A ORIGEM DO DIREITO DO TRABALHO

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19/07/2019 às 19:20
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O objetivo desta pesquisa será demonstrar aspectos sociais, culturais, jurídicos e históricos da origem do direito do trabalho e como ele contribuiu para o desenvolvimento humano.

Introdução

O que é o trabalho? Seria um castigo divino, um motivo de orgulho e prestigio social ou apenas uma forma de sobreviver em um mundo inóspito? A bíblia já o considerou um castigo no velho testamente, como ensinam Gonzalez e Octaviano comentando Genesis  3:19 “com a expulsão de Adão e Eva do paraíso terrestre,  Deus  cominou para o homem a pena do trabalho, como forma essencial de subsistência.”  E nesse mesmo sentido os autores comentam a segunda Carta de Paulo aos Tessalonicenses 3:10  “O trabalho é forma essencial de subsistência humana; ninguém ofereça sustento ao vadio.”[1].

A filosofia grega considerava o trabalho uma atividade  produtiva mundana e material e portanto, indigna.  Platão considerava os escravos (a força de trabalho de sua época) seres sem alma e sem essência humana, um meio caminho entre animais e pessoas. Aristóteles  louvava o ócio como condição fundamental da filosofia [2], afirmando que “o escravo é escravo porque tem alma de escravo, é essencialmente escravo, sendo destituído por completo de alma no ética, a parte da alma capaz de fazer ciência e filosofia”[3]. Sócrates, considerava uma missão divina ser um “vagabundo loquaz”[4]. Cabe aqui, entretanto, cabe mencionar Hesíodo, poeta da alvorada da civilização grega, que escreveu,  Trabalho e Dias, onde  descreve a vida como  o trabalho no decorrer do tempo[5].  

A  origem da palavra trabalho vem de algo penoso ao homem. Na língua grega, a execução do trabalho era expressada por ponos, grande esforço, kámatos, uma ocupação  exigindo capacidade e esforço especial ou ainda kopos, esforço corporal e extenuante.[6]  No Latim, vem de tripalium, instrumento de tortura composto de três paus, a partir do qual a ideia de sofrer veio à de se esforçar, lutar e por fim de trabalhar[7].  No francês, sua etimologia vem de travail, o que faz sofrer, no alemão, arbeit, que antigamente designava moléstia[8].

Predominava a escravidão, o trabalhador era apenas um objeto, não um sujeito de direito. Não mudou sua situação com a servidão, embora tivesse  proteção política e militar do seu senhor, os trabalhadores não tinham condição livre, não podiam exercer seu pleno direito nem tinham  instancias superiores a recorrer[9].

Isto posto,  veremos como o conceito de trabalho vai se transformar pelo pensamento através da história pois é por meio do trabalho que o homem busca suas necessidades materiais e até espirituais[10].

            1. O trabalho  ganha  seu reconhecimento, mas vem a exploração

O trabalho começa a ganhar  seu reconhecimento, não reconhecimento legal ou jurídico, mas sim social, deixando de ser um castigo ou uma praga contra a humanidade. No renascimento se inicia uma visão do trabalho  como um valor a ser buscado, concebendo os frutos do trabalho como  algo  positivo para a humanidade[11].  Inicia-se a partir daí uma valorização do trabalho, de ser mais visto como um castigo, mas um valor a ser perseguido e que traria suas recompensas. Locke acredita que todos os homens são iguais com direito a propriedade, que seria adquirido pela da transformações da coisa, através do trabalho[12]. Smith  afirma “Um homem deve sempre viver por seu trabalho, e seus ganhos devem, pelo menos ser suficientes para sua manutenção.[13]”

