O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA

Relação Jurídica Processual

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18/07/2019 às 16:14
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O estudo do processo como Relação Jurídica fundamentalmente possibilita um melhor relacionamento entre as partes (autor e réu) com o Estado-juiz. Seu (processo) emprego visa estabelecer a busca da prestação jurisdicional pretendida pelos sujeitos processu

O PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA

Alberto Luiz Alves.[1]

Sumário: 1 Introdução; 2 Resolução dos Conflitos na História; 3 Processo como Relação Jurídica; 3.1 Processo como Situação Jurídica; 3.2 Relação Jurídica no Processo formando um Vínculo entre as Partes; 4 Conclusão. 5 Referências.

Belo Horizonte

2019

RESUMO

O estudo do processo como Relação Jurídica fundamentalmente possibilita um melhor relacionamento entre as partes (autor e réu) com o Estado-juiz. Seu (processo) emprego visa estabelecer a busca da prestação jurisdicional pretendida pelos sujeitos processuais, proporcionando-lhes a promoção da justiça. Este trabalho busca verificar de que forma vem sendo empregado os pressupostos jurídicos, objetos e sujeitos processuais no processo. Uma vez que, a inobservância desses pressupostos pode dificultar a interação entre as partes e o Estado-juiz. No processo as construções teorias pós-período da defesa do direito individual denominado de autotutela, perpassou-se pelo período romano (privatista) em que o processo assumia a estrutura de um contrato. Posteriormente, o período (publicista) em que o contrato é considerado um quase-contrato e, consequentemente, viu-se o contrato como uma Institucional. Surgem, portanto, teorias do processo como situação jurídica que, apesar de colidirem com a teoria do processo como uma relação jurídica, elas vieram a se complementarem. Assim, essas teorias se convergiram e na contemporaneidade veio a prevalecer à proposta elaborada por Bülow, com sua construção de uma relação triangular entre as partes (autor, réu e juiz), contudo, não subordinando o Estado-juiz, mas tendo-o como coordenador dos atos pertinentes ao processo e aos seus atos processuais perante as partes. 

Palavras-chaves: Autotutela; Situação Jurídica; Relação Jurídica; Processo e Procedimento.

1 INTRODUÇÃO

Na atualidade, doutrinadores apesar de procurarem inovar suas teses, esses e demais intérpretes do Direito (Juristas), em toda pesquisa e aprofundamento do estudo da Ciência Jurídica, bem como em sua produção do conhecimento processual, questionam qual a natureza jurídica de qualquer instituto do Direito; o que, não poderia ser diferente, com o instituto processual (o processo). Salienta-se, porém, que pouco importa qual o instituto processual ou o seu papel; os estudiosos mantém, por certo, uma linha central que repousa, sobre os pressupostos já consagrados pela doutrina clássica, o que vai ao encontro das construções teóricas contemporâneas da Teoria Geral do Processo.

Para ilustrar, é possível citar que para alguns, o processo figura-se como um contrato, para outros um quase-contrato e, há aqueles, que o tem como uma instituição[2]. Todavia, a perspectiva teórica pretendida é o processo como uma formação de uma relação jurídica. Daí o presente trabalho ter por finalidade estudar essa relação jurídica processual, fixando seu conceito, suas características e sua estrutura ou partes distinguidas pela doutrina. Em linhas gerais, em um contexto breve, o artigo buscará guiar-se, sobretudo, quanto à importância do Processo e sua relação jurídica na contemporaneidade.

Ainda vale dizer, que do muito que tem sido feito em produção doutrinária no âmbito processual, sobretudo, no âmbito prático; longe está o desejo de se chegar a uma proposta matricial pronta e acabada do entendimento do tema. Aliás, por mais pretensiosa que seja o desejo, este é um horizonte que parece estar ainda distante de se descortinar nessa proposta. Mesmo por que pode-se, inicialmente, após pequena reflexão vislumbrar que numa sociedade como a nossa, onde a técnica legislativa é produzida como se problemas complexos pudessem ser solucionados com soluções simplistas, pretender questionar, apontar erros e propor diretrizes seria imprudente. Por outro lado, o legislador apesar de ter um papel muito bem demarcado, a esse sim, cabe buscar chegar a uma proposta perfeita, ou quase perfeita. O que poderá falhar.

