Dos (cogentes) limites para a legitimidade ativa nos embargos de terceiro

25/06/2019 às 14:45
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A condição de terceiro, que autoriza a oposição do procedimento especial nominado por embargos de terceiro, nem sempre é de tão fácil constatação, sendo que, em alguns casos, a sua ilegitimidade ativa é manifesta.

Os embargos de terceiro, na doutrina de Araken de Assis [1], são conceituados como "o remédio processual outorgado aos terceiros para livrar da apreensão judicial as coisas integradas em seu patrimônio".

Luiz Guilherme Marinoni [2], com muita clareza, elucida acerca do cabimento dos embargos de terceiro:

A ação de embargos de terceiro é admitida sempre que alguém sofrer ameaça ou efetiva constrição sobre bem que possua ou sobre os quais ostente direito incompatível com o ato de constrição (art. 674, caput, do CPC). Em que pese a omissão, no texto legal, à "constrição judicial", é certo que somente ela- e não a administrativa ou a privada- subsidiam os embargos de terceiros. Para os demais casos, socorrem o interessado as vias tradicionais de proteção da posse ou da propriedade.

Em resumo, os embargos de terceiro servem à proteção da posse, aliás, esse é o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça [3]:

(...) OS EMBARGOS DE TERCEIRO CONSTITUEM INSTRUMENTO PARA A DEFESA PELO PROPRIETÁRIO-POSSUIDOR OU APENAS POSSUIDOR DE BEM OBJETO DE INDEVIDA CONSTRIÇÃO POR ORDEM JUDICIAL (...). (Grifou-se)

Este instituto processual é regulado pelo artigo 674 do Código de Processo Civil que, em seu bojo estabelece as hipóteses para o seu manejo:

Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.

§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.

§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:

I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843 ;

II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;

III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;

IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.

Trata-se, entretanto, de rol meramente exemplificativo, já que cabíveis os embargos de terceiro sempre que o ato judicial sugerir, de qualquer modo, turbação ou esbulho à posse de terceiro, ainda que em satisfação de julgado em ação possessória. [4]

Assim, de acordo com o exposto, os embargos de terceiro podem ser ajuizados por qualquer pessoa que ostente a condição de terceiro (possuidor/proprietário) em relação ao processo de onde provem a decisão judicial que ordena a constrição do bem.

E esse terceiro, como teve seu patrimônio atingindo pela decisão judicial, está sempre habilitado a insurgir-se contra a indevida apreensão do bem por meio dos embargos de terceiro.

No entanto, a condição de terceiro que autoriza o manejo deste procedimento, nem sempre, é de fácil avaliação/demonstração.

Inicialmente, aquele que adquire coisa litigiosa, conquanto na situação fática seja considerado como terceiro, não possui a benefício de defender seus interesses pelo manejo dos embargos de terceiro - exceto se comprovar que não possuía meios para saber da litigiosidade da coisa.

Isso porque, ao adquirir/negociar sabidamente coisa litigiosa (ou que possuía meios para saber da sua condição litigiosa), o terceiro sujeitar-se-ia ao regimento estabelecido pela incidência do artigo 109, §3º, do Código de Processo Civil de 2015, ou seja, permanecerá subordinado aos efeitos da sentença proferida entre as partes no processo principal - salvo se ingressar como assistente litisconsorcial no feito (§1º) ou suceder a parte originaria (§2º). Veja:

ART. 109.  A ALIENAÇÃO DA COISA OU DO DIREITO LITIGIOSO POR ATO ENTRE VIVOS, A TÍTULO PARTICULAR, NÃO ALTERA A LEGITIMIDADE DAS PARTES.

§ 1O O ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO NÃO PODERÁ INGRESSAR EM JUÍZO, SUCEDENDO O ALIENANTE OU CEDENTE, SEM QUE O CONSINTA A PARTE CONTRÁRIA.

§ 2o o adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do alienante ou cedente.

§ 3o estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário. (Grifou-se)

Acerca dos efeitos do artigo 109 do Código de Processo Civil, cota-se a doutrina de Celso Agrícola Barbi [5]:

Segundo o artigo, mesmo que tenha havido alienação da coisa ou direito no curso da causa, as partes continuam as mesmas. A regra torna clara a distinção entre a relação de direito substancial discutida em juízo e a relação de direito processual. Os sujeitos daquela mudaram, mas os desta permanecem os mesmos. Mas, para resguardar o demandante de qualquer prejuízo decorrente da alienação, o § 3º dispõe que a sentença, proferida entre as partes originárias na relação processual, estende os seus efeitos ao adquirente da coisa ou ao cessionário do direito. [...] (Grifou-se)

O Tribunal de Justiça de Santa Catariana [6] vem aplicando o entendimento de que, não possui a qualidade de terceiro aquele que adquire a coisa litigiosa, pelo que não pode opor os embargos respectivos, aplicando-se o disposto no pelo artigo 109, §3º, do Código de Processo Civil de 2015:

EMBARGOS DE TERCEIRO. AQUISIÇÃO DE COISA LITIGIOSA. CARÊNCIA DA AÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 109, § 3º, DO CPC. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.    Não possui a qualidade de terceiro aquele que adquire a coisa litigiosa, pelo que não pode opor os embargos respectivos, aplicando-se o disposto no artigo 109, parágrafo 3º, do CPC/15.   Reconhecida a ilegitimidade de parte em agravo de instrumento, é lícito ao Tribunal avançar e desde logo extinguir a ação da qual aquele recurso se origina.