            Os teólogos passam a  conceituar trabalho como forma de moldar o mundo à imagem e semelhança de Deus[14]. Calvino chegou a ensinar que o trabalho e a poupança seriam as únicas virtudes do indivíduo,  associando a salvação do homem à economia e a diligência[15].  Começam a surgir ditados como  coma bem ou durma bem – o católico prefere sossegado e o protestante comer bem[16] e “o diabo acha trabalho para mãos desocupadas”[17] O calvinismo trouxe a ideia de  comprovar a fé do indivíduo pelas atividades seculares[18].  Weber menciona o surgimento de  uma ética burguesa, onde abençoado, o empreendedor burguês pode, dentro dos limites de conduta moral, enriquecer. Até as divisões sociais  segundo Calvino seriam um plano divino, para que a classe  dos trabalhadores se mantivesse obediente a Deus[19].  Huberman explica: “Esse é o espirito capitalista. Para o calvinista, tal ensinamento não era um conselho, no sentido comum, mas um ideal da conduta cristã. A melhor forma de trabalhar para a glória de Deus era colocá-lo em prática.[20]”

Quando a burguesia capitalista se sobrepôs ao sistema feudal, o trabalho livre  triunfou sobre a servidão, assim o trabalhador passou a vender sua força de trabalho a quem melhor pagasse[21]. Claro que isso é uma visão do “dever ser”, a falta de qualquer tipo de legislação levou e a ambição dos  industriais a evidente situação de exploração. Assim, não havia mais espaço para a mendicância ou o ócio. O trabalhador que cumpria suas funções como um chamado divino passou a ser o pensamento comum para a classe trabalhadora[22].

Nas sociedades tribais, o trabalho  era dividido  por critérios biológicos. Por exemplo, a idade, o sexo, a força física. Após algum tempo, passaram prevalecer a divisão entre agricultura e indústria.[23]. Assim, com o advento da primeira revolução industrial, as forças humanas e animais deixam de ser a principal fonte de energia do processo produtivo devido a mecanização e a máquina a vapor,  assim sendo artesãos, camponesas, mulheres e crianças, todos vão para as fábricas[24], houve uma quebra da divisão de trabalho, todos eram “iguais”, mas isso não teve um efeito benefício, pois foram todos jogados na vala da exploração.  A acumulação de capital e a existência de uma classe trabalhadora sem propriedades traziam o início do capitalismo industrial[25].

Começa o fenômeno do fechamento das antigas propriedades agrícolas, transformadas pelos grandes latifundiários em pastos, expulsando os camponeses, criando uma classe de mendigos, ladrões e desocupados nas estradas, uma classe pronta a ser explorada nas novas fábricas[26]. Esses fechamentos ou eclosures  representavam uma tragédia para os camponeses expropriados ao mesmo tempo que criavam essa nova classe de trabalhadores urbanos. Ao mesmo tempo  os artesãos arruinados pela competição com as industrias se juntavam aos camponeses na nova classe proletária.[27] As cidades são inchadas  com a nova classe proletária, completamente  desamparada de proteção legal. Thomas Malthus escreve em seu Ensaio sobre o princípio da população, que a solução para a pobreza crescente é negar aos pobres toda a assistência e aconselha-los a abstenção sexual[28] Tais condições  aliadas a um parlamento  focado na  defesa da propriedade privada, onde a classe trabalhadora não era representada criam as condições para  tornar a Inglaterra a “Oficina do Mundo”[29].

Adam Smith trouxe a ideia de que a riqueza das nações não repousava no acumulo de bens, mas sim nos frutos do trabalho[30]. A fonte de toda riqueza viria do trabalho[31]. Ele ensinava  que o trabalho  diferenciava nações selvagens das prósperas. Onde da classe mais pobre poderia gozar de bens com uma quota maior que qualquer selvagem. Desta forma, acreditava que o desenvolvimento das industrias aumentaria  o ganho dos empregados pela procura da mão-de-obra, mas a mecanização maciça acabou por desvalorizar o elemento humano[32].

