Direito processual penal brasileiro: Das provas em espécie

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1 PROVA PERICIAL E EXAME DE CORPO DE DELITO

            Sob o ponto de vista processual penal, constitui perícia o exame realizado por um perito devidamente habilitado e capacitado sobre determinada área de conhecimento. Ou seja, é o exame realizado em algo ou alguém, por um especialista naquela área, que fará conclusões precisas para o processo penal. Desse modo, na ocorrência de um crime que deixe vestígios, a autoridade policial deverá determinar a realização do exame de corpo de delito, conforme dita o art. 6º, VII, do CPP, contudo, se não for realizado neste momento, poderá ser ordenado pelo juiz, de acordo com o art. 156 do mesmo diploma legal. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 388):

Exame de corpo de delito: é a verificação da prova de existência do crime, feita por peritos, diretamente, ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram. O corpo de delito é a materialidade do crime, isto é, a prova de sua existência.

            Insta salientar que todo o crime deve possuir prova de sua existência, pois tem de estar a materialidade delitiva devidamente explicitada para que haja a condenação do acusado. Entretanto, não são todos os delitos que possuem a materialidade visível, é e exatamente por conta disto que há a exigência do exame em questão. Portanto, é preciso haver esta inspeção pericial, com respectiva emissão do laudo descritivo, a fim de comprovar a materialidade do delito que não está propriamente visível aos olhos humanos, como, por exemplo, em caso de estupro, não basta olhar para a vítima para se ter a certeza de que sofreu tal agressão.


2 INTERROGATÓRIO DO RÉU

            Trata-se da oportunidade do réu em dirigir a palavra diretamente ao juiz, para descrever a sua versão dos fatos, podendo confirmar as acusações e, por consequência, confessar o delito, caso entenda cabível, ou, ainda, permanecer em silêncio, respondendo apenas aos dados de qualificação, como seu nome, idade, estado civil e endereço. Esta fase descrita é um ato processual, ou seja, o procedimento policial já judicializou-se com o oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público e consequente recebimento desta pelo juiz, entretanto, há também o interrogatório do investigado em fase de inquérito policial, onde o acusado presta declarações ao delegado acerca da imputação que está sendo atribuída a ele. Em relação à matéria, nas palavras de Aury Lopes Jr. (2014, p. 651-652):

Mesmo no interrogatório policial, o imputado tem o direito de saber em que qualidade presta as declarações, de estar acompanhado de advogado e, ainda, de reservar-se o direito de só declarar em juízo, sem qualquer prejuízo. O art. 5º, LV, da CB, é inteiramente aplicável ao IP. O direito de silêncio, ademais de estar contido na ampla defesa (autodefesa negativa), encontra abrigo no art. 5º, LXIII, da CB, que ao tutelar o estado mais grave (peso) obviamente abrange e é aplicável ao sujeito passivo em liberdade.

            Importante mencionar que também nesta fase faz-se presente o princípio do Nemu Tenetur se Detegere, ou seja, o direito constitucional do acusado de permanecer em silêncio, como mencionado anteriormente, previsto no art. 5º, LXIII, da CF/88, a fim de não produzir provas contra si mesmo. A nível internacional, este princípio está expresso no art. 8.2, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), onde depreende-se que toda a pessoa, presa ou em liberdade, tem ‘’o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma nem a declarar-se culpada’’.


3 CONFISSÃO

            A confissão do ofendido nada mais é do que a sua admissão em relação aos fatos desfavoráveis que lhe são imputados. Deve ser um ato voluntário, expresso (principalmente nos autos) e pessoal, realizado por sujeito que tenha pleno discernimento sobre os fatos, visto que não poderá ser considerada válida uma confissão feita por alguém insano, que não possui ou não possuía à época dos fatos potencial consciência da ilicitude, ou seja, que não tinha possibilidade de atingir o entendimento sobre o caráter ilícito da conduta que estava cometendo.

            Ademais, importante ressaltar que a confissão não pode, de maneira alguma, ser utilizada única e exclusivamente como convencimento e fundamentação de uma decisão condenatória. O magistrado possui o dever de analisar esta prova juntamente com todo o acervo probatório trazido aos autos, conforme expõe o art. 197 do CPP: ‘’ O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.’’

