Anotações sobre o erro no direito civil

21/06/2019 às 08:33
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O direito romano não chegou a elaborar uma teoria geral acerca do erro obstativo. Os intérpretes distinguiram, porém, várias espécies.

Tem-se no Código Civil de 2002:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante. III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.

Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta.

Art. 142. O erro de indicação da pessoa ou da coisa, a que se referir a declaração de vontade, não viciará o negócio quando, por seu contexto e pelas circunstâncias, se puder identificar a coisa ou pessoa cogitada.

Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade .

Art. 144. O erro não prejudica a validade do negócio jurídico quando a pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante.

A manifestação de vontade inconscientemente discordante da volição efetiva verifica-se no caso do erro obstativo ou erro de declaração. Configura o erro obstativo a falsa representação que provoca uma divergência entre a vontade e sua declaração. Esse erro provoca a nulidade do ato jurídico quando essencial, isto é, quando recai sobre um elemento essencial do ato. O direito romano, como ensinou Ebert Chamoun (Instituições de direito romano, 5ª edição, pág. 102), não chegou a elaborar uma teoria geral acerca do erro obstativo. Os intérpretes distinguiram, porém, várias espécies.

O erro obstativo, que Savigny chamava de impróprio, é o erro que provoca uma divergência entre vontade e declaração, de modo que se quis uma coisa, mas por erro que se declarou. Por sua vez, no erro próprio, é um conhecimento falso que influi na determinação interna de vontade e induz o agente a querer uma coisa que não teria querido, se tivesse tido uma noção exata. É um vício de vontade que age sobre a sua formação, mas não tem qualquer influência quanto à manifestação. O erro considerado é o erro obstativo, aquele que é causa da divergência entre a vontade e a manifestação. O outro vício não aponta discordância.

Disse Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 353) que “em nosso direito positivo não constitui, contudo, figura específica do defeito, sendo por isso, de se aplicar a teoria do erro vicio de vontade, na linha de Enneccerus, Kipp y Wolff. A doutrina legal brasileira, desaconselhando a distinção, equipara-os, por lhe parecer que o erro sobre a natureza do negócio ou sobre a identidade do objeto (erro obstativo) traduz, em última análise, uma declaração volitiva, cujo resultado jurídico difere do efetivo querer ao agente, mas que nem por isto deixa de ser uma declaração de vontade.

Para que torne então defeituoso o ato negocial, e, pois, anulável, o erro há de ser, primeiro a sua causa determinante, e, segundo, alcançar a declaração de vontade na sua substância, e não em pontos acidentais. É o que se denomina erro substancial ou essencial, em contraposição ao erro acidental.

O que é causa determinante? Causa determinante do ato, conduz a elaboração psíquica do agente e influencia na sua deliberação de maneira imediata, falseando a verdade volitiva.

Substancial é o erro que diz respeito à natureza do ato, ao objeto principal da declaração, ou a algumas qualidades a ele essenciais. É o que se diz: error in corpore, error in persona, error in negotio

Havia as seguintes espécies de erro:

  1. Erro in negotio, quando o erro concerne ao ato jurídico em sua totalidade, quando o nuntius comunica uma vontade que não é a que devia comunicar;
  2. Erro in persona ou error in corpore hominis, ou erro sobre a identidade da pessoa a quem se destina a declaração de vontade;
  3. Error in corpore ou erro sobre a identidade do objeto, a que se refere a declaração de vontade, como, por exemplo, a alienação de um imóvel por outro.
  4. O erro na descrição u demonstração do objeto e da pessoa é irrelevante quando essas circunstâncias não interessam ou são identificáveis de outro modo: falsa demonstrativo non nocet. Não provoca a nulidade do ato jurídico o erro sobre nome de pessoa quando sua identidade é certa, o erro sobre qualidades de pessoa, do objeto ou do negócio, e o erro sobre a quantidade, o qual, pelo menos, no direito justiniâneo, deixa subsistir o ato pela menor quantidade.

A anulabilidade por erro sobre as qualidades essenciais da pessoa, ou da coisa, é anulabilidade por erro sobre o conteúdo. No fundo é erro sobre o motivo.