Huberman ensina:

“Os capitalistas  achavam que podiam fazer como bem entendesse com as coisas que lhes pertenciam. Não distinguiam entre suas mãos e as máquinas. Não era bem assim – como as máquinas representavam um investimento, e os homens não, preocupavam-se mais com o bem-estar das primeiras. Pagavam os menores salários possíveis. Buscam o máximo da força de trabalho com o mínimo necessário para paga-las. Como mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas  e receber menos que os homens, deram-lhes trabalho, enquanto homem ficava em casa, frequentemente sem ocupação. A princípio, os donos de fábricas comparavam o trabalho das crianças pobres, nos orfanatos; mais tarde, como os salários do pai operário e da mãe operária não eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa foram obrigadas a trabalhar nas fabricas e minas.[33]”

Ricardo convenceu-se que a substituição do trabalho humano por máquinas acabou sendo prejudicial à classe dos trabalhadores e que mesmo um aumento do rendimento líquido de um país pode  deteriorar  a condição de vida dos trabalhadores[34].

A miséria  dos trabalhadores da época foi retratada nos livres de Charles Dickens e Emile Zola,  com homens e mulheres trabalhando até dezesseis horas por dia. O Deputado Inglês John Roebuck após visitar um  cotonifício, disse ter saído “gelado”, “é um lugar cheio de mulheres, todas jovens, algumas gravidas, obrigadas a ficar de pé durante doze horas. Trabalham das 5 da manhã  às 7 da noite, com apenas meia hora de descanso. Em certas  salas o calor é sufocante e o cheiro desagradabilíssimo.”[35]

Adam Smith em sua obra Riqueza das Nações, relata que as manifestações dos trabalhadores são severamente reprimidas pelos magistrados civis, resultando em nada, senão apenas em punição[36].

2. Surge o direito do trabalho

Tal situação, mostra como  as leis podiam ser na verdade, um instrumento de opressão.  É neste cenário sombrio que a classe operária começa a se mobilizar, bem como o pensamento da época começa a mudar para buscar algo mais equilibrado entre capital e trabalho, entre a classe patronal e operária.

Essa situação de  penumbra obviamente causava revolta nos trabalhadores. A Europa estava em ebulição, com as revoluções de 1848/primavera dos povos, a queda de Luís Felipe, as jornadas de julho. Começava a surgir a ideologia Marxista, com a fundação da liga dos comunistas em Bruxelas, e já no segundo congresso da liga, Marx e Engels preparavam o Manifesto Comunista, com análise da luta de classes e convocando os operários  a união. Reduzidos a um pobreza crescendo, conforme a sociedade  se tornava mais rica, os operários sonhavam com a sociedade sem classes. O manifesto comunista  trazia a necessidade dos operários se apropriarem dos meios de produção, atingindo pela raiz  o funcionamento do modo de produção capitalista. Nesse ano de 1848, o rei Leopoldo da Bélgica respondia à agitação popular dissolvendo toda  associação operaria no país.[37] Em Colônia, Marx funda a Nova Gazeta Renana, onde escreve numerosos artigos em favor dos operários.[38] Marx, em 1867 em Londres escreve sua obra mais significativa, O Capital,  onde expos as principais críticas à sociedade capitalista e suas contradições[39].

O Marxismo visava fazer da classe operária a classe predominante na sociedade existente, pelos meios possíveis na democracia para depois apoderar-se do poder político[40].  acabou por classificar o capital como a propriedade que garante o capitalista explorar o trabalho alheio[41] e  o capitalismo  como movimento baseado na exploração do trabalho[42]. O Marxismo teve na comuna de Paris (1871)  seu exemplo de organização política e social. Valentin descreve a comuna: “ A feição socialista era nova. O governo provisório comprometeu-se por meio de decretos a garantir a existência dos trabalhadores pelo trabalho e proporcionar trabalho a todos os cidadãos.”[43] o qual foi combatida e derrotada pelas forças da burguesia, houve 10 mil mortes sendo que catorze mil foram enviados ao exilio[44].

Na Inglaterra aparece o  movimento dos luditas, que lutam contra  as máquinas, que  seriam as responsáveis pela opressão do trabalhador, buscando então a destruição das mesmas. O parlamento inglês respondeu transformando em 1812, a destruição de máquinas como crime passível de pena de morte[45]. Na mesma época surge o movimento cartista em que a classe trabalhadora  reivindica: O sufrágio universal, o pagamento aos membros eleitos na câmara (para que não apenas os ricos pudessem exercer a atividade parlamentar), parlamentos anuais,  o fim da restrição de propriedades para os candidatos (também para evitar que apenas os ricos fossem parlamentares), sufrágio secreto para evitar intimidações dos patrões, igualdade dos distritos eleitorais. O cartismo desapareceu lentamente  conforme suas reinvindicações foram sendo aceitas, tendo sido um movimento de origem da classe trabalhadora[46].

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  Neste contexto, nasce a ideia de justiça social apoiado pelo Marxismo (hoje confundindo com a defesa do socialismo), que vai encontrar um contraponto na doutrina social da igreja[47], quando em Roma, o  Papa Leão XIII, preocupa-se com a questão operária desenvolvendo com as nações industriais da época lima política de conciliação entre patrões  e trabalhadores.[48]

Buscando um acordo entre capital e trabalho, dentro dos quadros do cristianismo, ele estimula a criação de círculos operários, para se dedicarem a estudos, conferencias, publicações etc.  Dentre esses se destacou a “União de Friburgo”  que analisa os problemas sociais da classe operária e conclui que eles são solucionáveis pela fé cristã. Em 15 de maio de 1891, com a encíclica Rerum Novarum, a igreja católica da a sua posição oficial em relação aos problemas dos trabalhadores. Busca entre outras coisas, a dignificação da condição do trabalhador, um salário digno, suficiente para manter as necessidades de sua família, rejeita a teoria marxista de inimizade entre as classes e orienta os ricos a não tratar o operário como escravo. Ela define o trabalho como “...uma honra, não uma vergonha, constituindo um nobre meio de sustentar a vida...”. A  Rerum Novarum é uma resposta ao marxismo, crescente devido a opressão dos trabalhadores, ensinando “o socialismo, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicará o operário, se for posto em prática: viola os direitos legítimos dos proprietários, vicia as funções do Estado e tente a subverter completamente o edifício social.” A encíclica foi muito importante pois orienta patrões e empregados a  formarem organizações de ajuda mutua, para auxiliar os operários em caso de doença ou acidente e limitar o trabalho, além de um repouso semanal.  Assim, a Rerum Novarum e a doutrina social da igreja são tentativas de conciliar pela fé patrões e empregados.[49]

            Surgiram os sindicatos,  que lutavam por melhoras condições de trabalho. Diante  de tais demandas começaram a surgir as primeiras leis limitando  as horas de trabalho e coibindo o trabalho infantil.  Começaram a surgir os primeiros fundos destinados a auxiliar os desempregados e os patrões passaram a assumir a responsabilidade por acidentes de trabalho, pagando indenizações.  Assim, os sindicatos adquiriram influencia politica para alterar as leis em favor dos trabalhadores. Na Inglaterra  as Trade-Unions realizaram  seu primeiro congresso em 1868, com outras grandes organizações de trabalhadores legalizadas em 1871, conseguindo o direito de greve em 1875[50].  Sobre o sindicalismo Friendrich Engels escreve em 1844: “Se a centralização  da população estimula e desenvolve a classe dos proprietários, força também o desenvolvimento dos trabalhadores, ainda mais rapidamente . Os trabalhadores começaram a se sentir como uma classe, como um todo; começaram a perceber que, embora fracos como indivíduos, formam um poder quando unidos.  Sua separação da burguesia, a formação de ideias peculiares aos trabalhadores e correspondentes à sua situação na vida, são estimulados, desperta a consciência da opressão, e eles atingem a importância social e política. As grandes cidades são o berço dos movimentos trabalhistas; nelas, os trabalhadores começam a refletir sobre sua condição, e a lutar contra ela; nelas a oposição entre proletariado e burguesia se manifestou inicialmente; delas saíram o sindicalismo, o cartismo e o socialismo.”[51]

