta um iter criminis fracionável, durante o qual o agente pode ser involuntariamente interrompido.”.

Cézar Roberto Bittencourt (2012, p. 663) classifica este delito como: “Crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Não exige qualquer qualidade ou condição especial; crime de mera conduta, sendo desnecessária a produção de resultado; crime instantâneo.”

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A ação penal referente às qualificadoras do artigo 184 do Código Penal é natureza pública, com fulcro no artigo 186 do Código Penal, sendo que a pena é de dois a quatro anos de reclusão mais multa, salientando que no caso da qualificadora do parágrafo 1º é ação penal pública incondicionada e do parágrafo 3º é ação penal pública condicionada à representação:

Artigo 186. Procede-se mediante: 

I - queixa, nos crimes previstos no caput do art. 184; 

II - ação penal pública incondicionada, nos crimes previstos nos §§ 1o e 2o do art. 184; 

[...]

IV - ação penal pública condicionada à representação, nos crimes previstos no § 3o do art. 184

Analisando a pena, bem como a modalidade de ação penal, verifica-se a preocupação do legislador com o caráter mercenário das qualificadoras, haja vista que a pena do “caput” do artigo 184 é de três meses a um ano, ou seja, permite benefícios ao autor do crime, como a transação penal e a suspensão condicional do processo. Ainda, se procede mediante ação penal privada, devendo a vítima tomar as medidas cabíveis antes do decurso do prazo decadencial de 6 (seis) meses, nos termos do artigo 38 do Código de Processo Penal, situações estas muito diferentes no caso de cometimento do crime de violação de direito autoral nas modalidades qualificadas.

4. DIREITO AUTORAL E SUA INSERÇÃO NAS MÍDIAS DIGITAIS

A Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98 traz em seu artigo 1º a definição de direitos autorais como os direitos de autor e os que lhes são conexos. Para Bitencourt, direito autoral “consiste nos benefícios, vantagens, prerrogativas e direitos patrimoniais, morais e econômicos provenientes de criação artísticas, científicas, literárias e profissionais de seu criador, inventor ou autor”.

Segundo De Plácido e Silva (2014), em seu vocabulário jurídico, o direito autoral é conceituado como:

O direito que assegura ao autor de obra literária, artística, ou científica, a propriedade exclusiva sobre a mesma, para que somente ele possa fruir e gozar todos os benefícios e vantagens que dela possam decorrer, segundo os princípios que se inscreverem na lei civil. O direito de propriedade autoral, no entanto, entende-se o direito de exploração comercial da mesma obra, em virtude do que pode dispor e gozar dela como melhor lhe aprouver dentro do período prefixado em lei.

Diante da leitura deste breve conceito, podemos dizer que a proteção ao direito autoral tem a preocupação com o direito subjetivo do autor da obra, o qual por meio de sua inteligência produziu conteúdo que após ser materializado possui valor econômico, e este conteúdo é chamado de propriedade intelectual.

Assim, o direito autoral, o qual protege a propriedade intelectual, pode ser subdividido em direito patrimonial, tendo em vista o valor econômico da obra, e em direito de personalidade, porquanto, ao ter a sua obra utilizada por outrem sem a sua expressa autorização, pode-se caracterizar eventual abalo moral para este.

Neste sentido, Liliana Minardi Paesani (2006, p. 25), no seu Manual de propriedade intelectual, remete ao princípio constitucional do direito do autor da obra, já mencionado no presente artigo científico:

O princípio constitucional confirma inclusive a prerrogativa que todo criador, de uma obra intelectual, tem sobre sua criação. Essa criação da inteligência humana é um direito personalíssimo, exclusivo do autor, composto por um direito Moral e um Direito Patrimonial.

Contudo, apesar de não ser o foco do presente trabalho, o direito moral e patrimonial serve de justificativa para a lesão que a vítima, ou seja, o autor da obra sofre em virtude da violação de suas obras sem a autorização, configurando o delito tipificado no artigo 184 do Código Penal.

