Reforma principiológica do Direito do Trabalho: as mudanças trazidas pela Lei nº 13.467

06/06/2019 às 11:45
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O presente artigo fala sobre a reforma principiológica ocorrida no direito trabalhista com a introdução da Lei 13.467, suprimindo princípios como o da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador e inserindo o princípio da intervenção mínima.

Sumário: 1 Introdução. 2 O impacto da lei nº 13.467 nos princípios do direito do trabalho. 2.1 A inserção do Princípio da Intervenção Mínima no Direito trabalhista. 2.2 Precarização dos contratos de trabalho e a transferência da proteção ao empregador. 2.3 Supressão do Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador. 3 Diálogos acerca da mudança principiológica ocorrida no direito trabalhista pós-reforma. 3.1 Da entrada do Princípio da Intervenção Mínima e relativização do Princípio de Proteção ao Trabalhador. 3.2 Da mudança nos contratos de trabalho e da proteção ao empregador. 3.3 Da substituição do Princípio da Prevalência da norma mais favorável ao trabalhador pelo princípio da norma mais específica. 4 Conclusão. Referências.

RESUMO

 

A Lei 13.467, aprovada em julho de 2017 pelo Poder Legislativo nacional, reconhecida sob o nome de Reforma Trabalhista, vivida desde novembro do mesmo ano no Brasil, não trouxe apenas mudanças pontuais à CLT vigente no país; a mesma traz, na verdade, uma nova forma ao Direito do Trabalho. A mudança transforma as relações de trabalho, faz drásticas alterações principiológicas ao texto da CLT como à interpretação dos juízes trabalhistas que se virem diante de causas pós-reforma. A mudança força uma adaptação da Justiça do Trabalho em relação a sociedade – especialmente ao trabalhador, que deixa de ser o alvo principal da proteção do Direito do Trabalho. Fica clara uma nova ordem trabalhista que flexibiliza direitos do empregado e relativiza ambos normas e princípios para garantir um melhor desempenho à classe empresarial. Dentre as principais modificações do Direito Material Trabalhista, pela Lei 13.467, tem-se: a inserção do Princípio da Intervenção Mínima à matéria trabalhista – trazendo a possibilidade da negociação de direitos entre empregador e empregado sem o amparo do Estado ao hipossuficiente nessa relação. Além disso: a precarização dos contratos de trabalho e a transferência da proteção ao empregador – uma vez que se observa a criação de novas formas de contrato, como o de trabalho intermitente, que visam apenas maximizar os lucros do empresário, transferindo ao empregado os riscos da atividade empresarial e lhe recompensando com apenas insegurança de trabalho, compensação e subsistência. E, por fim: a supressão do Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador – previsto na alteração do artigo 620 da CLT que faz prevalecer o Acordo Coletivo sobre a Convenção, inserindo o critério de prevalência da norma mais específica e, excluindo, o daquela mais benéfica que era uma garantia fundamental vedação ao retrocesso no tocante aos direitos adquiridos pelo trabalhador.

Palavras-chave: Direito Material do Trabalho. Reforma Trabalhista. Inserção e Relativização de Princípios no Direito do Trabalho. Intervenção Mínima. Proteção ao Empregador. Precarização de Contratos de Trabalho.

 

1 INTRODUÇÃO

Em julho de 2017, após um intenso e tumultuado período de discussão, o Legislativo brasileiro aprovou a Lei 13.467. Essa que rapidamente ficou conhecida como a Reforma Trabalhista – haja visto o grau de alteração material e processual que a mesma trouxe pra matéria do Direito do Trabalho.

Transformando a matriz das relações trabalhistas, essa reforma repagina a os princípios que formavam a base deste direito, tornando-o uma matéria completamente nova daquela que outrora foi.

De forma que se faz imperioso, especialmente diante do mundo cada vez mais globalizado e capitalista, conhecer e compreender o que essa nova lei traz ao mundo do trabalho brasileiro.