            Acerca do tema, Aury Lopes Jr. (2014, p.664-665) expõe que:

A confissão deve ser analisada no contexto probatório, não de forma isolada, mas sim em conjunto com a prova colhida, de modo que, sozinha, não justifica um juízo condenatório, mas, por outro lado, quando situada na mesma linha da prova produzida, em conformidade e harmonia, poderá ser valorada pelo juiz na sentença.

            Outrossim, a confissão pode ser simples ou qualificada, sendo  simples quando o agente apenas admite sua autoria sobre os fatos delituosos e não realiza outras arguições a seu favor. Por outro lado, será qualificada a confissão realizada juntamente com outras circunstâncias que possam beneficiar o réu, como, por exemplo, quando este admite que, de fato, praticou um crime de furto, porém, o justifica pelo estado de necessidade.


4 OFENDIDO

            O ofendido é aquele que fora lesado pela prática delituosa perpetrada pelo réu, ou seja, é a vítima. Diferentemente das testemunhas, o ofendido não presta o compromisso de dizer a verdade, sequer poderá ser responsabilizado pelo crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal), entretanto, conforme o caso, poderá responder por denunciação caluniosa, prevista no art. 339 do Código Penal (CP), nas situações em que atribuir falsamente à alguém a prática de um crime que o sabia ser inocente.

            Ainda, a vítima não é computada no limite máximo de testemunhas, por não se assemelhar a tal característica, atentando-se ao princípio do nullus idoneus testis in re sua intelligitur, isto é, ninguém é considerado testemunha idônea em causa própria. Contudo, uma vez intimada a prestar declarações, estará obrigada a comparecer perante a autoridade competente, sob pena de ser conduzida coercitivamente, conforme expõe o art. 201, § 1º do CP. Ensina Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 485):

Não sendo ela testemunha, não estando sujeito ao compromisso de dizer a verdade, sendo figura naturalmente parcial na disputa travada no processo, inexiste possibilidade lógico-sistemática de se submeter o ofendido a processo por falso testemunho, o que constitui, hoje, posição majoritária na doutrina e na jurisprudência [...] sem dúvida, pode a vítima ser conduzida à presença do juiz para dar suas declarações, não somente porque sua oitiva, como já afirmado, é essencial para a busca da verdade real, como também pelo fato de que ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário.

            Ademais, a vítima poderá responder pelo crime de desobediência nas situações em que se recuse a realizar o exame de corpo de delito, bem como poderá ser conduzida coercitivamente para tal fim. Entretanto, não poderá ser obrigada a realizar ou ceder material em exames invasivos, que possam ofender a sua intimidade ou integridade física (NUCCI, 2014). 

            Além disso, há o controverso valor probatório da palavra da vítima. Doutrinariamente, esta prova possui (ou deveria possuir) menor valor probatório, tendo em vista que está contaminada, seja para beneficiar o réu, por temor a este, ou para prejudicá-lo pelo sentimento de vingança. Fato é que o ofendido faz-se figura parcial no processo, tendo interesse neste, tanto é por isso que não é considerado como testemunha e não presta o compromisso de dizer a verdade, sendo que, portanto, suas mentiras são toleradas impunentemente, e as suas declarações não deveriam são passíveis de embasar, por si só, uma decisão condenatória.

            Entretanto, a jurisprudência têm aceito a palavra do ofendido como única prova para condenação, especialmente nos crimes praticados em âmbito doméstico, onde dificilmente há testemunhas oculares. Logo, a palavra harmônica e coerente da vítima, estando de acordo com o restante do contexto probatório, poderá ser base para possível condenação. Veja-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, respectivamente:

EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.256.178 – RS (2018/0047466-0) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA EMBARGANTE : E D D ADVOGADOS : PEDRO BAUER PERES  - RS055299 JOANA BAUER PERES  - RS105533 EMBARGADO  : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NA DECISÃO EMBARGADA. EMBARGOS REJEITADOS. DECISÃO

Trata-se de embargos de declaração opostos por E D D, contra decisão monocrática, de minha lavra, que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, nos seguintes termos (fl. 234): "PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. (I) - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL OBJETO DE INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE. APELO ESPECIAL COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (II) - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. (III) – PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO".

[...]

Outrossim, ainda que se superasse todos os óbices apresentados, verifica se que a irresignação não prosperaria, vez que "é firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios (AgRg no AREsp 1003623/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018). No mesmo sentido:

(...)

