Publicidade enganosa

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25/06/2019 às 18:27
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O presente artigo trata da publicidade enganosa e suas implicações jurídicas que envolvem todos os entes da cadeia de consumo, bem como detalhes da regulamentação da publicidade nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

INTRODUÇÃO

A circulação de bens e serviços está intimamente ligada à publicidade, que é o meio pelo qual sua divulgação é feita aos consumidores. Não há sociedade de consumo sem publicidade. Atualmente, sem as técnicas de publicidade, seria improvável o sucesso de um produto ou serviço.

A necessidade de regramento da publicidade pelo Direito surgiu em razão da importância deste fenômeno no mercado, mais especificamente pela percepção de proteção ao consumidor, reconhecidamente a parte mais vulnerável na relação de consumo.

Não havia proteção eficiente ao consumidor até a promulgação da Lei n° 8.078 de 1990, estando este sujeito apenas aos princípios da responsabilidade civil previstos no Código Civil, e submetido à ditadura do capitalismo.

É certo que ninguém é obrigado a anunciar seus produtos, pois este é um direito conferido às pessoas. Ocorre que, a partir do momento em que alguém veicular qualquer tipo de mensagem publicitária, estará sujeito a uma série de deveres impostos pela ordem constitucional e pelo Código de Defesa do Consumidor, que trouxe regras gerais de proteção ao consumidor, tratando da publicidade em seus artigos 36 a 38.

Os consumidores estão expostos indistintamente às práticas comerciais, sendo essencial que tenham o mínimo de conhecimento sobre a publicidade para que possam concretizar os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor frente à publicidade enganosa, que, infelizmente, é prática comum na oferta de produtos e serviços.

O presente trabalho visa apresentar os direitos dos consumidores com relação à publicidade e os mecanismos para que os exerçam, buscando dar aplicabilidade aos instrumentos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor para a efetiva proteção dos mesmos.

Objetiva ainda, a conscientização de todos os participantes da produção e veiculação da mensagem publicitária, quais sejam, os fornecedores anunciantes, as agências e os veículos de comunicação, sobre a importância da publicidade lícita para o mercado de consumo.

O trabalho em questão pretende primeiramente, demonstrar todos os aspectos da publicidade, seu conceito, previsão constitucional, os princípios que a regem e o regramento trazido pelo Código de Defesa do Consumidor.

Em um segundo momento, trata do controle da publicidade feito por órgãos privados e da discussão doutrinária existente a respeito, trazendo situações práticas julgadas por estes órgãos.

Com ampla discussão jurisprudencial e vasta pesquisa doutrinária, a presente dissertação é finalizada com aprofundamento da análise acerca da publicidade enganosa, as formas de veiculação, espécies de publicidade enganosa e a responsabilidade civil decorrente do anúncio publicitário.

1. DA PUBLICIDADE

1.1. Conceito

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) trata da publicidade em vários dispositivos, sem, no entanto, definir seu conceito. O termo publicidade traduz a “qualidade do que é público” ou ainda “caráter do que é feito em público”. [1]

Na acepção do direito do consumidor, pode-se dizer que a publicidade é uma forma de comunicação entre o fornecedor e o consumidor, com o objetivo de comercializar os produtos e serviços disponíveis no mercado.

De acordo com o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, publicidade é “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias”.

Trata-se de uma forma de comunicação social, sendo certo que em toda publicidade há uma mensagem, um emissor que tem como objetivo alcançar um conjunto de receptores, transmitir-lhes uma idéia e incentivá-los a um determinado comportamento, qual seja, a compra de um bem ou a utilização de determinado serviço.

Valéria Falcão Chaise identifica a publicidade como “forma ou meio de comunicação com o público que tem como objetivo promover a aquisição de um produto ou serviço” [2].

Necessário fazer a distinção entre publicidade institucional e promocional. Publicidade institucional é aquela que busca divulgar uma boa imagem da empresa, sem visar à colocação de determinado produto ou serviço no mercado. Já a publicidade promocional é aquela que visa promover, vender determinado produto ou serviço.

A questão da publicidade recebeu grande atenção por parte do Código de Defesa do Consumidor, que destina parte do Capítulo V (Das Práticas Comerciais) sobre as medidas adotadas pelo fornecedor para disponibilizar produtos e serviços no mercado aos consumidores.

1.2. Evolução da publicidade no Brasil

Até há pouco tempo a regulamentação das relações de consumo no ordenamento jurídico brasileiro era insuficiente e esparsa, praticamente inexistindo regras de tutela efetiva do consumidor e tão pouco sobre a publicidade.

Devido à falta de previsão em lei, a publicidade não era regulamentada no Brasil e era controlada por auto-regulamentação e pela intervenção ética do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – CONAR que, podendo retirar de circulação publicidade enganosa ou abusiva, não encontrava reconhecimento dos veículos e anunciantes, que dificilmente acatavam às suas decisões não vinculativas.

Com o advento da Lei n° 8.078/90, passou a constar no ordenamento jurídico brasileiro proibição e regramento da publicidade enganosa e abusiva, conforme se vê nos seus artigos 36 a 38, o que não invalidou o controle da publicidade feito pelo CONAR.

1.3. Importância da publicidade na sociedade contemporânea

Os produtores, os importadores, os comerciantes, os prestadores de serviço, as associações sem fins econômicos, todos se utilizam de diversas práticas para atrair os indivíduos.

O comércio e a indústria, para despertar o interesse dos consumidores, necessitam divulgar os produtos e serviços por eles produzidos e prestados, com o objetivo de desenvolvimento de suas atividades empresariais, e a publicidade tem sido o meio mais utilizado para a realização desse objetivo.

No sistema industrial atual, a publicidade permite a comunicação entre as empresas e os consumidores, sendo utilizada para o convencimento do consumidor atuando na construção de sua vontade, daí ser um dos fenômenos mais intrigantes da atualidade.

1.4. Distinção entre publicidade e propaganda

Para o professor Rizzatto Nunes[3], já que a própria Constituição Federal não faz a distinção, os termos publicidade e propaganda podem ser utilizados como sinônimos, sendo ambos adequados para expressar o sentido desejado pelo anunciante de produto ou serviço. De fato, os termos publicidade e propaganda são, habitualmente, utilizados como sinônimos, mas em verdade, são conceitos distintos.

A publicidade é usada para atividade comercial, tendo por objetivo a compra e venda de bens, produtos e serviços, destinando-se à sua comercialização. Já a propaganda visa à propagação de idéias, tendo cunho ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social. Outro traço de distinção entre os termos é que a publicidade identifica o seu patrocinador e é feita mediante pagamento, e isso nem sempre ocorre com a propaganda.

Assim, embora no dia-a-dia do mercado os dois termos sejam utilizados como sinônimos, não se confundem publicidade e propaganda.

1.4.1. Publicidade e marketing

O marketing utiliza a publicidade como um instrumento para divulgar o produto ou serviço e assim propiciar sua venda, entretanto, aquele não está adstrito a esta. Com o objetivo de que o produto ou serviço atenda às necessidades do consumidor, o marketing engloba a preparação do mercado e o planejamento, por meio de pesquisas de mercado.

No dizer de Valéria Falcão Chaise “marketing é um conjunto de atividades que se processam desde a concepção de um produto vendável, sua produção, promoção, até sua distribuição ao consumidor”. [4]

Em direito do consumidor, as principais formas de expressão do marketing consistem nas promoções de vendas, que são as ofertas não publicitárias, e na publicidade. As vendas de produtos ou serviços feitas via telefone, que no geral, são ofertas direcionadas a consumidor determinado e não para um número indeterminado de pessoas, são um exemplo das formas de expressão do marketing.

2. RELAÇÃO DE CONSUMO

O Código de Defesa do Consumidor não define o que é relação de consumo, devendo tal definição ser extraída dos conceitos de consumidor e fornecedor, ligados por um produto ou serviço.  Haverá relação de consumo sempre que esses dois pólos estiverem relacionados.

Os artigos 2° e 3° do CDC definem, respectivamente, os conceitos de consumidor e fornecedor.

