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O espaço exterior e seu direito de uso e exploração:

uma perspectiva sob o enfoque do Direito Internacional em relação à Lua e o planeta Marte

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 5. O DIREITO ESPACIAL EXTERIOR E O PLANETA MARTE

            As informações que a ciência conhece sobre o Planeta Marte são relativamente menores do que as obtidas a respeito da Lua. Obviamente, a proximidade em relação a Terra e as condições climáticas da Lua facilitaram o envio de instrumentos de pesquisa para coleta de dados, despertando, desta forma, um interesse anterior e privilegiado da humanidade em relação ao satélite natural. Entretanto, o avanço da tecnologia e as declarações dos representantes dos Estados desenvolvidos já colocam em cheque esta teoria, o que leva a crer que em um futuro próximo esta diferença não será mais notada.

            Para lograr êxito no enfoque jurídico, sob o ponto de vista do Direito Espacial Exterior acerca dos direitos de uso e exploração do solo marciano, faz-se importante o esclarecimento de pontos relativos às condições de desembarque e permanência humana neste planeta. Sendo assim, serão analisados, preliminarmente ao enfoque jurídico, dados científicos e acontecimentos atuais que facilitarão a formulação de uma opinião jurídica com uma fundamentação mais apurada.

            5.1 PROCESSO DE COLONIZAÇÃO

            Embora os projetos da NASA não pretendam ir além da exploração científica, alguns ambiciosos já chegam a propor formas para se colonizar Marte em longo prazo. Segundo o cientista americano Robert Zubrin (1996) [42], para que o planeta Marte pudesse se tornar relativamente habitável, tal colonização teria que ser dividida em três etapas:

            5.1.1 Primeira fase da colonização: Marte Vermelho

            Analisando as necessidades humanas de sobrevivência, pode-se dizer que hoje a atmosfera marciana é quase inexistente. Para lograr sua vivência neste planeta, o homem precisaria habitar cápsulas subterrâneas pressurizadas, as quais teriam que conter estufas para alimentos e precisariam ser construídas manualmente por seres humanos protegidos em trajes de astronauta completo.

            Os primeiros habitantes seriam enviados em um lançador com capacidade para 24 pessoas, tendo um custo estimado de US$ 40 milhões por pessoa, o que já originaria uma colônia permanente. Quatro lançamentos anuais seriam necessários para formar uma população de 10 mil habitantes em quarenta anos e 200 mil em 160 anos.

            Para tornar o transporte mais célere e permanente, Zubrin (1996) ainda sugere a criação de uma estação espacial na órbita da Terra. Assim, os viajantes se deslocariam até esta estação em um ônibus espacial e, a partir desta, embarcariam em um "expresso marciano". Imaginando-se que este expresso seja capaz de reciclar água e oxigênio com 95% de eficiência, sendo que o padrão atual é 80%, e ainda realizar viagens com grande freqüência, o custo por passageiro poderia chegar a US$ 320 mil. Zubrin (1996) acredita que esse valor poderia ser pago com um ou dois anos de trabalho do passageiro na colônia marciana.

            Pensando de forma mais econômica, se o ônibus espacial fosse substituído por um estato-reator (scramjet) hipersônico, prestes a ser testado na atmosfera terrestre, o custo reduziria para US$ 96 mil. Se melhorasse a eficiência da reciclagem para 99%, baixaria para US$ 67 mil e, se ainda, a propulsão química oxigênio-metano fosse substituída por nuclear-elétrica chegaria a US$ 40 mil. Como afirma o cientista "isto significa usar um reator para aquecer e ionizar um gás inerte (como argônio) a ponto de transformá-lo em um plasma capaz de atingir velocidades enormes, sendo controlado por campos elétricos" (Zubrin, 1996) [43]. Para missões tripuladas seria necessário um reator milhares de vezes maior do que os usados em pequenas sondas.

            Zubrin (1996) ainda explica que, o trajeto poderia ser realizado sem o uso de combustível. Esta proeza seria possível com o acoplamento de uma enorme vela magnética ao expresso marciano. Desta forma, a energia seria gerada pelo vento solar, o qual exerce um fluxo constante de plasma que sai do sol em todas as direções a uma velocidade de 500 Km/s. Hoje, torna-se uma idéia totalmente inviável, pois ainda não se tem conhecimento de um supercondutor que funcione a temperaturas elevadas. Nestas condições, uma passagem do "expresso marciano" poderia custar US$ 28 mil. Todavia, este meio seria indicado apenas para transportar cargas, pois devido à demora para a vela acumular impulso suficiente, a viagem levaria de um a dois anos.