Por conseguinte, como sabido e ressabido, aquele que vai negociar a aquisição de um bem imóvel deve, obrigatoriamente, agir com a diligência e prudência necessária nos contratos imobiliários e, obrigatoriamente, dirigir-se ao Cartório de Registro de Imóveis e Prefeitura em que o bem esta localizado, para certificar se o nome do proprietário que estava inscrito na matricula/inscrição imobiliária do imóvel era a mesma pessoa que está o alienando.

Nesse passo, o promitente comprador que negligencia de suas obrigações e não toma as cautelas necessárias para o sucesso dos negócios imobiliários, na medida em que adquirem coisa litigiosa e que não era de propriedade do vendedor (e sim dos requeridos da ação de embargos de terceiro), não pode ser classificado como terceiro e, muito menos, possuidor de boa-fé.

Aliás, nem deveria ser tratada como posse a situação acima mencionada, mas como mera detenção, já que clandestina, nos termos do artigo 1.208 do Código Civil:

Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Logo, não podem ser acolhido embargos de terceiro em face dos legítimos possuidores, quando o terceiro que adquiriu o imóvel não atuou com a cautela necessária e acaba por adquirir imóvel litigioso de quem não era o seu legitimo proprietário, pois tal situação, como acima visto, configura detenção e não exercício possessório.

Ademais, não há que se falar em boa-fé do terceiro adquirente, pois, a falta de diligência/pró-atividade do mesmo ao entabular contrato de compra e venda com quem não era proprietário do bem ou, pelo menos, procurador deste, revela evidente conduta contrária aos contornos que este nobre princípio objetiva alcançar.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina [7 e 8]  é uníssono em afirmar que a aquisição de imóvel sem a devida cautela/prudência, desqualifica o adquirente como possuidor/proprietário, pois goza de mera detenção, razão pela qual está impossibilitado do manejo de embargos de terceiro para proteger uma posse ou propriedade que inexiste, in verbis:

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CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - PROVA TESTEMUNHAL - DESNECESSIDADE O julgamento da lide sem a produção de determinadas provas, por si só, não configura cerceamento de defesa, desde que pautado em cognição exauriente, sob o manto dos princípios da livre admissibilidade das provas e do convencimento motivado do juiz. CIVIL - EMBARGOS DE TERCEIRO - REINTEGRAÇÃO NA POSSE DE IMÓVEL - BEM ADQUIRIDO DE QUEM NÃO É PROPRIETÁRIO - AUSÊNCIA DE CAUTELA DO COMPRADOR - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NULO - POSSE INJUSTA E CLANDESTINA - IMPOSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO EM FACE DO LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO - MERA DETENÇÃO   A AQUISIÇÃO DE IMÓVEL SEM A CAUTELA DE VERIFICAR SE AQUELE QUE SE APRESENTOU COMO VENDEDOR ERA, DE FATO, O PROPRIETÁRIO DO BEM OU, PELO MENOS, PROCURADOR DESTE, CONFERE AO ADQUIRENTE SOMENTE UMA POSSE INJUSTA, PORQUANTO CLANDESTINA, INSUSCETÍVEL DE SER OPOSTA EM FACE DO LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO. [...]. (Grifou-se)

APELAÇÃO CÍVEL EM EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL JULGADA PROCEDENTE, COM TRÂNSITO EM JULGADO. REINTEGRAÇÃO DA EMBARGADA NA POSSE DO BEM IMÓVEL. TERCEIRO QUE ALEGA TER ADQUIRIDO, DE BOA-FÉ, OS DIREITOS POSSESSÓRIOS. CABIMENTO DOS EMBARGOS DE TERCEIRO. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. CAUSA MADURA, APTA PARA JULGAMENTO (ART. 515, § 3º, DO CPC). IMÓVEL ADQUIRIDO DE QUEM NÃO ERA PROPRIETÁRIO. AUSÊNCIA DE CAUTELA DA COMPRADORA. POSSE INJUSTA E CLANDESTINA INSUSCETÍVEL DE SER OPOSTA EM FACE DOS LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS-POSSUIDORES. MERA DETENÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. (Grifou-se)

Dessa forma, como na situação em que o terceiro, negligenciando de suas obrigações pré-contratuais, adquire imóvel litigioso e que não era de propriedade do vendedor - por configurar mera detenção e não exercício possessório – revela-se insuscetível de ser oposta mediante o manejo dos embargos de terceiro em face do legítimo proprietário.

Imperioso registrar que a Súmula n. 84 do Superior Tribunal de Justiça somente seria aplicável ao caso em concreto, na hipótese de o embargante ter adquirido o imóvel do verdadeiro proprietário do bem. Aliás, nessa situação em específico, a falta de registro do título translativo de propriedade seria totalmente irrelevante para o desfecho dos embargos de terceiro, uma vez que a posse configurar-se-ia como justa.

__________________________________________________________________________

[1] ASSIS, Araken de. MANUAL DA EXECUÇÃO. 13 ed. Volume Único. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.1369.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; e MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. 3ª Ed. Vol. 3. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 230.

[3] STJ. REsp 1417620/DF, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 02/12/2014.

[4] TJSC, Apelação Cível n. 2013.048481-1, de Criciúma, rel. Des. Domingos Paludo, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 20-08-2015.

[5] Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. p. 249-250.

[6] TJSC, Agravo de Instrumento n. 4023294-77.2017.8.24.0000, da Capital, rel. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 30-01-2018.

[7] TJSC, Apelação Cível n. 0311664-56.2017.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 11-12-2018.

[8] TJSC, Apelação Cível n. 2013.048481-1, de Criciúma, rel. Des. Domingos Paludo, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 20-08-2015.

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