O Direito do Trabalho, que nasceu para proteger a parte hipossuficiente da relação de emprego, o trabalhador, hoje demonstra em sua essência um ímpeto de proteção à classe empresária; procura aliviar do empregador, os riscos da sua própria atividade, transferindo-os para o empregado, que, pós-reforma, é deixado com desamparo e insegurança.

Nesse sentido, primeiramente, fica evidente a contribuição acadêmica que esse trabalho atribui ao cenário jurídico brasileiro de hoje. Tendo em vista a recente mudança legislação trabalhista e a necessidade de analisar e compreender as mudanças e consequências, em toda a sua profundidade, na coletividade brasileira. Percebe-se que diversas questões ainda se encontram em disputa ideológica e doutrinária. Entre essas, a que aqui se faz ressalte e se pretende discutir com afinco, está a sobre as mudanças principiológicas da Reforma que inseriu, por exemplo, o princípio da norma mais específica, excluindo, portanto, o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

Nessa seara, muita divergência doutrinária e da classe magistral é vista a respeito desta temática, tendo em vista a tradição que havia por trás do Direito do Trabalho, em via de proteger o trabalhador, afinal fora a razão pela qual nasceu tal matéria. Por outro lado, tem-se um contexto de desemprego crescente, de empresas constantemente fechando ou tendo que tomar medidas drásticas para sobreviver o período de recessão – bem como investimento sendo afastados devido a insegurança econômica.

Por fim, faz-se válido acrescentar que para o autor esse tema também é carregado de importância e necessidade de discussão tendo em vista que não há razão coerente o suficiente pra justificar uma mudança no polo de proteção da matéria trabalhista, do empregado – que é a parte frágil e vulnerável – para o empregador, que detém todo o poder da relação. É possível se falar em uma necessidade de Reforma da matéria, tendo em vista que a situação de desemprego e decadência realmente assola o cenário econômico brasileiro, no entanto, perceber-se-á com qualquer curto olhar sobre o tema, que a mesma fora conduzida de forma precipitada e errônea, desamparando a quem sobrevivia da proteção trabalhista.

Desse modo, a metodologia aqui apresentada logra aspecto dialético no que tange ao método, visto que se trata de um método de investigação da realidade através do estudo de sua ação mútua, apresentando uma desestruturação de todo e qualquer conhecimento inflexível, pronto e acabado. Um método que objetiva desconstruir e transformar o objeto de estudo. Quanto aos objetivos infere um caráter bibliográfico, na medida em que pode se fundamentar tanto como um trabalho independente como em uma pesquisa preambular de trabalhos posteriores, pois todo e qualquer trabalho científico presume uma pesquisa bibliográfica preliminar (LAKATOS; MARCONI, 2010).

Além disso, a metodologia de Lakatos entende a metodologia como um programa de investigação historiográfica, de modo que se utiliza da história para localizar mudanças de problemas progressivas ou degenerativas. O tratamento dado ao Direito do Trabalho evoluiu com a sociedade, assim, para melhor compreendê-lo se faz necessária uma visita à sua própria história, aos seus fundamentos; na medida em que é algo que ainda está sendo, constantemente, construído, e somente será possível localizar as mudanças observando sua evolução na sociedade (LAKATOS; MARCONI, 2010).

No sentido de que quanto a matéria trabalhista, por exemplo, a maioria da doutrina e jurisprudência entendiam pela impossibilidade de flexibilização dos direitos trabalhistas garantidos ao empregado pela CLT, mediante contrato de trabalho. Enquanto agora, pós-reforma, vê-se que isso não é mais apenas uma possibilidade, tanto quanto é um fato. (LAKATOS; MARCONI, 2010).

 Sendo, assim, pertinente que se faça a interpretação, quanto à possibilidade discutida neste PAPER, à luz das mudanças evocadas, bem como de princípios constitucionais como a isonomia; devido às mudanças da sociedade e, consequentemente, do Direito. Esse olhar só é possível através de uma investigação que não se limita à hodiernidade (LAKATOS; MARCONI, 2010).