            Nesta primeira fase, Zubrin (1996) revela um ponto interessante para este estudo. Segundo ele, nesta etapa os terrenos seriam vendidos por US$ 25 o hectare, sendo que o planeta inteiro valeria US$ 358 bilhões. Ademais, a economia de marte poderia se basear na exportação de metais raros e deutério, variedade de hidrogênio usada na refrigeração de reatores nucleares, os quais podem ser encontrados com abundância no território marciano. No entanto, ressaltam-se os olhos jurídicos quando Zubrin explica que "o governo americano garantiria o monopólio de propriedade e exploração mineral, punindo através de sobretaxas iniciativas que desafiassem os direitos por eles reconhecidos [!]" (1996) [44]. Esta colocação soa preocupante aos olhos do Direito Espacial Exterior, pois tal iniciativa afrontaria em todos os aspectos o Tratado do Espaço Exterior [45], Embora não seria a primeira vez que os Estados Unidos violariam uma convenção internacional.

            5.1.2 A segunda fase: Marte Verde

            Nesta etapa, Zubrin (1996) [46] explica que os habitantes se dedicariam a contornar as intempéries provocadas pelo efeito estufa com um trabalho de produção industrial de gases como CFC, através do cultivo de bactérias capazes de liberar metano e/ou concentrando energia solar nas calotas polares com espelhos gigantescos suspensos no espaço. Desta forma, a evaporação das calotas (gelo seco, gás carbônico congelado), assim como do gás carbônico contido no solo, tornaria a atmosfera do planeta cada vez mais espessa e mais capaz de reter calor.

            Hipoteticamente falando, Zubrin (1996) [47] estima que, em duzentos anos, já se poderia verificar uma atmosfera basicamente formada de gás carbônico e com um terço da pressão atmosférica da Terra, e as bactérias daquela atmosfera já teriam formado 1% de oxigênio. Nestas condições, a atmosfera marciana ainda não se tornaria respirável para os seres humanos, mas tais condições seriam suficientes para deixar temperatura, pressão e radiação em níveis toleráveis. Neste ângulo, tornar-se-ia possível condições de vida humana em tendas oxigenadas e a permanência fora delas com máscaras de oxigênio, sem o uso de trajes especiais, assim como já seria possível o cultivo de algumas espécies de plantas.

            Em Marte verde, Zubrin (1996) [48] acredita que o valor total dos terrenos chegaria a US$ 36 trilhões, gerando um megaempreendimento imobiliário. Todavia, o projeto não tem apenas uma visão mercantilista. Ele acredita se tratar de um meio necessário para evitar a decadência da civilização na Terra, pois a ocupação do planeta seria o remédio contra a estagnação sociológica e a homogeneização da cultura terrestre. Nesta linha, se iniciaria uma nova fase sociológica no âmbito jurídico e social terrestre, pois a disputa pela mão de obra especializada que iria para Marte e a que permaneceria na Terra seria acirrada, gerando um nov desafio para os Direitos Humanos e Trabalhistas.

            5.1.3 A terceira fase: Marte Azul.

            Aqui, sob a teoria do cientista, a atmosfera já estaria mais densa devido ao efeito estufa, sendo que o gelo supostamente acumulado no subsolo começaria a derreter, a vegetação converteria mais gás carbônico em oxigênio e as bactérias extrairiam nitrogênio do solo, tornando assim, a atmosfera suficientemente densa para ser respirada. Surgiriam mares e lagos, tornando o planeta azul.

            Este evento, segundo Zubrin (1996) [49], poderia levar mais de 100 mil anos, a menos que a nanotecnologia criasse técnicas incrivelmente poderosas, como robôs supervelozes capazes de reproduzir a si mesmos e seguir instruções complexas. Entretanto, Zubrin (1996) [50] cita o pensamento do escritor americano Kim Stanley Robinson, em uma visão mais platônica ainda, na qual acredita que essa façanha poderia ser realizada em menos de um século. Ele acrescenta, inclusive, que voar com asas artificiais seria fácil e seguro, devido à gravidade de apenas 38% em relação à do planeta Terra.

            Por outro lado, os ambientalistas acreditam que, com o passar do tempo, as sutilezas do ecossistema marciano escapariam do controle humano. As calotas polares se expandiriam e mergulhariam o planeta em uma era glacial, extinguindo rapidamente as formas de vida que a biogenética haveria criado, iniciando-se desta forma uma quarta etapa, Marte Branco, na qual seria impraticável a permanência humana.

            5.2 RECURSOS E MOTIVOS PARA EXPLORAÇÃO

            Convém traçar um pequeno paralelo aqui, no sentido de analisar a importância da exploração do planeta Marte para a Terra. Obstantes quaisquer intenções mercantilistas, primeiramente devemos observar um comparativo em relação às possibilidades de sobrevivência, tendo em vista que já se tem a comprovação científica de que há água sólida no planeta Marte. Segundo a ciência, onde há água, há vida, e nestas linhas é que paira nossa preocupação, assim como coloca o professor Renato Las Casas: "se Marte já teve tanta água líquida, como e porque se desertificou? Estaríamos sujeitos ao mesmo processo?" (2004) [51] Aqui entra a questão da sobrevivência da humanidade em relação à exploração de Marte.

