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Teletrabalho e as inovações introduzidas pela Lei nº 13.467/2017

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11/07/2019 às 12:46
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DE QUEM É A RESPONSABILIDADE PELOS CUSTOS DO TELELABOR? (ART. 75-D DA CLT)

Em relação ao fornecimento dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura necessários à prestação do trabalho, o artigo 75-D9 da CLT diz que as disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, deverão estar previstas em contrato escrito.

Segundo Miziara (2018, p.40), a interpretação no sentido de que a reforma permite que o empregador transfira ao empregado os custos da manutenção de seu local de trabalho não deve prevalecer. Em seu entendimento, não é esta a norma por trás do texto legal:

“Ora, está expresso no texto que o contrato deverá prever a forma como o reembolso será efetivado. Por consectário lógico, obviamente, essas mesmas despesas deverão sempre ser reembolsadas, por imperativo legal. (...) Fato é que, se a compra for efetivada pelo empregado, obrigatoriamente o reembolso deverá ocorrer na forma prevista no contrato (...). No entanto, há pelo menos uma hipótese na qual o empregado, ao fim e ao cabo, custeará parte dos equipamentos e infraestrutura, qual seja, quando aquelas despesas já forem despesas ordinárias do cotidiano do empregado (MIZIARA, 2018, p.40).

Portanto, e para que não haja a transferência de custos e riscos inerentes à atividade econômica ao empregador, o artigo 75-D da CLT deve ser lido juntamente com o artigo 2º, caput da CLT que considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Pode-se falar em aplicação analógica do art. 456-A, parágrafo único da CLT, pelo qual a higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipótese em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas comuns (MIZIARA, 2018, p.41).

Quanto à natureza jurídica das utilidades mencionadas no parágrafo único do artigo, Delgado e Delgado (2017, p.139) entendem que “efetivamente, em princípio, são utilidades fornecidas para a prestação de serviço, não apensas para viabilizá-la como também para torná-la de melhor qualidade. Por isso não ostetam mesmo natureza salarial.”

Além da devida harmonização dos artigos 2º e 75-D da CLT na tentativa de obtenção de solução ao tema, o Enunciado 70 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da Anamatra trata do custeio dos equipamentos em regime telelaboral, trazendo a lume a Constituição Federal e a Convenção 155 da OIT:

TELETRABALHO. CUSTEIO DE EQUIPAMENTOS. O contrato de trabalho deve dispor sobre a estrutura e sobre a forma de reembolso de despesas do teletrabalho, mas não pode transferir para o empregado seus custos, que devem ser suportados exclusivamente pelo empregador. Interpretação sistemática dos artigos 75-D e 2º da CLT à luz dos artigos 1º, IV, 5º, XIII e 170 da Constituição da República e do artigo 21 da Convenção 155 da OIT.

(Enunciado Aglutinado nº 1 da Comissão 6).

Noutro giro, seria preocupante interpretação diversa pois, em momentos de crise e de desemprego estrutural, o empregador acabaria invocando o art. 75-D como condição para contratação de empregado, o que seria manifestamente injusto e contrário aos princípios fundamentais da valorização do trabalho e da livre iniciativa (LEITE, 2018, p.199-200).

Por fim, melhor entendimento acerca desta temática é no sentido de que se trata de dever do empregador a aquisição, a manutenção ou fornecimento dos equipamentos e estrutura necessárias à prestação do teletrabalho, bem como é direito do teletrabalhador ter os valores eventualmente gastos com os equipamento reembolsados por aquele.


FISCALIZAÇÃO DO MEIO AMBIENTE TELELABORAL E RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANOS (ART. 75-E DA CLT)

O artigo 75-E10 da CLT é o último a tratar do teletrabalho e prevê que o empregador deverá instruir os empregados com relação às precauções contra acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, ficando o empregado obrigado às instruções por meio de termo de responsabilidade. A Constituição Federal, em seu art. 7º, XXII, trata como direito fundamental dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Ademais, os arts. 157. e 158, ambos da CLT, já dispunham sobre os deveres do empregador e empregado no que tange ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho. Entretanto, ao regulamentar o teletrabalho, o legislador foi omisso no tocante ao dever do empregador de fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, levando a crer, numa análise superficial, que, para se eximir de qualquer responsabilidade, bastaria ao empregador instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a serem tomadas a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.