Distingue-se o erro essencial do acidente ou concomitante. Essencial é o que versa sobre pontos essenciais do negócio, isto e, sobre os elementos constitutivos do ato jurídico, quer eles assim sejam segundo sua natureza íntima, no tipo abstrato do negócio, quer como tal se tornem no caso concreto, pelo fato de ter o declarante escolhido, como momento importante e decisivo, um que, pela sua natureza, o não seria. Acidental é o erro que versa sobre qualquer outro elemento secundário ou acidental do negócio, como revelou Ruggiero (Instituições de direito civil, volume I, 3ª edição, tradução Ary dos Santos, pág. 235).

O erro essencial pode ser:

  1. Error in negotio: é um erro sobre a própria índole do negócio, que se leva a efeito, como quando se troca, por falso, conhecimento do direito, uma causa jurídica por outra, por exemplo, a enfiteuse com a locação;
  2. Error in corpore é um erro que versa sobre a identidade do objeto, como quando, por exemplo, declaro querer comprar um cavalo que está diante de mim, quero efetivamente compra-lo, mas se tal quero é erradamente por o ter trocado por outro;
  3. Error in substantia é um erro que versa sobre a essência da coisa ou sobre as suas propriedades que em geral se consideram ou foram concretamente consideradas como essenciais para a destinação econômica e função social dessa coisa;
  4. Error in persona é um erro que versa sobre a própria individualidade da pessoa ou sobre qualidades pessoais que, dada a natureza do negócio, costumam ter-se sempre em consideração como determinantes da vontade ou que, no caso concreta, tenham efetivamente sido decisivas para o declarante.

Há o erro de fato e o erro de direito. Existe o segundo se a vontade se decide em uma dada direção pela ignorância ou falsa interpretação de uma norma jurídica. O primeiro é qualquer outro que ver-se sobre um fato e, em concreto, pode revestir qualquer das formas supracitadas (error in corpore, in substantia, in persona, in qualitate etc).

A doutrina diverge sobre o tema: enquanto Clóvis Beviláqua de forma peremptória sustentou que somente é de acolher-se a alegação do erro de fato, Eduardo Espínola entendia que o texto do artigo 87 do Código Civil de 1916 (artigo 139 do Código Civil de 2002), não tendo distinguido, deve interpretar-se largamente para conter um e outro. Já Serpa Lopes afirmou que o erro de direito não pode ser tão facilmente acolhido como o de fato, e adiciona-lhe um requisito anímico que é a boa- fé de quem o comete. Na Itália, o Código Civil de 1942 acolhe-o, como causa de anulação do negócio, o erro de direito (erros iuris) quando tiver sido a razão única ou principal do contrato, excluída, porém, a transação. Na Suíça, não ausência de disposição que autorize o juiz a acolher defesa fundada em erro de direito, a doutrina se inclina no sentido de que seria desejável a sua adoção, desde que a ignorância da lei seja manifesta e escusável, e a jurisprudência propendeu para a assimilação de erro de direito ao erro de fato, orientação que ali não se choca contra a ordem pública devido a inexistência de um preceito, como o que há no Brasil, no artigo 3º da Lei de Introdução.

Apenas o erro substancial e não acidental influi sobre a validade do negócio; na verdade, como disse Ruggiero (obra citada, pág. 236), é só primeiro que vincula, viciando a vontade num dos seus momentos importantes, produz a anulação do ato; o segundo é indiferente para o direito objetivo ou, quando muito, pode dar lugar a uma ação de indenização ou a outros remédios próprios de reparação.

Da mesma forma não influi na validade do negócio, não produzindo sequer efeitos menores ou secundários, o erro sobre os motivos. Esta espécie de erro não se confunde com nenhuma das ouras precedentes, porque, por motivos, devem entender-se aquelas representações psíquicas internas, que levaram a executar o ato jurídico, que ocasionaram a determinação volitiva da declaração.

Para que o erro possa invalidar a declaração é necessário que tenha sido a causa única ou principal do ato.

É necessário ainda, posto que a lei não faça referência, que o erro seja desculpável; um erro tão grosseiro, que não seja crível que alguém nele possa cair, ou um erro menos grave, mas que se teria podido evitar se se tivesse não atenção ou prudência, não deve poder ser invocado pelo que errou para conseguir a anulação da sua declaração. Ensinou ainda Ruggiero (obra citada, pág. 237) que não falta, no entanto, quem conteste que ser o erro desculpável seja um requisito necessário par que se possa invocar, admitindo-se qualquer erro como tendo influência sobre a validade do negócio, ainda que provocado por negligência, e sobre a responsabilidade pela culpa em que incorreu.