Como pode-se ver, tanto no conceito doutrinário, quanto no conceito legal de direito autoral, são citadas três classificações de obras, as quais são explicadas por Fernando Capez (2005, p. 578):

Para a doutrina, os direitos autorais abrangem as seguintes obras: a) obras literárias – são os livros e outros escritos, como discursos, conferências, artigos de jornal ou revista etc.; b) obras científicas, que, segundo Hungria, são: ‘livros ou escritos contendo a exposição, elucidação ou crítica dos resultados real ou pretendidamente obtidos pela ciência, em todos os seus ramos, inclusive as obras didáticas e as lições de professores (proferidas em aulas e apanhadas por escrito)’; e c) obras artísticas, as quais, ainda no ensinamento de Hungria, são: ‘trabalhos de pintura, escultura e arquitetura, desenhos, obras dramáticas, musicais, cinematográficas, coreográficas ou pantomímicas, obras de arte gráfica ou figurativa’, bem como trabalhos de televisão etc. De acordo com a Lei nº 9.610/98, abrange igualmente os direitos conexos (v. arts. 89 a 96).

O direito autoral é também chamado de copyright e é uma ramificação da propriedade intelectual, a qual se divide em copyright e propriedade industrial, sendo que esta última, conforme a Convenção de Paris de 1883 (artigo 1, 2ºp) “é o conjunto de direitos que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal”, possuindo assim, teor empresarial ou comercial. O presente estudo tem por foco a primeira subdivisão, o direito autoral.

Quanto ao direito autoral no contexto da internet, podendo ser chamado de direito autoral digital, o qual tem sido dificultoso proteger, tendo em vista a agilidade e versatilidade das mídias em que se insere. Conforme afirma Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 85): “[...] não há como negar o grande impacto da Internet sobre os direitos do autor, que acabou pela ótica de acesso, portabilidade e uso deles, por modificar radicalmente a maneira pela qual tais direitos são distribuídos, fruídos, cedidos e até mesmo infringidos.” Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 93) atesta ainda: “Sabemos que a Internet eleva as possibilidades de replicação de conteúdo à máxima potência.”

Ainda deve-se ressaltar que as obras digitais, por constituírem propriedade imaterial, distribuem-se de forma diversa das obras nas mídias físicas:

Logo no Direito Digital, o direito autoral é um direito extraterritorial cuja característica é a desmaterialização de seu suporte físico. A obra não é mais distribuída em seu modelo tradicional, como por exemplo, em livro ou CD; é acessada pelo consumidor. O entendimento deste novo formato de distribuição é essencial para criar formas de proteção do direito de autor na era digital.” (Pinheiro, 2008, p. 85, 86).

A problemática que envolve as cópias não autorizadas das obras digitais é mais laboriosa não somente pelo fato de sua reprodução ser facilitada pelo meio cibernético, por sua instantaneidade, mas também porque não é custosa, como indica Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 87):

Isso ocorre porque os modelos de exploração tradicionais não funcionam em meios eletrônicos, tendo em vista que os custos de replicação marginal dos conteúdos tendem drasticamente a zero, de tal forma que num primeiro momento as empresas da velha economia tiveram dificuldade em convencer o mercado consumidor do valor de seus produtos com base apenas no seu conteúdo, uma vez que o suporte utilizado não tinha expressão econômica.

Deste modo, visando aprofundar o tema no que tange às obras digitais, por se tratar de assunto bastante recente e de maior complexidade, principalmente quando ocorre o lucro indireto pelo autor da violação à propriedade imaterial, o qual é o núcleo do presente artigo científico, o próximo item irá trazer a possibilidade de ocorrência das qualificadoras previstas no artigo 184, parágrafos 1º e 3º, do Código Penal, na modalidade “lucro indireto”, no contexto eletrônico.

5. LUCRO INDIRETO ATRAVÉS DA PUBLICIDADE ONLINE

Como pôde-se observar anteriormente, o crime de violação de direitos autorais em suas formas qualificadas prescritas nos parágrafos 1º e 3º do artigo 184 do Código Penal exigem a intenção de auferimento de lucro para caracterizá-las. O lucro pode ser tanto pretendido diretamente, como indiretamente. Um exemplo de lucro direto é a venda de obra de forma não autorizada, ao passo que existiria lucro indireto na situação em que um restaurante utilize, sem autorização, músicas para sofisticar o ambiente e atrair mais clientes.