Pode-se dizer que  o surgimento do sindicalismo contribuiu para o   direito do trabalho e  foi motivado pela urgência  de coibir os abusos contra os operários, e a exploração de mulheres e crianças.  Destaca-se na Inglaterra o factory act (Lei das Fábricas) de 1819 que estabelecia a idade mínima do trabalhador assalariado em 9 anos[52]e  a “lei de Peel” de 1802, limitando a jornada de trabalho de menores a 12 horas, na França  a proibição do trabalho de menores de 8 anos (1814), na Alemanha a lei proibindo o trabalho de menores de 9 anos (1939)  e as leis socias de Bismarch em 1833  e na Itália  as leis de proteção ao trabalho das mulheres e dos menores[53]. A Rerum Novarum teve papel importante, haja vista que muitos leis surgiram inspiradas em seu texto, em quase todos os países o Estado passou a fixar horas de trabalho, salario mínimo, férias, seguro social. Igreja, capital e Estado entraram em acordo  para  executar alguma justiça social em troca de não haver mudanças radicais na estrutura da sociedade[54] como proposto pelo socialismo. Assim sendo, podemos dizer que o nascimento do direito do trabalho foi uma resposta  da sociedade para evitar um rompimento  profundo do tecido social.  

Biavischi relata:

“Na Grande Indústria Inglesa do século XIX em tempos de capitalismo constituído e da venda assalariada da força de trabalho preponderante, estavam dadas as condições materiais para o nascimento de um novo ramo  do Direito, que viria mais tarde, fundado em princípios forjados no campo das lutas sociais e em um cenário em que a natureza do Estado foi sendo modificada, passando a intervir nas relações econômicas e sociais, produzindo normas.[55]”

            Segundo Humberman, os pobres ingleses seguem o conselho dos padres e pastores, não tomando a fortuna dos ricos, mas desejar um melhoramento gradual e progressivo, buscando por exemplo a redução da jornada de trabalho para 10 horas diárias[56]. A redução da jornada de trabalho acabou por permitir a classe operária  a adquirir cultura e se instruir para se elevar socialmente, formando um proletariado consciente, levando muitos operários a se aburguesar, evitando o colapso do capitalismo e o esgarçamento do tecido social[57], entretanto tal redução apenas veio com    muita luta dos trabalhadores, pela qual  o direito do trabalho foi sendo forjado. Assim no início do século XX, o direito do trabalho ganha status constitucional e leis que verdadeiramente visam equilibrar  sua relação  com os seus empregadores.

3. O direito do trabalho moderno

A constituição mexicana  de 1917 é a primeira no mundo a disciplinar sobre direito do trabalho, estabelecendo limites a jornada de trabalho, trabalho infantil e organizando o direito sindical. Em seguida  a  Constituição Alemã de  1919 (Constituição de Weimar), trouxe  base para a social democracia, disciplinando  a participação  dos trabalhadores nas empresas, criando um direito unitário do trabalho e um sistema de seguridade social. Outro momento marcante do direito do trabalho moderno foi a carta del lavoro, na Itália em 1927. Ela  disciplinou fortemente a intervenção do Estado na economia e na organização. Entretanto isso  também influenciou negativamente os sindicatos uma vez que os submeteu à atuação política do Estado[58].

No ano de 1931, o Papa PIO XI, sucessor de Leão XIII, publica a encíclica  Quadragessimo Anno, aprofundando os temas trabalhistas da Rerum Novarum a luz do século XX, insiste no “valor eterno da propriedade” porém afirmando “A lei da justiça social proíbe que uma classe exclua a outra da participação nos lucros” Ela estimula debates entra patrões e operários ao mesmo tempo que proíbe que os últimos se utilizem de métodos “violentos”[59], como a greve. O Papa João XXIII  publica a Mater of Magistra em 1961, tendo como  baluarte a justiça social. Continua tendo a propriedade privada como  bem natural, mas  pede mais atenção as massas trabalhadoras. O Papa  Paulo VI publica em 1967 a Populorum Progressio, inspiração contemporânea da doutrina social da igreja, o papa define como aspiração dos homens: “Serem libertados da miséria; encontrarem com mais segurança a subsistência, a saúde, o emprego estável, terem maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão ou situações que  ofendam sua dignidade de homem; terem mais instrução – numa palavra, realizarem, conhecerem e possuírem mais, para serem mais.”[60]

A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919, tornando o Direito do Trabalho o primeiro direito a internacionaliza-se, conforme o Preambulo da Constituição da OIT.  (...Considerando que a não adoção, por parte de qualquer nação, de um regime de trabalho realmente humano se torna um obstáculo aos esforços de outras nações empenhadas em melhorar o futuro dos trabalhadores nos seus próprios países; ...) não sendo mais apenas internacional, mas sim universal, pois são direitos humanos reconhecidos internacionalmente[61]. A mesma OIT  na Declaração de Filadélfia, estabelece e, 1944 que o trabalho humano não pode ser considerado mercadoria[62].

