O sigilo na atividade do advogado perante seu cliente

07/06/2019 às 14:09
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O ARTIGO ABORDA CASO CONCRETO ENVOLVENDO O SIGILO DA ATIVIDADE DO ADVOGADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS.

Segundo a Folha de São Paulo, em sua edição de 6 de junho do corrente ano, a  defesa de Luiz Inácio Lula da Silva diz que, além de ter feito a interceptação telefônica do escritório de advocacia representante do petista, a Lava Jato produziu relatórios que detalharam ao menos 14 horas de conversas entre os defensores do ex-presidente, em uma afronta à legislação. 

Essa é a base da principal aposta de Lula para tentar anular no STF (Supremo Tribunal Federal) a condenação do ex-presidente no caso do tríplex de Guarujá (SP). 

Observe-se o que foi dito na Folha de São Paulo, naquela reportagem:

“À época, a decisão de Moro de grampear os advogados de Lula foi questionada pelo ministro Teori Zavascki, do STF, morto em janeiro de 2017. Moro respondeu que houve equívoco dos procuradores da Lava Jato, que teriam identificado a linha telefônica como sendo da empresa de palestras do ex-presidente.

O advogado Viana Martinez, porém, diz ter visto as provas de que esse material, incluindo análises de estratégias da defesa, foi usado pela Lava Jato. 

Ele diz que, em 2017, quando ainda fazia parte do escritório que defendia Lula, esteve na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde havia mais de 110 mil arquivos de áudio derivados de diversas linhas telefônicas de pessoas do círculo íntimo do ex-presidente. 

Segundo Martinez, cerca de 14 horas foram captadas diretamente do ramal-tronco do escritório Teixeira Martins & Advogados. Ele disse que não teve permissão para copiar esse material da investigação, sendo permitida por Moro apenas a consulta no local, "em computador previamente preparado e sob a vigilância dos servidores da vara”.

O advogado descreveu em um documento aquilo que encontrou. “Cada ligação era separadamente identificada, sendo possível visualizar número de origem e destino da chamada, bem como a sua duração. Com um clique, era possível ouvir cada áudio interceptado”, disse.”

“As listas contavam, ainda, com uma última coluna. Em tal coluna estavam inseridos comentários de análise realizada por agentes da Polícia Federal. Destaca-se que nem todas as chamadas continham comentários inseridos, ao contrário, a maioria delas apresentava esse campo em branco”, completou.

Martinez disse que as ligações geradas por meio do ramal-tronco do escritório traziam ao lado comentários a respeito do conteúdo do áudio. "Ou seja, com certeza tais chamadas telefônicas foram analisadas por agentes da Polícia Federal.”

Entre os exemplos registrados em relatórios estavam conversas entre os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira e também com Nilo Batista a respeito de estratégias jurídicas a serem adotadas.

O monitoramento telefônico do escritório estava vigente na época em que Lula foi levado em condução coercitiva para prestar depoimento, por ordem de Moro, em 4 de março de 2016.”

O advogado é um profissional habilitado para o exercício do ius postulandi.

Para José Afonso da Silva (Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, pág. 502), à luz do que disse Eduardo Couture (Los mandamientos del abogado) a advocacia não é apenas uma profissão, é também um múnus e uma árdua fatiga posta a serviço da justiça”.

Em verdade, a advocacia não é apenas um pressuposto na formação do Poder Judiciário. É também necessário ao seu funcionamento.

Fala-se que a inviolabilidade profissional é um direito que afiança ao advogado a possibilidade de trabalhar com maior segurança, uma vez que lhe são asseguradas a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de suas correspondências e comunicações. Trata-se de uma verdadeira garantia que é dada à sociedade que se vale dos serviços advocatícios do que uma garantia do advogado propriamente dito.

A inviolabilidade abrange a imunidade profissional, a proteção ao sigilo profissional e a proteção aos meios de trabalho.

Mas como explica José Afonso da Silva (obra citada, pág. 504), a inviolabilidade do advogado, prevista no artigo 133, não é absoluta. Ela só o ampara com relação a seus atos e manifestações do exercício da profissão e, assim mesmo, nos termos da lei. Disse ele que “a  inviolabilidade não é um privilégio profissional, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões  da esfera íntima, de natureza conflitiva e não raro objeto de reivindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser protegidos de natureza qualificada”.

A imunidade profissional, prevista no artigo 7º, parágrafo segundo, do Estatuto da Advocacia, significa a liberdade de expressão do advogado. José Roberto Batochio (A inviolabilidade do advogado em face da Constituição de 1988, 688:401) disse que “a natureza eminentemente conflitiva da atividade do advogado frequentemente o coloca diante de situações que o obrigam a expender argumentos à primeira vista ofensivos, ou eventualmente adotar conduta insurgente”.

Com exceção ao desacato, a imunidade já estava prevista no artigo 142, II, do Código Penal quando se preceitua que não constituem injúria ou difamação punível “a ofensa irrogada em juízo, na discussão de causa, pela parte ou por seu procurador”. Por certo, essa imunidade prevista no Estatuto não se limita às ofensas irrogadas em juízo, mas em qualquer órgão da Administração Pública, e em relação a qualquer autoridade pública, judicial ou extrajudicial. Aliás, por não dispor de poder de punir contra o advogado é vedado ao magistrado excluir este do recinto judiciário, inclusive de audiências e sessões ou censurar as manifestações escritas no processo, por ele consideradas ofensivas, estando derrogadas as normas legais que as admitiam.