2.1. Conceito de consumidor

O conceito básico de consumidor está exposto no artigo 2° do CDC que dispõe que: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

A norma do parágrafo único do artigo 2° visa garantir proteção à coletividade de pessoas que possam ser, de alguma maneira afetadas pela relação de consumo, sendo a coletividade indeterminável ou não.

Conforme observa Adalberto Pasqualotto[5], a possibilidade de determinação da identidade desses consumidores não é relevante, pois para efeitos de proteção, podem ser propostas ações coletivas lato sensu, tendo em vista interesses difusos (indeterminabilidade dos interessados), coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos (determinabilidade), nos termos do disposto nos arts. 81 e seguintes.

No artigo 17 encontramos outra extensão do conceito de consumidor, aplicável somente à seção de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço (arts. 12 a 16), que dispõe: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Significa dizer que se incluem nessa categoria todas as vítimas dos acidentes de consumo, mesmo que não atendam aos requisitos do artigo 2°, beneficiando assim, as pessoas que, ainda que sem qualquer relação, direta ou indireta com o adquirente, com o usuário ou com o próprio produto, tenham sua integridade física ou psíquica atingida por eles.

Há ainda no artigo 29 um terceiro conceito extensivo de consumidor, segundo o qual consideram-se também equiparadas a consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comercias e contratuais (capítulos V e VI da lei). Dentre as práticas comercias está a publicidade, razão pela qual este terceiro conceito é o que mais interessa à publicidade.

A vulnerabilidade é a característica que identifica o consumidor. Segundo Cláudia Lima Marques[6], a vulnerabilidade pode manifestar-se de quatro formas: vulnerabilidade técnica, por falta de conhecimentos específicos sobre o objeto da relação de consumo; vulnerabilidade jurídica ou científica, por falta de conhecimentos especializados requeridos na relação de consumo; vulnerabilidade fática ou socioeconômica, quando ocorre submissão ao fornecedor, decorrente de sua superioridade negocial; e vulnerabilidade informacional, caracterizada pelo déficit informacional do consumidor com relação ao fornecedor, acerca das informações sobre o produto.

2.2. Conceito de fornecedor

No artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor encontramos a definição de um amplo conceito de fornecedor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exortação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

O professor Rizzatto Nunes[7] nos ensina que o fornecedor é gênero do qual o fabricante, o produtor, o construtor, o importador e o comerciante são espécies, e que, quando a lei consumerista quer que todos sejam obrigados ou responsabilizados, usa o termo “fornecedor” e, quando quer designar algum ente específico, utiliza-se de termo designativo particular: fabricante, produtor, etc.

O conceito de fornecedor abrange todas as pessoas físicas ou jurídicas e também os chamados entes despersonalizados, como a massa falida, o espólio, e os camelôs (pessoas jurídicas de fato).

2.3. Conceito de produto

Seguindo o conceito contemporâneo, o CDC ao invés de falar em bem ou coisa, nos moldes do Código Civil, fala de “produto” (e depois fala em serviço).  

No § 1° do art. 3° o CDC definiu o conceito de produto: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Pela leitura deste conceito nota-se que a preocupação maior da lei é garantir que a relação jurídica de consumo esteja assegurada para toda e qualquer compra e venda realizada, por isso fixou os conceitos mais genéricos possíveis (qualquer bem móvel, imóvel, material, imaterial).

As atividades bancárias (mútuo, aplicação em renda fixa, caução de títulos, etc.) são tidas como “produtos” que esse encaixam na definição de bens imateriais.[8]

Com relação aos produtos há ainda a questão de sua durabilidade. Os incisos I e II do artigo 26 do CDC expressam a divisão dos produtos em duráveis e não duráveis. Produto durável é aquele que não se extingue com o uso, leva tempo para se desgastar. Já o produto não durável é aquele que se extingue com o uso.

2.4. Conceito de serviço

O CDC define no § 2° do artigo 3° o conceito de serviço, buscando apresentá-lo da forma mais completa possível: “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Importante destacar que a enumeração do referido dispositivo de lei é exemplificativa, realçada pelo pronome “qualquer” e assim, como bem diz a lei, serviço é qualquer atividade fornecida ou, melhor dizendo, prestada no mercado de consumo.

3. PUBLICIDADE E CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Na Constituição Federal de 1988 não há capítulo reservado ao tema, mas há diversos dispositivos ligados direta e indiretamente ao tema publicidade.

O artigo 220 da Constituição Federal trata das normas relativas à comunicação social dispondo que: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

E no parágrafo 2° do referido artigo encontra-se a afirmação de que: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

O inciso IX do artigo 5° determina que: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

A publicidade, por definição, é uma atividade informativa, mas atualmente não é essa a sua função principal, vez que sua principal característica é a persuasão, com o objetivo de estimular o consumo. Ressalte-se a opinião de Wilson Carlos Rodycz[9], de que a publicidade não é um genuíno e precípuo produto de expressão intelectual ou artística, que são as atividades e ações protegidas nos dispositivos constitucionais, embora possa ter maior ou menor carga de criatividade artística, e contenha comunicações sobre o produto para, assim, melhor atingir sua finalidade. Assim, a atividade publicitária não se inclui entre aquelas que a Constituição Federal considerou incensuráveis no inciso IX do artigo 5°.

De acordo com o artigo 5° caput da Constituição Federal, a liberdade é inviolável, devendo ser entendida de forma ampla, ou seja, abrangendo toda e qualquer liberdade, inclusive a do consumidor na escolha do produto ou serviço.

Os incisos XXXII e XXXV do artigo 5° da Carta Magna, prevêem, respectivamente, o direito dos consumidores, e a apreciação de toda e qualquer ameaça a direito pelo Poder Judiciário.

Com o objetivo de preservar a justiça social e a dignidade da pessoa humana, a publicidade encontra seu limite dentro da própria Constituição Federal ou em leis infraconstitucionais.

No inciso II do §3º do artigo 220 da Constituição Federal há previsão de que compete à lei federal estabelecer os meios que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem os princípios previstos no artigo 221, dentre os quais destacamos a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura e respeito aos valores éticos e sociais, e também da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

De acordo com o disposto no § 4° do artigo 220 da Constituição Federal, a propaganda comercial (publicidade) de bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias está sujeita às restrições legais, devendo sempre conter advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso [10].

O artigo 170 da Constituição Federal trata da Ordem Econômica que se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com vistas à assegurar a existência digna e justiça social, observados, entre outros, os princípios da livre concorrência e o da defesa do consumidor.

A expressão "livre iniciativa" define que a economia praticada no país é a capitalista, na qual cada um pode exercer sua atividade visando o lucro. Ocorre que essa liberdade de exercício da atividade lucrativa encontra limitação no interesse público, devendo assim o Estado estabelecer o equilíbrio entre o capitalismo e a justiça social, pois embora a livre iniciativa seja um fundamento da ordem econômica, seu exercício não pode prejudicar outros valores estabelecidos.

Já a livre concorrência é uma manifestação da livre iniciativa, assegurando aos agentes econômicos a faculdade de conquistar clientela, disputando espaços no mercado de consumo por meio da utilização de meios legais, dentre eles a publicidade. A concorrência leal visa preservar o mercado, protegendo comerciantes e fabricantes e também os consumidores.

Assim, as normas constitucionais que tem por objetivo regulamentar o mercado são aquelas que proíbem a concorrência desleal, protegem o consumidor, bem como as predispostas à proteção de valores como a informação, a autodeterminação, a saúde e a propriedade. São normas limitadoras do exercício da publicidade, impondo a todos o dever de respeito e eivando de ilicitude qualquer conduta incompatível.

4. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PUBLICIDADE

Podemos apontar os seguintes princípios básicos informadores das regras jurídicas sobre publicidade, dentre outros destacados pela doutrina: princípio da identificação da publicidade, princípio da vinculação contratual da publicidade, princípio da veracidade da publicidade, princípio da não-abusividade da publicidade, princípio da inversão do ônus da prova, princípio da transparência da fundamentação da publicidade, princípio da correção do desvio publicitário e princípio da lealdade publicitária.

