A aplicabilidade da lei penal aos assassinos em série e seus aspectos psicológicos

07/07/2019 às 15:28
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O presente artigo tem por objetivo contribuir para a questão da aplicabilidade da lei para com os Serial killers e tecer uma análise a respeito de seus aspectos psicológicos.

 

  INTRODUÇÃO

 O presente artigo tem por objetivo geral analisar o sistema penal brasileiro no que se refere à competência para julgar casos de assassinos em série. Para isso propõe-se o seguinte problema de pesquisa: O sistema penal brasileiro é eficiente em julgar e punir casos de assassinos em série? Para responder este problema de pesquisa analisa-se três grandes notáveis fatores relacionados à punibilidade de assassinos em série no Brasil, a saber, a periculosidade dos assassinos em série, seu perfil psicológico e o sistema penal brasileiro na capacidade de julgar e punir casos relacionados a esses homicidas.

 O tema justifica-se como relevante e meritório de ser estudado, em virtude de que abordar a periculosidade dos assassinos em série é importante para que seja esclarecido para a sociedade o quão danosos são estes indivíduos devido ao malefício ocasionado às suas vítimas, seja psicologicamente ou fisicamente, bem como o pânico que é estabelecido no meio social. É certo afirmar que há um fascínio surtido na sociedade por parte dos assassinos em série devido à natureza desumana destes indivíduos que diferem-se de homicidas comuns pois praticam seus atos funestos pelo bel-prazer de matar.

 A partir da análise acerca da periculosidade dos assassinos em série, e seus aspectos psicológicos que os tornam sujeitos únicos, é importante uma abordagem crítica para com o sistema penal brasileiro, pois é na forma da lei e do devido processo legal que se estabelecem as medidas de segurança necessárias para a prevenção de danos causados pelos assassinos em série.

Conhecer melhor sobre a psicopatia dos assassinos em série e seus danos à ordem social é tarefa tanto das autoridades legais, quanto das pessoas em geral, pois estas devem entender a mente dos psicopatas como forma de prevenção e aquelas, como forma de deter o criminoso, pois a perniciosidade destes assassinos abrange toda a sociedade.

 A maior parte do conhecimento que temos hoje sobre os serial killers, advêm da década de 70 nos EUA, quando os mais famosos assassinos em série praticaram seus crimes. A falta de conhecimento sobre esses indivíduos, na época, pode explicar o porquê da dificuldade de se capturar muitos deles. Pode-se afirmar que a falta de estudo acerca do tema teria ocasionado um rastro de sangue muito maior por onde tais psicopatas passaram.

 Para a realização desta pesquisa fora utilizado o Método Hipotético-Dedutivo, método esse desenvolvido pelo filósofo Karl Popper. Esse método visa construir e testar uma possível resposta ou solução para um problema de pesquisa. Para isso, utiliza-se da pesquisa bibliográfica, isto é, a partir do levantamento de referenciais teóricos já analisados e publicados por meio de livros, artigos científicos, jornais, revistas, entre outros

  1. A mente do psicopata e a origem do conceito de Serial Killer

 O termo “Serial Killer “, traduzido para o português como assassino em série, popularizou-se após a década de 1970 a partir dos estudos do agente do FBI (federal bureau of investigation) Robert Ressler, que cunhou o termo para classificar um tipo de homicida que até então não possuía diferenciação dos demais, por não haverem estudos acerca da psique e do comportamento destes indivíduos.

 Existem características particulares que diferem os Serial killers dos demais assassinos, como descreve a criminóloga Ilana Casoy:

 Aceitamos como definição que Serial killers são indivíduos que cometem uma série de homicídios durante algum período de tempo, com pelo menos alguns dias de intervalo entre eles. O espaço de tempo entre um crime e outro os diferencia dos assassinos em massa, indivíduos que matam várias pessoas em questão de horas. (CASOY, 2014, p.10)

 A frequência de assassinatos é uma característica determinante dos assassinos em série, porém a diferença não é apenas quantitativa. Deve ser levado em conta o motivo do crime, no caso dos Serial killers não aparenta haver uma razão e as vítimas costumam ser escolhidas ao acaso, pois o assassino raramente conhece a vítima.

 As diferenças entre uma pessoa comum e um Serial killer se dão a partir da formação psicológica e social. Cerca de 90% dos assassinos em série possuem uma psicopatia grave, que aliada à uma infância conturbada de abusos e negligência geram essa personalidade rebelde. Dificilmente um Serial killer terá apenas uma dessas características, é regra que haja uma deformidade psicológica no indivíduo, que é agravada por um distúrbio na formação social.

