Uma nova união comercial

04/07/2019 às 11:45
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O ARTIGO DISCUTE DE FORMA RESUMIDA ASPECTOS DE RECENTE ACORDO ENTRE O MERCOSUL E A UNIÃO EUROPEIA.

Após 20 anos de negociações, Mercosul e União Europeia concluíram ontem um acordo para formar uma área de livre-comércio entre os dois blocos. A informação foi divulgada primeiro pelo ‘Estadão.com.br’. Ele prevê que, em até dez anos, 90% dos produtos exportados pelo Brasil entrarão no bloco europeu livre de tarifas de importação. Hoje, somente 24% das mercadorias enviadas aos europeus têm alíquota zero. Com isso, o Brasil e seus parceiros – Argentina, Paraguai e Uruguai – esperam ter vantagens frente a outros rivais e aumentar as vendas para o bloco.

Segundo o governo, o tratado permitirá ao Brasil que, em 15 anos, as exportações para o bloco aumentem em US$ 100 bilhões. Em 2018, o Brasil exportou US$ 42,1 bilhões para os 28 países que compõem a UE. O bloco é o segundo maior mercado para os produtos brasileiros no mundo, perdendo somente para a China.

O Ministério da Economia afirmou ainda que o acordo representará um incremento de até US$ 125 bilhões em 15 anos no PIB e permitirá a entrada de US$ 113 bilhões em investimentos no mesmo período.

Como acentuou Monica de Bolle, em sua coluna para o Estadão, no dia 3 de julho do corrente ano, o que é possível dizer é que a UE pretende eliminar as tarifas aplicáveis a 100% dos produtos industrializados provenientes do Mercosul por linha tarifária ao longo de 10 anos, e que o Mercosul fará o mesmo para 93% das linhas tarifárias dos manufaturados que exporta para a UE. Há uma exceção para veículos de passageiros que ainda não está bem detalhada, mas no geral pode-se dizer que o acordo abre o mercado europeu para a indústria brasileira. Isso é evidentemente bom, mas há também que se considerar que a indústria local padece de baixa competitividade. A abertura pode ajudar esses setores a se modernizarem. Há quem ache que o acordo poderia acelerar a desindustrialização brasileira. Para esses, lembro: muitas empresas europeias já estão no País e já competem diretamente com empresas locais.

Ainda segundo Monica de Bolle, no setor agrícola, o acordo parece favorecer mais a UE do que o Mercosul. Enquanto o Mercosul reduzirá tarifas em mais de 90% do que importa da UE, a UE diminuirá tarifas em 82% do que importa do Mercosul. Produtos como carne bovina, açúcar, etanol, dentre outros, estarão sujeitos a cotas no mercado europeu, além de toda a exportação agrícola ficar rigorosamente sujeita às regras sanitárias e fitossanitárias da UE, áreas em que o bloco segue padrão próprio.

Cerca de 60% da oferta do Mercosul sofrerá uma redução tarifária num prazo de 10 ou mais anos (máximo de 15).

Mais de 85% das exportações do Mercosul para o mercado da UE terão a eliminação imediata de tarifas.

Essas algumas das condições exigidas para que o país tenha o “selo” permitido para as negociações com a União Europeia.

É o maior acordo já assinado pela União Europeia. Atinge uma área geográfica de 773 milhões de pessoas, que perfazem um PIB de 19 trilhões de euros (ou US$ 21,7 trilhões), um comércio conjunto de bens avaliado em 88 bilhões de euros (ou US$ 100 bilhões) por ano e um comércio de serviços de 34 bilhões de euros (ou US$ 39 bilhões). Mas parece que agricultores europeus poderão ficar contra o acordo. Se não bastasse, os chamados verdes, naquele continente, que lutam pela causa ambiente, já manifestaram posição desfavorável.

Como informou a BBC, nos moldes atuais, o princípio de acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, anunciado na última semana, tem grandes chances de ser rejeitado no continente europeu. Deputados do Partido Verde na Alemanha, no Reino Unido e no Parlamento da UE, além da Associação Alemã de Agricultores, já se mobilizam nos bastidores para impedir a ratificação do documento.

Parlamentares verdes afirmaram à BBC News Brasil não confiar que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) vá cumprir os compromissos de proteção ao meio ambiente previstos no acordo – como implementar o Acordo Climático de Paris –, uma vez que trato com o Mercosul não prevê mecanismos legais para, de fato, punir o Brasil por desmatamento excessivo ou por violações de direitos humanos.

Agricultores alemães, por outro lado, falam em "injustiça" por terem que competir com produtos de "qualidade e custos de produção inferiores" vindos do Mercosul.

Para entrar em vigor, o acordo precisa passar por uma revisão legal de ambas as partes e pelo crivo dos parlamentos europeu e dos 28 países do bloco.

Do ponto de vista dos interesses do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), esse acordo, que dá acesso recíproco a um dos maiores mercados do mundo, tende a trazer volume importante de investimentos para os países do bloco. Espera-se, também, que o setor produtivo inteiro, e não só a indústria do Mercosul, se veja obrigado agora a se modernizar e a adotar padrões de qualidade de primeiro mundo. Aquele velho defeito de nascença da Fiesp e da Confederação Nacional da Indústria, de só buscar proteção e generosos subsídios do governo, perde espaço diante de um acordo de tamanha relevância. Se não ganhar competitividade e não se incorporar rapidamente às cadeias globais de produção, perderá fatias de mercado para produtores mais dinâmicos da Europa e continuará a se desidratar.

Trata-se, em verdade, de uma iniciativa histórica que insere o Brasil no âmbito de um comércio sem fronteiras, o que significa empregos, ingresso de recursos, desenvolvimento.