4.1. Princípio da identificação da publicidade

No artigo 36, caput do Código de Defesa do Consumidor encontra-se a previsão do princípio da identificação da publicidade: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”.

O Código de Auto-Regulamentação Publicitária também se manifesta nesse sentido, ao tratar da identificação da publicidade: “Art. 28. O anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou seu meio de comunicação”.

Mais claramente, quanto ao anunciante, dispõe no artigo 29 que: “O anunciante será sempre claramente identificável, seja pela marca do produto, seja pelo nome do fabricante, fornecedor ou distribuidor, exceção feita ao previsto no parágrafo único do art. 9°”. [11]

Dispõe ainda em seu artigo 30 que: “A peça jornalística sob forma de reportagem, artigo, nota, texto-legenda ou qualquer outra que se veicule mediante pagamento deve ser apropriadamente identificada para que se distinga das matérias editoriais e não confunda o consumidor”.

Pela leitura dos referidos dispositivos pode-se observar que o Código de Auto-Regulamentação Publicitária faz profunda referência ao dever do veículo de comunicação de divulgar a mensagem publicitária de maneira identificável e própria.

O fornecedor deve veicular a publicidade de seus produtos e serviços de forma clara e inteligível, de modo que o consumidor perceba que está diante de um anúncio publicitário.

Assim, este princípio veda a publicidade clandestina, a subliminar e o merchandising oculto ou disfarçado, pois seu objetivo é que, embora o consumidor seja atingido pela publicidade, perceba-a como tal. Ou seja, a mensagem publicitária deve estar livre de qualquer disfarce ou truque publicitário e somente será lícita quando o consumidor puder identificá-la.

4.2. Princípio da vinculação contratual da publicidade

O princípio da vinculação contratual da publicidade encontra-se previsto no artigo 30 do CDC, que dispõe:

Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Por este princípio entende-se que toda publicidade integra o contrato que eventualmente vier a ser celebrado com os consumidores.

Significa dizer que, sempre que for apresentado um produto ou serviço com determinadas características ou qualidades, tais elementos deverão fazer parte dele, pois existe força vinculante na mensagem publicitária.

A vinculação contratual da mensagem publicitária enseja o direito do consumidor de pleitear e exigir do fornecedor o seu integral cumprimento. Em outras palavras, aquele que ofertar um produto ou serviço, estará obrigado a contratar com observância do que foi anunciado.

Conforme os bons ensinamentos de Alberto do Amaral Júnior:

(...) a ausência de força vinculante da mensagem publicitária comportaria a possibilidade da prática de incontáveis abusos. O fornecedor poderia lançar mão de quaisquer artifícios para seduzir os consumidores sem qualquer responsabilidade em relação ao que anunciou. [12]

Não há qualquer ressalva que possa desobrigar o fornecedor da obrigação, nem mesmo a boa-fé, pois a oferta sempre obriga o ofertante.

Assim, o fornecedor é obrigado a dar cumprimento ao conteúdo da mensagem publicitária, e, se isto não ocorrer, o consumidor poderá escolher uma dentre três opções que o art. 35 do CDC coloca à sua disposição, quais sejam: a) exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; b) aceitar outro produto ou prestação de outro serviço equivalente; c) rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada e perdas e danos.

4.3. Princípio da veracidade da publicidade

Consagrado no artigo 37 do CDC, é um dos princípios mais importantes, vez que proíbe a publicidade enganosa. Para evitar que o consumidor seja enganado, a publicidade deve ser verdadeira, correta e honesta, seguindo os ditames legais, e o que estiver sendo anunciado deve ser real.

O artigo 1° do Código de Auto-Regulamentação Publicitária estabelece que: “Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve ainda ser honesto e verdadeiro”.

Conforme nos esclarece Rizzatto Nunes[13], o anúncio publicitário não pode faltar com a verdade daquilo que anuncia, de forma alguma, nem por afirmação e nem por omissão e também não deve manipular frases, sons ou imagens para iludir o destinatário do anúncio.

Neste sentido a jurisprudência estabelece que:

É certo que a lei impõe ao fornecedor o dever de lealdade: deve informar corretamente a verdade ao consumidor; não pode enganá-lo. A veracidade deve pautar toda a forma de comunicação entre o fornecedor e o consumidor. Toda a informação sobre o produto deve ser autêntica. [14]

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A mensagem publicitária deve estar embasada em dados comprováveis e verdadeiros que não sejam capazes de induzir o consumidor em erro quanto ao conteúdo ou desempenho do objeto da campanha publicitária, pois a veracidade da mensagem publicitária é ponto imprescindível para a proteção do consumidor.

4.4. Princípio da não-abusividade da publicidade

O artigo 37, § 2° do CDC determina o conceito de publicidade abusiva e, neste mesmo dispositivo de lei, está inserido o princípio da não-abusividade da publicidade. Seu objetivo é reprimir os desvios e abusos contidos na mensagem publicitária e que são prejudiciais aos consumidores.

O princípio da não-abusividade “é aquele que informa a publicidade, de maneira que ela não deva atingir valores subjacentes à relação de consumo, que não estão diretamente ligados àquele ato de consumir, mas ao apelo que leva o consumidor a se interessar pelo produto ou serviço”. [15]

Ao contrário do que se dá com a publicidade enganosa, a abusiva não afeta diretamente o bolso do consumidor, mas agride valores e conceitos morais que são tidos como importantes pela sociedade, como por exemplo, o respeito à criança, ao meio ambiente, à sensibilidade e à segurança do consumidor.

4.5. Princípio da inversão do ônus da prova

O princípio da inversão do ônus da prova encontra-se consagrado no artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”.

Tal princípio decorre dos princípios da veracidade e da não-abusividade da publicidade, bem como do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

Conforme nos adverte Carlos Alberto Bittar:

(...) trata-se de ação tendente a instruir, ilegitimamente o consumidor, a respeito de bens ou serviços oferecidos, condicionando o seu comportamento para a respectiva aquisição ou fruição; daí por que se desloca para o patrocinador o ônus da prova da veracidade e da correção da informação ou da comunicação publicitária (art. 38). [16]

Na inversão do ônus da prova em matéria publicitária, a verossimilhança da alegação é obrigatória e independe da discricionariedade do juiz, diferentemente do que ocorre na inversão estabelecida no artigo 6°, VIII do mesmo Código, que tem a verossimilhança da alegação e a hipossuficiência do consumidor como pressupostos para ser aplicada.

Ocorrendo lesão ao consumidor por publicidade enganosa, é o fornecedor quem deverá provar que não teve culpa por tal ato. O fornecedor deverá provar sua não culpa, ou seja, provar não ter feito a publicidade enganosa, assim considerada pelo consumidor, demonstrando que o produto de fato possui as qualidades anunciadas.

Assim, o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou publicidade passa a ser do fornecedor que a patrocinou, constituindo assim, um freio à abusividade na mensagem publicitária e, conseqüentemente, deixando o consumidor menos vulnerável.

4.6. Princípio da transparência da fundamentação

Para anunciar seus produtos e serviços o fornecedor tem ampla liberdade. Entretanto, a mensagem publicitária anunciada deve ter base em elementos fáticos, científicos e técnicos, ou seja, deve ser fundamentada. A ausência de tais dados implica em infração ao princípio da transparência da fundamentação publicitária, expresso no artigo 36, parágrafo único do CDC.

Segundo observa Marcio Mello Casado, “a publicidade deve conter informações suficientes para esclarecer ao consumidor os elementos básicos que irão fundamentar a eventual formação segura e satisfatória de um contrato que atenda a seus interesses econômicos”. [17]

Por este princípio busca-se a possibilidade de tornar a relação contratual entre o fornecedor e o consumidor sincera e menos danosa. Em outras palavras, a transparência da fundamentação da publicidade significa a prestação de informação correta sobre o produto ou serviço, sobre o contrato a ser celebrado.

O descumprimento deste princípio, além de ensejar repercussão cível e administrativa, tipificará também o ilícito penal previsto no artigo 69 do Código de Defesa do Consumidor.