De fato, com o avançar da sociedade e historicamente, com o avançar da ciência do Direito, nota-se que essa encontra-se comprometida, dedicada, integrada, e com uma visão sistêmica, objetivando buscar valores reconhecidos, a fim de elaborar teorias mais adequadas ao desenvolvimento de legislações cada vez mais bem elaboradas, amplas e com vista a alcançar a justiça, focada e ancorada, em bases de natureza sociológica, filosófica, histórica, econômica, social e política, afastando-se dos posicionamentos elaborados tão-somente consubstanciados no senso-comum[3] jurídico e político, mas, sim, centrado na busca da melhor reflexão doutrinária e melhor construção técnica legislativa.

Não raro, tem-se que toda norma estatuída, apesar de não gerar clareza, esta sujeita-se ao processo de demandas, seja pela mudança dos costumes, da sociedade, ou pelo enriquecimento do conhecimento jurídico. No entanto, a dúvida que surge é quanto às prováveis lacunas deixadas por uma proposta legislativa, principalmente, quanto à matéria processual. É neste contexto, que verifica-se a importância pragmática da natureza jurídica do processo.

Assim, de maneira palpável o esforço desse estudo é entender a relação jurídica entre as partes e a imparcialidade do Estado-Juiz na solução das demandas. Daí vê-se que, Jurisdição, ação e processo são saberes essenciais nesta construção jurídica. Nisto o saber processual vem se instituindo, fortalecendo e se consolidando, porém, não são suficientes para modificar a realidade jurídica, tornando efetivo o acesso ao juiz natural, inerte e imparcial de maneira justa. Porquanto, este estudo discutirá, por conseguinte, a Teoria Processual no sentido de considerá-la como um processo de construção progressiva, envolvendo o juiz e as partes e, obviamente, a noção dessa relação processual.

Nesse sentido, verificar-se-á a importância da formação da relação jurídica, e o que é essa relação diante do Poder Judiciário, estabelecendo-se uma das mais relevantes Garantias Fundamentais consubstanciada na Constituição Federal. Assim, esse poder de conformação sistematizada e discutida por teóricos processuais perpassará pelas noções iniciais e existentes quanto a essa relação jurídica do processo e de que maneira essa relação processual vem sendo delineada.

Por fim, percebe-se que no processo seja baseado em relações materiais ou em relações processuais os seus atos constituem-se em três polos: A uma, pelo ente imparcial (o juiz). A duas, pelo requerente ou o polo ativo (o autor); e a três, o polo passivo, o réu, culminando na questão procedimental do processo, visando uma aplicação direta do direito e a busca de uma prestação jurisdicional[4].

2 RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS NA HISTÓRIA

Aplicar uma justa decisão sobre um determinado fato pretendido por duas ou mais partes foi historicamente sempre um papel dos mais difíceis desde há tempos idos; antigo, velho, prístino na história do homem. Na evolução dos tempos tem-se como marco histórico das soluções dos conflitos na sociedade, a autotutela, a autocomposição e a heterocomposição. A constatação sobre o predomínio de um pensamento à época era que a força física prevalecia como meio eficaz, impondo a vontade do mais forte sobre a do mais fraco. Com relação a isto, vê-se que a autotutela predominou por vários anos na história como sendo o único e eficaz meio para solucionar os conflitos[5].

Por não se manifestar uma norma que estipulasse a maneira como os particulares resolvessem os seus interesses de vontade, estava presente uma zona de confluência de tensões, ruídos e, sobretudo, silêncios normativos. Os particulares outrora, em especial, antes da sociedade tida como civilizada, enfrentavam o desafio da responsabilidade compartilhada entre os diferentes níveis de força e esferas de poder para resolver suas lides. Desde a muito o conflito tinha uma definição jurídica específica até que esse passou a se denominar de “lide” (Carnelutti), o qual passou a ser conhecido como conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida[6]. Nos termos processuais, “a lide significa a dedução da pretensão do autor e a pretensão-resistida do réu. Assim, lide seria o conflito de interesses posto em juízo. No Código de Processo Civil, atualmente, muitas vezes, a palavra lide é empregada com o sentido de mérito, fatos controvertidos e normas de direito material que deverão incidir no caso, solucionado a controvérsia”[7] (GRIFO NOSSO).

Mas, nem sempre foi assim, era a autotutela[8] que permitia o exercício de uma coerção pelo particular, em defesa de seus interesses. Obviamente, que na atualidade, a sociedade tem restringido, ao máximo, as formas de exercício da autotutela, pelo uso da força, transferindo ao Estado as diversas e principais modalidades de exercício de solução dos conflitos, das lides. Para Rosemiro (2014,p.18) a autotutela “É de manifesto equívoco dizer que [...] o uso da violência privada tenha abrigo atualmente na legislação brasileira, ainda mais quando se sabe que as Constituições Brasileiras, em sua maioria, nomeadamente a Constituição vigente de 1988, acolhem o princípio da reserva legal pelo qual a lei há de preceder à violação, com reconhecimento ou garantia de direitos (art. 5º, II, XXII, XXXIX, da CF/1988)”.

