O segurado especial é a única espécie de segurado protegido pela CF/88. Um dos avanços que foram trazidos para a atual sociedade com o intuito de efetivar princípios basilares do Estado Democrático de Direito, que são a dignidade humana e a igualdade. Entretanto, a realidade comum das vias administrativas e judiciais não é esta, visto que é existe uma dificuldade para corroborar a qualidade de segurado.
BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm, “Quando se trata do Segurado Especial, não basta provar que trabalhou, é necessário comprovar que o tenha feita em determinadas condições, as que fazem dele um segurado especial: atividade rural ou pescador artesanal em regime de economia familiar, sem empregados permanentes. Por isso, é necessário aprofundar o estudo da prova.”[1] Por conta dessa análise mais aprofundada do estudo da prova, é que o segurado especial enfrenta dificuldades para obter seu beneficio.
A lei de Benefícios da Previdência Social - Lei 8213/91, aborda sobre os elementos caraterísticos e essenciais para o segurado especial obter um beneficio. Um desses elementos é a faculdade, ou seja, não obrigatoriedade de contribuição mensal perante a Previdência Social, visto que, essa espécie de segurado exerce labor apenas de economia familiar, ou seja, uma atividade de subsistência sua e da família. Assim, o artigo 39 dessa lei estabeleceu tal beneficio:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.
Logo, com base no diapasão supracitado é fácil verificar esse beneficio que o trabalhador rural tem. Contudo, o que deveria ser uma faceta para ajudar na efetivação de seus direitos e garantias constitucionais, acaba sendo o fator essencial para a negativa de seu beneficio tanto na esfera administrativa, como na judicial. Pois, é comum se ter pessoas que agindo de má fé se aproveitam dessa regalia e usam o velho “jeitinho brasileiro” para obter tal recurso de forma mais fácil, pois não necessitará contribuir mensalmente para adquirir um beneficio.
Um fator lastimável, pois pessoas que vivem a mercê da miserabilidade e marginalidade tem seu direito totalmente usurpado, por conta que as autoridades responsáveis para efetuar tal garantia já os vêm como totais fraudadores. O que acaba gerando um caos e uma situação critica para aqueles que necessitam e sempre exerceram um labor rural.
Tudo isso ocorre, por conta que a única necessidade que esse segurado necessita cumprir é a comprovação de sua atividade rural, entretanto isso é o ponto crucial que acaba prejudicando essa classe. Pois, como a atual sociedade é regimentada por documentos, o trabalhador rural enfrenta problemas para comprovar a sua atividade. Isto é, aqueles que têm menores condições econômicas vivem a mercê de uma informalidade, o que acaba resultando falta de documentos probatórios para se assegurar direitos essenciais.
RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. “A informalidade à qual se sujeita esse trabalhador muitas vezes chega a impossibilitar a apresentação de um único documento dentre aqueles relacionados no artigo 106 da Lei 8.213/91”. A autora relatou isso, pois as autoridades competentes muitas vezes só se dão por satisfeitas quando tem preenchido o rol desse artigo. Vejamos:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)
[...]
X - licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008
Logo, é fácil verificar que existe um rol extenso para a comprovação dessa classe de segurados, visto que muitas vezes o agricultor ou o pescador artesanal não possui nenhum um terço desse enumerativo. Assim, a audiência deveria ser o marco crucial e determinante para a procedência do pedido. Entretanto, o magistrado ao se deparar com alguma incongruência, por menor que seja, já decide equivocadamente pela improcedência do feito.
Com base nisso, o magistrado ou autoridade da autarquia não pode se apegar apenas a esse rol, pois o Supremo Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de estabelecer que esse rol é meramente exemplificativo, e não taxativo.
AGRAVO REGIMENTAL - DIREITO PREVIDENCIÁRIO - SALÁRIO-MATERNIDADE - TRABALHADORA RURAL - INÍCIO DE PROVA MATERIAL - PERÍODO DE CARÊNCIA - ART. 106 DA LEI 8.213/91 - ROL EXEMPLIFICATIVO - SÚMULA 7/STJ. 1. Não se exige que o início de prova documental se refira a todo o período de carência do benefício pleiteado, desde que devidamente corroborado por robusta prova testemunhal. Precedentes. 2. O rol previsto no art. 106 da Lei de Benefícios é meramente exemplificativo, sendo possível a admissão a título de prova material de documentos diversos daqueles elencados. 3. A discussão sobre a unilateralidade da declaração para a inserção da qualidade de trabalhadora rural na prova apresentada demanda o reexame de matéria fático-probatória, atraindo o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no AREsp: 415928 PR 2013/0346871-5, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 07/11/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/12/2013)
Por conta disso e por seu tratamento diferenciado diante a Previdência Social, no que tange a não obrigatoriedade de contribuição, mas de apenas comprovar a qualidade de segurado e sua economia de subsistência, que o segurado especial encontra dificuldades para efetivar seus direitos. Logo, esta exceção que foi lhe dado, para este ter uma igualdade material, acaba sendo o principal elemento para as vias administrativas e judiciais serem tão rígidas e julgar improcedente a demanda.
Assim, é notório verificar que a garantia que o Segurado Especial pleiteia, que deveria ser o seu beneficio, por toda sua vida em um labor misero, acaba sendo o ponto crucial de este ser considerado, para grande parte das autoridades, uma espécie de fraudador. Algo inadmissível, visto que, a maioria dos doutrinadores entende que a análise das provas tem que abordar três espécies de prova: a prova material prova testemunhal e documental.
“A prova da atividade rural tem que ser apreciada levando-se em conta a informalidade referida, sob pena de inviabilizar o direito material.”, BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Um posicionamento bem distante da realidade do país, pois os magistrados e autoridades administrativas procuram qualquer ponto ruim para se apegar e indeferir o beneficio. O que acaba prejudicando a outra análise de prova, a testemunhal, isto posto que ao se deparar com poucas provas materiais, a visão da oitiva de testemunha e do autor, já é considerada totalmente desnecessária. Isso porque as autoridades competentes acreditam que o autor não seja segurado especial e esteja agindo de má-fé, por conta disso que estes buscam qualquer ponto contraditório dos depoimentos para justificar a improcedência do feito, deixando a terceira analise de prova sem ser apreciada.
Diante Disso, a realidade fática dos julgadores é bastante divergente com o que a doutrina, lei e jurisprudência asseguram. Logo, isso só acaba acarretando um caos e uma injustiça, para com as pessoas que já vivem em situação de calamidade e marginalidade.