Porém, pela lógica do teletrabalho, que estende, em alguma medida, o conceito de meio ambiente do trabalho também para o ambiente privado do trabalhador, pode-se falar, em tese, abstratamente, na possibilidade de responsabilidade empresarial pelos danos da infortunística do trabalho também nesses casos (DELGADO e DELGADO, 2017, p.139-140).

Neste mesmo sentido é o entendimento na Anamatra, consubstanciado no Enunciado 72 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:

TELETRABALHO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR DANOS. A mera subscrição, pelo trabalhador, de termo de responsabilidade em que se compromete a seguir as instruções fornecidas pelo empregador, previsto no art. 75-E, parágrafo único, da CLT, não exime o empregador de eventual responsabilidade por danos decorrentes dos riscos ambientais do teletrabalho. Aplicação do art. 7º, XXII da Constituição c/c art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

(Enunciado Aglutinado nº 3 da Comissão 6).

Entretanto, como lecionam Delgado e Delgado (2017, p.139-140), tornar-se-á mais difícil a comprovação tanto do nexo causal como, especialmente, a culpa do empregador, fazendo que este seja um tema cujo melhor aprofundamento e conclusões se dará com o acúmulo de experiências práticas ao longo do tempo.

Em que pese a Reforma Trabalhista, ao instituir o dever do empregador em instruir o empregado quanto às precauções em face de doenças e acidentes, seja omissa quanto ao modo pelo qual deverá ocorrer a fiscalização do meio ambiente do trabalho, o entendimento da Anamatra é no sentido de que a adequação e a fiscalização do amabiente telelaboral é responsabilidade do empregador, conforme disposto em seu Enunciado 83, também da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:

TELETRABALHO. CONTROLE DOS RISCOS LABOR-AMBIENTAIS. O regime de teletrabalho não exime o empregador de adequar o ambiente de trabalho às regras da NR-7 (PCSMO), da NR-9 (PPRA) e do artigo 58, § 1º, da Lei 8.213/91 (LTCAT), nem de fiscalizar o ambiente de trabalho, inclusive com a realização de treinamentos. Exigência dos artigos 16 a 19 da convenção 155 da OIT.

(Enunciado nº 1 da Comissão 6).

Portanto, faz-se mister que o vazio legislativo seja preenchido pelo contrato individual de trabalho ou pelas previsões normativas oriundas de negociações coletivas e, não o sendo, imperativa a invocação do Código de Trabalho Português, por força do art. 8º da CLT que autoriza o uso do direito comparado frente a normas lacunosas.

Percebe-se que o legislador português preocupou não só em resguardar a saúde e segurança do teletrabalhador, mas também a sua privacidade, ao prever, no art. 170. da legislação trabalhista portuguesa:

Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho. 1. - O empregador deve respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste, bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psíquico. 2. - Sempre que o teletrabalho seja realizado no domicílio do trabalhador, a visita ao local de trabalho só deve ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalho e apenas pode ser efetuada entre as 9 e as 19 horas, com a assistência do trabalhador ou de pessoa por ele designada. 3. - Constitui contraordenação grave a violação do disposto neste artigo.

Logo, é preciso atenção para os modos de controle e vigilância do labor em regime de teletrabalho levados a efeito pelo empregador, pois em nenhuma hipótese poderá haver lesão ou ameaça aos direitos fundamentais de privacidade, imagem e intimidade do empregado, máxime porque a sua proteção em face da automação também é considerado um direito fundamental social (LEITE; 2018, p.200).

Desta forma e, por fim, em casos de comprovada ocorrência de acidente de trabalho, o empregador terá a obrigação de apresentar toda documentação que comprove a fiscalização ativa do meio ambiente do trabalho, bem como demonstrar que se valeu de todos os meios capazes para manter equilibrado o meio laboral do teletrabalhador, sob pena de responsabilização pelos danos causados.


CONCLUSÃO

Diante do exposto e considerando-se a flexibilização do trabalho, tanto temporal (jornada de trabalho) quanto física (local de trabalho), o deslocamento da mão de obra, bem como a criação de novas demandas e funções, conclui-se que a prestação de serviços em regime de teletrabalho é uma realidade que se fixou no cenário globalizado atual.

Logo, a regulamentação da legislação trabalhista sobre o tema, iniciada com a Reforma Trabalhista, se faz necessária, tendo em vista a insuficiência da norma reformadora, que não cuidou em prever as pormenoridades do instituto, deixando em aberto muitas questões, o que certamente gerará insegurança jurídica às partes envolvidas nas atividades sob o regime do teletrabalho.