E, portanto, o objetivo desse trabalho é analisar como as mudanças trazidas pela Reforma Trabalhista, inserem o Princípio da Intervenção Mínima no direito. Compreendendo ainda, as novas possibilidades de contrato de trabalho, trazidos pela Lei 13.457, e a flexibilização de direitos que esse comporta agora. Bem como demonstrando a supressão do Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador. E, ainda, explicitando as consequências drásticas dessa mudança à matriz principiológica do Direito do Trabalho.

2 O IMPACTO DA LEI Nº 13.467 NOS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

2.1 A inserção do Princípio da Intervenção Mínima no Direito trabalhista

É interessante iniciar essa seção com o que ensina Vólia Bomfim (2017a) quando afirma que o Direito do Trabalho é fundando e se orienta no intuito de proteção ao trabalhador – uma vez que se observa a hipossuficiência desse em relação ao empregador –; do mesmo modo como ocorre no Direito Civil, nas relações de consumo, ou aos contratantes. O autor relembra ainda que a finalidade primeira do Direito do Trabalho “é a de alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes” (BOMFIM, 2017a, p.169).

Por óbvio, para que haja essa proteção, é preciso uma grande e intensa intervenção do Estado nas relações intersubjetivas que caracterizem vínculo de trabalho – limitando, inevitavelmente, a autonomia da vontade das partes (BOMFIM, 2017a).

 É preciso observar, contudo, que limitar não significa o mesmo que desconsiderar, tendo em vista que, anteriormente à reforma, sempre houve a possibilidade de negociação no que diz respeito às condições de trabalho.

O “limite” da autocomposição, nesse caso, era meramente garantir que a condição mínima de trabalho e dignidade, assegurada por lei, não fossem – jamais – passíveis de negócio. Sempre foi dado aos sindicatos o estímulo de ultrapassar a barreira do mínimo, vedando, porém, o retrocesso. Fenômeno entendido como “progressividade” e “vedação do retrocesso social” (TRINDANDE, 2017).

Todavia, desrespeitando toda a tradição do Direito do Trabalho, a Reforma trazida pela Lei 13.467 alterou o artigo 8º, parágrafo 3º, de modo a inserir o Princípio da Intervenção Mínima, já visto no Direito Civil e Penal, ao direito trabalhista (CAXILÉ, 2018). Com a mudança, o dispositivo diz:

No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017). (BRASIL, 1943)

Agora, com essa mudança principiológica, o Ministério Público do Trabalho e o Poder Judiciário Trabalhista se veem tolhidos no tocante a reforma e invalidação de vontade expressa manifestada pelas partes em comum acordo – exceto em questões que demonstrarem vícios de vontade comprovados (CAXILÉ, 2018).

Essa é a teoria. Mas na prática, se vê uma relativização gritante do Princípio de proteção ao trabalhador. Dá-se mais poder nas mãos do empregador e da autonomia privada, que já era a parte superior na relação trabalhista. A Reforma Trabalhista faz prevalecer um acordo que é viciado por natureza, haja visto a incapacidade do trabalhador de negociar perante aquele que detém o seu sustento.

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2.2 Precarização dos contratos de trabalho e a transferência da proteção ao empregador

Como ilustrado outrora, o princípio básico de regimento do Direito do Trabalho sempre foi a proteção ao trabalhador (BOMFIM, 2017a). Em realidade, essa preocupação em nivelar as desigualdades, é a razão de ser desta modalidade do direito. Dentre outras, o contrato de trabalho é uma das ferramentas utilizadas por esse direito para garantir a dignidade e o mínimo ao trabalhador.

Nesse sentido, à luz do princípio da continuidade da relação de emprego, o contrato de trabalho, por via de regra geral, é realizado mediante prazo indeterminado. O contrato que foge a essa regra, acaba sendo prejudicial ao trabalhador, de modo a não o inserir na empresa, não trazer o comprometimento total do empregado – haja vista a insegurança vivida por esse (BOMFIM, 2017a).

Entretanto, apesar de difundida e aceita tal ideia, pela melhor doutrina, a Reforma Trabalhista cuidou de inserir na legalidade brasileira, diversos contratos de trabalho que relativizam os princípios aqui citados, bem como dilaceram a segurança garantida aos trabalhadores pelos contratos anteriormente à Reforma (TRINDADE, 2017).