In casu, da análise dos autos, constata-se que a palavra da vítima foi devidamente corroborada por outras provas, nos termos do determinado pela jurisprudência desta Corte, não havendo, portanto, qualquer ilegalidade a ser reparada. Confira-se os termos do acórdão recorrido quanto ao ponto (fl. 159): "Consabido que a palavra da vítima assume especial relevância no contexto de violência doméstica, haja vista a tipologia delitiva ocorrer, na sua maioria, sem a presença de testemunhas. Além disso, o depoimento da vítima mostrou-se firme, a narrativa é coesa e amparada por outros elementos, como, no caso, o boletim de atendimento médico. Não há que se falar, portanto, em escassez probatória". (grifo nosso)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LEI MARIA DA PENHA. INFRACONSTITUCIONAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 279 DO STF. 1. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se inexiste questão constitucional, não há como se pretender seja reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso (art. 102, III, § 3º, da Constituição Federal). 2. Os princípios da legalidade, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação das decisões judiciais, bem como os limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, quando a verificação de sua ofensa dependa do4 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 13054542. Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 17 Voto - MIN. DIAS TOFFOLI ARE 1025718 A GR / ES reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a abertura da instância extraordinária. Precedentes. 3. A Súmula 279 do STF dispõe: ‘Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário’. 4. É que o recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 5. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ‘APELAÇÃO CRIME. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL. ART. 129 § 9º DO CÓDIGO PENAL AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA EM SUA INTEGRALIDADE. A PALAVRA DA VÍTIMA, NOS CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, ASSUME ESPECIAL RELEVO, MORMENTE QUANDO ACONTECE NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA FAMILIAR, NA AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.’ 6. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO” (ARE nº 694.813/RS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 13/9/12). (grifo nosso)

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5 PROVA TESTEMUNHAL

            Testemunha é a pessoa que toma conhecimento dos fatos delituosos praticados pelo acusado, podendo, portanto, confirmar o ocorrido, agindo, em tese, com imparcialidade. Diferentemente do que ocorre com a vítima, a testemunha presta o compromisso de dizer a verdade, sendo que o magistrado, antes de iniciar o depoimento desta, deverá compromissá-la, deixando às claras o seu dever de dizer somente a veracidade dos fatos, caso contrário, poderá responder pelo crime previsto no art. 342 do CP.

            O art. 202 do CPP estabelece que toda a pessoa poderá ser testemunha, sendo necessário o óbvio ser dito devido ao histórico de discriminação que por muitos anos acometeu escravos, mulheres, crianças, prostitutas, travestis, condenados, entre outros. Nesse sentido, também poderão figurar como testemunhas os policiais, civis ou militares, cabendo ao magistrado agir com extrema atenção em relação a estes, tendo em vista que suas imparcialidades encontram-se viciadas devido a atuação que tiveram em reprimir ou apurar os fatos delituosos (LOPES JR., 2014), ainda que a jurisprudência defenda que tais sujeitos possuem a chamada fé pública, ou seja, presume-se que não hajam senão com a verdade.

            Em regra, ninguém poderá recusar-se a depor. Contudo, o art. 206 do CPP estabelece proteção a determinados sujeitos que, em razão da proximidade com o réu, não serão obrigados:

Art. 206.  A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

            Outrossim, o art. 207 do mesmo diploma legal determina as pessoas que estão proibidas de depor: ‘’São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.’’ Nesse sentido, em relação ao advogado, será considerado pessoa proibida de depor sobre fatos de que teve conhecimento em razão de seu ofício, conforme o artigo anteriormente transcrito. Contudo, esta classe possui um diferencial, tendo em vista que tal artigo estabelece ser possível figurar como testemunha quando desobrigada pela parte interessada, porém o art. 26 do Código de Ética e Disciplina da OAB expõe que:

Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba  em  razão  de  seu  ofício,  cabendo-lhe  recusar-se  a  depor  como testemunha  em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem   seja   ou   tenha   sido   advogado,   mesmo   que  autorizado   ou   solicitado   pelo constituinte. (grifo nosso)

            Portanto, ainda que esteja autorizado pelo CPP, a proibição do advogado de figurar como testemunha decorre de fator ético profissional, sendo que, mesmo autorizado pelo interessado, não poderá depor sobre fatos aos quais obteve conhecimento através de processos no qual atuou ou esteja sendo patrono da causa.

Sobre os autores
Mike dos Passos

Aluno do oitavo semestre do curso de Direito da Antonio Meneghetti Faculdade – AMF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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