Prisão como forma de punição.

O desejo de vingança social, a lei e a proibição da tortura

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A satisfação da vontade social e a legitimação da vingança estatal, questiona-se se esses dois anseios justificam a violação dos direitos humanos da pessoa presa.

Os seres humanos mesmo que, inconscientemente, se confundem ao criarem  estereótipos tidos como perfeitos,  e as consequências de quem não se enquadra  a este  molde ditador de comportamento, são, sofrer com as mais variadas formas de discriminações. Em geral,  a pessoa é julgada por ter características rotuladas  como sendo fora dos  padrões  considerados ideais , regras normalmente impostas por um determinado  grupo social, que por força de suas próprias mãos tentam impor ou obrigar as pessoas que julgam  serem imperfeitas.

A  cor da pele, a opção sexual, religiosa ou ainda  origem étnica de um indivíduo podem ser motivos suficientes para a intolerância, que muita das vezes podem resultar em abalos emocionais ou ainda,  na pior das hipóteses, em tragédia.

Essa definição de não aceitação do outro, é um problema histórico, enfrentado pela humanidade e pode por analogia ser estendido às pessoas que possuem condutas fora dos padrões aceitáveis em uma sociedade, estamos falando do indivíduo delinquente.

Não estamos aqui com o objetivo de defender as práticas criminosas e nem ao menos justificar de forma positiva o ato criminoso  de quem o pratica, sob a justificativa de serem pessoas com desvio de conduta acentuado, mas sim abordar o fato da sociedade movida  por sede de vingança, tentar a todo o custo fazer justiça com as próprias mãos.

Casos de linchamento, apedrejamento, pessoas sendo torturadas em via pública,  amarradas aos postes, sendo arrastadas por veículos ou expostas nuas, imediatamente ao serem pegas praticando algum ato culminado como criminoso tem se tornado recorrente nos últimos anos em nosso país.

As práticas de ações como esta, tem se tornado frequente e  merece atenção para que não  se torne  um costume aceito pelos demais integrantes do grupo social diante da banalização da violência.

Outra prática que vem se tornando comum é  a rápida propagação de conteúdos inverídicos, sendo potencializada através do uso da  internet. A sociedade tem transposto a barreira do limite do senso crítico, e as tragédias estão despertando cada vez mais o interesse do indivíduo, ocorre que, quando esse conteúdo é interpretado de maneira inadequada, pode gerar um conflito entre os personagens do enredo, gerando então massiva revolta da população, as levando de maneira arbitrária  e  imoral "lavar a honra"  da vítima ou do envolvido.

Surge então a problemática ao qual esse texto se vincula. Logo após a confirmação de que os atos de tentativa de fazer valer a justiça da  ótica de quem se julga correto, são desvendados e esclarecidos como um  ato  de injustiça, normalmente ocorre uma segunda linha de exigência: A punição ao malfeitor, que por via da violência tentou punir outro ato de violência sem as devidas confirmações. Então, enquanto este indivíduo não for colocado a mercê do cárcere, parece não cessar o desejo social da vingança. Assim nasce o sentimento de indiferença ao indivíduo atroz, que se confirma com o discurso do ódio  atrelado à falas do tipo "bandido bom é bandido morto" e " caiu na cadeia é para sofrer mesmo, ninguém mandou ser bandido", o que leva a pessoas comuns a cometerem crimes ainda mais bárbaros  do que os praticados pelo criminosos, com a justificativa de que só assim seriam punidos pelos atos de crueldade contra outrem.

Ante ao exposto, nos leva ao entendimento de que a população está cada dia mais descrente e passa por uma complexa crise de confiança no Estado, acreditando que as instituições que possuem legitimidade de punir não são eficientes e só se sentem satisfeitos quando vêem  um indivíduo que acabara de cometer um crime  sofrendo na carne a dor da punição, acreditam também que quanto mais hostil e sofredor for o ambiente que o delinquente ficar para pagar o ato criminoso, melhor será,  já  que, no entendimento dessas pessoas, o  sofrimento obrigatoriamente deve fazer parte da pena,  pois a vítima sofreu infinitamente mais do que ele tem sofrido com o enclausuramento.

Esse pensamento vem ao encontro ao que preconiza a Constituição Federal, quando ela consagra a proibição do tratamento degradante ou desumano do indivíduo, seja ele errante ou não, também tido como um crime, a prática de tortura é considerada ainda,  como um crime hediondo, inafiançável e insuscetível de anistia ou graça, podendo ser culminado com uma pena de até 16 anos de prisão.

São  previstos na Lei de Execuções Penais  diversos dispositivos que garantem  a integridade seja ela física ou  moral dos sentenciados  e também aos  presos provisórios, tais como: proibição de uso  celas individuais e escuras, proibição de  sanções coletivas e isolamento superior a 30 dias, prevê ainda a possibilidade de instauração de um processo chamado  "incidente de excesso ou desvio de execução[1]'', esse procedimento pode ser instaurado ex-oficio pelo juiz, pelo Ministério Público na figura do Promotor,  pelo Conselho Penitenciário ou ainda através de pedido formulado  pelo próprio sentenciado.

Finalmente, ressalta-se a  importância da participação por parte da  sociedade na gestão do sistema prisional, seja por meio de meio de conselhos ou de associações que acompanhem de perto o cotidiano das unidades prisionais. É dever de o  Estado  criar formas de  estimular a atuação dessas organizações civis dando-lhes o papel de aplicadores de  instrumentos de cidadania e defesa dos direitos humanos a essa população tutelada pelo Estado. Inclusive, dando-lhes o poder de a qualquer momento  acionar o Poder Judiciário para exigir o cumprimento de ações nos processos de execuções, tais como a progressão penal, iniciativas de ressocialização, livramento por extinção de pena, e ainda com o objetivo de gerar trabalho e renda para os egressos.


[1] consoante o disposto do art. 66, III, f, da LEP

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Sobre a autora
Juliana Cristina de Oliveira Holanda

Funcionária Pública Estadual atualmente na Secretaria de Administração Penitenciária - Economista graduada pela Universidade de São Paulo - FEA-USP Bacharelanda em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP.

Informações sobre o texto

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