A doutrina acrescenta que somente é de se considerar o erro escusável, não afetando o negócio, quando o agente procede sem as aquelas cautelas normais, ou seja tal que não o cometeria um indivíduo de inteligência comum.

Tem-se o dissenso, cuja única substância é ainda o erro. É óbvio que se dá apenas nos atos bilaterais e só provoca a nulidade se afasta o acordo das vontades. São importantes os casos de dissenso que anulam o negócio: dissenso sobre a causa, quando não há entre as partes acordo acerca da causa do ato jurídico, por exemplo, uma deles imagina vender e o outro supõe que recebe a título de doação. O dissenso sobre a causa anula apenas os atos jurídicos concretos.

É vício, com a consequência da anulabilidade do ato jurídico, o erro sobre a pessoa do destinatário, ou do beneficiado.

Para que haja falta de qualidade essencial à pessoa, é preciso que, sem ela, a pessoa saia da categoria que se teve em vista ao manifestar-se a vontade. Assim a qualidade essencial da pessoa ou da coisa é afinal, a qualidade que se faz essencial para o ato jurídico de que se trata. Tal como a inidoneidade econômica, a integridade moral, o não haver antes incorrido em falência ou em concurso de credores, o de não ter tido vida dissoluta pregressa; competência técnica; solvência; não estar o prédio localizado em zona já considerada para a desapropriação etc.

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Há ainda outras formas de dissenso:

  1. Dissenso acerca da identidade do objeto, por exemplo;
  2. Dissenso sobre a quantidade: nem sempre ocasiona a nulidade do ato jurídico; às vezes, o ato jurídico é válido pela menor quantidade, se quanto a esta há acordo.

Mas pode o erro consistir na formação de uma vontade na base de conhecimento imperfeito ou da ignorância dos motivos que determinaram. Se o agente os conhecesse, teria vontade diversa u não teria determinado vontade alguma. O mais importante desses casos é o do error in substantia. É o erro que incide sobre a essência da coisa, isto é, sobre a qualidade que determina a função econômico-social da coisa, quando se compra um objeto, supondo-o de ouro e não é, ou imaginando que é novo e é usado.

Não há propriamente um erro sobre a identidade material, mas sobre a individualidade. Considera-se que não há propriamente um erro sobre os motivos, excepcionalmente relevante em virtude de sua gravidade. O conceito desse erro não se acha expressamente formulado nas fontes romanas. Foi a doutrina quem elaborou, após exame dos principais casos práticos resolvidos, pela jurisprudência romana. No direito justiniâneo puro não se atribuiu geral relevância ao error in substantia, isto é, não anula todo ato jurídico. Essa eficácia era, por exemplo, negada na estipulação e reconhecida somente nos atos de boa-fé, como a compra e venda.

Ensinou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, volume IV, ed. Bookseller, § 432) que “para que haja a anulabilidade por erro, é preciso que, se o manifestante da vontade houvesse conhecido a realidade tal qual e não tal qual a representara, não teria manifestado o que manifestou, porque assim, não teria havido divergência entre o que ele entendia e o que o destinatário entendeu. O pressuposto subjetivo dá a medida suficiente da importância, para o manifestante, da identidade ou da qualidade da pessoa ou da coisa.”

O sistema jurídico permite a anulabilidade porque tal importância é grande e pode justificar que se abra exceção aos princípios que regem o tráfico.

Dá-se o erro quanto ao objeto, quando há outra coisa que aquilo que se cria.

Não se pode pensar em anulabilidade por erro, quando se trata de venda genérica de retalhos, salvados, saldos ou restos, uma vez que o vendedor não faz qualquer declaração de conhecimento sobre o bom estado ou determinada utilizabilidade, a fortiori.

A relação entre a qualidade e o preço não se faz essencial. Não há erro em comprar caro, ou barato. No direito brasileiro o erro há de ser sobre o objeto principal, de modo que se não poderia anular por erro o contrato de venda e compra de fazenda, porque se erro quanto à casa de moradia, ou à instalação de eletricidade, nem o contrato de cessão de direito à arrematação, se o erro foi quanto ao bem arrematado.

Já se entendeu que o erro sobre o preço da coisa, isto é, sobre o valor dela, não é erro substancial (RT 168/338), salvo se a diferença entre o valor da coisa e o preço foi motivo determinante para a operação.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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