Para esse autor a autotutela, em sua constituição, fosse autorizada em um dispositivo legal, evidentemente proporcionaria ao instituto jurídico legal um retrocesso histórico inaceitável e inconcebível face às concepções histórico-sociológicas de justiça privada ou o emprego arbitrário das próprias razões. No arcabouço jurídico vigente, não há como essa condição ser recepcionada, porém de plano ser formalizado um instituto legal de autodefesa em âmbito do direito pessoal e Estatal (sociedade)[9].

Para ilustrar, verifica-se que, no quadro evolutivo das soluções de conflitos existentes, a sociedade, historicamente implementou várias maneiras para que as situações controvertidas pudessem ser solucionadas. A título de exemplo, citado anteriormente, a autotutela foi durante anos o meio eficaz e aceitável para resolver as lides, pela qual quem possuísse mais poder ou força física prevalecia. Nesse período, este tipo de atitude aceita demonstrou ser desagregadora e muito opressora, pois subjugava os mais fracos. A autotutela não pode ser confundida como um tipo de legítima defesa.

Essa era e continua sendo entendida como o emprego moderado da força física legítima para opor-se a injusta agressão imposta por outrem. Já a autotutela era a imposição ilegal da vontade do mais forte sobre o mais fraco, frise-se. Essa não é admitida pelo direito, no entanto, indesejavelmente, ainda, porém, noutros moldes, essa subsiste, sendo bastante utilizada na sociedade, apesar de presença da ilegalidade[10].

É impossível comparar realidades, mas a evolução histórica doutrinária processual foi por demais importante para delinear os contornos do direito processual contemporâneo. Há momentos de relevante importância nessa evolução, citá-los enriquece essa reflexão. Na formação do processo romano, pode dividi-lo em três grandes momentos: legis actiones (da fundação de Roma até aproximadamente 149 a.C.), período formulário (inicia-se com a Lei Aebutia e segue durante a República) e extraordinária cognitio (de Deocleciano até a codificação de Justiniano)[11].

Nos dois primeiros momentos, o processo possuía duas fases bem nítidas e distintas: in iure e in iudicio (ou apud iudiciem). Na primeira fase, as partes compareciam perante o magistrado – primeiro o rei e depois o pretor -, que examinava se aquele direito que se apresentava era tutelado pelo ordenamento jurídico – espécie de exame de admissibilidade da demanda. Findo tal exame e em sendo admissível a demanda, firmavam as partes o contrato de litiscontestatio, comprometendo-se a levar o processo até o fim, bem como a acolher a decisão final. Ademais, era eleito, nesse momento, um iudex ou arbiter para julgar a causa[12].

De maneira breve pode-se citar, também, a título, de contribuição ao estudo a autocomposição e a heterocomposição duas formas que surgiram há anos para solucionar os conflitos. O primeiro é uma instrumentalização pela qual os interessados na elucidação de seus conflitos, ausente o Estado jurisdicional, conciliavam-se por meio dos institutos da renúncia, submissão, desistência e transação[13]. Seguramente solução de conflito muito mais avançada do que a autotutela, no qual a solução da lide não passa mais pelo emprego força física exclusivamente, mas sim, pela conciliação das partes. Essa modalidade tem por característica a participação exclusiva dos interessados na celebração de um acordo que pudesse evitar o emprego de força física[14]

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Já a heterocomposição caracteriza-se pela forma de resolução de conflito, em que há a participação de um terceiro não interessado na resolução da lide. O embrião do juiz é justamente esse terceiro, que, nos primórdios, era escolhido pelas partes e que num segundo momento passou a ser indicado pelo próprio Estado. Essa solução de conflito subdivide-se em institutos, hoje, conhecidos, como: mediação e arbitragem.

