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Justiça com as próprias mãos

06/07/2019 às 14:29
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"Justiça com as próprias mãos" é uma maneira de violência, que só gera mais problemas ao invés de resolve-los.

Fazer justiça com as próprias mãos. Punição dada por uma pessoa ou grupo de pessoas sem cumprimento da lei, e baseada em opiniões próprias, com o objetivo de vingança.

Em uma sociedade com inúmeras tragédias e crimes, as pessoas estão sempre buscando por justiça, porém, muita das vezes, acham que ela deve ser feita de maneira violenta e, cansados de esperar pelas autoridades, fazem a chamada "justiça com as próprias mãos".

As manifestações coletivas de violência, que têm como objetivo vingar um crime, acontecem mais em lugares onde o Estado está presente de forma precária - ou quando, de alguma forma, a população considera que as instituições de justiça são frágeis e incapazes de resolver seus problemas. Esse tipo de crime acontece mais em contextos  dominados pelo medo, onde as pessoas se sentem desprotegidas, e onde paira a sensação de impunidade.

O que as pessoas nem sempre tem consciência é que a justiça, de fato, é alguma pena que faça o criminoso pagar pelo ato ilícito que ele cometeu. Já a "justiça com as próprias mãos" é uma maneira de violência, que só gera mais problemas ao invés de resolve-los. Quando praticam esse ato, estão na verdade querendo vingança e não justiça.

O Código Penal Brasileiro prevê uma modalidade de criminosa, pouco conhecida, qual seja o exercício arbitrário das próprias razões:

Código Penal

Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único. Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

A título de exemplo podemos citar uma pessoa que retira da casa de um devedor qualquer objeto como pagamento de uma dívida. Perceba que neste caso a pretensão era legítima, pois existia uma dívida e, como provavelmente o devedor se recusava a pagar, o credor decidiu por bem tomar para si algum objeto de valor pertencente ao devedor para que assim a dívida fosse paga. 

Mesmo diante da situação acima exemplificada, a pessoa que retirou o objeto do patrimônio do devedor, em pagamento da dívida, praticou o crime do artigo 345 do Código Penal Brasileiro, ou seja, exercício arbitrário das próprias razões. Isto porque, compete ao Judiciário resolver conflitos de interesses, quando uma pessoa exerce atividade, retirando a competência do judiciário, estará praticando justiça pelas próprias mãos, o que por determinação legal, constitui crime.

A parte final do artigo da lei ainda menciona que fazer justiça com as próprias mãos não será crime nos casos em que a lei permitir, são eles: Legítima defesa: quando a ação é realizada em defesa própria ou de terceiro; Estado de necessidade: a ação é de extrema necessidade e agir de outra maneira não seria possível; Cumprimento do dever legal: quando uma pessoa tem o dever de realizar determinada conduta; Restituição de posse incontinenti, nos casos de turbação ou de esbulho: por exemplo, alguma pessoa invade a propriedade de outra. Neste caso o proprietário tem o direito de usar da força para expulsar o invasor, destaca-se que o uso da força deve ser sempre moderado, ou seja, apenas o suficiente para retirar o invasor da propriedade.

Visto que o delito de exercício arbitrário das próprias razões resguarda o monopólio da jurisdição, ele apresenta um requisito: que a pretensão a ser satisfeita possa ser objeto de uma decisão.

Os linchamentos já vitimaram muitos inocentes e mesmo com isso continuam sendo praticado e encorajado pelos partidários da justiça popular. Tal segmento acusa os que condenam a justiça popular de serem defensores de bandido, curiosamente o que ocorre é o contrário. Os apologistas da justiça popular reificam os criminosos a despeito das acusações imputadas aos partidários da justiça formal.

Antes de argumentar em torno do que é justiça popular ou justiça com as próprias mãos é preciso diferenciar legítima defesa de justiça com as prórias mãos, assim afastaremos os espantalhos. Legítima defesa segundo o Art. 25 nosso código penal. Desse modo,

Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Os justiceiros são pessoas que se valem de uma situação oportuna e que, legitimados socialmente pela sede de vingança, se valem de tal clamor para exercitar seu sadismo e cometer crimes, alguns dos quais em alguns casos ainda mais graves do que dizem coibir. Os apologistas da justiça popular, contraditoriamente, defendem que criminosos se valam de seu poder para supostamente coibir crimes. Portanto, os apologistas da justiça com as próprias mãos defendem criminosos, os justiceiros; ao contrário dos legalistas que defendem que cada um seja julgado e, caso condenado, cumpra com seus crimes na forma da Lei. Além disso, como se não bastasse defender bandido os apologistas também comentem crime,  Art. 287 do Código Penal :

Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena – detenção, de três a seis meses, ou multa.

Assim, exercer justiça com as próprias mãos não é direito do indivíduo, e sim do poder judiciário, detentor do poder-dever da jurisdição. Portanto, em casos de conflitos de interesses a causa deve ser levada à justiça para que esta possa tomar as devidas providências.


Referências bibliográficas

BRASIL. Código de processo penal (1941). Código de processo penal.

MARTINS, José de Souza. Linchamentos: a justiça popular no Brasil. São Paulo: Contexto, 2015.

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Sobre o autor
Benigno Núñez Novo

Pós-doutor em direitos humanos, sociais e difusos pela Universidad de Salamanca, Espanha, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción, com o título de doutorado reconhecido pela Universidade de Marília (SP), mestre em ciências da educação pela Universidad Autónoma de Asunción, especialista em educação: área de concentração: ensino pela Faculdade Piauiense e bacharel em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Assessor de gabinete de conselheira no TCE/PI.

Informações sobre o texto

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