A mudança diz respeito às novas redações dos artigos 443 e 452-A da CLT, que criam a modalidade de contrato conhecida como “contrato intermitente”. Esse permite a convocação do trabalhador exercer função, em jornada diferenciada, móvel (BOMFIM, 2017b).  Ou seja, quando da conveniência do empregador, este chama o empregado que precisará atender a requisição para exercer seu ofício e receber compensação apenas com relação ao tempo de trabalho exercido.

O trabalhador nada ganha pelo tempo que passa disponível (aguardando chamamento) e é deixado à imprevisibilidade de um ganha-pão (TRINDADE, 2017). Essa proposta limita o empregado que possuirá maior dificuldade de fazer o malabarismo de vários empregadores, isto é, se esse quiser um salário digno e mínimo para sobrevivência – como possuía antes da Reforma.

Rodrigo Trindade (2017) explica que “estar no tempo de espera não é ter efetiva liberdade, não dá para manter outro emprego decente, matricular-se em qualquer curso ou ficar cuidando do filho pequeno”. Vólia Bomfim Cessar (2017b) entende da mesma forma e completa dizendo que “a imprevisibilidade é algo nefasto”.

Além disso, fica evidente que essa nova regra apenas protege o interesse da classe empresária (BOMFIM, 2017b) – visando maximizar os lucros, cortando nos gastos com o trabalhador, como se esse não precisasse comer.

 

2.3 Supressão do Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador

Como dito nas duas últimas seções, o Direito do Trabalho busca fundamentalmente proteger o trabalhador que – historicamente –, foi quem sempre necessitou desta. Uma fiel ilustração dessa vontade é o Princípio que garante, sempre, a aplicação da norma que mais beneficie o trabalhador, quando diante de algum conflito aparente entre os diplomas disponíveis (LUZ; COSTA; RODRIGUES, 2018).

Ou seja, conforme ensinamento da juíza e professora Vólia Cessar, tal princípio “determina que toda circunstância mais vantajosa em que o trabalhador se encontrar habitualmente prevalecerá sobre situação anterior, seja oriunda de lei, contrato, regimento interno ou norma coletiva” (BOMFIM, 2017a, p.171).

De todo modo, percebe-se que o empregador jamais pode retirar direitos concedidos ao trabalhador anteriormente, que o pôs em uma situação mais benéfica, ainda que isso supere os valores mínimos garantidos e estabelecidos em lei (LUZ; COSTA; RODRIGUES, 2018). O que há, é uma possibilidade de renegociar tal concessão por uma igualmente benéfica, mas jamais retirar, sem oferecer nada em retorno. Esse é um outro exemplo da outrora citada “vedação ao regresso social”.

Posto isso, e atestada a importância principiológica desse instituto na proteção ao trabalhador, volta-se a Reforma introduzida pela Lei. 13.467 que dizimou o mesmo princípio; findando essa garantia e abrindo as portas ao retrocesso de direitos concedidos ao empregado. Mais um evidente exemplo de que a Reforma Trabalhista nada se preocupa com o valor do trabalhado, a proteção do indivíduo hipossuficiente; mas sim com a classe empresarial e aqueles cujo lobby – ainda que velado – é mais poderoso.

Essa mudança é percebida no artigo 620 da CLT, cuja redação nova dispõe: “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho” (BOMFIM, 2017b, on-line).  

3 DAS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA AO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO

 

3.1 Da entrada do Princípio da Intervenção Mínima e relativização do Princípio de Proteção ao Trabalhador

 O que se pode perceber, inicialmente, a respeito desta mudança trazida pela Lei 13.467, é uma limitação do Poder Judiciário, inibindo sua intervenção no que diz respeito a validade das normas coletivas. Por adotar o princípio da intervenção mínima, o legislador opta por dar maior resguardo às convenções e acordos coletivos (CERQUEIRA, 2018).