Outrossim, nítida a urgência da conscientização das partes contratantes no que se refere às desvantagens do telelabor, maiormente no que concerne ao isolamento do empregado, tornando-se imprescindível a capacitação profissional tanto para adequar o trabalho às novas tecnologias implantadas quanto para reciclar e absorver a força de trabalho nas novas condições laborais.

Ademais, com a finalidade de se resguardar a igualdade assegurada pela Constituição, nota-se a necessidade de atenção do Poder Público quanto às mazelas causadas ao trabalhador devido a jornadas estendidas para além do permissivo constitucional sem a devida contraprestação e a fiscalização ativa do meio ambiente laboral a fim de se evitar doenças ocupacionais e acidentes de trabalho, cujas ocorrências impactariam também em toda a sociedade.

Por fim, considerando-se a vedação de precarização do trabalho e o princípio jurídico de não retrocesso social, aos profissionais do Direito caberá a missão de provocar reflexões jurídicas sobre as normas introduzidas pela lei 13.467/2017 objetivando a preservação dos direitos fundamentais dos trabalhadores e possibilitando um verdadeiro equilíbrio entre capital e trabalho.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho de acordo com a reforma trabalhista. 16. ed. São Paulo: Método, 2018.

CLT organizada, organização Vólia Bomfim Cassar. Consolidação das leis do trabalho. 3ed. São Paulo: Método, 2019.

CÓDIGO do Trabalho de Portugal. Aprovado pela lei 7/2009 de 12 de fev. de 2009. Disponível em: <https://cite.gov.pt/asstscite/downloads/legislação/CT20032018.pdf>. Acesso em: 12 de jun. de 2019.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. O teletrabalho: importância, conceito e implicações jurídicas. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9º Região, Curitiba, PR, v.3, n.33, p.8-27, set. 2014.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da Reforma Trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil com os cometários à lei 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

MELO, Geraldo Magela. O trabalho na nova CLT. 28. de jul. de 2017. Disponível em: <https://www.anamatra.org.br/artigos/25552-o-teletrabalho-na-nova-clt>. Acesso em: 11 de jun. de 2019.

MIZIARA, Raphael. A reforma trabalhista e o novo regime jurídico do teletrabalho. Revista Trabalhista (Rio de Janeiro), v. 1, p.201-209, 2018.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

ORGANIZAÇÃO Internacional do Trabalho e Eurofund. Working anytime, anywhere: The effects on the world of work. 15. de fev. de 2017. Disponível em: <https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_544296/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 11 de jun. de 2019.

PROGRAMA Jornada do Tribunal Superior do Trabalho. Quais os direitos de quem trabalha em home office? 03 de jun. de 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PqSqYVA_OgE>. Acesso em: 10 de jun. de 2019.

SAP Consultoria em recursos humanos em parceria com a Sociedade brasileira de teletrabalho e teleatividades (Sobratt). Pesquisa home office 2018. 01. de dez. de 2018. Disponível em: <https://www.sobratt.org.br/index.php/01122018-pesquisa-home-office-2018/>. Acesso em: 11 de jun. de 2019.

VADE Mecum Acadêmico de Direito Rideel / Anne Joyce Angher, organização. Constituição Federal da República de 1988. 28. ed. São Paulo: Rideel, 2019.


Notas

2 Espécie mais utilizada no Brasil atualmente.

3 Modalidade bem difundida na Europa, mas não muito utilizada no Brasil, apesar de ser uma das melhores alternativas.

4 Aplicado aos trabalhadores que costumam viajar muito.

5 Subordinação pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber, ou não, ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. DELGADO (2016:314).

6 Art. 75-C: A prestação de serviço na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. §1º: Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual. §2º: Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de 15 dias, com correspondente registro em aditivo contratual.

7 Art. 62: Não são abrangidos pelo regime previsto neste Capítulo: (...) III - os empregados em regime de teletrabalho.

8 Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupões que toda pessoa goze de do mesmo em condições justas, equitativas e satisfatórias, para o que esses Estados garantirão em suas legislações, de maneira particular: (...) “e” – segurança e higiene no trabalho; (...) “g” – limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres e noturnos; “h” – repouso, gozo no tempo livre, férias remuneradas, bem como remuneração nos feriados nacionais.

9 Art. 75-D: As disposições relativas a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como o reembolso das despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único: as utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

10 Art. 75-E: O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho. Parágrafo único: O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador

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Sobre a autora
Tatiana Dias Claro

Advogada especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-graduanda em Direito Constitucional. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/Campinas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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