No âmbito da internet, tais modalidades criminosas também podem ocorrer. O lucro direto é facilmente reconhecível, trata-se, verbi gratia, da circunstância em que um website disponibiliza para download e-books mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro, sem anuência do detentor dos direitos de autor daquelas obras. Já o lucro indireto, por sua vez, é mais imperceptível, seria o caso no qual o administrador de um website, novamente desautorizado a fazê-lo, publique no mesmo diversas obras cujo acesso integral é gratuito aos usuários, mas possui anúncios publicitários de terceiros nas páginas em que se encontram obras. Assim, lucram percebendo mais ganhos pelo tráfego de usuários alavancado pela disponibilização das obras que, por vezes, é o único conteúdo atrativo do website.

Nessa mesma linha, segue o entendimento de (VILAS BOAS & MACIEL, 2013, p. 2-3):

Isto porque o uso da internet ainda não está regulamentado no Brasil, não há um órgão específico que fiscalize a publicação de conteúdos não autorizados, então alguns sites de hospedagem se beneficiam com o lucro direto e outros com o lucro indireto surgido com o merchandising.

Rodrigo Guimarães Colares (2005) também considera a incidência do lucro indireto no caso em questão: “Salvo melhor juízo, lucro indireto pode ocorrer em episódios de sites que disponibilizem arquivos e tenham sua renda proveniente de outras fontes – indiretas, como anúncios de publicidade de terceiros.”

A publicidade virtual é uma ferramenta que empresas podem utilizar visando estimular o consumo de seus produtos ou serviços ao expor os mesmos a um público regular de uma página na internet, bem como usuários de todo o tipo de mídia digital. Conforme Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 273), “Existem vários meios de publicidade na Internet. Os banners são os mais comuns.”.

O custo da exposição de tais anúncios pode ser pago de diferentes métodos. Alguns dos mais comuns métodos são as campanhas Custo Por Clique (CPC), Custo Por Milha (CPM) e Click-through rate (CTR). A diferença na forma de pagamento está na interação do usuário com o anúncio. A campanha Custo Por Clique se dá pela quantidade de cliques que o anúncio recebe pelos usuários, enquanto na Custo Por Milha paga-se uma quantia determinada para cada mil impressões, como explica Ricardo Vaz Monteiro (Google Adwords – A Arte da Guerra, 2007, p. 142): “Impressões é o número de vezes que seu anúncio é apresentado. Cliques é o número de vezes que diferentes internautas clicaram no seu anúncio, ou seja, o tráfego gerado, e o CTR é a taxa entre eles."

É evidente que em qualquer método de merchandising online utilizado é essencial e vantajoso que a página na web anunciada disponha de um alto tráfego de usuários e, consequentemente, potenciais consumidores dos produtos ou serviços anunciados. Para obter-se tal fluxo de visitantes é importante o conteúdo, o qual, como já explanado, é extremamente precioso na internet, posto que é o que conquista os internautas.

Desta forma, muitos buscam alcançar esse grande fluxo de usuários valendo-se de um conteúdo que decorre de obras intelectuais, sem a anuência dos detentores sobre os direitos das mesmas, praticando assim o crime de violação de direitos autorais em sua forma qualificada nos parágrafos 1º ou 3º, dado o intuito de lucro indireto presente nesta situação.

6. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Diante desta situação abordada no item anterior, ainda é necessário destacar alguns desdobramentos que podem ocorrer no âmbito do lucro indireto em determinados casos concretos no contexto cibernético, trazendo outras consequências jurídicas que merecem atenção, conforme será demonstrado a seguir.

6.1 COAUTORIA

No espaço cibernético, é entendimento da doutrina que o provedor, bem como a empresa anunciante podem ser tratados como corresponsáveis pelo crime de violação ao direito autoral, mesmo que não tenha disponibilizado a obra, tendo em vista que estas também podem auferir lucro pelo produto intelectual de outrem de maneira indireta e de certa maneira colaboram para a prática de mencionado delito.