4.7. Princípio da correção do desvio publicitário

O princípio da correção do desvio publicitário consiste na amenização dos efeitos produzidos por uma publicidade ilícita, já que não existe reparação ou volta ao estado anterior ao anúncio publicitário.

Ocorrendo desvio na publicidade, além da reparação civil e da repressão administrativa e penal, há ainda a imposição da contrapropaganda, conforme o disposto no artigo 56, XII do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Ceneviva, define-se a contrapropaganda como sendo a “punição imponível ao fornecedor de bens ou serviços, consistente na divulgação publicitária esclarecedora do engano ou do abuso cometidos em publicidade precedente do mesmo fornecedor”. [18]

Havendo a imposição da contrapropaganda, o infrator é obrigado a anunciar a mensagem corretiva às suas próprias custas, com as mesmas características empregadas e no mesmo veículo de comunicação utilizado, com conteúdo suficiente para anular ou ao menos desmentir a mensagem enganosa anteriormente anunciada.

O § 1º do artigo 60 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que, com vistas a desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva, a contrapropaganda deverá ser divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão, e de preferência no mesmo veículo, local, espaço e horário.

4.8. Princípio da lealdade

Em termos gerais, o princípio da lealdade significa que a publicidade deve ser feita de forma respeitosa com relação ao consumidor e à concorrência. Busca-se a proteção entre os fornecedores.

O Código de Defesa do Consumidor trata do princípio da lealdade claramente em seu artigo 4°, inciso VI:

coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores.

Também no conteúdo do artigo 4° do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária encontramos a regra em questão: "Todo anúncio deve respeitar os princípios de leal concorrência geralmente aceitos no mundo dos negócios".

5. PUBLICIDADE E A LEI N° 8.078/90 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)

A Lei n° 8.078/90, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor e buscando protegê-lo da melhor forma possível, deu grande atenção ao tema da publicidade, reservando parte do Capítulo V (Das Práticas Comerciais) para tratar da publicidade.

O Código de Defesa do Consumidor criou duas categorias de publicidade nociva, a enganosa e a abusiva, que são proibidas expressamente por força do disposto no “caput” do artigo. 37: “É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”.

Necessário frisar que a publicidade regrada pelo CDC poderá ser apenas aquela que incita ao consumo de bens e serviços.

5.1. Publicidade enganosa

No âmbito da publicidade o princípio mais importante é o da veracidade, segundo o qual a mensagem deve ser veiculada apenas com informações verdadeiras.

Entretanto, é comum que na formulação da publicidade existam informações que não são totalmente verdadeiras, a fim de influenciar o consumidor a comprar determinado produto ou serviço. O Código de Defesa do consumidor, atento a essa realidade, tornou proibida a publicidade enganosa no parágrafo 1° do artigo 37.

Será considerada enganosa a publicidade que, veiculada por qualquer meio de comunicação, contenha informações completa ou parcialmente falsas, ou quando não trouxer informações essenciais, caracterizando, assim, a publicidade enganosa por omissão, capaz de levar o consumidor a erro sobre os elementos dos produtos ou serviços oferecidos por meio da publicidade.

5.2. Publicidade abusiva

A publicidade abusiva é proibida, em respeito ao princípio da legalidade e é definida no § 2° do artigo 37 do CDC. Está relacionada à forma de abordagem do consumidor, à forma como a mensagem publicitária é transmitida.

No Código de Defesa do Consumidor há rol exemplificativo de situações que caracterizam o abuso na publicidade, cabendo ao aplicador da lei decidir em cada caso concreto se determinada prática constitui ou não publicidade abusiva.

Ao vedar a publicidade abusiva, o CDC pretendeu coibir a prática publicitária atentatória às regras morais, aos bons costumes, aos direitos e às liberdades individuais.

5.3. Ônus da prova na publicidade

A inversão do ônus da prova na publicidade, prevista expressamente no art. 38 do CDC, se dá de maneira diversa da que ocorre na hipótese do artigo 6°, VIII do CDC, na qual cabe ao juiz decidir pela inversão do ônus da prova se for verossímil a alegação ou hipossuficiente o consumidor.                  

Dispõe o artigo 38 que: “o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”.

Ou seja, “em qualquer disputa na qual se alegue enganosidade ou abusividade do anúncio, caberá ao anunciante o ônus de provar o inverso, sob pena de dar validade ao outro argumento”.[19]

Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência:

No sistema adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, como ressalta do insculpido em seu artigo 38, o encargo probante acerca da veracidade e correção de promoções feitas por estabelecimentos comerciais incumbe, com exclusividade, àquele que as patrocinam, ou seja, aos próprios estabelecimentos comerciais, não mais sendo da responsabilidade do consumidor. [20]

A regra do artigo 38 compõe um conjunto com a regra do artigo 36, segundo o qual “o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”.

Significa dizer que não basta que a mensagem veicule a verdade. É necessário também que a prova da veracidade da informação veiculada seja mantida em arquivo para eventual checagem e averiguação.                         

5.4. Controle da publicidade

Como fenômeno social que é, a publicidade não pode ser proibida, mas apenas controlada, regrada, para que se estimule o consumo de bens e serviços, de forma sadia, sem abusos.

O objetivo desse controle é proteger os consumidores de informações falsas, imprecisas, que não especificam corretamente a quantidade, qualidade e preço dos produtos e serviços oferecidos no mercado, coibindo os efeitos nocivos da publicidade ilícita na sociedade.

5.5. Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - CONAR

O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) é uma associação civil, criada em 1980, com sede em São Paulo e representação nos demais Estados, formada por agentes do mercado publicitário, como anunciantes, agências e veículos que aderiram espontaneamente ao órgão.

O quadro social do CONAR é constituído por entidades representativas das agências de publicidade, dos veículos de comunicação e dos anunciantes, além de diversas agências de publicidade, veículos de comunicação, anunciantes, fornecedores da indústria de propaganda, e ainda por entidades privadas de âmbito nacional dotadas de personalidade jurídica e que objetivam a defesa do consumidor.

O CONAR possui um conselho de ética, dividido em câmaras encarregadas de apreciar as infrações ao seu código, recebendo denúncias de consumidores, autoridades, associados ou mesmo de sua diretoria, em face de qualquer empresa do mercado publicitário. No caso de não haver conciliação e a denúncia ser julgada procedente, o CONAR aplica sanção administrativa que, apesar de não ter coerção legal, apresenta uma forte coerção ética.

O Conselho de Ética do CONAR tem competência para imposição de sanções de quatro categorias: advertência, recomendação de alteração ou correção do anúncio, recomendação de suspensão da veiculação e a divulgação da posição do CONAR.

A penalidade mais branda é a advertência, aplicada aos anúncios que, embora infrinjam as disposições do código, não são potencialmente nocivos aos consumidores ou à atividade publicitária.  Podemos citar como exemplo a publicidade veiculada pelas Casas Bahia – “1° pagamento só em abril”, que obteve a seguinte advertência do CONAR:

O diretor executivo do CONAR aponta que comercial de Tv das Casas Bahia traz informações inadequadas no que se refere ao preço e às formas de pagamento dos produtos oferecidos, pois enfatiza somente o valor da parcela, omitindo dados sobre o número de parcelas e valor total dos produtos à vista e a prazo. A defesa alegou que, devido à apresentação e ao tempo reduzido da peça, a anunciante é obrigada a dar mais destaques para determinados elementos das promoções oferecidas, mas que os comerciais apresentam em lettering os preços á vista e a prazo, bem como o número de parcelas. Os membros do Conselho de Ética consideraram que as informações básicas indispensáveis podem estar presentes nas peças, mas não de forma que garanta sua perfeita compreensão e leitura. Acordaram, por isso, pela advertência ao anunciante, para que esses cuidados sejam observados em todos os seus comerciais.[21]

A recomendação de alteração ou correção de anúncio é a penalidade imposta pelo CONAR nos casos em que a mudança na forma da publicidade é suficiente para atender às disposições do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.