Entretanto, é pertinente que se ressalve que algumas matérias permanecem vedadas nesta que concerne a prevalência dos acordos e convenções, tais quais:

As normas envolvendo a identificação profissional, salário mínimo, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, repouso semanal remunerado, remuneração do serviço extraordinário no mínimo 50% superior ao normal, número de dias de férias, saúde, segurança e higiene do trabalho, FGTS, 13º salário, seguro-desemprego, salário-família, licença-maternidade de 120 dias, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, entre outros. (VIEIRA, 2018, on-line)

Perceber-se-á que não apenas o judiciário se vê tolhido, como o próprio legislador ordinário, que agora perde parte da sua discricionariedade, para deixar a encargo dos particulares, que deverão acordar mutuamente sobre sua relação e pormenores dos seus acordos, aumentando sua autonomia (CAXILÉ, 2017) – teoricamente.

Pois, embora os acordos sejam em tese construídos de forma mútua entre o empregador e seu empregado, na prática se sabe que não há equivalência entre essas partes, razão pela qual existe o direito trabalhista em primeiro lugar; para dar poder de fala ao trabalhador que se vê vulnerável frente à máquina capitalista.

Por outro lado, os danos dessa mudança não se limitam a figura do empregado, vez que, devido a esse infortúnio vivenciado por essa classe, agora se vê aberta uma possibilidade de desequilíbrio de mercado devido a uma concorrência desleal. Ora, se agora se fazem possíveis acordos coletivos que restringem direitos legais, isso pode gerar desnível entre as empresas; uma vez que uma seja capaz de precarizar o trabalho – consequentemente, reduzindo os custos –, e a outra não, a primeira será capaz de oferecer seus bens e/ou serviços a preços injustos ao mercado. (TRINDADE, 2017)

3.2 Da mudança nos contratos de trabalho e da proteção ao empregador

Traduzida primariamente pelo surgimento do contrato de trabalho intermitente, “assim considerado aquele em que a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e inatividade determinada em horas, dias ou meses —, excetuada a aplicação aos aeronautas” (VIEIRA, 2018, on-line).

O contrato de trabalho intermitente, muito se assemelha com o contrato Kopovaz, previsto na lei alemã, que, vale incluir, reflete a realidade de um país inteiramente diferente do Brasil em termos de infraestrutura e economia. (DIAS, 2018)

Vale acrescentar que, embora os artigos que trazem a alteração disponham que o trabalhador tem a prerrogativa de prestar serviços de qualquer natureza, foi previsto na 2ª Jornada de Direito Material e Processual, em seu enunciado n.º 88, que é vedado o trabalho intermitente em atividades que possam colocar em risco a vida, a saúde e a segurança dos trabalhadores e/ou terceiros (DIAS, 2018).

Neste mesmo sentido, cabe ainda citar os enunciados 73, 74, 84, 90 e 91 da mesma Jornada de Direito Material e Processual, proferidos pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, os quais, respectivamente, atestam a inconstitucionalidade do trabalho intermitente; da proteção salário mínimo que é desrespeitada nessa modalidade de contrato; da carga horária, também esquecida; da contratação sob a forma de trabalho intermitente pra atender a demandas permanentes; e do dia e hora incertos e risco exclusivo do empregador. (DIAS, 2018)

O que se percebe de mais drástico nessa instituição da nova modalidade contratual, é a transferência do risco da atividade empresarial do empregador para o empregado. Algo que vai de total encontro a legislação ordinária vigente, vez que se observa na CLT, artigos 2º e 3º que é o titular destes riscos é o empregador (BOMFIM, 2017b).

Isto é, o que se observa, na realidade, são os artigos 443 e 452-A buscando uma inversão desse ônus da atividade econômica (BOMFIM, 2017b) da figura mais forte na relação de emprego, que é o empresário – capaz de absorver os riscos, vez que é ele quem colhe os resultados –, para a parte que por si só já é hipossuficiente e vulnerável; restando ao empregado mais insegurança e instabilidade.

Ainda nesse sentido, cabe citar o que dispõe Vólia Bomfim Cessar (2017b, online) a respeito da mudança, especialmente no artigo 452-A, parágrafo 3º, quando afirma que este “determina pagamento de multa pelo não comparecimento no dia de trabalho equivalente a 50% da remuneração do período, criando uma excessiva punição ao trabalhador, que fica à disposição do chamado do patrão”.