O primeiro se constitui na participação de um terceiro que não possui poder de decisão. Assim, ele (o mediador) deve apenas orientar as partes no sentido de uma composição, mas, diante da impossibilidade, não há nada que possa fazer. Já no segundo caso (a arbitragem), surge num segundo momento, no Direito Romano, onde o árbitro possuía poder de decisão. Isso significa dizer que diante da não composição das partes, o árbitro estava autorizado pelas próprias partes, a decidir a questão. Esses árbitros passaram a ser designados pelo Estado Romano para resolver as lides e passaram a ser chamados de praetor. Essa figura passou a desenvolver sua atividade mediante designação do imperador, com a incumbência de aplicar o direito do Império Romano. Quando isso passou a ocorrer, surgiu então a jurisdição, que era justamente o poder dado aos pretores de dizer o direito do Império Romano[15] [16].

3 PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA

O processo conceitualmente vem sendo entendido como sendo um instrumento jurídico estruturado em um ordenamento de atos procedimentais, com a finalidade de alcançar uma provisão jurisdicional, surgindo direitos, deveres ou ônus para as partes, previsto em lei processual. Aqui, as partes são os sujeitos que integram a instrumentalização processual juridicamente constituída.[17] Por seu turno os ensinamentos de Moacyr Amaral Santos apud Cintra, Grinover e Dinamarco (2014) “o processo é uma relação entre os sujeitos processuais juridicamente regulados”. É, portanto, uma relação jurídica instituída no processo.

Isto quer dizer tratar-se de um vínculo, entre pessoas, de natureza jurídica. Ou seja, o termo processo surge rico em acepções e, consequentemente empregado tanto na linguagem comum, na linguagem científica, na linguagem filosófica e na linguagem jurídica (com mais ou menos rigor). Para Gonçalves (2012, p.49-50) na linguagem habitual, costumeiramente, diz-se que o processo são etapas, um desenvolvimento, um método, um movimento, uma transformação. Já para renomados estudiosos da Teoria Geral do Processo Etimologicamente processo significa “marcha avante ou caminhada – do latim, procedere=seguir adiante (CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, 2014, p.317)”.

Significa dizer direcionar uma pretensão desejada ao um determinado fim, compondo, a ideia de desenvolvimento temporal. Como uma disciplina, a Teoria Geral do Processo não busca esclarecer que a acepção do termo processo adquiriu um significado axiomático valorativo nas ciências autonomizadas. Muito antes, pelo contrário, sequer busca-se afirmar que ela seja demonstrativa. Todavia, presta-se a missão de determinar que ela é um conjunto de conhecimentos recolhidos e propedeuticamente organizados para a compreensão dos elementos teóricos configuradores do processo no campo do Direito, ou seja, que devemos conhecer antes de iniciar uma investigação científica, pois somente ela pode indicar os procedimentos (métodos, raciocínios, demonstrações) que devemos empregar para cada modalidade de conhecimento jurídico.[18]

Foi a partir da publicação da obra de Bülow (Teoria das Exceções Processuais e os Pressuspostos Processuais), é que “a palavra processo assumiu a versão de uma relação jurídica entre o juiz e as partes, ou de sequência progressiva de atos das partes, sob a direção do juiz, segundo interesses ou direitos subjetivos invocados pelos demandantes (Autor e Réu) para obter uma decisão que solucionasse a controvérsia existente (LEAL,2014, p.77)”.

Daí surge a Relação Jurídica formando um vínculo entre várias pessoas, mediante a qual uma delas pode pretender alguma coisa a que a outra está obrigada. Dentro de um já mostrado processo, como série ordenada de atos, tendentes a um fim, que é a provisão jurisdicional, que compreendem ser direitos, deveres e ônus das partes, além de poderes, direitos e deveres dos órgãos jurisdicionais, prescritos e regulados pela lei processual. Portanto, a Teoria Geral do Processo é um método, ou seja, “direção regularmente seguida na operação do pensamento sobre um objeto”[19](GRIFO NOSSO).

Com efeito, permite a partir de agora perceber o que venha a ser propriamente um processo. Tendo em vista o monopólio da Jurisdição[20]detido pelo Estado, e este afasta a possibilidade de uma reação imediata dos pretensos titulares de um determinado direito para sua efetivação (autotutela), isto em razão, desses pretensos titulares terem que se submeter a uma investigação que será levada a efeito pelo próprio Estado, através do Poder Judiciário.

Com isto, desde que lesado (ou ameaçado de lesão) pretenso direito, surge a necessária apreciação da prestação jurisdicional, e aparece a partir daí, ao lado daquela relação jurídica existente, entre o titular do direito e o próprio Estado, o qual deverá prestar essa proteção, a previsão de uma entrega de tutela jurisdicional. Essa segunda relação receberá o nome de relação jurídica processual. Essa em última análise, a qual denomina-se de relação jurídica processual, possui uma específica peculiaridade em relação a outras relações jurídicas exercidas pelo Estado, qual seja, os destinatários do ato derradeiro do processo são convocado a participar ativamente de seu resultado em forma contraditória. O que não acontece com as relações legislativas e administrativas[21].