O acordo da União Europeia com os países do Mercosul deixa claro que os integrantes do pacto se comprometem a implementar o Acordo de Paris sobre o clima. Isto significa que o Brasil não poderá mais abandonar o acordo da ONU (Organização das Nações Unidas), como os Estados Unidos fizeram no ano passado. O documento traz ainda um capítulo dedicado ao desenvolvimento sustentável, abrangendo "questões como o manejo sustentável e a conservação de florestas, o respeito aos direitos trabalhistas e a promoção de uma conduta empresarial responsável", diz o comunicado europeu.

Decisivamente o Brasil abre as portas para o comércio mundial, dentro de um mundo sem fronteiras.

Mas, como disse Paulo Batista Jr., em artigo para a Folha de São Paulo, em 4 de julho de 2019, o acordo Mercosul-União Europeia segue, em larga medida, o modelo geral da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), lançada pelos Estados Unidos nos anos 90, que incluía todo um conjunto de normas detalhadas, nas áreas acima citadas, em troca de poucas vantagens comerciais nos Estados Unidos.

O risco que corremos é o de amarrar em acordo internacional, de forma irreversível ou difícil de reverter, toda uma série de políticas públicas essenciais para nosso desenvolvimento. Se o acordo for ratificado, o resultado será uma grande perda de soberania em troca de acesso adicional modesto a mercados europeus.

Outro risco agora é que os EUA e demais países desenvolvidos queiram fazer acordos semelhantes com o Mercosul para evitar que os europeus levem vantagem nos mercados do bloco sul-americano. À medida que isso ocorrer, ficará agravada a perda de autonomia na definição das políticas de desenvolvimento.

O acordo Mercosul-União Europeia segue, em larga medida, o modelo geral da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), lançada pelos Estados Unidos nos anos 90, que incluía todo um conjunto de normas detalhadas, nas áreas acima citadas, em troca de poucas vantagens comerciais nos Estados Unidos.

Ademais, a efetividade do acordo dependerá de uma série de medidas estruturais a serem tomadas pelo país.

Comemora-se, mas com moderação.

Para entrar em vigor, o acordo precisa passar por uma revisão legal de ambas as partes e pelo crivo dos parlamentos europeu e dos 28 países do bloco.

A matéria dependerá dos órgãos internos dos Estados envolvidos para a aprovação do tratado.

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O tratado é um acordo formal: ele se exprime, com precisão, em determinado momento histórico, e seu teor tem contornos bem definidos, como ensinou Francisco Rezek(Direito dos Tratados, 1984, pág. 22). A oralidade é não apenas destoante do modelo fixado em 1928, pela Convenção de Havana, e retomada em 1969 pela de Viena e desajustada ao sistema de registro e publicidade inaugurado pela Sociedade das Nações herdado pelas Nações Unidas, e assimilado, ainda por organizações regionais, como o Pacto da Liga dos Estados Árabes, artigo 17.

Fala-se que o tratado é um acordo concluído. De toda sorte, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, codificou o direito internacional consuetudinário referente aos tratados ao codificar normas costumeiras aceitas e eficazes e buscar harmonizar os procedimentos de elaboração, ratificação, denúncia e extinção de tratados. Tal Convenção entrou em vigor em 27 de janeiro de 1980. A Convenção adota como princípios o livre consentimento, a boa-fé e a norma de direito internacional pacta sunt servanda. Determina, ademais, que um Estado não pode invocar sua lei interna para justificar o descumprimento de um tratado de que seja parte.

Os tratados envolvem sujeitos de direito internacional público. Sujeitos de direito internacional público são os Estados independentes – aos quais se equipara a Santa Sé e ainda as organizações internacionais. Todo Estado independente, ainda que exíguo, frui capacidade para celebrar contratos. Mas a soberania não é um pressuposto dessa capacidade.

Os tratados devem ser objeto de ratificação na forma da Convenção sobre o direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais(19860, que não foi objeto de ratificação pelo Brasil:

1. O consentimento de um Estado em obrigar -se por um tratado manifesta-se pela

r atificação:

a) quando o tratado assim disponha expressamente;

b) quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores e as organizações negociadoras convencionaram a necessidade da ratificação;

c) quando o representante do Estado assine o tratado sob reserva de ratificação; ou

d) quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.

2. O consentimento de uma organização internacional em obrigar-se por um tratado manifesta-se por um ato de confirmação formal:

a) quando o tratado assim disponha expressamente;

b) quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores e as organizações negociadoras ou, se for o caso, as organizações negociadoras, convencionaram a necessidade do ato de confirmação formal;

c) quando o representante da organização assine o tratado sob reserva do ato de confirmação formal; ou

d) quando a intenção da organização de assinar o tratado sob reserva do ato de confirmação formal decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação.

3. O consentimento de um Estado ou de uma organização internacional em obrigar-se por um tratado manifesta se pela aceitação ou aprovação em condições análogas às aplicáveis à ratificação ou, se for o caso, ao ato de confirmação.

O artigo 15 da Convenção observa os chamados tratados por adesão:

O consentimento de um Estado ou de uma organização internacional em obrigar- se por um tratado manifesta-se pela adesão:

a) quando o tratado assim disponha expressamente;

b) quando por outra forma se estabeleça que os Estados negociadores e as organizações negociadoras ou, se for o caso, as organizações negociadoras convencionaram que este consentimento pode ser manifestado pela adesão; ou

c) quando todas as partes convencionaram posteriormente que este consentimento pode ser manifestado pela adesão

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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