3.3 Da substituição do Princípio da Prevalência da norma mais favorável ao trabalhador pelo princípio da norma mais específica

A palavra chave dessa mudança é flexibilização. O que o artigo 620 da CLT introduz com a prevalência do acordo coletivo sobre a convenção coletiva é a derrocada da norma mais favorável ao trabalhador – demonstrando a clara intenção do legislador em flexibilizar a situação legal que envolve a relação empregatícia (BOMFIM, 2017b)

Esse desejo em flexibilizar surge na tentativa de conter a crise econômica que se vivencia hoje. Foi a partir de 1973 que as crises começaram a surgir, como a que ocorreu com o petróleo; sendo tanto permanentes quanto cíclicas, essas trouxeram um agravamento no processo inflacionário de modo geral em diversos países. Nesse quadro econômico instável e problemático vivenciado nas últimas décadas, o Brasil buscou internalizar durante a modernização de seu ordenamento, o conceito da Flexibilização (DIAS, 2018).

Robortella (1994, p. 97, apud DIAS, 2018, online) ensina que:

A Flexibilização é “o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresário, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social”

Todavia, é preciso enxergar além destes ensinamentos e perceber que essa flexibilização foi inteiramente arquitetada para garantir o desenvolvimento econômico da classe empresarial, às custas, consequentemente, do trabalhador que fora o único a ter de fato, direitos flexibilizados para garantir a tal “modernização” da legislação, adaptando-a “realidade econômica”.

Além disso, observar-se-á ainda que, com a nova redação do artigo 620, é priorizada a norma menos favorável, isto é, de modo que não há qualquer necessidade de se comprovar que a empresa esteja passando por uma necessidade econômica para decidir pela aplicação de uma norma em favor da outra (BOMFIM, 2017b). Ou seja, a intenção legislativa dessa mudança é simplesmente garantir a situação mais confortável ao empregador, deixando completamente esquecido o princípio de proteção ao trabalhador.

Portanto, há quem veja a Reforma Trabalhista, em todo o seu teor, como uma modernização da legislação, necessária para enfrentar o período econômico instável, disponibilizando ferramentas para garantir a diminuição do desemprego (DIAS, 2018). Mas, esse é o discurso demagogo utilizado para vender a ideia de uma reforma que nada fez senão extirpar direitos do trabalhador, destituir-lhe da proteção outrora fornecida pelo Direito trabalhista e garantir – por meio disto – a sobrevida da classe empresária brasileira.

 

4 CONCLUSÃO

Neste trabalho objetivou-se apresentar de maneira prática e fundamentada o que a Reforma Trabalhista trouxe para o cenário jurídico e legislativo brasileiro no que concerne, especialmente, os direitos dos trabalhadores – que em muito foram flexibilizados numa clara tentativa de preservar a classe empresarial; tomando por base a Constituição Federal a CLT, bem como a Jornada de Direito Processual e Material do Trabalho. Citando, dessa forma, todos os enunciados da jornada que entram em choque direto com a Lei 13.467/2017.

Assim, o que se percebe é um imenso desrespeito ao texto literal, claro e objetivo, de diversos diplomas legais, especialmente o texto solene constitucional, e no que pese ainda os enunciados trabalhistas citados. Há uma grande formação jurisprudencial e doutrinária, como já havia anteriormente à Reforma, no sentido da inconstitucionalidade de diversas mudanças, em especial, neste momento, a respeito da modalidade de contrato de trabalho intermitente.

O que se extrai dessas mudanças é uma inversão na proteção do Direito Trabalhista, daquele que realmente necessita do amparo, que é o trabalhador, vulnerável, hipossuficiente, para a figura da classe empresarial, que já detém a maioria do poder nessa relação de emprego.

As mudanças apresentam clara afronta aos limites da carta constitucional no que concerne a proteção ao trabalhador, bem como à sua saúde, e segurança; também, à proteção ao labor justo, com a garantia do salário mínimo, que jamais deveria haver possibilidade de ser relativizado pode diferente modalidade contratual.