Por sua vez, o sigilo profissional é um dever deontológico que está relacionado com a ética de determinada profissão, abrangendo a obrigação de manter segredo sobre tudo o que o profissional venha a tomar conhecimento.

Como bem expressa Paulo Lôbo (Comentários ao Estatuto da Advocacia,  4ª edição, pág. 64), o sigilo profissional é, ao mesmo tempo, direito e dever, ostentando natureza de ordem pública. Como tal tem natureza de ofício privado(múnus), estabelecido no interesse geral como pressuposto indispensável ao direito de defesa. Esse dever de sigilo profissional existe seja no serviço solicitado ou contratado, remunerado ou não remunerado, haja ou não representação judicial ou extrajudicial, tenha havido aceitação ou recusa do advogado.

É ainda Paulo Lôbo (obra citada, pág. 65) quem lembra que o dever de sigilo, imposto ética e legalmente ao advogado, não pode ser violado por sua livre vontade. É dever perpétuo, do qual nunca se libera, nem mesmo quando autorizado pelo cliente, salvo no caso de estado de necessidade para a defesa da dignidade ou dos direitos legítimos do próprio advogado, ou para conjurar perigo atual e iminente contra si ou contra outrem, ou, ainda, quando for acusado pelo próprio cliente. Daí porque se entende cessado o dever de sigilo se o cliente comunica ao seu advogado a intenção de cometer um crime, porque está em jogo a garantia fundamental e indisponível à vida, prevista na Constituição. Aliás, deve o advogado promover meios para evitar que o crime seja cometido.

Decidiu o Conselho Federal da OAB (Rec. N. 174/SC/80, Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, 27 – 28: 193-9, set/dez. 1990, jan/abr. 1991) não poder o advogado prestar depoimento ou testemunhar contra o ex-constituinte sobre o que este lhe teria transmitido. Mas esse segredo profissional limitar-se-á ao que lhe foi confiado pelo constituinte, mas sobre os fatos que, por outros meios, tenham chegado ao seu conhecimento, não prevalece o sigilo (TJSP, AgI 18.143 – 1, Jurisprudência Brasileira, 123:233, RT 127/212).

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que o sigilo profissional, previsto no artigo 7º, inciso XIX, que acoberta o advogado, é relacionado “`à qualidade de testemunha”, mas não quando o advogado é acusado em ação penal da prática de crime (RT 718/473).

O advogado pode e deve recusar-se a comparecer e depor sobre fatos conhecidos no exercício profissional, cuja revelação possa produzir dano a outrem (RTJ 88/847; RT 523/438; 531/401)

O artigo 26 do Código de Ética prescreve que o advogado deve guardar sigilo, “mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu oficio, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado pelo constituinte”. O advogado pode quebrar o sigilo profissional nos casos em que é atacado pelo próprio cliente, isso porque o advogado tem o direito de revelar “fatos e documentos”, nos limites de sua defesa para evitar que venha a correr o risco de responder por eventual ilícito cometido por seu cliente.

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A tutela do sigilo e da recusa de depoimento alcança os pareceres jurídicos ofertados.

Porém inexiste o dever de sigilo profissional com relação a fatos notórios, fatos de conhecimento público, fatos já provados em juízo e a documentos autênticos ou autenticados.

É sabido que classes profissionais, como a dos advogados, podem apresentar suscitações de inconstitucionalidade da lei, na medida em que haveria afronta do dever de    segredo de suas relações com o cliente, que deve pautar sua conduta profissional, pois esse sigilo seria inviolável.

Sabemos que a advocacia no Brasil é uma garantia constitucional, a teor do artigo 133 da Constituição, onde se prevê a indispensabilidade do advogado na administração da Justiça. Para assegurar tal dispositivo, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante, entre os direitos do advogado, a inviolabilidade profissional, visando, sobretudo, o sigilo dos dados dos clientes.

A inviolabilidade abrange a imunidade profissional, a proteção ao sigilo profissional e a proteção aos meios de trabalho.

O sigilo profissional é um dever deontológico do profissional do direito que está relacionado com a ética da profissão, abrangendo a obrigação de se manter segredo sobre tudo que o profissional venha a tomar conhecimento. Isso porque a relação do advogado com seu cliente se pauta na confiança.

Gravar advogados em sua atividade funcional é crime.

.Em síntese, o caso deverá merecer as devidas ações correcionais por parte do órgão que para tanto tem essa atribuição, visando apurar o caso. Deverá o Conselho Nacional do Ministério Público investigar o fato em todas as suas circunstâncias.

Discutem-se as razões de nulidade do processo. 

Configuram vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal como, por exemplo: a) Contraditório; b) Juiz natural; c) Ampla defesa; d) Imparcialidade do juiz; e) A existência de motivação dos atos judiciais.

Diz-se que nenhum processo será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, como se lê do artigo 563 do Código de Processo Penal.

Deverá ser analisado, salvo melhor juízo, se é caso de anulação do feito, à luz da pas de nullité sans grief – que é  igualmente aplicável em casos de nulidade absoluta (HC 85.155/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJU 15.04.05 e AI-AgR. 559.632/MG, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 03.02.06). A parte prejudicada tem o ônus de provar se houve prejuízo ao contraditório e a defesa com a prática noticiada.

Sem essa prova de prejuízo não irá se impor uma nulidade absoluta, que leve a invalidação do processo.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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