Citemos como exemplo a representação contra a publicidade “Tim - Tarifa Zero Brasil”, na qual foi proferida a seguinte decisão:

A Embratel questiona anúncios em mídia impressa e rádio da Tim que afirmam que, com o serviço corporativo "Tarifa Zero Brasil" da Tim, o consumidor fará com que "seus funcionários de qualquer lugar do país "falem de graça entre si. Segundo a queixa, o anúncio dá a entender que o serviço oferece ligações locais e interurbanas gratuitamente, informação inverídica, visto que o consumidor tem que pagar a mensalidade. A defesa alegou que a própria Embratel já usou o mesmo recurso com as expressões "grátis" e "tarifa zero" em suas campanhas e que as peças trazem todas as informações necessárias para o consumidor sobre o serviço oferecido.

Em seu parecer o relator considerou que o uso da palavra "grátis" e seus sinônimos, como "tarifa zero", exigem total transparência do anunciante quanto à verossimilhança da oferta. Dessa forma, recomendou a alteração da peça para que ela esclareça de forma evidente e direta a oferta e suas ressalvas. O voto foi aceito por unanimidade pelos membros do Conselho de Ética.[22]

A terceira penalidade mais eficiente prevista no Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária é a recomendação aos veículos de comunicação no sentido de que sustem a divulgação da publicidade, quando a afronta ao código é tão grave que apenas a proibição da veiculação do anúncio se mostra capaz de tutelar adequadamente os interesses prestigiados pela auto-regulamentação publicitária.

Cite-se como exemplo a publicidade veiculada pela Schincariol – “Nova Schin - Os dermatologistas recomendam não tomar sol entre as 10h e as 16h. (Não saia do bar. São ordens médicas)”, que em Recurso Extraordinário obteve a seguinte decisão do CONAR:

Por maioria de votos, a plenária do Conselho de Ética manteve a decisão de segunda instância pela sustação definitiva de anúncio de mídia impressa da Schincariol. A peça foi questionada pela Ambev, alegando que a mensagem contém apelo ao consumo, o que é agravado pelo fato de ser transmitida como se estivesse sendo recomendada por um médico. A Schincariol se defendeu alegando que a frase questionada é apenas bem-humorada e criativa, não tendo a intenção de promover o consumo irresponsável. Mas os membros do Conselho de Ética entenderam que a peça induz ao consumo abusivo.[23]

A divulgação da posição do CONAR, relativamente ao anunciante, agência ou veículo, devido ao não acatamento de suas decisões, é a sanção mais grave, reservada àqueles que, submetidos às deliberações do CONAR não lhe dão o devido cumprimento.

Os processos instaurados no CONAR são regidos pelos princípios do contraditório, da ampla defesa, da celeridade, da simplicidade e da proibição da censura prévia, havendo previsão para decisões liminares e duas instâncias de recursos.

Verifica-se que a imposição dessas sanções tem caráter meramente moral, já que o CONAR não pode determinar que a publicidade infratora deixe de ser veiculada. Os atos do CONAR não têm efeitos vinculativos, podendo-se dizer que são apenas recomendações, conselhos, opiniões ou pareceres, destituídos de força cogente.

O CONAR apresenta como finalidade maior zelar pela aplicação do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária.

Quanto ao sistema de controle da publicidade há divergência doutrinária. Alguns defendem a tese de que, por não ter força cogente, o controle feito pelo CONAR é inócuo, e que, portanto tem-se apenas o controle legal, feito pelo Código de Defesa do Consumidor.

Mas a grande maioria entende que há na verdade um sistema misto de controle da publicidade, dentre eles o professor Nelson Nery Júnior que defende que temos um “sistema misto, que nos parece o ideal, de controle da publicidade: controle legal (CDC) e controle privado (CONAR). As duas formas de controle sobrevivem e são compatíveis entre si”. [24]

De qualquer modo, não se pode deixar de observar que apesar de não ter força cogente em suas deliberações, o CONAR efetivamente auxilia no controle da publicidade, pois muitas vezes os anunciantes acabam atendendo à estas deliberações para preservar a imagem de seu produto ou serviço no mercado e perante os consumidores em geral.

5.6. Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária - CARP

No Brasil, a auto-regulamentação publicitária é uma iniciativa dos próprios agentes envolvidos, para disciplinar a atividade econômica do setor. Seu documento informativo fundamental é o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária - CARP, que é um conjunto de normas de caráter privado, aprovado por entidades representativas do mercado publicitário.

Esse documento intencionava a enumeração e a manutenção das normas éticas no setor publicitário, repudiando toda espécie de publicidade enganosa ou abusiva, sendo que seu objetivo principal era criar regras de interesse da própria atividade econômica, evitando que um grande número de anúncios enganosos ou agressivos comprometessem a credibilidade e eficiência da publicidade como um todo.

No Código de Auto-Regulamentação Publicitária temos os preceitos básicos que definem a ética na publicitária: todo anúncio deve ser honesto e verdadeiro e respeitar as leis do país; deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais; deve respeitar a atividade publicitária e não desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta.

Importante frisar que “é necessário interpretarmos o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária nos exatos termos do Código de Defesa do Consumidor”. [25]

O consumidor tem seus direitos protegidos de forma indireta, considerando que a razão do sistema de auto-regulamentação publicitária é o controle do desenvolvimento da publicidade, objetivando preservar o seu extraordinário potencial econômico.

O Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária reconhece em seu artigo 2° que:

Todo anúncio deve ser preparado com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar, de forma depreciativa, diferenciações sociais decorrentes do maior ou menor poder aquisitivo dos grupos a que se destina ou possa eventualmente atingir.

Os profissionais da área são moralmente responsáveis pela publicidade que influencia as pessoas a se comportar de determinada forma. E por reconhecerem que a publicidade exerce forte influência cultural na sociedade, recomendam que a mesma deve ser criada e produzida por agências e profissionais sediados no Brasil. 

Recomendam ainda que a publicidade deve ser veiculada segundo os padrões compatíveis com a média dos costumes aceitos pela sociedade.

O Código de Auto-Regulamentação Publicitária funciona muito bem em âmbito interno, conferindo os contornos éticos que devem ser acatados pelos profissionais da área.

6. DA PUBLICIDADE ENGANOSA

6.1. Conceito

É notório que o objetivo principal da publicidade é induzir à compra, e por este motivo, deve ser pautada nos princípios básicos que norteiam as relações entre fornecedores e consumidores.

Com intenção de proteger a livre e correta manifestação da vontade do consumidor, e para evitar que este pratique um ato jurídico com vício de consentimento, o Código de Defesa do Consumidor proíbe a publicidade enganosa em seus parágrafos 1° e 3° do artigo 37.  Dispõe o parágrafo 1° que:

(...)

§1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Os consumidores são afetados pela publicidade enganosa, pois esta incide diretamente na decisão do consumidor, levando-o a adquirir produtos e serviços que, se estivesse com a informação completa, possivelmente não compraria, o que prejudica outras empresas que veiculam suas publicidades de maneira lícita, afetando assim a saúde do próprio mercado.

A tutela para proteger o consumidor contra a publicidade enganosa compreende todo e qualquer dado relevante ao produto ou serviço.

Conforme nos esclarece Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin[26], para que se caracterize a publicidade enganosa não é necessária a intenção de enganar por parte do anunciante, sendo irrelevante sua boa ou má-fé, pois sempre que o anúncio for capaz de induzir o consumidor em erro, mesmo que não seja esta a vontade do anunciante, ficará caracterizada a publicidade enganosa.

Quanto ao potencial de indução em erro dos anúncios publicitários, a jurisprudência estabelece que:

Em relação à capacidade de indução em erro, o mérito da questão deve ser analisado a partir da propaganda e da análise do consumidor médio. Por consumidor médio compreende-se que a indução em erro não depende só do anúncio, mas também das condições de quem recebe, busca-se um critério para medir sua nocividade. Muitas vezes, tal critério é conhecido como padrão, o chamado consumidor médio, com evidente analogia a homo medis ou ao bom pai de família, utilizados na clássica noção normativa de culpa. Enquanto na responsabilidade civil considera-se a pessoa do imputado, na publicidade o padrão é o contratado com o lesado.[27]

Se um anúncio tem mais de um sentido, basta que um deles seja enganoso para que a mensagem seja considerada ilícita. Ou seja, nas mensagens com múltiplos sentidos, se uma delas é falsa ou capaz de induzir o consumidor em erro, a publicidade será considerada enganosa.