3.1 PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA

Um tema importante é o processo como uma força que promove ação e justifica a prática de todos os atos do procedimento, que interligam os sujeitos processuais[22] relacionados de uma pretensão[23]. Na doutrina, Amendoeira Jr (2007, p.249), descreve com maestria que no processo as “Partes legítimas são os sujeitos da relação processual que também sejam os titulares das pretensões em jogo a quem a lei confira legitimidade para estar em juízo, formulando aquela pretensão”. Portanto, essa legitimidade, deve ser analisada diante do caso concreto, caso a caso, em função da contextualidade da situação. E isto é uma das condições da ação[24].

No seu conjunto, segundo Fazzalari (1989, p.8) “o processo não busca ‘decisões justas’, mas assegura as partes participarem isonomicamente na construção do provimento”[25]. O paradigma sistêmico sugere possibilidades concretas de “justiça” da decisão advinda da visão do julgador, de sua Ideia ou magnanimidade. O giro mais importante é a compreensão de que o processo afasta o chamado, pela doutrina, de “tema-ponte a interligar o processo civil com a justiça social” ou o surgimento de um problema inserido no contexto social e econômico, solução da qual caberá à decisão auspiciosa do juiz[26].

Em diferentes medidas, vários estudos, alguns autores identificam a natureza jurídica centrados na “essência” desse pressuposto, a fim de posicioná-lo na Teoria Geral do Direito. Assim, em síntese, a trajetória dos estudos é ilustrada da seguinte maneira. Há aqueles que propõem teoria deste Instituto (Natureza Jurídica do Processo) caracterizando-a como um jogo, falando como mistério do processo, ou afirmando que o processo é como a miséria das folhas secas de uma árvore, ou até mesmo vendo-o como busca proustiana do tempo perdido[27].

Por sua vez, apesar dos diversos pontos controvertidos na doutrina é pacífico o caráter público do processo moderno, em posição contrária ao outrora processo civil romano, que naquela época era considerado puramente privatista. Hoje, todavia, o processo é visto como um instrumento de exercício da função estatal (jurisdição), que evidencia a autonomia de uma autoridade própria, soberana, independentemente da voluntária submissão das partes.

Em contraposição ao direito romano que o resultado do processo via-se na elaboração de um contrato firmado entre as partes (litisconstestatio), no qual produzia-se um acordo aceito por ocasião da decisão que fosse proferida. Assim como em outras áreas as diversas teorias que propuseram uma linha de raciocínio sobre a natureza jurídica do processo revelam a visão publicista ou privativista assumida pelos seus formuladores. Salientando que o processo como contrato de aplicação romanísticos tem Pothier, como um dos principais defensores[28].

Em outras palavras, ao falar em contrato, pensavasse em acordo de vontades entre as partes. Como mencionado, no direito processual romano, o Estado não estava em um estágio tão avançado, possibilitando que sua vontade prevalecesse sobre a das partes litigantes. Nessa perspectiva, justificavasse, que a sentença pudesse ser coercitivamente imposta aos contendores, impondo o cumprimento da decisão. Isto era a concepção da “litiscontestatio”. Como há muito se sabe, na doutrina construída, ao se propor uma ação e o réu ao ser chamado em Juízo, as partes, por meio da “litiscontestatio”, elaborava-se um contrato judiciário, que obrigava as partes a permanecerem, no processo, até o fim; e ao final acatar a decisão do “arbiter[29].

O enfoque dominante era que o Direito Processual confundiasse com o próprio Direito Privado, com o objetivo de defender um direito, ao ser lesado. Para tanto, a doutrina Francesa dos séculos XVIII e XIX, invocada por um texto de Ulpiano (D. XV, I, 3º, 11) e pela doutrina política do contrato social de Rousseau, manteve a ideia do “iudicium” como um contrato. Revelando-se o atributo de que o acordo de vontades, ou a convenção entre as partes, vinculava ou impunha a decisão do juiz aos litigantes[30].

O processo como situação jurídica é proposta por Goldschmidt, a qual critica a teoria da relação jurídica processual formulada por Bülow, em 1868, que conferiu à sua teoria a seguinte concepção. O direito processual civil não teria chegado a um estágio de evolução, se comparado com o direito civil ou com o direito penal, e isto se deveu à situação de que os estudiosos doutrinadores não conseguiram, até então, distinguir o "processo" do "procedimento[31]"[32] (GRIFO NOSSO).