Isto posto, o Direito do Trabalho surge como grande arma da renovação social, pela sua identificação com as necessidades e aspirações do homem, trazendo a intervenção jurídica para melhor relacionamento entre o homem que trabalha e o homem a quem o trabalho é destinado, sendo assim, a mais legitima manifestação da ordem jurídica voltada para o homem[63]. O Direito do  Trabalho é, portanto, um direito com vocação na realidade, com vocação de atuar na vida das pessoas de carne e osso[64]. Assim, o Direito do Trabalho sempre está na vanguarda, seja para acompanhar as transformações sociais, seja para promovê-las. 

4. O  Direito do trabalho no Brasil

No Brasil, podemos afirmar que o direito do trabalho segue a mesma lógica do resto do mundo, ou seja o protecionismo do trabalhador[65] e  podemos listar como influências externas a elaboração das leis trabalhistas as transformações vindas da Europa, as crescentes elaborações legislativas de proteção aos trabalhadores e o ingresso do Brasil na Organização Internacional do Trabalho criada pelo Tratado de Versalhes (1919). Já as influências internas foram o movimento operário de imigrantes com inspirações anarquistas, o surto industrial efeito da primeira guerra mundial e a política trabalhista de Vargas[66].

Entretanto podemos afirmar que a construção do capitalismo no Brasil foi tardia, com a Lei Áurea criando uma acumulação de “homens livres, “banzeiros”, “marginais” além da um política de imigração que inchava as cidades[67], a exemplo da Inglaterra da revolução industrial, dando as condições para o nascimento da nova classe proletária.

No ano de 1934, a Constituição Brasileira trouxe pela primeira vez o direito do trabalho, instituindo a Justiça do Trabalho em seu artigo 122[68]:

“Art. 122 - Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I.”

Na constituição de 1937, no chamado Estado Novo, existe a limitação do direito de greve[69], essencial para  manifestação democrática dos operários. Em seguida temos a criação da Consolidação Geral das Leis do Trabalho (CLT), sendo que a mesma marca a inclusão do trabalho em um projeto de nação, migrando da econômica agrícola para industrial[70]. A CLT conta com forte influência da já citada Carta del Lavoro. Durante os anos Vargas houve uma “fúria legiferante” na tentativa de organizar o trabalho no Brasil e criar um grande mercado consumidor, o qual Vargas percebeu que passaria pela existência de uma criação de uma classe trabalhadora minimamente  respeitada e valorizada[71].

Em 1945 a democratização se solidifica como instrumento de inclusão social e econômica de milhões  de brasileiros emergentes a uma sociedade urbanizada e industrializada,  embora a  constituição  de 1967 traga uma redução  das conquistas  coletivas dos trabalhadores, com  um regime autoritário[72].

Finalmente, em 1988, a Constituição Cidadã traz grandes avanços para o direito do trabalho[73], sendo a mesma nitidamente econômica e social,  garantindo os direitos sociais, como o direito ao trabalho, previdência, e a assistência aos desamparados, o  Fundo de Garantia do Tempo de serviço,  seguro contra acidentes, aposentadoria, salário mínimo, limitação da jornada, descanso semanal, seguro desemprego entre outros. Somente no art. 22 encontramos a expressão “Direito do Trabalho” [74] mas em toda Constituição de 88  encontramos seu espírito. Pode-se dizer que a Constituição de 88 elevou o Direito do Trabalho à categoria  de direito social fundamental[75]. Ou seja, ao reconhecer o trabalho como  valor fundamental, a Constituição Cidadã atua como bússola pautando novas formas de viver e trabalhar, com novas formas de proteção das relações de trabalho[76].