 A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) define a psicopatia como um transtorno de personalidade, no qual o indivíduo não sente empatia em relação às outras pessoas, e despreza as obrigações sociais. Se configura em um padrão de desprezo e violação dos direitos dos outros, o indivíduo que sofre desse transtorno sói negligenciar padrões morais da sociedade e raramente sente remorso de suas ações. É importante ressaltar que existem níveis de psicopatia e apenas uma pequena parcela pode vir a matar. Estima-se que entre 1% a 2% da população mundial possua algum nível de psicopatia. Não há cura para essa patologia.

 Quando se refere aos assassinos em série, costuma-se pensar em uma pessoa dotada de fisionomia ruim, cara de mau, sujo e que carregue em si uma aparência de assassino. Entretanto, a segurança de que tais indivíduos tenham essa aparência degradada já levou as pessoas e até a polícia ao erro, como no caso do psicopata americano Theodore Bundy, que, durante um bom tempo passou despercebido pelas autoridades legais por “parecer normal demais”. Infelizmente o assassino em série via de regra possui uma aparência comum, é considerado um “modelo” pela comunidade por se engajar à coletividade e são extremamente inteligentes.

Das característica do assassino em série, sem dúvidas a mais intrigante é a brutalidade e total desprezo à pessoa humana. São muitas as emoções que nos tomam conta quando se tem notícia da crueldade que um indivíduo é capaz de se ter com seu semelhante. O nojo, a angústia e o medo são sem dúvidas, os principais. Thomas Hobbes já traduziu esse medo no século 17, quando tornou célebre a frase: “o homem é o lobo do homem”. O Serial killer é sem dúvidas um predador da raça humana.

 2. A periculosidade dos assassinos em série e quem são suas vítimas

 Quando se diz respeito à periculosidade dos assassinos em série é difícil não citar o caso do brasileiro Pedro Rodrigues Filho, vulgo “Pedrinho matador”. Pedrinho é detentor do título de maior pena privativa de liberdade aplicada no Brasil, sendo condenado a mais de quatrocentos anos de prisão por mais de 100 homicídios. Alguns de seus feitos são: matar o próprio primo com um facão aos 14 anos, matar seu pai com 22 facadas e comer seu coração, além de outras 47 pessoas que matou dentro dos presídios que passou.

 Hoje, Pedrinho conta sua história fora das grades, não demonstra remorso, diz que matou apenas aqueles que mereciam e zomba da população ao comentar crimes em seu canal do Youtube. Sua história demonstra a precariedade das penitenciarias, a fragilidade do sistema penal e sua falta de punibilidade que deixa solto um indivíduo sem nenhum apreço pela vida humana. Nada impede este homem de vir a delinquir novamente, tendo em vista que não há cura para a psicopatia

Todo Serial killer possui um alvo, alguém que tenha um estereótipo simbólico e que ele possa fantasiar. As vítimas dos Serial killers possuem um significado para eles, as vezes ressoando um trauma infantil, outras vezes um desejo reprimido. John Wayne Gacy torturava, estrangulava e estuprava garotos, o que fez muitos especialistas acreditarem que eles representavam o próprio Gacy, que era tratado de forma dominadora pelo próprio pai na infância. Ted Bundy matava brutalmente colegiais com longos cabelos castanhos, que eram similares a sua noiva que rompeu o relacionamento.

 Como evidenciado nos exemplos supracitados, assassinos em série sempre têm um alvo definido, algum estereótipo que os remeta a alguma situação vexatória, degradante e traumática, ou até a um grupo de pessoas que por alguma razão os cause desprezo. Uma estatística interessante é a de que cerca de 89% das vítimas são caucasianas e 65% são mulheres. Quanto aos assassinos 84% são caucasianos.

 A fantasia é uma característica determinante dos assassinos em série, como ensina Casoy:

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 Esta é a essência do pensamento do Serial killer: as vítimas não são suas parceiras na realização da fantasia, e sim seu objeto de fantasia. Ele tira da vítima o que quer e, quando termina, livra-se dela. Pode jogá-la no acostamento, arrumá-la em um gramado ou picá-la em mil pedaços e espalhá-los numa mata. (CASOY, 2014, p.12)

 Após a escolha da vítima por um aspecto físico, o assassino inicia a fase galanteadora, onde seduzirá a vítima para que a capture e comece a fase do assassinato que, para o Serial killer é o ápice de seu prazer, pois é o momento em que está livre de suas amarras sociais e não há o que fingir. É hora de demonstrar toda sua monstruosidade. É nessa circunstância que entra o modus operandi, ou seja, o método em que utilizar-se-á o assassino de seus desejos de dominação para com a vítima.

3. Da competência do Direito penal brasileiro em punir Serial killers

 Quando a população se da conta de que há um assassino em série praticando seus atos funestos na sociedade, se instaura um pânico e uma ânsia dos populares para com a captura do homicida. Captura essa que costuma tardar devido a imprevisibilidade dos Serial killers. Cabe à polícia civil a urgente obtenção do maior número de informações que culminarão na apreensão do indivíduo.

 No Direito brasileiro não há o conceito penal de assassino em série. Daí nasce um problema, pois, como já fora exposto neste trabalho, existe clara distinção na mentalidade e no comportamento de um Serial killer e de um assassino comum, sendo a ressocialização do primeiro impossível devido à falta de cura para sua psicopatia.

 No famoso julgamento de Francisco de Assis Pereira, vulgo “maníaco do parque”, houveram muitos questionamentos acerca da imputabilidade do assassino, ou seja, se o réu estava ciente de seus atos quando os praticou e se a ele poderia ser atribuída culpa. Fora o depoimento de uma das vítimas sobreviventes que definiu o caso, definindo Francisco como imputável.

 Hoje, após o desenvolvimento de diversos estudos sobre a mentalidade dos Serial killers, sabe-se que este deve ser considerado imputável perante os seus crimes, pois possuem consciência total da ilicitude de seus atos e sua capacidade de autodeterminação e intelecto são perfeitos.

 Pedrinho matador cumpriu sua pena e em tese, teve sua dívida paga à sociedade. Um indivíduo dessa periculosidade solto após matar mais de 100 pessoas é ridículo e uma infeliz característica de nosso sistema penal falho e atrasado.

 Os EUA é o país em que estimam-se haver mais Serial killers no mundo, devido a isso, é também a nação mais avançada no combate a esses indivíduos. É importante, portanto, comparar o Direito americano e o brasileiro na competência de julgar assassinos em série. Enquanto os EUA costumam adotar a prisão perpétua contra os Serial killers como proteção da sociedade contra esses indivíduos que são criminosos incuráveis, o Brasil não permite pena que ultrapasse 30 anos, colocando a sociedade em risco quando o homicida cumpre pena.

Conclusão

 Dada a periculosidade dos assassinos em série, é importante que sejam estabelecidas medidas de segurança afim de evitar e punir crimes desses indivíduos, pois são dotados de uma índole perversa e perniciosa e inaptos para o convívio social.

 O sistema penal brasileiro é criticado em diversos aspectos, e no que tange o julgamento de assassinos em série não poderia ser diferente. É impreterível que seja aprovado o PL 140/2010, de autoria do falecido senador Romeu Tuma, que pretende alterar o código penal brasileiro afim de tipificar o assassino em série estabelecendo uma pena agravada a quem cometer crimes dessa natureza.

 É um ato irresponsável pensar em ressocialização dos Serial killers, pois este ser não é capaz de conviver com outras pessoas devido à sua psicopatia e transtorno antissocial. É importante que haja um preparo dos profissionais que irão lidar com esses indivíduos.

 A constituição brasileira é um empecilho pois torna difícil e demorado qualquer mudança no código penal que seriam úteis para lidar com assassinos em série, como mudar o limite de pena de trinta anos e estabelecer a prisão perpétua para indivíduos sem possibilidade de ressocialização.

Referências bibliográficas

CASOY, Ilana. Serial killer: Louco ou Cruel?: 8. ed. São Paulo: Ediouro, 2014.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-10.

PEREIRA, Amanda dos Santos. A aplicabilidade da lei penal aos serial killers brasileiros: aspectos jurídicos do assassinato em série. Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51629/a-aplicabilidade-da-lei-penal-aos-serial-killers-brasileiros-aspectos-juridicos-do-assassinato-em-serie/1. Acesso em: 30 de jun. 2019.

PORTELA, Talita. A imputabilidade do assassino em série no ordenamento jurídico brasileiro. Jusbrasil, 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25256/a-imputabilidade-do-assassino-em-serie-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 30 de jun. 2019.

 

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Sobre o autor
João Paulo Reati

Sou estudante de Direito Pela UNIVEL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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