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Fraude processual, crime da pessoa que tenta, de forma ardilosa, induzir o juiz ou perito a erro

11/06/2019 às 16:10
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Não se deve confundir quando a parte falta com a verdade no processo e quando ela frauda o procedimento processual ou investigatório com o intuito de induzir a erro o magistrado ou o perito, pois são condutas com consequências distintas.

O delito está previsto no artigo 347 do Código Penal e dispõe:

“Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, e multa.

Parágrafo único - Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.”

O bem jurídico tutelado nesse tipo penal é a Administração da Justiça. Este delito é conhecido como estelionato processual.

O sujeito ativo desse delito, que é um crime comum, pode ser qualquer pessoa, tenha ela interesse direto ou não no processo.

O sujeito passivo, isto é, a vítima primária desse crime é o Estado, uma vez que a fraude processual, quando tipificada, faz a máquina judiciária trabalhar de forma desnecessária, onerando o Estado de forma mal intencionada e dolosa. A vítima secundária é a própria parte, aquele contra quem se fala, aquele contra quem se imputa fatos inverídicos, aquele que foi lesado pela conduta do autor.

O tipo objetivo determina que devem estar presentes:

  1. Inovar (verbo nuclear do tipo penal): significa mudar, substituir, alterar
  2. Artificiosamente: quer dizer de forma ardil, fraudulenta.
  3. Na pendência de processo civil ou administrativo/criminal: no correr do processo ou, no caso criminal, ainda que ele não tenha se iniciado.

É necessário que o processo judicial – civil ou administrativo – já tenha sido instaurado e não tenha sido encerrado ainda.

Quanto ao procedimento penal, de acordo com o parágrafo único do artigo 347 do Código Penal, não é necessário que a ação penal já tenha sido proposta, bastando elementos no sentido de que será iniciada.

  1. O estado de lugar, coisa ou pessoa: a relação  é taxativa e, em respeito à vedação à analogia “in malam partem”, não pode ser ampliada.
  2. Com o fim e induzir a erro o juiz ou o perito

De acordo com o aludido texto legal, dispõe Rogério Sanches Cunha que a análise do delito deve basear-se em quatro principais planos: “1. conduta de inovar artificiosamente; 2. Na constância de processo civil ou administrativo; 3. Sobre o estado de lugar, de coisa ou de pessoa; 4. com a finalidade de induzir a erro o juiz ou o perito.” (CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial, Salvador: Juspodivm 9ª edição, 2017, p. 928; GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Epecial, volume III, Niterói, Rio de Janeiro: Impetus 14ª edição, 2017, p. 1026).

Já o tipo subjetivo do delito prevê o dolo, isto é, a vontade de inovar de forma fraudulenta o estado de alguma coisa, de uma pessoa ou de um lugar, com o fim de induzir o juiz ou perito a erro, decidindo ou avaliando, respectivamente, de forma a atender o interesse daquele que cometeu o crime. Nota-se que, nesse delito, o agente deve estar ciente da pendência do processo civil ou administrativo/criminal.

Observe que o dolo deste crime é um dolo específico, pois o autor possui uma vontade em particular, um desejo específico, que é induzir o juiz ou perito ao erro.

Quanto à consumação e tentativa, a consumação dar-se-á no momento em que o autor executa a inovação artificiosa, ou seja, realiza a fraude, não sendo necessário que venha, efetivamente, a induzir a erro o juiz ou o perito, tratando-se de crime formal.

Se a conduta do agente não tiver idoneidade suficiente para enganar o juiz ou o perito, estará caracterizado o crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal

A tentativa para este delito é possível, visto que se trata de um crime plurissubsistente, isto é, o iter criminis do delito pode ser fracionado.

A forma majorada do delito está prevista no parágrafo único do artigo 347 do Código Penal, que trata da inovação artificiosa em relação ao processo criminal, abrangendo, inclusive, a fase pré-processual, isto é, a fase investigatória.

Segundo Greco:

“Se o réu, (...) com a finalidade de se defender, inovar artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito, entendemos que o fato deverá fazer parte do seu direito à autodefesa, não podendo ser responsabilizado pela infração penal em exame.” (GRECO, 2017, p. 1030)

A natureza da ação penal é pública incondicionada.

A sua forma simples, prevista no caput, é de competência do Juizado Especial, uma vez que infração de menor potencial ofensivo, pois possui pena máxima igual a 2 anos.

Nota-se que este delito está previsto no artigo 347 do Código Penal, que é uma lei geral. No entanto, deve-se atentar para os dispositivos que existirem neste sentido em lei especial, como é o caso do artigo 312 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97).

“Art. 312. Inovar artificiosamente, em caso de acidente automobilístico com vítima, na pendência do respectivo procedimento policial preparatório, inquérito policial ou processo penal, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, a fim de induzir a erro o agente policial, o perito, ou juiz:

Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto neste artigo, ainda que não iniciados, quando da inovação, o procedimento preparatório, o inquérito ou o processo aos quais se refere.”           

Nesse sentido, dispõe o artigo 16, parágrafo único, I e II da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento):

“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; (...)”

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Em virtude disso, a atenção deve ser redobrada do operador do direito em relação a lidar com tal crime, pois existem tipos que especializam a conduta trazendo preceito mais restrito ao dispositivo em estudo, de acordo com os exemplos supramencionados.

Finalmente, a parte, em qualquer processo, não está obrigada a aduzir a verdade real, somente a que acredita ser a correta narrativa dos fatos. Quem não pode mentir é a testemunha que, sob juramento, está obrigada à verdade, sob pena de, inclusive, prisão.

Portanto, não confundir quando a parte falta com a verdade no processo e quando ela frauda o procedimento processual ou investigatório com o intuito de induzir a erro o magistrado ou o perito, pois são condutas distintas.

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Sobre a autora
Letícia Fernandes Domingos

Advogada. Policial Civil do Estado de Minas Gerais. Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Amante da leitura e da escrita. Integrante do Núcleo de Advocacia Criminal do Canal Ciências Criminais. Membro da Associação dos Jovens Advogados de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, Letícia Fernandes. Fraude processual, crime da pessoa que tenta, de forma ardilosa, induzir o juiz ou perito a erro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5823, 11 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74431. Acesso em: 5 nov. 2024.

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