Direito processual penal brasileiro: Das provas em espécie

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6 RECONHECIMENTO DE PESSOAS E COISAS

            Previsto no artigo 226 do CPP, o Reconhecimento de Pessoas ou Coisas tem por finalidade principal a identificação de um suspeito ou de um objeto através da palavra da vítima ou das testemunhas. Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 549), reconhecimento: ‘’é o ato pelo qual uma pessoa admite e afirma como certa a identidade de outra pessoa ou a qualidade de uma coisa’’. Neste mesmo sentido, segundo Aury Lopes Jr. (2014, p. 700): ‘’O reconhecimento é um ato através do qual alguém é levado a analisar alguma pessoa ou coisa e, recordando o que havia percebido em um determinado contexto, compara as duas experiências’’.

            O diploma legal supracitado estabelece a forma pela qual deverá ocorrer este reconhecimento, que pode se dar tanto na fase pré-processual quanto em juízo. Veja-se:

Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único.  O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

            Extremamente oportuno ressaltar a inobservância deste rito por parte dos magistrados. Na prática, é bastante comum o reconhecimento de pessoas de maneira informal, justificado pelo princípio do livre convencimento motivado. No decorrer da audiência, o juiz simplesmente pede à vítima ou testemunha que olhe para o local onde está sentado o suposto réu e diga se o reconhece como autor do delito. É possível afirmar que tal atitude constitui violação das regras processuais. Em relação a isso, Aury Lopes Jr. (2014, p. 702) expõe que:

Entendemos que tal prática constitui uma prova ilícita [...] devendo ser banida da prática forense e dos autos dos processos, na medida que viola o sistema acusatório (gestão da prova nas mãos das partes); quebra a igualdade de tratamento, oportunidades e fulmina a imparcialidade; constitui flagrante nulidade do ato, na medida em que praticado em desconformidade com o modelo legal previsto; e, por fim, nega a eficácia ao direito de silêncio e de não fazer prova contra si mesmo.


7 ACAREAÇÕES

            A acareação consiste no fato de ‘’colocar cara a cara’’ duas pessoas que estejam declarando pontos divergentes sobre fatos relevantes.  Tal ato deve ser realizado em audiência, sendo admitidos ‘’entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes’’ (art. 229 do CPP).

            Para que seja realizado tal ato, é preciso que existam declarações anteriores das pessoas que irão participar da acareação, bem como que entre tais narrativas haja divergência e que o fato em questão seja plenamente relevante para o deslinde do processo, não podendo o juiz ou autoridade policial submeter os inquiridos a este tipo de ato sempre que houver qualquer divergência. Conforme Nucci (2014, p. 558): ‘’após a colocação frente a frente, na presença das partes (acusação e defesa), das pessoas que devem aclarar as divergências apresentadas em suas declarações, deve o juiz destacar, ponto por ponto, as contradições existentes’’.


8 PROVA DOCUMENTAL

            São considerados documentos, no direito processual penal, os escritos, desenhos, fotos, e-mails, entre outros, que tenham o fim de comprovar um fato. Conforme explica Nucci (2014, p. 559): ‘’é toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um pensamento, uma ideia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, que sirva para expressar e provar um fato ou acontecimento juridicamente relevante’’. Nas palavras de Aury Lopes Jr. (2014, p. 716):

além de ser considerado documento qualquer escrito, abre-se a possibilidade da juntada de fitas de áudio, vídeo, fotografias, tecidos e objetos móveis que fisicamente possam ser incorporados ao processo e que desempenhem uma função persuasiva (probatória). (grifo do autor)

            A juntada de documentos ao processo é admita a qualquer tempo, sendo sempre necessário que seja dado ciência à parte contrária acerca deste novo elemento. Cabe ressaltar que no procedimento do júri, por exemplo, é vedado que a parte apresente no plenário documento que não tenha sido juntado aos autos pelo menos três dias antes do julgamento e com a devida ciência do adversário, conforme dita o art. 479 do CPP.

           


9 DOS INDÍCIOS

            São as circunstâncias conhecidas e provadas que, tendo relação com o fato, autorizam concluir a existência de outra ou de outras circunstâncias. Isto é, considerando que o magistrado deverá formar a sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas, os indícios estão enumerados como espécie de prova, que poderá ser apresentada nos autos e, consequentemente, servindo de contribuição para a formação da decisão final.

            O art. 239 do CPP estabelece que: ‘’Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias’’. Há de se observar atentamente ao ensinamento de Aury Lopes Jr. (2014, p. 720) acerca da matéria: ’Ninguém pode ser condenado a partir de meros indícios, senão que a presunção de inocência exige prova robusta para um decreto condenatório. Pensar o contrário significa desprezar o sistema de direitos e garantias previstos na Constituição [...]’’.

            Portanto, tais indícios de que trata o CPP devem ser, em conjunto com o restante do acervo probatório, suficientes para fundamentar a sentença a ser prolatada, bem como a instrução probatória deverá ser realizado em estrita observância ao devido processo legal, inexistindo, desse modo, qualquer impedimento para que sejam utilizados, não havendo violação ao princípio da presunção de inocência.

