Expectativa e direito expectativo

21/06/2019 às 20:58
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Examina-se importante questão do direito civil à luz do entendimento de Pontes de Miranda.

I - A EXPECTATIVA DE DIREITO

Disse Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo V, ed. Bookseller, § 578, pág. 338) que o que o homem espera, consistente em direito, pretensão, ação ou exceção, pode ser esperado com os dados do mundo jurídico, ou com os dados do mundo fático e do mundo jurídico, ou quase somente com os dados do mundo fático, ou somente com os dados do mundo fático. Quem espera com dados, todos, do mundo jurídico, é porque espera no mundo jurídico, e o fato, certo, que servirá de elemento à realização do direito, da pretensão, da ação ou da exceção, é comum ao mundo fático e ao mundo jurídico (direito expectativo do que adquiriu para ser feita a tradição no dia tal, ou quando se ultime a produção da coisa).

Quem espera com dados do mundo jurídico, mas o dado ou os dados do mundo fático preponderam, espera ainda no mundo fático; a expectativa é fática, ainda não entrou no mundo jurídico, posto que se componha de alguns elementos do mundo jurídico, a razão de se esperar. Se A é pai de B e de C, B e C têm expectativa quanto a herança de A; se D foi contemplado no testamento de A, D tem expectativa quanto à herança de A: a morte de A, sem mudança de dados do mundo jurídico, é que faz entrar no mundo jurídico o suporte fático de que nascia (no mundo fático) a expectativa. Direito é efeito jurídico; o direito expectativo já é, de si só, efeito jurídico.

Tem-se de raciocinar rente aos fatos; se a expectativa se realizou, entrou no mundo jurídico o suporte fático em que era elemento do fato esperado (a esperança); se efeito se produz, há direito, ainda que expectativo. O direito expectativo é efeito: quais sejam os seus efeitos, depende de espécie; ele é, e isso lhe basta, como direito a que corresponda dever, como sempre; se os seus efeitos forem encarados como efeitos preliminares do direito expectato.

A expectativa é algo fora do mundo jurídico. Só há expectativa se o suporte fático não entrou no mundo jurídico. Se entra (parentesco e morte do parente), não há mais falar em expectativa, pois que já há fato jurídico; já há efeitos jurídicos. Ao sujeito da expectativa não está reconhecido nenhuma iniciativa, nenhuma tutela jurídica, se alguém nega ou se opõe ao que é previsão do expectante; nenhum ato de disposição, a respeito da expectativa, entraria no mundo jurídico. Não há credor, nem devedor. Nem titular de gozo ou de uso; nem a totalidade dos sujeitos é adstrita a abster-se de negar a previsão, ou pretender a eles.

As meras expectativas, isto é,  são as esperanças de aquisição de um direito fundado em norma vigente e ainda não convertidas em direito por falta de algum dos requisitos objetivos exigidos pela norma.


II - OS DIREITOS EXPECTATIVOS

Disse Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, tomo V, pág. 89), ao distinguir os efeitos retroativos da lei (retroatividade do direito intertemporal) e efeitos retroativos do ato jurídico (retroatividade de direito substancial), que

“à propósito da condição, adquiriu-se o direito expectativo e a lei que atingisse o direito expectado, direito que ainda não foi adquirido (no sentido estrito), ofenderia o direito expectativo. Todo direito expectativo é direito que expecta, que está a spectare, que vê de fora, que contempla. A técnica e a terminologia jurídica tiveram de distinguir a expecativa, que é simples atitude no mundo fático, e o direito expectativo, que é como o direito ao direito, que vai vir. A tutela do direito expectativo, implica que se tutela, em consequência, o direito expectado, que é o direito a quem tem direito o titular do direito expectativo”.

