Áreas consolidadas e mal compreendidas

30/06/2019 às 12:03

Resumo:


  • Áreas consolidadas foram definidas pelo Novo Código Florestal para resolver conflitos entre legislações ambientais anteriores e a atual, beneficiando principalmente pequenas propriedades e aquelas com exploração permitida anteriormente.

  • Essas áreas são importantes para evitar a criminalização de produtores rurais por não atenderem exatamente as metragens de preservação atuais, e há críticas quanto à atuação dos órgãos fiscalizadores que desconsideram o histórico das propriedades.

  • O conceito de área rural consolidada refere-se a áreas de imóvel rural com ocupação antrópica anterior a 22 de julho de 2008, incluindo atividades agrossilvipastoris e outras estruturas já existentes em áreas protegidas pelo Código Florestal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As chamadas áreas consolidadas das propriedades rurais surgiram no Novo Código Florestal com o principal objetivo de resolver conflitos ou lesões a direitos, diante da transição entre as legislações ambientais de 1965 e 2012.

As chamadas áreas consolidadas das propriedades rurais surgiram no Novo Código Florestal com o principal objetivo de resolver conflitos ou lesões a direitos, diante da transição entre as legislações ambientais de 1965 e 2012, principalmente para as pequenas propriedades e para aquelas em que a política agrícola da época permitia exploração, como é o caso do cerrado já citado no artigo anterior “Floresta não é bioma e cerrado não é floresta”. 

 

Pois bem, para o produtor rural, saber sobre as áreas consolidadas, atualmente, significa não apenas planejar de maneira correta sua propriedade rural, mas pelo que se tem visto da atuação dos órgãos fiscalizadores, significa não ser criminalizado por não possuir a exata metragem atual que determina o código florestal, seja para as áreas de preservação permanente, reserva legal ou área de uso restrito. 

 

Temos visto, com frequência, uma absurda falta de critérios dos órgãos fiscalizadores na geração de multas, autuações, embargos de área e distribuição de ações judiciais, como ação civil pública, ação penal e outras, sem qualquer atenção ao estudo de cada propriedade ao longo dos anos por meio do mapeamento e outros tipos de comprovação. 

 

E pior, em alguns casos, existe por parte da fiscalização, a contratação de empresas para geração de laudos utilizando mapeamentos, mas o problema persiste, a falta de compreensão das áreas consolidadas, determinando ‘à toque de caixa’, a demolição de residências, pesqueiros, galinheiros, qualquer estrutura agrosilvipastoril e tudo o que vier pela frente, principalmente nas áreas de preservação permanente. 

 

Como resultado, o sistema de consulta pública do SICAR¹ já apresenta no mapeamento geral, cerca de 45.816 imóveis sobrepostos com áreas embargadas, representando 46.557.271,80 de hectares por todo o país (apenas hipóteses sem associação direta com a referida conclusão). 

 

Em seguida, depois destas fiscalizações então, chegam os ‘convites’ para assinatura dos conhecidos termos de ajustamento de conduta (TAC), valendo o mesmo alerta da falta de compreensão das áreas consolidadas e principalmente do ‘Código Florestal na prática’, ou seja, deixando o texto da lei, onde se deve compreender as ferramentas criadas para regularização das propriedades rurais, o Cadastro Ambiental Rural, o Programa de Regularização Ambiental e os Termos de Compromisso que o próprio órgão ambiental dos estados haverá de convocar os produtores para assinar.

 

Enfim, o que são estas áreas consolidadas?

 

Segundo o Código Florestal de 2012, no art. 3º, IV que trata das terminologias, a área rural consolidada é aquela ‘área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio’, onde, antrópica leia-se com a ação do homem e pousio leia-se a possibilidade de interrupção temporária de atividades ou usos agropecuários, por no máximo 5 (cinco) anos, para possibilitar a recuperação da capacidade ou estrutura física do solo.

 

Portanto, são ‘consolidadas’, ou consideradas como um ato jurídico perfeito, aquelas intervenções realizadas nas áreas protegidas do Código Florestal, sem autorização do órgão competente, anteriormente à data de 22 de julho de 2008.

 

Apenas para acrescentar, esta data de 22/07/2008, foi quando surgiu o Decreto nº 6.514/08, que trata das infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações.

 

Quais são estas áreas?

 

Estas áreas podem estar presentes nas denominadas “áreas protegidas do Código Florestal”, ou seja, as áreas de Reserva Legal (RL), as Áreas de Preservação Permanente (APP) ou as Áreas de Uso Restrito (AURs).

 

Na Reserva Legal, como são consolidadas?

 

Através de duas permissões do Código Florestal (artigos 67 e 68), uma aplicável apenas para pequenas propriedades (até 4 módulos fiscais) que, antes de 22/07/2008 possuem remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao que determina a lei e outra para todos os tamanhos de propriedade, quando a lei da época era diferente da atual onde o percentual de reserva legal era estabelecido com outros critérios, ao exemplo do bioma cerrado citado no artigo anterior.

 

E na APP (Área de Preservação Permanente), como são consolidadas?

 

Através da mesma data limite de 22/07/2008, permitindo a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural (art. 61-A), com diferentes regras para recuperação destas áreas, onde se entende por ‘sistema agrosilvipastoril” aquelas “associações de árvores madeiráveis ou frutíferas com animais e sua alimentação, com ou sem a presença de cultivos anuais ou perenes [...] desde plantações florestais em larga escala, onde são introduzidos animais em pastoreio, até a criação de animais como complemento para sistemas de agricultura de subsistência” (Fiorillo & Ferreira, 2013, p. 169-171).

 

Portanto, ao produtor rural, a orientação é, cuidado com as recentes operações de fiscalização, mapeamentos e ações judiciais que se tem visto com evidente falta de compreensão das áreas consolidadas, valendo o mesmo cuidado antes da assinatura de termos de ajustamento de conduta (TAC), qualquer que seja o órgão fiscalizador, devendo ser apresentados os mapas e todo histórico de evolução da propriedade rural, o que hoje se pode obter em simples consulta a programas como o “Google Earth”.

 

Para que se tenha uma ideia de proporção das áreas consolidadas em alguns estados, somente no Mato Grosso estas áreas representam 32% da área do estado segundo análises realizadas pelo ICV – Instituto Centro de Vida, cujo mapeamento apontou a existência de 29,3 milhões de hectares destas áreas, ocupadas predominantemente por pastagem (61%) e agricultura anual (28%).

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Enfim, as áreas rurais consolidadas são importantes para a manutenção do ato jurídico perfeito, da função social da propriedade, tal como do uso racional e adequado de propriedades rurais que já haviam cumprido a legislação e não devem ser atualmente penalizadas por isto.


 

¹ http://www.car.gov.br/publico/tematicos/restricoes

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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