           


10 DA BUSCA E APREENSÃO

            A busca e apreensão pode ser entendida como uma medida cautelar que tem por finalidade colher provas para o processo penal, afim de se chegar à verdade material. Em linhas gerais, objetiva encontrar pessoas procuradas ou objetos a serem apreendidos, garantindo ao processo elementos de autoria e materialidade. Como bem explica Nucci (2014, p. 571):

apesar de colocados juntos na titulação deste capítulo e, como regra, serem utilizados dessa maneira no processo, são termos diferenciados. Busca significa  o movimento desencadeado pelos agentes do Estado para investigação, descoberta e pesquisa de algo interessante para o processo penal, realizando-se em pessoas ou lugares [...] Apreensão é medida assecuratória que toma algo de alguém ou de algum lugar, com a finalidade de produzir prova ou preservar direitos. (grifo do autor)

            Portanto, considerando que a apreensão possui caráter assecutório, irá tornar o objeto indisponível ao sujeito, sendo que, posteriormente, a depender da situação, poderá ser restituído. Cabe esclarecer que não é sempre que a busca gera apreensão, tendo em vista que, durante a procura dos agentes, nada pode ser encontrado, bem como nem sempre a apreensão decorre da busca, pois pode haver a entrega voluntária do bem.

            Ademais, este instituto só poderá se realizar mediante mandado judicial, do contrário, a autoridade policial estará incorrendo no delito de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65), e seus resultados serão considerados provas ilícitas, conforme já explanado. Entretanto, a exceção à regra está nos crimes em flagrante, onde não será preciso mandado judicial para tal, em primeiro momento, tendo em vista que o crime está na sua plena ocorrência e é preciso que seja observado o princípio do in dubio pro societate.

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             Conforme expõe o art. 240: ‘’A busca será domiciliar ou pessoal’’. A busca e apreensão domiciliar nada mais é do que a inviolabilidade lícita da casa de um indivíduo, só sendo permitida quando houverem fundadas razões para tal, conforme o parágrafo 1º do artigo supracitado. Neste ponto, é preciso que haja estreita atenção aos princípios constitucionais estabelecidos, sobretudo ao inciso XI, do art. 5º da CF/88: ‘’a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial’’.

            Depreende-se, portanto, que o mandado em fomento deverá ser cumprido, obrigatoriamente, durante o dia, salvo em caso de o morador consentir que seja procedido à noite, sendo que, neste caso, os agentes deverão exibir e ler o mandado ao morador, intimando-o a abrir a porta, conforme explica o art. 245 do CPP. Acerca da matéria, Aury Lopes Jr. (2014, 724-725) expõe que:

Deve o juiz exigir a demonstração do fumus commissi delicti, entendendo-se por tal, uma prova de autoria e de materialidade com suficiente lastro fático para legitimar tão invasiva medida estatal. A busca domiciliar deve estar previamente legitimada pela prova colhida e não ser o primeiro instrumento utilizado. Para controle da observância desse requisito, a fundamentação da decisão judicial é o segundo ponto a ser destacado.

            Em relação à busca pessoal, poderá se tratar de contato direto com o corpo humano, bem como com pertences íntimos do sujeito, como a sua bolsa ou seu carro (NUCCI, 2014, p. 578). Nesta, exige-se menos que a domiciliar, visto que basta que hajam fundadas suspeitas ‘’de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior’’(art. 240, § 2º, CPP), ou seja, quaisquer objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Ainda, a partir do art. 244 do mesmo Código, é possível concluir que, na modalidade pessoal, é dispensada até mesmo a autorização judicial. Aury Lopes Jr. (2014, p. 739) expõe, sabidamente, que:

a autoridade policial (militar ou civil, federal ou estadual) poderá revistar o agente quando houver ‘’fundada suspeita’’. Mas, o que é ‘’fundada suspeita’’? Uma cláusula genérica, de conteúdo vago, impreciso e indeterminado, que remete à ampla e plena subjetividade (e arbitrariedade) do policial.

            Ainda, o autor defende a ideia de que a expressão ‘‘fundada suspeita’’ nada mais é do que uma conclusão íntima dos policiais, que poderão abordar da maneira que julgarem ser cabível. Logo, os alvos constituem-se os mesmos clientes do sistema, remetendo a discriminação de classes, trazendo em sua obra como exemplo os abusos nas buscas pessoais realizadas em ônibus urbanos que transitam nas periferias das grandes cidades, indagando: ‘’como sustentar que, em relação a 50 pessoas desconhecidas (muitas vezes retornando para casa após uma longa jornada de trabalho), existe ‘’fundada suspeita’’ de que alguém oculte armas, coisas achadas por meios criminosos, etc.?’’ (p. 739, nota de rodapé nº 133).


REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

______. Decreto-Lei n.º 3.689/41, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

______. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 22 jun. 2019.

CAGLIARI, José Francisco. Prova no Processo Penal. Disponível em http://www.revistajustitia.com.br/artigos/299c16.pdf. Acesso em 21 jun. 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., rev., atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2015.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal. 11ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

______. Código de Processo Penal Comentado. 13ª ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23ª ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.

______. Direito Processual Penal. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.

TÁVORA, Nestor; ROQUE, Fábio. Código de Processo Penal para concursos. 5.ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 3.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

Sobre os autores
Mike dos Passos

Aluno do oitavo semestre do curso de Direito da Antonio Meneghetti Faculdade – AMF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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