            Pode parecer dispensável uma explanação profunda acerca de um projeto científico como este em nosso trabalho, porém, tal exploração se faz necessária para que o mundo jurídico abra os olhos e exerça a devida e emergencial atenção que o tema merece. Embora os casos apresentados sejam considerados projetos extremamente futurísticos, providências a nível mundial já estão sendo tomadas para que estes se concretizem. Ademais, a estrutura organizacional dos projetos não permanece somente no papel, envolvendo desde já muito investimento e, principalmente, interesses privados e estatais, os quais poderiam até culminar em uma "guerra fria" se não respaldados por uma codificação efetiva.

            5.3 CODIFICAÇÃO DA LEI MARCIANA

            Os apontamentos elencados nos parágrafos anteriores demonstram o quão importante se faz a confecção de um instrumento jurídico específico e efetivo, a fim de regular os direitos de uso e exploração do planeta Marte.

            Embora nem mesmo em relação à Lua (explorada muito anteriormente) pode-se verificar a existência de uma regulamentação jurídica internacional com essas duas características [52] presentes, haja vista que o Acordo da Lua [53] não foi assinado pelos Estados de maior influência em sua exploração, tornando-o, desta maneira, inconsistente e não aplicável aos Estados desenvolvidos que já exercem atividades diretas e indiretas no território lunar, é válido ressaltar a opinião jurídica acerca de como estas normas poderiam ser elaboradas.

            Por hora, o estudo não avaliará o Tratado do Espaço Exterior [54] em relação à sua abrangência e efeitos concernentes à esfera terrestre, mas sim, se direcionará as possibilidades jurídicas a serem tomadas em relação à codificação da legislação marciana, traçando um paralelo entre as normas já empregadas em outros tratados no que concerne à utilização de recursos considerados como patrimônio da humanidade, assim como a utilização do Direito Consuetudinário.

            5.3.1 Regimes

            Nas próximas linhas, se analisará a projeção realizada pelo jurista americano, Dr. Edward Hudgins (1998) [55], o qual vem dedicando há anos grande parte de seu tempo em função das possibilidades de se criar uma codificação específica para o planeta Marte.

            Segundo ele, preliminarmente, é importante lembrar que o desenvolvimento da economia de um Estado e a devida utilização de seus recursos depende principalmente dos regimes político, legal e econômico adotados. Ele cita, como exemplo, a contraposição entre a decadência do comunismo e a vitória do livre comércio nos blocos integrados, pois este último incentiva os valores individuais do ser humano em busca da riqueza estatal como um todo.

            Nas palavras de Hudgins,

            To utilize fully the resources of Mars, humans will need to bring to that planet more than machines, tools and scientific instruments. They will need to bring law, but not too much law. Most of the economic, political and social problems on earth result from an overabundance of rules, regulations and restrictions on individual liberty. What will be important is that humans bring the right law.

(1998) [56]

            Assim, Hudgins (1998) [57] explica que, para que o potencial dos recursos do planeta Marte seja explorado por inteiro e de maneira pacífica, a fim de permitir que este se torne uma segunda casa para os seres humanos, um sistema político-econômico deve permitir que indivíduos ou associações voluntárias de indivíduos assegurem direitos exclusivos para uso dos recursos, assim como a livre troca de informações, o direito de propriedade e a execução de contratos. Neste ponto, há de se discordar em parte, pois tais regulamentações privilegiariam os interesses dos países desenvolvidos e, conseqüentemente, derrubariam o "status" de Marte como patrimônio da humanidade, conforme versa o Tratado do Espaço Exterior [58].

            5.3.2 Comparativo para confecção da Lei Marciana

            Hudgins (1998) [59] prefere iniciar sua projeção com um comparativo em relação aos tratados que versam sobre territórios insuscetíveis de soberania. Segundo ele, é importante que se analise as regulamentações que não funcionariam em Marte, para que, posteriormente, se possa focar o estudo em um direito novo, peculiar e efetivo.

            Tratado da Antártida – Entrou em vigor em 1961, na época contava com 12 assinaturas, hoje já são cerca de quarenta. Tornou o território gelado patrimônio da humanidade, insuscetível de qualquer soberania. Além de manter a Antártida desmilitarizada, evitou explorações econômicas na região, reservando o continente para fins científicos. Todavia, não menciona previsões em relação à apropriação do solo ou de seus recursos naturais. Os dispositivos desse Tratado tornaram a Antártica um deserto sem valor comercial. Definitivamente, na visão de Hudgins (1998) [60], este instrumento não seria um modelo para o planeta Marte, pois seria um equívoco não permitir, integralmente, a exploração dos recursos de Marte.

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            Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – Assinada pelo Brasil, juntamente com 118 países, excluindo-se os Estados Unidos, este instrumento jurídico estipulou os limites marítimos dos Estados em relação às suas faixas costeiras, assim como os direitos de exploração dos recursos do oceano. Também proibiu o exercício da soberania de qualquer país sobre o oceano e estabeleceu ainda que os Estados dividam com a comunidade internacional parte dos recursos explorados na faixa continental, até 200 milhas [61] da costa. Ademais, a Convenção fala sobre o direito dos Estados explorarem esta área, e não indivíduos. Mais longe ainda, estabelece que os cidadãos que investem capital e pesquisa para lograr riquezas do oceano, estão sujeitos às mesmas leis concernentes ao Estados.