Será considerada enganosa a mensagem que deixe de informar ou informe algo que possa induzir o consumidor em erro, assim também quando implicitamente divulgar informação diferente do significado real da mensagem.

A publicidade enganosa viola direitos básicos do consumidor, como a veracidade das informações publicitárias, imprescindíveis para que o consumidor faça sua escolha de forma livre e consciente; sua proteção contra a publicidade enganosa e abusiva; métodos comerciais coercitivos ou desleais; práticas comerciais abusivas (artigo 6º, incisos III e IV, CDC).

O mero controle da enganosidade e abusividade não é suficiente para a efetiva proteção do consumidor; é necessário também que os fornecedores cumpram o dever de informar ao consumidor completa e exatamente sobre os produtos ou serviços que deseja adquirir, para que faça sua escolha de forma consciente.

6.2. Falsidade e enganosidade

Para a configuração da publicidade enganosa não basta a simples veiculação de informações falsas. É necessário que a mensagem publicitária tida como falsa, por seu conteúdo ou forma de apresentação, induza os consumidores em erro.

Não se faz necessária correlação entre falsidade e enganosidade. Uma mensagem pode ser falsa e não enganosa, como também pode ser verdadeira, porém, enganosa. [28]

Esta situação ocorre frequentemente quando há omissão na mensagem publicitária de algum dado essencial ao conhecimento do consumidor, e que seria determinante para a aquisição do produto ou serviço. A mensagem falsa depende de um ato do fornecedor de informar qualquer dado que seja integral ou parcialmente falso, ou seja, é sempre comissiva.

Um exemplo de publicidade falsa é o de um remédio que não tem as qualidades anunciadas e não atinge o que foi prometido. [29]

A mensagem é considerada falsa quando não há correspondência entre as afirmativas nela contidas e a realidade. A falsidade tem ligação com a fantasia publicitária, considerando-se o limite das comunicações, exageradas, otimistas e humorísticas.

Se o anunciante não provar que o produto ou serviço tem as características indicadas na publicidade, restará clara a ilicitude do anúncio, vez que a prova da ocorrência da publicidade falsa independe de qualquer elemento subjetivo por parte do consumidor.  

Quanto à enganosidade, esta é aferida em abstrato, busca-se a capacidade de indução em erro, não se exigindo efetivo prejuízo sofrido pelo consumidor. Apenas o potencial enganoso da mensagem já é suficiente para caracterizar a ilicitude.

A potencialidade do erro pode estar relacionada com qualquer dado referente ao produto ou serviço, tais como; preço, natureza, quantidade, qualidade, dentre outros. 

O legislador deixa claro que o mais importante é o anúncio e não a pessoa que o produziu ou dele se aproveitou, ou seja, para caracterizar a publicidade enganosa não se exige a intenção de enganar do anunciante, sendo irrelevante sua boa ou má-fé.

6.3. Formas de veiculação da publicidade enganosa

Para atrair a atenção dos consumidores para seus produtos ou serviços, os fornecedores, por meio de seus publicitários, utilizam-se das mais diversas técnicas publicitárias.

As formas de veiculação da publicidade variam muito, sendo que na maioria das vezes, as mensagens publicitárias são carregadas de impacto visual, frases de efeito e afirmações parcialmente verdadeiras.

6.3.1. Chamariz

Uma das formas mais utilizadas é o chamariz, que é uma modalidade que não está atrelada ao produto ou serviço em si.

Exemplo clássico dessa técnica é o chamariz da liquidação. Determinada loja anuncia uma grande liquidação, para “queima de estoque”, com descontos bastante atrativos ao consumidor, e quando este chega à loja é informado de que a liquidação anunciada refere-se apenas a uma determinada prateleira ou a determinadas peças.

O chamariz também é utilizado por meio de malas diretas, anúncios em jornais, revistas, televisão, entre outros.

Temos que “o chamariz é, portanto, uma maneira enganosa de atrair o consumidor, para que ele, uma vez estando no estabelecimento (ou telefonando) acabe comprando algo”.[30]

De fato esta técnica muitas vezes funciona, pois, o consumidor, já estando no estabelecimento, sente-se constrangido por já estar ali e acaba comprando algo que não queria ou não precisava. 

6.3.2. Puffing

O puffing é a técnica publicitária da utilização do exagero, utilização de adjetivos exagerados, podendo ou não causar enganosidade.  Ocorre que o puffing (ou exagero) não está proibido nas hipóteses em que “o exagero é evidente e inofensivo e simultaneamente não possa enganar o consumidor”.[31]

Haverá hipóteses em que o puffing, apesar de utilizado para atrair o consumidor mais inocente, não será capaz de tornar o anúncio enganoso. É o que ocorre quando se diz que determinado produto ou serviço é o “mais gostoso”; possui “o melhor sabor”; ou que este é “o filme do ano”, etc, uma vez que esse tipo de afirmação depende de análise subjetiva de cada consumidor.

Nos termos do Código de Defesa do Consumidor o exagero só será liberado dos efeitos do princípio da vinculação (art. 30) quando não for suficientemente preciso para iludir o consumidor. Temos então que, “o exagero, mostrando-se capaz de induzir o consumidor em erro ou abusando dos valores sociais, presta-se à caracterização da publicidade enganosa e abusiva, mesmo quando não tiver ‘precisão suficiente’”. [32]

Porém, quando o puffing, podendo ser medido objetivamente, de fato não tiver correspondência com a verdade referente ao produto ou serviço, será considerado enganoso.

Assim, se o anúncio publicitário disser que determinado carro é o “mais econômico da categoria”, ou que aquela é “a pilha que dura mais”, ou que este produto é “o melhor do mundo”, terá que provar, pois a inversão do ônus da prova determina que o anunciante demonstre que esse tipo de alegações gerais sejam literalmente verdadeiras.                                                               

6.3.3. Subliminar

Normalmente a publicidade exerce seu poder de persuasão sobre o estado consciente da mente, mas pode também atuar diretamente no estado subconsciente (ou inconsciente), por meio de estímulos tão fracos e de tão curta duração que não seriam percebidos conscientemente.

Conforme conceitua Maria Elizabete Lopes Vilaça, publicidade subliminar:

É aquela que, através de mensagens visuais ou sonoras de pouca intensidade (p.ex., inserção de imagem em curtíssimo espaço de tempo) não chega a estimular a consciência, mas, mercê de sua repetição, logra registrar no subconsciente das pessoas a marca de certo produto. No momento da compra, essa marca arquivada no subconsciente aflora no nível da consciência, como se fosse uma opção espontânea do consumidor. [33]

A mensagem subliminar seria um meio de manipulação da vontade do consumidor, da qual, sob o ponto de vista jurídico, decorreria um ato nulo. A técnica da mensagem subliminar contraria frontalmente o princípio da identificação da publicidade (art. 36 “caput” do CDC).

6.3.4. Dissimulada

Considera-se publicidade dissimulada ou publicidade redacional, aquela disfarçada de reportagem. Muito comum nos meios impressos, podendo também ser encontrada nos meios eletrônicos.

A publicidade dissimulada “aparenta ser uma notícia isenta, revestida de objetividade, como se o órgão de divulgação que a transmite estivesse prestando uma informação ao público ou realizando uma simples reportagem”. [34]

Nem sempre a publicidade redacional feita pelo anunciante tem a intenção de dissimular. Muitas vezes a empresa pretende apenas transmitir uma informação ao público, como por exemplo, a inauguração de uma fábrica.

O empresário pode considerar mais interessante veicular a informação como notícia e não como publicidade. Não há impedimento a este tipo de conduta, desde que identifique a  mensagem como publicitária.

