A ética e a práxis constitucional

A Constituição é uma árvore e um fruto.

08/06/2019 às 17:48
Leia nesta página:

A Constituição Federal é uma história retida na retina de todos nós.

Com o impreciso descolamento de retina para ver o horizonte – ou “para além” dos limites políticos – alguns empiriocriticistas (diria Lênin) entendem a palavra “praticamente” como se fosse uma dosagem de tempo (e de obrigações práticas: pragmatismo) e não como condição da substância e da existência. Não entendem, por exemplo, que a história é um recolho de práticas (em paráfrase a Benjamim) e que seus personagens, por mais remotamente ligados e adormecidos, são atuantes exatamente para nos manter distantes dessa “história”. Esses personagens, em sua ação e inação, constroem seus atos, documentos, instâncias e instituições – praticamente – em práticas e ideários. E é certo que, tanto a Política quanto o Direito, são ilustrações dessas personagens – nem todas personalidades – e, mais especificamente, a constituição da Constituição é um desses atos de fabricação humana. Aliás, a Constituição é Ética e práxis tanto quanto a história, a comunicação – o “grito primal”, ultrapassando os decibéis dos uivos do Lobo Solitário e de sua Licantropia –, o trabalho (o 1º Ato Histórico, diria Marx), a técnica, a arte e a política: esses advindos do Neolítico. 

É neste sentido que se diz que a Constituição é histórica, como som que se propaga nos dizeres, práticas, ethos, e práxis de diferentes culturas, nacionalidades e interesses. A nossa Constituição de 1988 não é diferente, é igualmente histórica, mas não no sentido de longeva, talvez longitudinal, “interseccionando-se” entre negociações e projeções do passado e do futuro. Neste mix de “ser-assim” e “dever-ser assim” a CF/88 é produto e produtora (representante e refém) da chamada Modernidade Tardia. A CF/88 tem condições do passado, teses e contradições, de um passado negociado com as elites políticas, porém, também nos permite almejar a antítese projetiva, as práticas políticas que pudessem (e)levar seu próprio status presente. A história da Constituição, a bem ver pela visão angular que se amplia desde o Preâmbulo Constitucional (político e civilizatório, descontada a “graça de Deus”), não é uma história retida, presa, inamovível. Ao contrário, a Constituição não se reduz à práxis de 1988, posto que se abre aos próximos capítulos – e que já perduram por 30 anos.

Esta história conta o nosso fazer, refazer, desfazer, a exemplo da era que se iniciou em 2013/2016. Contudo, é nossa história, não é só história constitucional, sem as narrativas dos seus atores: mais acordados ou dormentes. É a história do cidadão governante (Canivez) e do cidadão do sofá: como sempre descreveu Maria Victória Benevides. A Ética Constitucional de 1988, portanto, como insumo e propagação do passado e do futuro, não se limita ao manual de sociologia. É a Filosofia Constitucional em mutação, em andamento. É certo que, nos últimos anos, temos retornado a tempos que se queria soterrar na vala do julgamento histórico. De regresso ao “passado sombrio”, é igualmente certo que experimentamos uma Transmutação Constitucional: regressiva, repressiva. Outra lição diz que o fascismo, praticamente, é intempestivo.

Então, por essas e por outras, a Ética Constitucional é uma práxis política – como “concreto pensado” (Kosic) – e uma ação/interposição jurídica. É muito difícil não perceber na Ética Constitucional a “ação histórica” (desde 1948) e não compreender que na Força Normativa da Constituição (“erga omnes”) estão subsumidos o niilismo, o empiriocriticismo, a negação teórica. Afinal, como “produto histórico”, a Constituição Federal de 1988 nos obriga – enquanto “obrigação pública de fazer” –, praticamente, a “fazer história, fazendo-se política”. Desde que se sabe que não há e nem houve nenhum agrupamento humano desconhecedor do Direito (das práticas sociais reguladas), pelo menos desde que Lucy se apresentou, a Ética é exigida com a potência do “enforce de law”. Portanto, praticamente, não soa estranho que assim possamos aprender uma das inúmeras lições de Maquiavel, quando assevera em ressonância a Petrarca e diante da ação política: age como a espelhar a “vertú contra furore”. Como toda árvore, que um dia foi semente, a Constituição é uma virtualidade, um virtus, mas é acima de tudo “virtù”, uma força da potência do vir-a-ser político-jurídico.

Urge, pois, que o combate em defesa da CF/88 se espraie bem depressa.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos