Sumário: O presente artigo tem como objetivo sanar duvidas referente a união estável, passando pelo processo histórico e demonstrando peculiaridades do instituto da união estável, tendo como principal questionamento a possibilidade de constituir união estável sem viver sob mesmo teto do(a) companheiro(a). Aborda também a importância do titulo III do Código Civil que traz o assunto união estável com proteções legislativas.
PALAVRAS CHAVE : União estável; Direito de Família; Manus maritalis.
1. DO PROCESSO HISTÓRICO DA UNIÃO ESTÁVEL
Tratando da União estável é válido mencionar que tal instituto passa a ter força principalmente no direito romano, como descreve Espinosa (2014) no direito romano, a união entre homem e mulher podia ser realizada com ou sem a atribuição do manus maritalis, ou seja, a submissão da mulher à autoridade do marido (paterfamílias). À época a mulher deixava de pertencer a sua família de origem ou sangue e passava a pertencer a família de seu marido (companheiro). Isso gerava um prejuízo a mulher, visto que todo seu patrimônio passava à pertencer ao marido.
O marido era o responsável pela administração dos bens podendo inclusive limitar a utilização de sua esposa.
Nesse momento é valido mencionar que existiam três formas de aquisição do manus maritalis. O termo manus em aspectos gerais significa dizer que o marido detinha o poder sobre a esposa e seus bens. A primeira forma de manus maritalis é conhecida como confarreatio como explica Ribeiro (2003) era o matrimônio religioso celebrado na presença de testemunhas que perdurou até o Império de Augusto.
O segundo modelo era chamado de coempetio, tratava-se do casamento realizado entre os plebeus. Ribeiro (2003) demonstra que: constituía-se numa espécie de casamento civil, onde o pai vendia a filha para o futuro marido; um resquício dos costumes bárbaros sem qualquer cunho religioso.
O terceiro modelo bem mais conservador era conhecido como usus, uma forma de usucapião em que o homem adquiria a posse da mulher com o passar do tempo (de convivência). O usus era uma forma de usucapião em que o homem adquiria a posse da mulher após o prazo de um ano de convivência desde que aquela não se ausentasse de casa por três noites consecutivas, usurpatio trinoctium, o que impedia que se concretizasse a aquisição (RIBEIRO, 2003).
É valido ressaltar nesse momento que tratando-se de usus, tal modalidade gerava todos os efeitos dos anteriores expostos, ou seja, a simples convivência entre os dois (homem e mulher) já poderia gerar todos os efeitos do casamento. Tal situação era tratado como concubinato, porém, não quer dizer que sempre poderia gerar os efeitos do casamento. Só haveria status de casamento quando não houvesse nenhum impedimento, sendo que uma das situações de impedimento é quando ocorre o concubinato adulterino, tal fato poderia ocorrer eventuais efeitos jurídicos, contudo, poderia deixar de ocorrer o efeito do manus maritalis.
Jamais se confundindo com um simples encontro passageiro, o concubinato romano, união de fato, quase sempre duradoura, passou por diversas fases. Ignorado pelo direito e não produzindo nenhum efeito jurídico (na República), AUGUSTO teria reconhecido licitude na união livre prolongada de homem e mulher de categorias sociais diferentes, no início do império. No Baixo Império, sob a influência do Cristianismo, hostil às relações extrapatrimoniais, incitam-se os concubinos a regularizar sua união (LEITE,1977).
2 CONCUBINATO
Tratando do concubinato tal termo tem como significado a seguinte explicação: Modo de união conjugal que se difere do regime matrimonial.
Em termos jurídicos trata-se do casal que vive junto em união estável, mas que não tem seu relacionamento reconhecido legalmente; estado da relação cujas pessoas envolvidas não estão casadas (uma com a outra).
Em termos gerais pode-se dizer que tal situação nada mais é que a vida a dois, contudo não existe de fato o casamento.
O avanço dos imperadores cristãos e a evolução do Cristianismo, cria-se uma nova visão sobre o concubinato, momento este em que os casais em que vivia tal situação passam a serem rechaçado pelo poder estatal, ou seja, nesse momento os casais concubino passam a serem malvistos.
3 DA UNIÃO ESTÁVEL NA IDADE MÉDIA
Nesse momento é válido mencionar que a igreja católica detinha um poder de influência muito grande na sociedade, por esse motivo a união entre duas pessoas só era bem vista como mencionado no título anterior quando se tratava do casamento propriamente dito. Consta que Santo Agostinho admitiu o batismo da concubina desde que se obrigasse a não deixar o companheiro. Contudo, o posicionamento da igreja foi mudando aos poucos e em um dado momento, Concílio de Trento impôs excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência. É valido mencionar que ainda era tratado como concubinato a relação diferente ao casamento.
O Sec. XIX foi importante em termos legislativos para a evolução do assunto abordado, Viana (1990) expõe que:
Os tribunais franceses foram chamados a examinar pretensões fundadas em relações concubinárias. O critério da sociedade de fato foi acolhido pela Corte de Paris em julgado de 1872. O Tribunal de Rennes, em 1883, assegurou a retribuição por serviços prestados.
No início do Séc.XX na França em 1912 que surge um fenômeno chamado paternidade ilegítima, ou seja, uma das primeiras leis (se não a primeira) a oferecer legitimidade aqueles que detinham o que chamamos hoje de união estável.
A primeira proteção jurídica ao concubinato no Brasil, surge no ano de 1977 com o advento da lei 6515/77, que já sofreu importantes modificações.
4 A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988
A constituição de 1988 é de suma importância no assunto abordado, visto que é de nossa atual Carta Magna que surge uma das principais garantias constitucionais, que gera proteção à família.
Deve ser salientado que nosso atual sistema constitucional ordena que a legitimidade da família não se relaciona mais com o casamento assim o casamento passou a ser algo dissociado do legítimo, ou seja, nesse momento nossa CF/88 deixa claro que o casamento não é mais a única forma legitima de constituição de família, como demonstra a seguir um dos principais fundamentos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 2002)
Seguindo o tema, é válido mencionar que em 05 de maio 2011 o STF em decisão histórica deu validade a união estável entre pessoas do mesmo sexo, reconhecendo então a união homoafetiva.
O ministro Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.(BRASIL,2011)
Sendo uma das decisões mais progressista que a Corte brasileira já teve nas últimas décadas.
A união estável começou a tomar as formas como conhecemos hoje em 1994, com a promulgação da Lei n º 8971. A primeira inovação desta lei foi estabelecer o procedimento ao direito de alimentos e sucessão. Com isso, a união extramatrimonial passou definitivamente a surtir efeitos como família, equiparando-se, em alguns aspectos, ao casamento. Em 1996 surgiu a Lei 9278, que modificou parcialmente a Lei 8971, de 1994. Ela reconheceu a necessidade de estabelecer um regime de bens básico para essas uniões e, assim, o legislador optou por um regime semelhante ao da comunhão parcial de bens, em que os companheiros criam um patrimônio comum, presumindo-se a colaboração de ambos no decorrer da união.
5 DA UNIÃO ESTÁVEL
Sobre o termo união estável deve ser feito os seguintes questionamentos, quando se reconhece a união estável, o que de fato é união estável e quem pode constituir?
Em resposta ao primeiro questionamento, pode -se afirmar que de acordo com o caso concreto será reconhecida a união na situação onde os indivíduos convivem com o intuito de constituir família, é valido mencionar que tratando-se da terminologia intuito refere-se "fim que se tem em vista", ou seja, não se trata de uma pequena aproximação entre os pares (em se tratando de relações monogâmicas).
O segundo questionamento busca como resposta o principal objetivo desse artigo que é para constituir união estável necessita as partes viverem sob mesmo teto?
Em resposta, a doutrina já vinha demonstrando que não, como aponta Villaça:
União Estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.
É válido ressaltar que tal posicionamento também se aplica às relações homoafetivas, uma vez que já está pacificado pela Suprema Corte desde 2011.