São exemplos de direitos expectativos:

  1. Os que se originam de negócios jurídicos a prazo (em se tratando de aquisição de bens) ou sob condição, porque ao atingir o termo, ou ao se realizar a condição, se adquire o direito expectado, de modo que não mais depende da vontade do outorgado o nascimento do direito;
  2. Os direitos a direitos futuros para cujo nascimento falta elemento do suporte fático (os chamados créditos futuros) que são, em verdade, direitos expectados, porque antes dele estão direitos a suportes fáticos completos e é a eles, e não a esses, que falta algo para que nasçam (direito do titular de renda constituída sobre imóveis, ou de pensão, u do locador, à anualidade, ou mensalidade, dos anos, dos meses a virem; em consequência, o que se transmite é o direito unitário, e não o direito futuro;
  3. O direito do herdeiro fideicomissário que pode ser transferível, ou não;
  4. O direito do herdeiro substituto, que pode renunciar desde logo;
  5. Os direitos do que têm direitos aos frutos, independente de ato próprio, unilateral; porque só de atos não-próprios depende a aquisição. O direito a registrar a escritura de aquisição do imóvel não é direito de crédito, nem direito real formado, nem expectativo, é direito formativo gerador;
  6. O direito à sub-rogação legal do credor, por parte do devedor.
  7.  O direito do que adquiriu direitos como eficácia do negócio jurídico anulável não é direito expectativo, já tem existência, não assim a situação do que os haveria se o negócio jurídico fosse eficaz.

Ao implir-se a condição suspensiva, o efeito o que ficara suspenso – se produz. Não importa qual seja esse efeito. E produz-se ex nunc. Não há qualquer espécie em que o efeito seja ex tunc, salvo declaração explícita em contrário.

O direito expectativo é tutelado durante a pendência (não é o que pende, é o direito expectado).

Para Pontes de Miranda (obra citada)durante a pendência da condição, o direito expectativo ainda não é. Se o titular do direito expectativo cede o direito expectado, cede direito futuro.

Se a condição suspensiva não se implementa, o efeito suspenso não se produz. O que se tutelou, ainda que provisoriamente, caduca e, pois, perde efeito.

A Lei nº 3.238, de 1 de agosto de 1957, fixou que consideram-se adquiridos antes do implemento da condição. É, portanto, aplicável a lei vigente ao tempo em que o negócio sub conditione se efetivou e não a vigente à época em que se verificou a ocorrência do ato ou fato condicional.


III - O DIREITO ADQUIRIDO

Nesse passo trago a diferença entre expectativa de direito e direito adquirido.

Limongi França (A írretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 216) define o direito adquirido como "a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; conse-qüência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto." 

Sendo assim esclareceu Limongi França (obra citada, pág. 226)  que "a diferença entre expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, do fato aquisitivo especifico, já configurado por completo", aduzindo, em seguida, que "é preciso porém esclarecer que o fato aquisitivo específico não é só o fato particular, exterior à lei; diversamente, ele também se pode encontrar na própria lei, se se trata de direito adquirido por virtude direta da própria norma legal."

No mesmo sentido, sustentou Carlos Maximiliano (Direito Intertempora/ ou Teoria da Retroatividade das Leis. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1946. p. 38. ) que "fato capaz de transmudar um direito objetivo e abstrato em um subjetivo e concreto é indispensável para criar direito adquirido" , ressaltando, todavia, que, dentre os fatos que geram direitos, estão os "involuntários e fortuitos, de que por lei decorrem direitos. 

Demonstrou Carlos Maximiliano, com base na lição de Gabba:

"O direito adquirido compõe-se. em síntese. de dois elementos: o direito objetivamente considerado e o facto aquisitivo. que transforma aquele. de objetivo em subjetivo ou individual. ( ... ) O fato não definitivamente constituído produz direito adquirido. só em três casos: a) quando seja. por sua natureza. fatal. infalível; b) quando não dependa o seu completamento senão do adquirente. conforme se dá na hipótese de verdadeira e própria condição; c) quando a aquisição tenha a sua raiz em anterior direito adquirido. de que seja simples desenvolvimento. ou transformação."