O caso dos testes de automóveis realizados pelas revistas especializadas é exemplo de transmissão de informação isenta ao público, ainda que mencione marcas e produtos.

Não pode ocorrer, porém, confusão entre matéria publicitária e matéria editorial. Aquilo que for publicidade deve ser cercado com a tarja de “informação publicitária”, e normalmente essa informação é paga.

6.4. Espécies de publicidade enganosa

A publicidade enganosa é gênero, do qual derivam duas espécies distintas: a publicidade enganosa comissiva (por ação) e a publicidade enganosa omissiva (por omissão).

Quanto à extensão da enganosidade, a publicidade enganosa pode ser total ou parcialmente falsa. Será considerada totalmente falsa quando o conjunto de informações for realmente falso. E será considerada parcialmente falsa quando no mesmo conjunto coexistirem algumas informações falsas e outras verdadeiras.

Ressalte-se que a existência de informações parcialmente corretas não faz com que a publicidade deixe de ser enganosa.

6.4.1. Publicidade enganosa comissiva

Ocorre publicidade enganosa por comissão, quando o fornecedor afirma algo que pode induzir o consumidor em erro, ou seja, faz afirmação que não corresponde à verdade dos fatos, e que é transmitida através de ato do fornecedor. Ou seja, a publicidade enganosa comissiva “decorre de um informar positivo que não corresponde à realidade do produto ou serviço. Afirma-se aquilo que não é”. [35]

Na parte final do § 1° do artigo 37 do CDC estão mencionadas as situações que visam induzir o consumidor em erro, e são relativas à natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem e preço do produto ou serviço.

Geralmente a publicidade enganosa comissiva ocorre em razão de preço, não apenas por informação falsa, mas também por cartazes que contém preço convidativo e ao lado, em letras minúsculas, quase imperceptíveis, consta a referência de parcelamento de duas ou mais vezes.

É comum também a ocorrência de oferta de um produto determinado por preço de outro similar, como por exemplo, a oferta de um aparelho de MP3 como se fosse MP4, que é um produto similar, porém mais caro que o outro, levando o consumidor em erro. Acerca deste caso, recentemente decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Devendo a atividade publicitária pautar-se na boa-fé, princípio orientador das relações de consumo, contendo o anúncio informações falsas, capaz de induzir em erro o consumidor, considera-se enganosa a publicidade que oferta produto pelo preço de outro. Caso em que a oferta de aparelho de MP3 como se fosse MP4 obriga o fornecedor, pelo princípio da vinculação contratual publicitária, ao cumprimento forçado da obrigação nos termos da publicidade. [36]

Uma outra forma freqüente de publicidade enganosa comissiva ocorre com os anúncios de agências de turismo que colocam ao lado da mensagem publicitária a foto de hotel ou paisagem que não corresponde ao oferecido ou ao local de destino.

Com relação aos anúncios direcionados às crianças (menores de 12 anos) deve-se ter maior atenção, pois a publicidade para crianças é, em regra, repleta de fatos que não correspondem à verdade, como o tamanho real dos brinquedos, funcionalidade e qualidade, dentre outros. São comunicações enganosas que terão influência sobre a vontade das crianças, gerando uma expectativa que será frustrada após a compra.

6.4.2. Publicidade enganosa omissiva

A publicidade enganosa por omissão revela-se quando o anunciante omite informação importante a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço ou quaisquer outros dados sobre os produtos ou serviços, que se conhecidos pelo consumidor influenciariam em sua decisão de compra, e provavelmente não o levaria a aquisição de tais produtos ou serviços.

Essa omissão tem sido freqüente na publicidade de telefonia em geral. Citemos o caso em que uma consumidora ajuizou ação contra a empresa Claro de telefonia móvel, sob a alegação de que foi enganada pela publicidade que divulgou a promoção “Fale de graça por 1 ano” – “De Claro para Claro, em ligações locais das 21h às 7h, por um ano”. De acordo com a consumidora, não foi possível utilizar o serviço porque estava com problemas para completar a ligação e o sinal do telefone não funcionava em determinados lugares.

A ação foi julgada improcedente, considerando que o não funcionamento do aparelho telefônico não enseja dano moral. Apelou a autora e o Tribunal deu provimento ao apelo, nos termos do voto do relator:

(...) ao adquirir o telefone, levada pelo fato de que assim teria direito a ligações gratuitas, a consumidora já foi induzida à compra, sem saber efetivamente que a operadora não teria condições de cumprir com a oferta.  Acaso tivesse ciência inequívoca de todas as circunstâncias talvez não tivesse adquirido aquele aparelho telefônico. Logo, de pronto já experimentou um prejuízo. Por ocasião da compra a autora já estava no prejuízo, pois só adquiriria o produto, certamente porque disporia das ligações. Aqui vê-se o engodo materializado. [37]

O Tribunal considerou a omissão da empresa relativa ao exato funcionamento do aparelho como publicidade enganosa por omissão, condenando a ré em indenização por danos morais, considerando a frustração da expectativa da consumidora sobre a utilização do serviço contratado e o sentimento de ter sido enganada.

O Código de Defesa do Consumidor dispõe no § 3° do artigo 37: “Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.

Ao contrário da publicidade enganosa comissiva, nesta modalidade somente a ausência de dados essenciais é reprimida, ou seja, só as informações essenciais são obrigatórias, sendo que “por essenciais entendam-se as informações que têm o condão de levar o consumidor a adquirir o produto ou serviço.”[38]

O vocábulo “dado essencial” compreende tudo aquilo que é indispensável, necessário e importante; desta forma, deve-se entender por essencial a informação ou dado cuja ausência influencie o consumidor em sua decisão de compra, bem como deixe de gerar um conhecimento adequado do uso e consumo do produto ou serviço.

O anúncio que deixa de informar ao consumidor que o que ele está vendo é uma simples imitação ou demonstração simulada de teste efetivamente efetuado pelo anunciante também peca por omissão. Isso ocorre de maneira mais corriqueira na publicidade por televisão, na qual o consumidor, diante de uma mera imitação, acaba sendo induzido, de modo enganoso a crer que o que vê é, de fato, teste ou experimento efetuado pelo fornecedor.

6.5. Responsabilidade civil

Até o advento da Lei de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fornecedor era regida pelo Código Civil, e a regra era a responsabilidade subjetiva, cabendo ao consumidor a prova da culpa ou dolo.

O Código de Defesa do Consumidor, porém, estabeleceu a responsabilidade objetiva como regra na relação de consumo.

De acordo com a regra da responsabilidade objetiva, o fornecedor responde independentemente de dolo ou culpa pelos danos causados aos consumidores, bastando a existência do dano e do nexo causal para que a responsabilidade objetiva esteja caracterizada, não se considerando o elemento subjetivo do fornecedor.

O fundamento da responsabilidade objetiva é a teoria do risco, segundo a qual o empreendedor já inclui no preço de seu produto ou serviço os custos do vício e defeito.

A responsabilidade civil traçada pelo CDC considera que os vícios e defeitos são inerentes ao mercado de consumo, ou seja, por mais cauteloso que seja o fornecedor, os vícios e defeitos sempre ocorrerão, assim, nada mais justo do que aquele que aufere o lucro arque também com o prejuízo.

Importante ressaltar que há uma exceção à regra da responsabilidade objetiva prevista pelo CDC referente aos profissionais liberais, que terão sua responsabilidade apurada mediante a verificação de culpa, conforme disposição do § 4°, artigo 14 do referido Código.

No que tange à publicidade enganosa, a indução em erro é verificada objetivamente, não se perquirindo a intenção do anunciante, levando-se em consideração apenas o seu resultado na ação e não a forma pela qual a publicidade foi elaborada.

6.5.1. Responsabilidade civil do fornecedor

A publicidade, que é normalmente veiculada pelo fornecedor, tem por objetivo criar ou estimular a procura pelo objeto a que se refere, veiculando em geral, uma publicidade de marca.