            Hudgins (1998) [62] considera este dispositivo inadmissível, pois em seu ponto de vista (norte-americano) explica que indivíduos que investirem nesta faixa marítima terão parte dos frutos tomados pelo seu próprio governo e distribuídos para a comunidade internacional. Inclusive, afirma que inimigos de Estado lucrarão através dos esforços individuais, "Thus, for example, Saddam Hussein and the dictators in Africa and other countries would profit from the productive efforts of free men and women" [63].

            Isto posto, o jurista está convicto que o "Tratado do Mar" também não seria um modelo para a codificação do direito marciano, e ainda, afirma que este tratado não condiz nem mesmo com a realidade das necessidades terrestres.

            Entretanto, mais uma vez, há a necessidade de discordar da opinião do jurista, pois nas linhas deste estudo, acredita-se que o planeta Marte deve manter seu "status" de patrimônio da humanidade, sendo não suscetível de qualquer apropriação humana ou soberania estatal, inclusive no que diz respeito a seus recursos. Se a pessoa física ou jurídica deseja investir no território marciano, esta deve fazê-lo sem fins lucrativos, compartilhando o excedente a seus investimentos com a comunidade internacional, para que este capital possa ser investido no próprio planeta Marte em prol da humanidade.

            "Tratado Intelsat" – Foi assinado entre governos com o escopo de financiar e estabelecer um instrumento jurídico para estabelecer dispositivos relativos às telecomunicações internacionais via satélite. Todavia, Hudgins (1998) [64] acredita que este monopólio governamental vem dificultando o investimento privado para com a tecnologia espacial no ramo das telecomunicações. Ele cita, como exemplo, o artigo 12D do referido Tratado, o qual estipula que as companhias privadas interessadas em investir no ramo devem provar que suas atividades não causarão prejuízo econômico substancial a Intelsat. Inclusive, culpa o tratado pelos diversos inconvenientes causados às transmissões via satélite nos últimos anos, pois a restrição ao investimento privado diminui o número de satélites disponíveis em órbita, diminuindo também, conseqüentemente, a possibilidade de cobertura por satélites reservas em casos de defeito no titular.

            Mais uma vez, o jurista condena as restrições à iniciativa privada, sugerindo inclusive a privatização da Intelsat. Contudo, mais uma vez, vê-se a adversidade de opinião, haja vista que as órbitas estacionárias localizadas nos pontos considerados excelentes para transmissão são em pequeno número, sendo assim, disputadíssimas pelos detentores de ponta, os quais sabem que podem auferir rendimentos astronômicos em função das localizações mais privilegiadas. È preciso observar aqui, o interesse dos países em vias de desenvolvimento, mais precisamente no que diz respeito à exploração capitalista dos países desenvolvidos através da venda e aluguel dos serviços de transmissão.

            Tratado do Espaço Exterior – Principal fonte legal do nosso estudo, criado em 1967 e assinado por 91 países, este tratado tem como principal escopo manter o espaço exterior, incluindo a lua e os demais corpos celestes, desmilitarizado, assim como torná-lo patrimônio da humanidade e, conseqüentemente, insuscetível de apropriação estatal.

            Até o momento, não se vê nada especialmente novo em relação à linha de raciocínio seguida pelos outros quatro [65] "tratados" que versam no âmbito espacial exterior. Todavia, Hudgins (1998) [66] revela sua indignação ao texto do artigo primeiro quando o dispositivo menciona que "the exploration and use of outer space should be carried on for the benefit of all people irrespective of the degree of their economic or scientific development" [67]. Nesta linha, Hudgins (1998) [68] exemplifica que, se um individuo (capital privado) explorar recursos minerais do solo ou subsolo marciano, este será forçado a dividir parte de seus frutos com os demais signatários ou organismos internacionais, assim como o presente estudo já verificou na "Convenção do Mar".

            Porém, não se entende desta maneira, fato pelo qual se fez questão de citar o texto na língua original do tratado. Nas linhas deste trabalho, o dispositivo apenas reforça o intuito de estabelecer a não apropriação estatal dos recursos da Lua e dos demais corpos celestes. Todavia, seu texto, deixa uma lacuna, sequer fazendo menção aos direitos individuais [69] em relação ao uso e exploração dos corpos celestes.

            Hudgins (1998) [70] também faz um comparativo deste instrumento com o Tratado da Antártida, explicando que ambos estabelecem que os Estados signatários devem assumir responsabilidade internacional pelas atividades realizadas por seus Estados no espaço exterior, mesmo que estas sejam realizadas por agências governamentais ou entidades não-governamentais. Exemplifica que os Estados Unidos possuem regras específicas para os foguetes privados, sendo que se um desses veículos gerar algum tipo de dano advindo de atividade realizada no espaço exterior, os Estados Unidos ficarão encarregados de assumir as responsabilidades pertinentes ao dano. Como no direito privado, o seguro privado – meio que repara os inconvenientes – se tornaria impraticável sob este aspecto no Direito Espacial Exterior. Pois, se as mesmas regras do tratado fossem usadas para a aviação comercial, haveria apenas poucas companhias operando. As linhas do tratado, desta maneira, dificultam o lançamento de foguetes através do capital privado, sendo justamente este capital que contribui de forma relevante para o lançamento dos foguetes.