IV - A APOSENTADORIA E AS REGRAS DE TRANSIÇÃO

Trago então a discussão sobre o regime jurídico de aposentadoria e as regras de transição. 

Quem está sob o regime atual da Previdência Social ou especial atinente ao serviço público, tem um regime jurídico. Ele não tem direito adquirido a essa mudança, pois, como o Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes já consignou, não há direito adquirido sob o regime juridico. Além disso ele vive sob uma expectativa de completar as regras desse regime em que está para poder se aposentar. Se aposentar sob essas regras tem o direito adquirido por conta delas. 

Mas, certamente, a nova Previdência Social que virá com a reforma propalada trará regras de transição.

O art. 2°, da Lei de Introdução ao Código Civil, ao prever a regra geral de revogação das leis, afirma que "não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue." Dessa forma, as leis de vigência temporária foram excetuadas da regra geral da revogação superveniente, em razão de já possuírem a sua vigência perfeitamente delimitada no tempo, tanto no que se refere ao início como também ao fim. É exatamente esse o caso de uma norma de transição, que possui vigência temporária e objetivos de regular, de forma concreta, a passagem de determinada normalização jurídica para uma outra. Dessa maneira, a própria natureza jurídica de uma regra de transição, cuja vigência é temporária, é suficiente para demonstrar a manifesta inaplicabilidade da regra geral de revogação das leis, diante da circunstância especial de que as mesmas já têm a vigência delimitada no tempo. 

Muitos, porventura, já terão atendido grande parte dos requisitos previstos pelas normas constitucionais anteriores sobre a aposentadoria e, como não haviam adquirido o direito ainda, passaram a ser regidos por regras de transição. 

Aí temos que atentar para um direito expectativo. 

A figura do direito adquirido sob condição é prevista expressamente na Lei de Introdução ao Código Civil, ao afirmar, no art. 6°, § 2°, que "consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem." Como já se viu amplamente no capítulo anterior, as normas previstas em normas de transição, por não estarem sujeitas às regras gerais de revogação das leis, não podem ser alteradas ao arbítrio do legislador.

Eduardo Espínola (A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1943, pp. 319-320 ), por exemplo, mostra que, para efeitos do direito intertemporal, a condição se equipara ao termo, possibilitando desde já a aquisição do direito, nos termos da seguinte lição: "Aí se explica: -considera-se adquirido o direito -cujo começo de exercício tenha condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem -. Entretanto, o art. 118 do Código Civil  dispõe que -"subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta não se verificar, não se terá adquirido o direito a que ele visa. " É irrecusável a contradição. O que daí se poderá deduzir é que o legislador, simplesmente para os efeitos do princípio da irretroatividade das leis, equiparou a condição suspensiva ao termo inicial; considerando, tão somente para esses efeitos, como adquirido o direito dependente de uma condição suspensiva insusceptível de alteração a arbítrio de outrem."

Para Limongi França, os direitos sujeitos à condição podem ser adquiridos, como modalidades que são dos chamados direitos de aquisição complexa : "Conforme foi visto na seção anterior, no caso do termo, não há dúvida sobre a aquisição desde logo, suspendendo-se apenas o seu exercício. Já na hipótese de condição, a despeito da questão que se coloca, a aquisição se tem por ab initio, pois verificado o evento, seus efeitos retrogem à data do fato."

Vem a questão: Há direito adquirido sob o império dessas regras de transição?Pode a nova emenda constitucional que institua novo regime de previdência suprimir direito assegurado em norma constitucional a quem no momento de sua edição preenchia o requisito fundamental previsto pela disposição constitucional anterior?

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Responde a pergunta José Afonso da Silva (Parecer sobre o tema solicitado pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público CONAMP e pela Associação Nacional dos Magistrados Brasileiros -AMB): .