Apesar da súmula 380 do STF tratar do assunto com a terminologia concubino ela é aplicada na constituição da união estável, assim como foi utilizado em caso concreto que gerou a seguinte jurisprudência:
PARTILHA DE PATRIMÔNIO NA DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL
Não seria, entretanto, possível, desde logo, extrair da regra do art. 226 e seu parágrafo 3º, da Constituição, conseqüência no sentido de reconhecer-se, desde logo, sem disciplina legislativa específica, determinação de comunhão de bens entre homem e mulher, em união estável, de tal forma que a morte de um deles importe o recolhimento automático de meação pelo sobrevivente. Na espécie, a matéria ainda vem tendo o tratamento dispensado pela jurisprudência, estando em pleno vigor o que se contém na Súmula 380, com este enunciado: "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum". Anota, nesse sentido, o professor Roberto Rosas, em seu Direito Sumular, 2ª ed., p. 171: "A jurisprudência do STF tem aplicado a Súmula 380, para admitir a sociedade, pela existência do concubinato (RTJ 70/108; 69/723; 54/762; 83/424; 79/229; 80/260; 89/181). Em outras circunstâncias há maior restrição para admitir a partilha, somente com o esforço (RTJ 69/467; 66/528; 64/665; 57/352; 49/664)". E, adiante, observa: "A tendência é para admitir a partilha somente do patrimônio obtido pelo esforço comum (RTJ 89/81; 90/1.022)" ( op . cit ., p. 171).
[RE 158.700, rel. min. Néri da Silveira, 2ª T, j. 30-10-2001, DJ de 22-2-2002.]
Um dos principais doutrinadores de Direito Civil / Família, Venosa (2004) ao tratar do tema diz:
Contemplada a terminologia união estável e companheiros na legislação mais recente, a nova legislação colocou os termos concubinato e concubinos na posição de uniões de segunda classe, ou aquelas para as quais há impedimentos para o casamento (VENOSA, 2004)
O terceiro questionamento sobre união estável e não menos importante trata de quem pode constituir a união. O assunto tem como resposta o título III do Código Civil que trata exclusivamente da união estável.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
O §1º do Art.1.723 deixa bem claro que não caberá união estável quanto tiver algum impedimento descrito no Artigo 1.521 do mesmo dispositivo legal, ou seja, em um contexto geral aplica-se basicamente as mesmas regras do casamento, excluindo a situação do inciso VI "as pessoas casadas" Nessa situação temos que observar o caso concreto, pois pode ocorrer de certas pessoas estarem casadas juridicamente, porém na situação social já está separada "de corpo" da outra e até mesmo vivendo uma nova relação afetiva.
A lei nesse caso especifico, autoriza a constituição de união estável " Art.1.723 § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente."
Por fim, o congresso aprovou lei recente 13.811/2019 que veda o casamento entre menores de 16 anos, ou seja, esses também não podem constituir união estável. Muitos doutrinadores inclusive, apontam que não poderá até mesmo celebrar o contrato de namoro. Tal assunto vem sendo debatido nos dias atuais, contudo, não há de fato um posicionamento concreto.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema abordado é de suma importância, visto que nos dias atuais é comum o intuito de constituir família sem gerar de fato o casamento, principalmente quando tratamos de situações especificas que ainda não detêm proteção legislativa e que conta com a sorte do assunto chegar no judiciário (principalmente no STF) para obter alguma resposta.
A união estável como vimos é uma das formas de satisfazer o desejo de alguns casais de ter seus direitos e deveres perante a sociedade civil. Muitos doutrinadores (minoritários) apontam que tal instituto pode ser utilizado como base barra gerar efeitos as relações poliafetivas, assunto esse que vem sendo bastante discutido.
A união estável ganha um espaço muito grande no direto, uma vez que o casamento deixa de ser a única forma de constituir família.
REFERÊNCIAS
BRASIL; STF; disponível: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=17893>. Acesso em 06 JUL 2019.
DICIO; concubinato; disponível: <https://www.dicio.com.br/concubinato/>. Acesso em 06 JUL 2019.
PLANALTO; Código Civil; disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 06 JUL 2019.
SEMANA ACADEMICA; disponível: <https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigo_evolucao_historica_da_uniao_estavel_0.pdf>. Acesso em 27 JUN 2019.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. v.6. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2004
VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 1999.