Forma-se uma relação direta entre fornecedor e consumidor, que se concretiza pelos atos de consumo dos produtos ou serviços ofertados. Em verdade, “o fabricante aparece hoje perante o mercado como o garantidor das qualidades do produto”. [39]

Com relação à publicidade enganosa, é pacífico o entendimento de que o fornecedor sempre é responsabilizado, uma vez que é responsável pela informação divulgada mediante qualquer espécie de meio de comunicação, pois neste caso vigora o princípio da vinculação do fornecedor à oferta e à publicidade, que integra o conteúdo de um eventual contrato que vier a ser celebrado (art. 30 do CDC).

Quanto às agências de turismo, fornecedoras que são, estas respondem pelo serviço prestado, ainda que este envolva terceiros. Assim têm decidido os tribunais:

As agências de turismo, como fornecedoras do serviço que se convencionou chamar de “pacote turístico”, são responsáveis pelos danos ocasionados pela má prestação de quaisquer dos serviços contratados, já que são as intermediárias de relação de consumo e o consumidor, ao contratar os seus serviços, está apenas aderindo a outros serviços que não são intermediados por ela.[40]

A responsabilidade do fornecedor-anunciante é certa. Dúvidas começam a surgir quanto à eventual responsabilização da agência de publicidade e do veículo de comunicação, onde há várias posições doutrinárias a respeito.

6.5.2. Responsabilidade civil das agências publicitárias e dos veículos de comunicação

Quanto ao alcance da responsabilidade da agência que produz a publicidade e do veículo que faz a sua divulgação, a lei do consumidor não é clara e por este motivo surgiram diversas posições sobre o assunto na doutrina.

Por solicitação do anunciante as agências preparam as mensagens que serão veiculadas em diversos meios de comunicação, criando a publicidade com base nos dados técnicos e científicos reportados pelo fornecedor.

Concluída a fase de criação, a agência submete o texto e todos os seus caracteres para aprovação do anunciante, e apenas em sendo aprovado o anúncio será divulgado.

No âmbito publicitário, o Código de Auto-Regulamentação Publicitária atribui ao anunciante a responsabilidade total pelo anúncio, mas menciona em seu artigo 45, itens “a” e “b” que: “a agência deve observar as normas de conduta e ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o cliente-anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência dos preceitos deste Código”.

Fábio Ulhoa Coelho[41] defende que a agência não tem nenhum tipo de responsabilidade civil e administrativa pela produção ou intermediação na veiculação da publicidade enganosa, pois nada é feito por ela sem a aprovação e conhecimento do anunciante e, por esse motivo a responsabilidade será unicamente do fornecedor/anunciante.

Defende ainda que o veículo de comunicação, não tem nenhum tipo de responsabilidade civil e administrativa pela transmissão de publicidade, uma vez que não exerce nenhum tipo de controle sobre o conteúdo do anúncio, sendo seu dever apenas o de informar a identificação do anunciante para aqueles que eventualmente desejarem reclamar.

Já para Senise Lisboa, “a responsabilidade será imputada em desfavor do veículo de comunicação cuja conduta demonstrar-se incompatível com o princípio da razoabilidade, que se encontra implícito em todo o microssistema instituído ela lei 8.078/90”. [42]

 Assim, quando houver veiculação de uma publicidade enganosa, é recomendável analisar se a agência de publicidade e o veículo de comunicação que divulgou a mensagem concorreram para o evento danoso da oferta publicitária enganosa, vez que deveriam conhecer e seguir os limites impostos pela lei, inclusive em razão do exercício constante de suas atividades, caso em que poderão responder solidariamente com o fornecedor/anunciante.

CONCLUSÃO

A publicidade possui dupla função na sociedade de massa: informar e estimular o consumo de bens e serviços, e de maneira geral, é benéfica ao consumidor que, por intermédio desta, tem conhecimento de novos produtos, podendo comparar preços e qualidade dos bens de consumo.

O fornecedor de produtos ou serviços procura sempre apresentar o seu produto como sendo o melhor, o mais barato, o mais eficiente, o mais seguro, o mais bonito, o mais moderno, e no afã de salientar as qualidades do produto ou serviço pode levar a distorções, prometendo muito mais do que aquilo que o produto ou serviço pode realmente oferecer.

Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor regulamentou as práticas comerciais que ocorrem antes, durante e depois do contrato de consumo, trazendo novas regras a fim de compatibilizar os procedimentos comerciais com a sociedade de massa.

Essa prática comercial não se confunde com a propaganda, pois visa estimular a circulação de produtos e serviços, devendo sempre pautar-se nos princípios previstos no CDC, enquanto que a propaganda é a simples propagação de idéias religiosas, políticas, filosóficas, e não comerciais.

O Código de Defesa do Consumidor, visando resguardar os benefícios da publicidade, protegeu os consumidores trazendo como respectivo direito básico a proteção contra a publicidade enganosa ou abusiva previsto no artigo 6°, inciso IV e no artigo 37 descreveu as condutas enganosas ou abusivas.

Com a entrada em vigor do CDC, vários aspectos da publicidade comercial passaram a ser juridicamente relevantes e foram estabelecidos diversos princípios, que deverão ser observados por aqueles que promovem a publicidade, dentre os quais pode-se destacar a identificação da publicidade, veracidade, transparência, lealdade e vinculação da mensagem publicitária.

Em desacordo com os princípios acima, surgiram as publicidades ilícitas, quais sejam, a publicidade abusiva, que é atentatória às regras morais, bons costumes, aos direitos e às liberdades individuais e a publicidade enganosa, que é a divulgação de mensagens que não são totalmente verdadeiras a fim de persuadir o consumidor a adquirir produtos ou serviços.

A publicidade enganosa pode se caracterizar por ação quando há efetivamente alguma informação que induza o consumidor em erro com relação ao produto ou serviço anunciado; ou por omissão, quando na mensagem não há menção de algum dado essencial para o consumidor.

Há discussão doutrinária quanto ao controle da publicidade. Alguns entendem que há apenas o controle legal, feito por meio do CDC e que o controle feito por órgãos privados é inócuo, por serem tais órgãos desprovidos de força cogente. Porém, a grande maioria entende que vigora o sistema misto de controle, no qual a publicidade é controlada pelo Poder Executivo, em decorrência do exercício do poder de polícia; pelo Poder Legislativo, por intermédio da elaboração de leis; pelo Poder Judiciário, em decorrência do exame das ações judiciais propostas, e simultaneamente, existe o controle auto-regulamentar exercido pelo CONAR, que verifica a adequação da publicidade ao Código de Auto-Regulamentação Publicitária.

Não é necessário que haja nenhum tipo de lesão aos consumidores para configuração da ilicitude, bastando apenas a veiculação da publicidade enganosa, capaz de induzir o consumidor em erro, considerando-se o público alvo da mensagem.

Ao consumidor vítima da publicidade enganosa é facultada a adoção de alguma das alternativas previstas no artigo 35 do CDC, quais sejam, a rescisão contratual, com perdas e danos; a aceitação pelo consumidor de outro produto ou serviço equivalente; ou a execução forçada do que foi anunciado na publicidade, observado o princípio da inversão do ônus da prova, previsto no artigo 38 do Código.

Com relação à responsabilidade civil decorrente da publicidade enganosa, é incontroversa a responsabilização do fornecedor anunciante. Porém, o CDC não é claro no que tange à eventual responsabilização da agência e do veículo de comunicação da publicidade, havendo na doutrina diversas posições sobre o assunto.

Dessa maneira, é diante do caso concreto que se deve verificar a possibilidade de responsabilizar ambos os sujeitos, tendo em vista um determinado controle  sobre esses, a fim de não prejudicar o mercado de consumo.

O controle legal instituído pelo CDC pretende deter o avanço abusivo das práticas publicitárias amplamente difundidas, fazendo com que a publicidade oriente o consumo, alertando o consumidor sobre o que há de melhor em qualidade e eficiência, resguardando-o de riscos, acidentes e perigos contidos nos produtos ou serviços disponíveis no mercado de consumo.

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Sobre a autora
Renata Pinheiro

Advogada graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, SP. Especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito - EPD. Inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção São Paulo desde março de 2008.

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Monografia apresentada à Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Direito.

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