            Entretanto, neste ponto é plausível que se concorde com jurista, haja vista que da mesma forma que os Estados [71] devem dividir os frutos das atividades bem sucedidas com a comunidade internacional, esta também deveria dividir os prejuízos advindos de tais atividades. Contudo, aplicando o proposto somente para situações em que não se verificar a presença de culpa ou dolo por parte do Estado. Se o espaço exterior é considerado patrimônio da humanidade e todos os frutos auferidos por um membro da comunidade internacional devem ser compartilhados, os prejuízos também devem seguir a mesma linha, pois a intenção do Estado investidor é de garantir o êxito, e não o fracasso. A Intenção, desde que não seja culposa ou dolosa, também deve ser analisada como sendo em prol da humanidade.

            Sendo assim, na visão de Hudgins (1998) [72], o Tratado do Espaço Exterior também não configura um modelo ideal para a codificação do direito marciano, principalmente no que se refere, ou se omite, aos direitos individuais e privados em relação ao uso e exploração do espaço exterior.

            Acordo da Lua – Ratificado por nove países apenas, excluindo-se os Estados Unidos e a Rússia, os quais ao longo dos anos exerceram a maior quantidade de pesquisas e atividades na Lua que todos os outros países juntos, este tratado praticamente não possui poder executório perante a realidade atual.

            Porém, o jurista acredita ser este o instrumento que menos lacunas deixou, pois além de declarar a Lua e todos os planetas como herança da humanidade, ainda estabelece no inciso 3 do artigo 11 que "neither the surface nor subsurface of the moon, nor any part thereof or resources in place, shall become property of any state (...) non-governamental entity or of any individual." [73] Ou seja, aqui, direitos privados de apropriação estão explicitamente banidos.

            5.3.3 Princípios para a Lei Marciana

            Hudgins (1998) [74] acredita que o desenvolvimento da permanência definitiva em Marte será determinado pelo modo como as viagens iniciais serão financiadas e como a infra-estrutura inicial será construída. Ele afirma que haverá uma transição entre as primeiras viagens e o período de estabelecimento definitivo, sendo que a principal dificuldade durante esta transição será estabelecer uma sociedade livre, com direitos de propriedade e governo limitado. Neste raciocínio, ele inclusive indaga a seguinte questão: "On of what principles should Martian law be based?" [75] Ele mesmo responde, de forma sugestiva, que a exploração inicial de Marte, a utilização de seus recursos e o processo de estabelecimento definitivo deverá ser feito por um consórcio privado, e não por governos de Estado.

            O jurista vê em marte a possibilidade de se criar um Estado de natureza política perfeito, pois poderia se iniciar uma sociedade através de seu estado natural, sem qualquer vício político indesejável observado na sociedade terrena.

            Sob a ótica deste estudo, o jurista apenas se olvida de um detalhe. Os primeiros habitantes que colonizariam Marte seriam seres humanos terrestres, os quais, por motivos que a psicologia explicaria, não conseguiriam desvincular-se totalmente dos vícios adquiridos na sociedade terrestre e, conseqüentemente, acabariam por idealizar uma estrutura utópica.

            Ademais, Hudgins (1998) [76] ainda coloca a seguinte questão: "On of what basis then can Mars be exploited by individuals or consortia?" [77] Ele mesmo, também responde de forma irônica e comparativa, usando como exemplo o caso de Cristóvão Colombo, que simplesmente colocando seus pés na América adquiriu o direito de posse [78].

            Do ponto de vista dos países em vias de desenvolvimento, a colocação (norte-americana) capitalista de Hudgins chega a trazer indignação, pois não obstante este modo de aquisição de propriedade seja rudimentar, fica claro que o "res nullius" afronta impiedosamente a solidariedade internacional, haja vista que é de conhecimento notório mundial a dominância absoluta norte-americana da tecnologia espacial. Sendo assim, os Estados Unidos seriam certamente o primeiro país a pisar em Marte, tomando posse, segundo o raciocínio de Hudgins, de todo o planeta e seus recursos – ato este que contraria todos os esforços dos cinco instrumentos jurídicos internacionais para estabelecer o espaço exterior como patrimônio da humanidade.

            Entretanto, Hudgins (1998) [79] abre seus horizontes numa visão pós-colonização, pela qual explica que nesta fase o planeta deverá ser considerado um território aberto a qualquer individuo ou grupo de indivíduos. Este princípio também implicaria um segundo, em que nenhum governo terrestre deverá ter autoridade ou soberania sobre Marte, sendo que o planeta vermelho deverá ser autogovernável, sem influência de decisões advindas do planeta Terra.

            Nesta seqüência, Hudgins (1998) [80] coloca em dúvida duas questões: "How do we establish property rights and a free market?" [81] e "How do we establish a political system to protect these rights as well as the lives and liberty of Martian settlers?" [82] "como se estabelecer um sistema político para proteger esses direitos, a vida e a liberdade dos indivíduos?" Ainda finaliza seu pensamento com a seguinte afirmação:

            Mars will need an economic-legal regime based on property rights and contacts. Initial planetary development will depend on consortia arrangements that serve immediate needs. But consortia must allow for a transition to a system with market prices, the only efficient way to allocate resources, and with incentives for entrepreneurial innovation. Let us then

consider how Martian law and government might evolve. (1998) [83]

            É de se concordar com a visão pós-colonização do jurista, pois soa plausível a idéia de se fazer de Marte uma sociedade aberta para qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos, atendendo desta maneira as previsões do Tratado do Espaço Exterior. Ademais, a idéia de tornar Marte uma sociedade autogovernável e insuscetível de soberania por parte de qualquer Estado terrestre incentiva as garantias aos direitos individuais.

            Todavia, há de se que discordar do ponto de vista do jurista em relação à não influência de organismos terrestres nas decisões tomadas em Marte. A idéia de Hudgins (1998) [84] torna-se utópica neste ponto, pois não podemos esquecer que, mesmo que a sociedade marciana consiga o "status" soberano, esta continuará dependendo diretamente de todos os institutos terrenos, pois o Direito Internacional continuará regendo as normas no ambiente terrestre.

            Na verdade, pensando de uma maneira mais ampla, tudo o que for aplicado no planeta vermelho ainda dependerá de nossa regras, como a tecnologia, mão de obra, locomoção, exportação de recursos, etc. Sendo assim, o Direito Internacional Público, indiretamente, influenciará em boa parte na legislação marciana, pois esta terá que ser elaborada em função das disponibilidades e necessidades terrenas e, conseqüentemente, deverá opinar na legislação marciana a fim de alcançar o equilíbrio no desenvolvimento dos dois planetas.

            5.3.4 Lei Marciana e Governo

            Ainda com base no raciocínio de Hudgins (1998), analisaremos aqui de forma mais específica as possibilidades para a elaboração de alguns institutos jurídicos tidos como essenciais na fase colonizadora.

            Consórcio Inicial – Hudgins (1998) acredita ser crucial que o consórcio patrocinador estabeleça princípios de operação entre os membros ainda antes de sua partida, inclusive determinando através de contratos quem serão os responsáveis por serviços específicos, assim como os meios empregados pelo altogoverno. O jurista calca seu modelo no sistema colonizador americano, onde os peregrinos acordavam com as normas a serem obedecidas nas colônias, antes mesmo de partirem ao destino. Todavia, segundo Hudgins, deve-se atentar especialmente para os acordos inerentes ao comércio marciano, o qual será responsável pelo sucesso no período de transição.

            Código Criminal – Conforme Hudgins (1998), inicialmente o crime não será um problema sério no planeta vermelho. Os primeiros habitantes estarão mais preocupados em adaptar as condições de Marte as suas necessidades, dentro de um senso de comunidade. Ademais, Hudgins cita como exemplo a raridade em se deparar com crimes nas bases da Antártida. Contudo, não se vê tal exemplificação de forma muito válida, tendo em vista que a Antártida está destinada apenas para fins científicos, não objetivando alcançar uma estrutura colonizadora com fins mercantilistas.

            Entretanto, Hudgins (1998) vê, mesmo assim, a necessidade de se elaborar um código penal para o planeta Marte. Este instrumento, segundo ele, deve versar apenas sobre os princípios mais básicos do Direito Penal, como não matar, não roubar ou empregar o uso de força contra o próximo. Tais institutos podem ser fulcrados em qualquer código penal de qualquer Estado. Hudgins sugere que os próprios habitantes exerçam o poder de polícia em favor da paz, sendo que o consórcio deve ser democrático limitado, protegendo direitos, mas não gerenciando a vida dos habitantes. O mais importante, ainda, é a criação de normas que regulamentem os direitos de propriedade, os quais, também podem ser calcados nos códigos uniformes comerciais, usados para regular lides entre Estados e países.

            Regras de Ratificação – Nas linhas do bom senso, não resta dúvidas de que haverá a necessidade de se emendar os dispositivos elaborados inicialmente para o regimento do autogoverno marciano. Entretanto, Hudgins acredita que este realmente não será um processo fácil de ser feito. Ele cita como exemplo o caso da cidade de St. Louis (USA) onde, na fase inicial do seu assentamento, os bairros tinham o poder de altogoverno. Os que exigiam votação unânime para mudar alguma regra tiveram dificuldade para se ajustarem aos novos desafios e condições, pois apenas à vontade de um indivíduo já era suficiente para impedir mudanças. Por outro lado, em comunidades onde as condições de mudança eram muito acessíveis, as regras eram alteradas muito freqüentemente, com base nos caprichos de um momento esporádico. Contudo, ainda se verificou que as comunidades que adotavam um sistema mais conservador prosperaram com mais facilidade.