Nesse sentido é preciso entender o que seja o processo como situação jurídica. Essa teoria não exclui a ideia, ou o dever da área do Direito. Segundo Gonçalves (2012,p.72) o processo “[...] não é concebido apenas como um instrumento coativo, mas não aceitará, também, a clássica concepção de relação jurídica como vínculo entre sujeitos, e do direito subjetivo como poder a conduta de outrem.”

Invariavelmente, a construção doutrinária sobre a situação jurídica, sinteticamente, pode-se dizer que, essa também, passou pela fase polêmica de elaboração de uma vertente que afirmava que as situações jurídicas dividiam-se em concretas e abstratas, para que nessas incluíssem os direitos de liberdade, de personalidade, conforme afirmava Julien Bonnecase, enquanto ideas jurídicas abstratas (GRIFO NOSSO)[33].

Já Paul Roubier, em uma segunda Ideia, afirmava que as situações jurídicas não nascem automaticamente da lei, pensamento que ofereceu uma contribuição definitiva para o tratamento teórico da tese. Paradoxalmente, Roubier rejeita a Ideia de Bonnecase, afirmando que não era possível dizer em situações jurídicas abstratas, as quais são apenas complexos normativos.

Em outra medida, o ato jurídico é susceptível de criar a situação jurídica. Essa tese rejeita a teoria da relação jurídica, como construção do individualismo do século XIX, e, sobretudo, o posicionamento clássico de direito subjetivo, que via como mera metafísica, subdividindo as situações jurídicas em legais ou objetivas, as quais derivavam-se diretamente da lei, e individuais ou subjetivas, que poderia resultar nas manifestações individuais de vontade[34].

Vale acentuar para melhor entendimento que para Roubier a superioridade da categoria da situação jurídica sobre a da relação jurídica era em razão de sua amplitude. Para ele todas as leis são elaboradas para posicionar certo número de situações jurídicas que podem ser unilaterais ou oponíveis a todas as pessoas, as quais podem ser formadas por ocasião de um fato, ou de um ato ou de uma variedade de fatos ou atos, e que pode ser encarado na mesma forma ou explicado pela categoria da relação jurídica porque não deriva de vínculo entre sujeitos[35].

Além disso, a teoria das situações jurídicas se estruturou não como um vínculo jurídico entre dois sujeitos, com a força de exigibilidade de um sobre o ato do outro. A situação jurídica estruturou-se por meio de um fato jurídico ou por meio de um ato da mesma espécie, constituindo-se segundo a lei que orienta a sua elaboração. Daí, uma vez constituída, torna-se ela um complexo de direitos e deveres de uma pessoa, direitos e deveres que não se fixam mais no plano abstrato e genérico da norma, mas que se revela na situação de um determinado sujeito[36].

3.2 RELAÇÃO JURÍDICA NO PROCESSO FORMANDO UM VÍNCULO ENTRE AS PARTES

Destacada sinteticamente a Situação Jurídica no Processo, em outra mão, passa-se a destacar a relação jurídica, segundo Bülow a distinção entre relação jurídica processual e material, aqui, elas relacionam-se por meio de seus sujeitos, seu objeto e seus pressupostos.

Em geral os estudos, questionam que o problema de considerar o processo como uma relação jurídica é a questão da própria relação jurídica.[37] De modo sintético, Gonçalves (2012, p. 83) admite que o “processo como relação jurídica, na acepção tradicional do termo, ter-se-ia que admitir, consequentemente, que ele é um vínculo constituído entre sujeitos em que um pode exigir do outro uma determinada prestação, ou seja, uma conduta determinada”.

Nesse sentido, Bülow demonstrou que o direito de ação, dirigindo-se ao juiz solicitando-lhe o seu exercício da tutela jurisdicional; aquela autoridade poderá deferí-la ou não. Contudo, essa autoridade não deixará de tomar uma decisão sem antes ouvir as partes. Vez que, ao direito do autor da ação, diretamente proporcional, está o direito do réu de ser ouvido e defender-se, a fim de subsidiar a decisão do Estado-juiz[38] [39].