Portanto, o Direito do Trabalho, na Constituição de 1988, propõe pedagogicamente  o refazimento do tecido social brasileiro, com a construção de uma nova sociedade solidária e fraternal, reiniciando a sociedade com novos valores[77].  É o Direito do Trabalho ajudando a moldar a sociedade e a evoluir a humanidade.

Conclusão e perspectivas

Isto posto, concluísse que o direito do trabalho  foi crescendo conforme o pensamento do homem sobre o trabalho e as relações de trabalho foi evoluindo, Émile Durkheim ao estudar  considerou que a divisão do trabalho cria entre todos os homens um sistema de direitos e deveres que os liga de forma duradoura, criando profundos vínculos sociais[78].  Portando o trabalho é  parte importantíssima do tecido social e  ajunta todos os homens.

Cezar Britto considera  que o Direito do Trabalho é uma forma de rebelião contra as opressões[79]. É uma trincheira de luta das massas contra os poderosos. Os debates no Brasil e no mundo, sobre a terceirização, o trabalho em condições insalubres, o direito dos  deficientes ao trabalho, a questão salarial da mulher, tudo vem do debate político e intelectual que o mundo vive na atualidade.

Assim sendo, o direito do trabalho não apenas mantém seu objetivo de proteger o trabalhador, mas também  de coordenar e pacificar as relações entre capital e trabalho[80], evitando o rompimento do tecido  e da ordem social. Mais do que nunca a proteção da mão de obra humana é necessária, com as perspectivas de substituição da mesma pelo software[81] e pela robótica. A automação, os aplicativos, o trabalho via internet, tudo isso traz novos desafios aos pensadores, aos legisladores e, principalmente aos trabalhadores. Ao redor do mundo todo os direitos sociais sucumbem perante à força bruta  do capital e as políticas de ajuste financeiro[82].

Com o advento da globalização, neoliberalismo, capital cada vez mais  volátil, o Estado Fiscalizador não consegue conter as mazelas do desemprego, com os Estados  cada vez mais tentando atrair o capital, através de flexibilização  dos direitos dos trabalhadores, portanto mais do que nunca os juristas devem estar sintonizados com as possibilidades políticas do mundo, com visão das  tendências ideológicas e das estruturas constitucionais[83].

No Brasil, em 2017, o Presidente Michel Temer, pressionado pela crise econômica  o Presidente Michel Temer promulgou a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), alterando  diversos dispositivos da CLT sem se preocupar com a efetividade  do direito fundamental a justiça do trabalho, exigente que os juízes e operadores do direito utilizem técnicas de hermenêutica constitucional para garantir os direitos dos cidadãos mais humildes e vulneráveis que tem na Justiça do Trabalho a última trincheira para reivindicar seus direitos[84]. Cabe aos profissionais do direito realizar exercício criativo e interpretativo para evitar injustiças sociais[85] e assim garantir a pacificação da sociedade e a prosperidade da humanidade.

O homem e sua história, estão como vimos, intrinsicamente ligados à valorização da força do trabalho humano[86]. Esperamos, portanto que,  da evolução do pensamento dos filósofos greco-romanos, a reforma protestante, a doutrina social da igreja, ao cartismo, marxismo, sindicalismo e outras manifestações intelectuais e sociais , que o trabalho possa ser uma fonte de alegria e dignidade para a pessoa humana,  como está escrito na Santa Bíblia: “e também que todo homem coma e beba e goza do bem de todo o seu trabalho. Isso é dom de Deus.”[87] 

TITLE: The Origin of the labor laws

ABSTRACT: The objetive of this paper is demonstrate the social, cultural and legal aspects of the origins of the  labor laws  and how they contribute to build the human development. The research  adopt the  deductive method,  with document research and bibliographic analysis

KEYWORDS: Labor laws, origin of labor laws, history of labor, philosophy, work.

Sobre o autor
Rafael Kushida Schilling

Advogado, especialista em direito de imagem em especial na internet.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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