            Embora o fulcro em exemplos isolados não traga alguma segurança para a linha de raciocínio do presente estudo, os casos citados já podem servir como parâmetro para avaliarmos o sistema corrente adotado pelos governos em geral para emendarem seus dispositivos legais. Sendo assim, a aprovação de normas através de uma corrente supramajoritária ainda seria a melhor solução, haja vista que se deve observar a velha máxima de que "interesses coletivos vêm antes dos individuais".

            Exploração dos recursos econômicos – Num primeiro momento, os recursos de Marte certamente terão que ser compartilhados, ou seja, produzidos e consumidos de forma igualitária, pois cada habitante terá sua obrigação de ajudar a construir a infra-estrutura básica como um todo. Entretanto, sabemos que a natureza do homem lhe induz a explorar novos recursos para aprimorar seu meio. Sendo assim, Hudgins sugere que os descobridores de novos recursos, os quais facilitem ou aprimorem os meios da sobrevivência humana em Marte, devem adquirir os direitos de exploração de tal atividade, mas também devem estar sujeitos à cobrança de taxas sobre estes benefícios.

            Relações entre consórcios – A seguinte questão é levantada por Hudgins: "How will relations among different consortia will be governed?"(1998) [85], Ele sugere que estas sejam desenvolvidas naturalmente e cita o pensamento do economista americano F.A. Hayek, o qual desenvolveu sua própria teoria sobre a natureza da ordem.

            Conforme Hayek, a maioria das pessoas assimilam a ordem através do conceito de uma das duas seguintes categorias. Na primeira: árvores, montanhas e o sistema solar surgiram e evoluem naturalmente. Na segunda: relógios e mesas, estátuas e foguetes, resultam do planejamento e ação intencionais dos seres humanos. Esta segunda é que permite, na visão de Hayek, que os burocratas planejem e guiem economias à prosperidade. Todavia, Hayek ainda identifica um terceiro tipo de ordem: a ordem espontânea que surge da ação humana, mas não especificamente planejada por qualquer individuo. Um exemplo clássico deste tipo de ordem seria o dinheiro. Hayek explica que, nas sociedades primitivas os indivíduos viajavam longas distâncias para poderem negociar. Todavia, viajam com suas carroças extremamente carregadas de produtos, como feno e cevada, tornando-se difícil a passagem pelas montanhas. Não bastasse a viagem de ida, ainda retornavam com a carroça cheia de produtos, algumas ovelhas e um pequeno saco contendo pepitas de ouro. Com o passar do tempo, alguns mercantes perceberam que era mais conveniente trocar suas mercadorias apenas pelas pepitas de ouro, pois o ouro é mais fácil de se transportar, difícil de se falsificar, durável, resistente e facilmente divisível. Sendo assim, a instituição econômica do dinheiro emergiu de uma conseqüência não planejada, surgiu da procura pela eficiência de se suprir as necessidades individuais.

            Sob a teoria de Hayek, Hudgins (1998) [86] explica que a prática realizada pelos mercantes há 500 anos atrás, sem qualquer direito que versasse sobre o assunto, resultou até mesmo em instituições de mercado inovativas, como a criação de seguros para as viagens dos mercantes, a fim de que se compartilhasse os riscos. Isto posto, ele acredita que o desenvolvimento de Marte, se realizado de maneira certa, não trará conseqüências somente em relação à ciência e à tecnologia, mas também às instituições civis.

            Desta forma, como as relações entre os consórcios poderiam ser praticadas?

            Hudgins suspeita que os primeiros acordos entre os consórcios versarão sobre ajuda mútua, porém, conseqüentemente, conflitos de jurisdição não deixarão de existir, sendo que cada consórcio deverá elaborar suas próprias regras internas, deixando os indivíduos livres para escolherem o consórcio que esteja em consonância com seus princípios.

            Nestas linhas, verifica-se que o pensamento de Hudgins atende aos princípios buscados pelo Direito Espacial Exterior, haja vista que o próprio "Acordo sobre Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e Objetos lançados ao Espaço Cósmico" (1972) já versa sobre ajuda mútua. Ademais, a idéia de livre associação também respalda as garantias concernentes aos direitos humanos, já aplicados em vários tratados internacionais.

            Terraformação – Processo pelo qual se objetiva transformar as condições climáticas de um corpo celeste, para que este se torne semelhante a Terra e, conseqüentemente, habitável para os seres humanos.

            Através do projeto de Zubrin (1996) [87], verificou-se que é possível, a longo prazo, terraformar o planeta Marte. Contudo, por hora, é de se observar o problema da identificação e responsabilidade do sujeito ativo encarregado de realizar esta atividade. Pois, nesta via, quem garantirá que o consórcio encarregado de tal tarefa não reivindicará direitos de exploração mercantil sobre o trabalho realizado, ou seja, a atmosfera em si. Parece que se fala em uma insanidade jurídica, mas não, versa-se aqui sobre a comercialização do ar respirável.