Neste sentido, Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 96) explica que “o provedor poderá ser corresponsável pela violação, como o dono do xerox que copia determinado livro é coautor do crime se a pessoa que o copiou não tiver em conformidade com os preceitos legais aplicados ao caso.”

Ainda, no mesmo viés Aline Hamdan Vilas Boas e Álvaro dos Santos Maciel (2013, p. 3) dizem que quando se trata da responsabilidade pela publicação de uma obra não autorizada, pode haver um sistema de corresponsáveis que podem ser citados, os quais podem abranger os provedores de acesso, as empresas de software, os programadores e os sites que cedem espaço à publicidade em suas homepages.

Logo, entende-se que estes coautores mencionados, quando participam de alguma maneira da violação de direito autoral, neste caso, no âmbito da internet, podem ocupar o pólo passivo de eventual ação penal pelo delito tipificado no artigo 184 do Código Penal, haja vista que, além de estar colaborando para a prática do referido delito, também alcançam o lucro, podendo configurar alguma das hipóteses qualificadoras deste dispositivo.

6.2 FAIR USE

Em relação ao fair use, ou seja, o uso justo de uma obra, pode-se considerar que esta conduta é uma excludente de tipicidade. Mesmo que a obra utilizada não seja adquirida adequadamente, não sendo utilizada para fins comerciais ou econômicos, não haverá o crime previsto no artigo 184 do Código Penal.

Para melhor entendimento na compreensão desta modalidade de uso, podemos comparar o fair use no delito de violação ao direito autoral (artigo 184 do Código Penal) com o chamado “furto de uso” (artigo 155 do Código Penal), no sentido de que em ambas estas situações ocorre a excludente de tipicidade com a justificativa de que, em regra, não trazem prejuízos para o autor da obra violada e ao dono da res furtiva, respectivamente.

Nesta linha, Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 96) explica com maior profundidade tal tema:

É importante fazer a distinção do que é o uso justo, “fair use”, da violação do direito. O “fair use” é o uso adequado, que autoriza o acesso a obras sem necessidade de sua aquisição, um conceito nascido da legislação americana que limita o direito autoral sob certas circunstâncias, como o uso para crítica, comentário, divulgação de notícia, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em sala de aula), educação (sem fins lucrativos) e pesquisa. Para determinar se a utilização feita de um trabalho para um caso particular é “fair use”, os seguintes fatores devem ser considerados: o propósito e tipo de utilização, incluindo se ele é de natureza comercial ou educacional sem fins lucrativos; a natureza do trabalho copiado; a quantidade e proporcionalidade do copiado em relação ao todo; e o efeito do uso relativamente ao mercado potencial ou valor do trabalho sob direito de autor.

Assim, o fair use também engloba a utilização da obra de maneira particular e proporcional, ficando evidente a ausência de prejuízo pela vítima, conforme leciona Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 93): “entende-se que, se um indivíduo copiar pequenos trechos de um livro para uso privado e sem intuito de lucro, não estará violando os direitos do autor”

Ocorrendo esta situação, o próprio artigo 184 do Código Penal dispõe tal excludente em relação às suas qualificadoras, neste sentido:

Artigo 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

[...]

§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto

Ademais, a Lei 9610/98 prevê expressamente:

Artigo 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

[...]

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

[...]

         Analisando este uso adequado com maior amplitude, levanta-se a questão sociológica da utilização de determinada obra com o fundamento constitucional do direito a cultura e informação, conforme se extrai de estudo neste sentido:

Nesse diapasão, em razão de direitos fundamentais como a cultura, liberdade de expressão e informação, a reprodução gratuita de obras, quando não acarrete prejuízos ao autor, deverá ser entendida como exceção aos direitos autorais, posto que, nesses casos, o interesse social deverá preponderar sobre o interesse individual.” (ACCIOLY, 2010)

Diante deste breve exposto, em caso de fair use de determinada obra, deverá ser analisado o prejuízo que a vítima sofreu, sendo que em caso negativo, não haverá crime.