Esta Teoria de Bülow descreve ainda que existe direito de um dos sujeitos processuais sobre a conduta do outro, que diante o primeiro é obrigado, na situação de sujeito passivo, a uma determinada prestação, ou mesmo existe direitos recíprocos das partes sobre a conduta do juiz, que, age sob os auspícios da situação jurídica criada pela lei. Este direito do réu não pode ser-lhe tirado, pois, trata-se de uma garantia constitucional, considerando que o processo não tem o caráter inquisitorial. Pode até acontecer do réu deixar de exercer esse direito e o processo seguir à revelia, mas esse direito deve ser assegurado ao réu[40].

O processo posiciona-se os sujeitos ou partes interessadas – autor, juiz e réu – concedendo-lhes poderes, direitos, correspondência de deveres, obrigações, sujeições e ônus. A doutrina processual formulada por Bülow emprega geometricamente a figura da relação jurídica “trilateral”, inovando a uma formulação anterior denominada de bipolaridade de vínculo normativo existente nessa relação jurídica. Mesmo assim, o doutrinador desconsiderou na relação “angular” ou trilateral, o vínculo jurídico de exigibilidade entre os sujeitos processuais, vínculo esse que constitui a marca de qualquer “relação jurídica” (GRIFO NOSSO)[41]

 Nesse escopo, esse é o ponto significativo da relação jurídica que, quer se negue ou admita-se o direito subjetivo, já possa dizer que essa questão constitua-se em “poder sobre a conduta alheia”, conforme reflexão feita por Gonçalves (2012, p. 83). Seja como for, o entendimento é que o processo diante dessa relação jurídica não identifica-se com a situação de direito material, ou situação de direito substancial, na qual, possa existir ou discutir os efeitos. Assim, mesmo diante da situação de direito material, não pode-se dizer que um sujeito tenha o poder de exigir a conduta de outro sujeito. Por isso que o particular tem, na jurisdição, a condição para assegurar-lhe o direito de pedir ao Estado que substitua-o, na imposição do ato de caráter imperativo.

Retomando a teoria de Bülow, por certo, observa-se nela o marco da autonomia do Processo diante do conteúdo do direito material. É interessante acentuar que esse doutrinador trabalhou em sua teoria pressupostos de existência e desenvolvimento do processo pela relação juiz, autor e réu em que, reafirma-se, para validade e legítima constituição do processo, são requisitos que essas partes devem cumprir de acordo com o disposto em lei processual, enquanto o direito disputado e alegado por elas (partes) formado em momento posterior à formação do processo, verificado pela regulação em norma de direito material, constitutiva de um “bem da vida” que define a matéria de mérito. Há quem afirme que Bülow valeu-se da máxima de Búlgaro (jurista italiano do Séc. XII) que afirmava “judicium est actum trium personarum: judicis, actoris et rei”, ou seja, o processo é ato de três personagens: do juiz, do autor e do réu) – (GRIFO NOSSO).[42]

É preciso lembrar que mesmo diante de uma situação de direito substancial não pode-se, com coerência, aplicar a proposta de Bülow na relação jurídica que, nasceu no individualismo do século XIX, constituía-se em um vínculo entre sujeitos, vínculo que, mesmo quando dita como sendo “coordenação” expressava situações alternadas de subjugação. Portanto, no processo não pode haver tal vínculo entre as partes porque nenhuma delas pode, juridicamente, impor à outra a prática de qualquer ato processual.

A título de exemplificação, no exercício dos atos processuais, a parte sequer se dirige à outra, mas sim ao juiz, que dirige todo o processo. E, do juiz, as partes não exigem conduta ou atos, resolvendo a ideia de que entre o autor, réu e o juiz existiam uma “subordinação” e não apenas uma “relação”. Nessa perspectiva não há como dizer em relação jurídica entre o juiz e a parte, ou ambas as partes, tendo em vista que “[...] não pode exigir delas qualquer conduta, ou a prática de ato algum, podendo, as partes, resolver suas faculdades, poderes e deveres em ônus, ao suportar as consequências desfavoráveis que possam advir de sua omissão”[43].

Neste contexto, adquirem relevância observar a natureza jurídica do processo, na perspectiva da relação jurídica processual sob três aspectos: sujeitos, objeto e pressupostos. Chama atenção na relação jurídica processual, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2014, p. 330-334) os sujeitos dessa relação processual são aqueles que concorrem para dar a esta relação uma identidade própria e distingui-la da relação material não é só a mera presença do Estado-juiz, mas, sobretudo, sua presença na condição de sujeito exercente do poder (jurisdição).