            Para clarear o que parece insano, Hudgins compara a situação com os equívocos cometidos por organizações internacionais como o Banco Mundial, que promove tecnologias de altíssimo custo em países menos desenvolvidos, enquanto tecnologias de baixo custo estão disponíveis em países desenvolvidos.

            No início da colonização (primeiros 100 anos), Hudgins (1998) acredita que a perspectiva econômica da terraformação não surtirá muito impacto na sociedade. Porém, assim que os efeitos da terraformação começarem a trazer benefícios e facilitar a vida dos habitantes marcianos, dois problemas trarão inconveniências para a sinergia do planeta.

            Primeiramente, no que concerne ao reconhecimento do serviço, pois parte dos habitantes pode considerar o processo de terraformação como obrigatório dos consórcios, ou seja, será difícil arrecadar fundos desses habitantes para suportar os altos custos do projeto.

            O segundo refere-se às "externalidades negativas", como prefere chamar Hudgins. Ele explica que alguns habitantes podem revelar interesse em não terraformar o planeta Marte, seja por razões religiosas ou ideológicas, onde humanos não deveriam violar a natureza sagrada de marte, temendo assim um efeito indesejável/oposto à atmosfera marciana. Ademais, ele explica que também podemos nos deparar com objeções no âmbito econômico. Por exemplo, se o maquinário de algumas atividades obtiver menor desempenho em uma atmosfera com menos gás carbônico e menor pressão. Ou seja, a mudança atmosférica poderia gerar prejuízos aos investidores iniciais.

            O jurista avalia toda sua exegese em apenas algumas linhas.

            The Earth provides valuable lessons about what works from an economic and political perspective, that is maximum individual liberty and limited governament, and what does not work, state direction and use of force by different interest groups and citzens, usually through the state, against one another. Mars not only offers the opportunity to create a prosperous society. It offers the prospect to create a more peaceful and humane one as well

. (Hudgins, 1998) [88].

            Primeiramente, Hudgins (1998) conclui que as experiências terrenas revelam valiosas lições sobre o que funciona em uma perspectiva econômica e política, ou seja, máxima liberdade individual e poder governamental limitado.

            Entretanto, entende-se que o jurista apenas segue uma linha lógica, baseada nos fatos concretos percebidos nas mais diferentes formas legislativas mundiais, e que, de certa forma, alguns Estados ainda fazem vistas grossas em face da realidade.

            Não precisa ir muito longe. Basta tomar como exemplo as constituições brasileira e americana. Enquanto a segunda possui apenas 7 artigos, a primeira possui 250, isto sem levar em consideração as 45 emendas e o ADCT. Ou seja, é de conhecimento notório que a constituição americana procura maximizar as liberdades individuais dos indivíduos e limitar o poder de ação do governo. Enquanto isso, a brasileira segue o caminho oposto, restringindo as liberdades individuais e, no próprio texto legal, aumentando o poder de força Estatal. Como brasileiros, sabemos que a opinião majoritária não aconselharia a elaboração de uma codificação marciana baseada na constituição brasileira, pois sabemos que, se pudéssemos voltar no tempo, confeccionaríamos uma Carta Magna diferente.

            Em uma segunda parte, Hudgins (1998) expõe o que não funcionaria: instrução estatal e uso de força por grupos e cidadãos em conflito de interesses, geralmente através do Estado e uns contra os outros.

            Neste ponto, vê-se a necessidade de discordar, parcialmente, do ponto de vista do jurista. Embora ele não deixe claro o quão limitada e de que forma se refere a esta "instrução estatal", entende-se que esta deve ainda ser subordinada aos direitos individuais, mas, principalmente, exercida dentro das necessidades do controle estatal em função da paz e igualdade de direitos.

            Se não houvesse tal instrução, as liberdades individuais superariam o interesse coletivo e, provavelmente, já teríamos observado a apropriação do planeta Marte pelos interesses individuais, assim como já observamos em casos concretos com relação à Lua. No que diz respeito ao uso da força, a história já demonstrou que este nunca foi o melhor caminho, embora os muitos países ainda empreguem este meio para defender seus interesses.

            Por derradeiro, o jurista encerra seu raciocínio observando em Marte a oportunidade de se criar uma sociedade pacífica e humanitária. Pensamento este que não deixa de ser atingível. Porém, para que tal fato se realize, vemos como primordiais três sobreposições: a dos interesses coletivos sobre os individuais, a do interesse social sobre o mercantil e, sobretudo, a do interesse humanitário sobre o estatal e o privado.

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Sobre o autor
Guilherme Viriato da Silva Piazzetta

bacharel em Direito e tradutor em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIAZZETTA, Guilherme Viriato Silva. O espaço exterior e seu direito de uso e exploração:: uma perspectiva sob o enfoque do Direito Internacional em relação à Lua e o planeta Marte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 865, 15 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7561. Acesso em: 20 abr. 2024.

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