"4) Pode a emenda à Constituição suprimir direito assegurado em norma constitucional, a quem no momento de sua edição preenchia o requisito fundamental de ter ingressado regular e anteriormente em cargos efetivos da administração pública -arts. 2° e 11 da PEC que revogam o art. 8° da Emenda Constitucional n° 20/98)? Não. A indagação se prende ao conteúdo do art. 8° da EC-20/1998. Esse artigo, como o art. 6° da PEC,fez uma ressalva de direito para ser exercido na vigência da Emenda, sem maiores exigências. Assim, em verdade, o texto transformou expectativa de direitos em direito subjetivo. O texto do art. 8°, em tela, conferiu um tipo de direito adquirido ao regime de aposentadoria, na medida em que preservou o direito de aposentar-se nas mesmas condições vigentes antes de sua promulgação. A natureza da norma, como disse no curso do parecer, é a de converter expectativa de direito em direito subjetivo para ser exercido no futuro, sob a condição do preenchimento dos requisitos indicados, o que significa que, vindo novas normas, esse direito não pode ser desfeito, porque, sendo direito subjetivo, passa a se adquirido em face da superveniência das novas normas. Se não for assim, estar-se-á diante de uma verdadeira fraude constitucional, numa brincadeira de dar e retirar incessante, ao sabor dos detentores do Poder. Normas constitucionais, mesmo provenientes de Emendas à Constituição, não podem ser manobradas assim como um boneco de cera, ao sabor dos donos do Poder, em prejuízo dos direitos constituídos." 

Mostrou Limongi França a partir da lição de Gabbal (obra citada, pág. 238): "Contemporaneamente, ao tratar da perfeição dos fatos aquisitivos, Gabba distingue os fatos simples dos complexos: simples são aqueles que se completam em um só instante; complexos, os que se compõem de partes que se realizam separadamente, e a distância, uma da outra". A seguir, acrescenta o eminente mestre italiano: "De três modos podem ser complexos os fatos aquisitivos. a saber: a) quando uma mesma pessoa empreenda uma série de atos em um período mais ou menos longo de tempo; b) quando duas ou mais pessoas devam empreender. cada qual separadamente, um fato próprio e distinto; e c) quando a um determinado ato de uma pessoa se deva ajuntar um acontecimento que não está em seu poder" (p. cit.). O autor cita, como exemplos, respectivamente, o usucapião. a sucessão testamentária e a transmissão unilateral de direitos, sob condição. Quanto à questão de se saber a que altura existe direito adquirido, em tais circunstâncias, assinala que não é possível resolver-se a priori, dependendo de se apresentar em cada caso "um especial caráter idôneo a tal efeito" (p. 229). E explica: .. Este caráter pode ser um dos seguintes: a) que o fato ainda não verificado seja infalível (immancábile); b) que não mais esteja no poder, daquele em confronto do qual o direito é adquirido, impedir o fato que falta, para que se aperfeiçoe a transmissão; c) que a aquisição a que deve dar lugar a realização do fato não realizado (il compimento Del falto incompica) tenha a sua raiz em um anterior direito adquirido, do qual seja um desenvolvimento ou uma transformação. ( ... ) Autores que não esposam a Doutrina Clássica também cuidaram da matéria, dentre eles Planiol e Roubier. O resumo dos ensinamentos deste último se encontra no art. 28 do Anteprojeto, referente à matéria, apresentado à Comissão do Código Civil Francês, cujo teor é o seguinte: "Quando há concurso de situações jurídicas, oriundas de fontes diferentes, cada qual destas situações deve suportar a competência da lei que corresponde ao momento de sua constituição, dos seus efeitos ou de sua extinção. segundo o momento em que a lei nova deve atender a esta situação."

Há em particular direitos de aquisição complexa. 

Ora, diante disso, fica evidente que a nova previdência não pode criar novas condições para aqueles que já a implementaram sob o regime anterior. 

Há, para o caso, verdadeiros direitos adquiridos, sob condição, direitos expectados, que não poderão ser objeto de modificação pela nova previdência. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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