Ocorre que há a possibilidade de eventual discussão, no sentido de que por um lado o delito tipificado no artigo 184 do Código Penal não prevê como requisito o prejuízo da vítima para a consumação do mencionado delito, sendo que por outro lado estaríamos diante de uma excludente de tipicidade, somando-se a ideia do direito constitucional de acesso à informação e cultura, e, assim, não configurando crime.

Diante desta discussão, deve-se analisar alguma solução viável, a qual pode ser, de acordo com Patrícia Peck Pinheiro (2008, p. 96):

Entendemos que uma solução comercial viável seria a criação de locais para experimentação e uso virtual, nos quais se poderia disponibilizar produtos autênticos para uso justo. Esses espaços seriam verdadeiros sites de destino para pesquisas junto ao consumidor e verificação da aceitação para lançamento de novos produtos. Ouvir o consumidor não é uma exigência apenas da Internet; é uma questão de sobrevivência de mercado em qualquer outro ambiente, real ou virtual.

Assim, esta excludente de tipicidade serve para proteger a pessoa de boa-fé, a qual obtém a obra para fins particulares não trazendo prejuízos para o autor da obra, sem o intuito de lucro e de maneira adequada, sendo que é direito de constitucional o acesso à cultura e informação, desde que não extrapole a proporcionalidade que a excludente necessita para ser configurada, sob pena de cometimento do delito previsto no artigo 184 do Código Penal, podendo, dependendo o caso concreto, configurar alguma qualificadora deste. Por fim, é necessário buscar novas soluções, a fim de amenizar a discussão acima exposta e inibir a prática de violação de direitos autorais na internet e possibilitar ao usuário cibernético o acesso às obras digitais de maneira segura e sem causar prejuízo a outrem.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível depreender, portanto, que, mesmo dificultoso de se perceber, há incidência do lucro indireto na conduta de violar direitos autorais no ambiente cibernético a fim de aumentar o tráfego de usuários de determinada página eletrônica que conte com anúncios publicitários de terceiros que gratifiquem o dono da página por sua exibição na mesma, culminando no tipo penal qualificado do artigo 184, parágrafos 1º ou 3º, a depender da forma de violação.

A internet e seu acesso facilitado, ágil e disseminado, torna árduo qualquer tentativa de fiscalização sobre tais violações, mas o presente estudo tem por fim destacar que estas práticas, apesar de comuns, favorecem o enriquecimento ao infringir um direito fundamental, que é o direito autoral. Cabe à lei se atualizar de maneira inteligente com o propósito de acompanhar o ritmo acelerado com que os meios cibernéticos progridem e se tornam mais complexos.

Não se pode, no entanto, negar o valor cultural e instrutivo das obras intelectuais, das quais o interesse social pode se valer, com as devidas proporções, estabelecendo uma relação justa com aqueles que detêm os direitos de autor, sendo que se deve buscar sempre uma solução criativa para coibir a prática de tal delito, possibilitando o acesso às obras no âmbito da internet, sem que haja a supressão do direito de acesso à cultura e informação.

REFERÊNCIAS

MASSON, Cleber. Código Penal comentado / Cleber Masson. 2. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

BITENCOURT, Cezar Roberto, Código penal comentado / Cezar Roberto Bitencourt. — 7. ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2. 5ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.

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ONLINE INDIRECT PROFIT THROUGH COPYRIGHT INFRINGEMENT

ABSTRACT

The present study discusses the application of the criminal law to the crime of copyright infringement in the virtual environment, which advances technologically drastically, generating new means of access to information and, thus, unprecedented ways of violating intellectual property. In order to accompany such changes, new interpretations of the regulation are required. This study deals with the hermeneutics that involves one of the cores of the typical conduct of article 184 of the Brazilian Criminal Code in its qualified form, which brings to the forefront the figure of indirect profit, central point of the text ,which is analyzed from the perspective of the current context of Web.

Keywords: Copyright. Indirect Profit. Advertising Online.

Sobre os autores
Guilherme Thomé de Melo

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Damásio Educacional.

João Pedro Rosa de Souza

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2016). Assistente de Promotoria de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

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