Se observa ainda, com um olhar desapontado, a decadência do princípio da norma mais favorável ao trabalhador, da primazia da realidade, e especialmente do princípio da continuidade da relação de emprego. Há a inserção da intervenção mínima, tolhimento da justiça trabalhista e engrandecimento da autonomia da vontade da parte, unilateralmente, que é o empresário – único realmente capaz de exercer sua vontade –, excluindo a principal razão de ser do Direito do Trabalho, que é justamente intervir pela parte vulnerável.

Logo, por meio desse estudo foi possível perceber a importância de formular contínua discussão a respeito da temática da Reforma Trabalhista que ainda é recente, e precisa ser contestada e alvejada por um olhar de mudança por aqueles que a observam, enxergando além da demagogia que a mesma traz consigo e percebendo as suas reais repercussões na vida do trabalhador brasileiro.

Ademais, este trabalho encontrou suas limitações ao não ter ido a campo visitar empresas para ter uma visão mais próxima do objeto de estudo, ou ainda, não ter buscado obras mais atuais e efetuado outras disciplinas para ter melhor embasamento, estes aspectos poderiam tornar o trabalho ainda mais rico em informações. Ainda, para que o assunto deste presente trabalho seja mais bem desenvolvido seria importante a abordagem sobre como a jurisprudência vem se construindo a respeito dos pontos específicos da Reforma, buscando estudar o ativismo jurídico que ocorre em forma de resistência e todo o teor da sua (i)legalidade. Ao investigar uma consequência importante do tema abordado neste artigo.

REFERÊNCIAS

CÉSPEDES, Lívia; ROCHA, Fabiana Dias da. Vade Mecum Compacto. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

CERQUEIRA, Jeyme. Os Principais impactos da Reforma Trabalhista Lei 13.467/17. 2018. Disponível em: <https://jeymecerqueirq.jusbrasil.com.br/artigos/535165326/os-principais-impactos-da-reforma-trabalhista-lei-13467-17?ref=topic_feed>. Acesso em: 04 nov. 2018.

 

BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 17 out. 2018.

 

BOMFIM, Vólia. REFORMA TRABALHISTA: Comentários ao Substitutivo do Projeto de Lei 6787/16. 2017a. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/5/art20170503-01.pdf>. Acesso em: 17 out. 2018.

                   

BOMFIM, Vólia. Direito do trabalho. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017b.

CAXILÉ, Tiago Damasceno. Principais Pontos da Reforma Trabalhista no Direito Material. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67786/principais-pontos-da-reforma-trabalhista-no-direito-material>. Acesso em: 18 out. 2018.

 

DIAS, Fernando Gallego. Efeitos da flexibilização da jornada de trabalho na reforma trabalhista. 2018. 66 f. Monografia (Especialização) - Curso de Direito, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2018.

 

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 4. reimpr. São Paulo: Atlas, 2010.

 

LUZ, Tamires Graciele Gonçalves; COSTA, Vanessa Alves da; RODRIGUES, Vitor Dorneli. REFORMA TRABALHISTA: AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO NO DIREITO DO TRABALHO. Revista Eletrônica Feol - Refeol, S.l, v. 1, n. 1, p.64-80, jun. 2018.

 

TRINDADE, Rodrigo. REFORMA TRABALHISTA: 10 (NOVOS) PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL DO TRABALHO. 2017. Disponível em: <http://www.amatra4.org.br/79-uncategorised/1249-reforma-trabalhista-10-novos-principios-do-direito-empresarial-do-trabalho>. Acesso em: 18 out. 2018.

VIEIRA, Dinavani Dias. O impacto da reforma trabalhista na sociedade: Análise das principais mudanças da reforma trabalhista, sendo de forma positiva e negativa o impacto da aplicação imediata na Justiça do Trabalho.. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10584/O-impacto-da-reforma-trabalhista-na-sociedade>. Acesso em: 04 nov. 2018.

 

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Sobre o autor
Raphael Felipe Machado Campos

Graduando do 7º período do curso de Direito da UNDB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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