No binômio poder-sujeição “é que reside a principal característica da relação jurídica processual, do ponto de vista subjetivo”. Desta forma, por mera comodidade é prudente salientar que o juiz é sujeito do processo, por ser na realidade, mero agente de um dos sujeitos, que é o Estado. E esse sujeito “não participa do jogo de interesses contrapostos, mas comanda toda a atividade processual, distinguindo-se das partes por ser necessariamente desinteressado (no sentido jurídico) e, portanto, imparcial”.[44]

Além disso, Cintra, Grinover e Dinamarco (2014, p. 330-334) tem-se como objeto dessa relação jurídica processual o serviço jurisdicional o qual o Estado deverá prestar, mediante decidir em cada processo. Portanto, o objeto nada mais é que do que o “mérito” da causa, o objetivo que se busca com a ação. Já os pressupostos dessa relação jurídica são os requisitos essenciais para que essa relação seja válida, sendo: a) uma demanda regularmente formulada; b) capacidade de quem a formula; c) investidura ao destinatário da demanda, ou seja, a qualidade de juiz[45]. Esses requisitos são essenciais para que a ação seja admitida e o mérito seja julgado.

A tudo isso, deve-se mencionar uma parte importante dessa relação jurídica, além do que foi discutido, são as características dessa relação, quais sejam: Autonomia, na qual consiste na independência do direito material. Dessa forma, mesmo que não exista o direito material existirá a relação jurídica. Progressividade revela-se no processo como sendo o desenvolvimento gradual, de forma progressiva, uma relação de movimento. Unidade e complexidade a relação processual é um complexo que resulta da fusão de várias outras e está para elas como a pessoa jurídica para a pessoa natural. Vida e Publicidade, a relação jurídica tem o seu começo e fim. Os diversos atos estruturais não retiram sua unidade. As diversidades estruturais dentro da formação processual não geram novas relações, ao contrário, reforça sua característica de relação uma. Assim se explicam que a nulidade de um ato vicie, mate, atos posteriores (GRIFO NOSSO)[46].

4 CONCLUSÃO

A correta compreensão do processo como relação jurídica incorpora o conhecimento de que o processo é um instrumento através do qual a jurisdição se opera e visa a autuação da vontade concreta da lei, solucionando pretensões, daí sua natureza pública, em oposição a concepção privatista oriundo do processo civil romano.

Supera-se, sobretudo, a muito, a concepção de autotutela. Por sua vez, modernamente, essa relação processual incorporou-se uma dinâmica, compreendida como dinâmica dos poderes jurídicos, através dos quais se criam as situações jurídicas, essas como relação jurídica apresenta-se de maneira estática, entendida como direitos e respectivos deveres. Não por acaso, pode-se concluir que das teorias estudadas essas por mais que possuam aspectos diferenciados quanto à relação jurídica no processo elas não se colidem, mas, se complementam e se integram. Por outro lado, apesar de paradoxal as teorias da relação processual, suas concepções adotadam, um alinhamento convergente no que diz respeito à natureza jurídica.

Não por acaso, vê-se que no processo cria-se uma natureza jurídica firmada entre os estudos contemporâneos a noção de relação – a chamada "relação jurídica processual", que se estabelece entre as partes e o juiz, de natureza triangular. Deve-se isto, sobretudo, à contribuição de Bülow, em 1868, com a teoria que propõe a diferenciação dos papéis dos sujeitos processuais, do processo e do procedimento, a fim de determinar a natureza jurídica do processo na busca da pretensão jurisdicional do Estado-juiz.

5 REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Marcelo Cunha. Teoria Geral do Processo Penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

AMENDOEIRA JÚNIOR, Sidnei. Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Coordenador: MORAES, Alexandre de. São Paulo: Atlas, 2007.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegreni; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: PC Editorial Ltda, 2014.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. 2. Ed. – Belo horizonte: Del Rey, 2012.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: Primeiros Estudos. 12ª Ed. Rev. Atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SOARES, Carlos Henrique; DIAS, Ronaldo Brêtas de carvalho. Manual Elementar de Processo Civil. 3ª Ed. – Belo Horizonte: Del Rey, 2014.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 1. V.47 ed. Rio de Janeiro:Forense, 2007.

Sobre o autor
Alberto Luiz Alves

da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais. Especialista em Segurança Pública pela Escola de Governo de Minas Gerais. Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública pela Escola de Governo de Minas Gerais. Especialista em Comunicação Social pela Universidade Newton Paiva. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Professor de Direito Penal e Processo Penal Comum e Militar. Professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional. Professor de Comunicação Social.

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