Os princípios contitucionais da valoração do trabalho e emprego e da justiça social no Direito do Trabalho

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Trata-se de uma análise dos Princípios da Valoração do Trabalho e Emprego e da Justiça Social, enquanto princípios Constitucionais do Direito do Trabalho, considerando o enquadramento proposto pela Doutrina Moderna.

INTRODUÇÃO

No intuito de conceituar juridicamente o termo princípio, Maurício Godinho Delgado, reporta-se às explicações do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e registra que a palavra “traduz, na linguagem corrente, a ideia de ‘começo, início’, e, nesta linha, ‘o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou processo”, mas “traz, também, consigo o sentido de ‘causa primeira, raiz, razão’ e, nesta medida, a ideia de aquilo ‘que serve de base a alguma coisa’”.[1] E prossegue:

A Doutrina Moderna vem, cada vez mais, conferindo importância aos Princípios Jurídicos na solução do caso concreto, atribuindo-lhes inegável caráter de Norma Jurídica, porquanto capazes de não apenas suprir lacunas na legislação positivada, pela modulação e interpretação do ordenamento jurídico, como também de serem invocados, autonomamente, para a solução de conflitos.

Nessa linha, conferem-se aos Princípios Jurídicos, hoje, inequívoca força normativa, conforme ensinamentos de Mauro Schiavi:

“(...) há, na Doutrina, tanto nacional como estrangeira, uma redefinição dos princípios, bem como suas funções no sistema jurídico. Modernamente, a doutrina tem atribuído caráter normativo dos princípios (força normativa dos princípios), vale dizer: os princípios são normas, atuando não só como fundamento das regras ou para suprimento da ausência legislativa, mas para ter eficácia no ordenamento jurídico como as regras positivadas.”[2]

Também Ronald Dworkin evidencia o paralelismo entre Princípios e Regras, a reforçar a ideia, atualmente dominante, de que ambos integram, igualmente, o conceito de Norma Jurídica, não subsistindo, assim, a ideia de interdependência, já que a solução do litígio pode ser encontrada pela adoção apenas dos primeiros:

“A diferença entre princípios e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicadas à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão (...). Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que via resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um.”[3]

De fato, extrai-se do movimento denominado de “constitucionalismo social”, surgido a partir do término da Segunda Guerra Mundial, a ideia de se conferir maior destaque à matriz principiológica adotada como fundamento do Estado, de modo a atribuir aos Princípios Constitucionais força normativa capaz de não só modular a interpretação e a aplicação das regras jurídicas positivadas, como de fazer, por si só, o Direito. Essa alteração doutrinária já havia sido percebida por José Joaquim Gomes Canotilho:

“O Direito do estado de direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do estado constitucional e de direito leva a sério os princípios, é o direito dos princípios (...) o tomar a sério os princípios implica uma mudança profunda na metodologia de concretização do direito e, por conseguinte, na actividade jurisdicional dos juízes.”[4]

Bonavides referiu-se a essa novidade no campo jurídico, verificada a partir do século XX, como a passagem de uma concepção de Estado de Direito doutrinariamente vinculada ao Princípio da Legalidade para a concepção de um Estado Constitucional de Princípios que, segundo ele, “deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica.”[5]

Helder Santos Amorim igualmente evidencia a alteração dogmática verificada em relação aos Princípios Constitucionais a partir do final da Segunda Grande Guerra, com destaque para a influência dessa dogmática na esfera do Direito do Trabalho no Brasil:

“(...) no plano da dogmática jurídica, os princípios jurídicos constitucionais adquiriram uma nova função normativa própria, ao lado das regras jurídicas, por força da revisão paradigmática pós-positivista pela qual passou a ciência do Direito depois do advento da Segunda Guerra Mundial, resultando numa nova hermenêutica constitucional que acentuou a força normativa dos princípios como elemento balizador da ordem legislativa infraconstitucional. Esse tem sido um importante fator de contenção constitucional sobre o agressivo movimento político internacional que reivindica a flexibilização da legislação trabalhista brasileira, para desregulação das relações de trabalho.

O reconhecimento da normatividade dos princípios jurídicos constitucionais e da sua força normativa hierarquicamente equivalente à das regras da Constituição fincou base para a construção do caminho de expansão dos valores democráticos sobre todos os aspectos da vida social. (...)” [6]

Nessa esteira, Maurício Godinho Delgado, salientando a importância da matriz principiológica adotada no ordenamento jurídico pátrio, em especial, após a proclamação da Constituição da República de 1988, registra três grandes grupos de Princípios Jurídicos aplicáveis à esfera trabalhista, em seus segmentos, Individual e Coletivo, nos aspectos de direito material e processual.

Nessa perspectiva, o autor filia-se aos doutrinadores que enumeram princípios que emanam do texto da Constituição Federal de aplicabilidade ampla na ordem jurídica interna, a alcançar, inclusive, o Direito do Trabalho. E, em aprofundamento do tema, destaca dentre esses, aqueles que entende serem especialmente direcionados à proteção dos trabalhadores, a formarem o primeiro grupo, no enquadramento de PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRABALHO.

Nessa classificação, o segundo grupo é composto pelos princípios gerais do direito, que devem nortear todos os atos dos indivíduos e, por conseguinte, também abrangem as relações trabalhistas, denominado pelo autor como PRINCÍPIOS JURÍDICOS GERAIS APLICÁVEIS AO DIREITO DO TRABALHO.

Por último, o terceiro grupo integra os princípios próprios do ramo justrabalhista, em seus seguimentos, Individual e Coletivo, a que chama de PRINCÍPIOS DE DIREITO INDIVIDUAL E COLETIVO DO TRABALHO.

Passamos, agora, a analisar, pontualmente, os Princípios da Valoração do Trabalho e Emprego e da Justiça Social, enquanto princípios Constitucionais do Direito do Trabalho, considerando o enquadramento proposto pela Doutrina Moderna.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRABALHO

Como já visto, dentre os Princípios Constitucionais aplicáveis à esfera justrabalhista, Maurício Godinho Delgado ressalta aqueles que, embora também emanem da matriz principiológica da Constituição Federal de 1988, atendem tão especialmente aos ditames do Direito do Trabalho que justificam estudo, em separado, e enquadramento específico.

A esse grupo de princípios, o autor denomina de PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRABALHO, e ressalta:

“Estudar e compreender o Direito do Trabalho, contemporaneamente, é estudar e compreender, antes de tudo, o sentido da matriz constitucional de 1988, em particular o rol de seus princípios constitucionais do trabalho.”[7]

A título de Princípios Constitucionais do Trabalho, o autor relaciona as seguintes proposições fundamentais de direito: a) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; b) Princípio da Valoração do Trabalho e do Emprego; c) Princípio da Justiça Social; d) Princípio da Submissão da Propriedade à sua Função Socioambiental; e) Princípio da Não Discriminação; f) Princípio da Igualdade Especialmente a Igualdade em Sentido Material; g) Princípio da Segurança; h) Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade; i) Princípio da Vedação do Retrocesso Social.

Nessa classificação, Maurício Godinho Delgado ainda salienta, dentre os princípios enumerados, os quatro primeiros, que entende serem especialmente afirmativos do valor do trabalho na ordem jurídica constitucional brasileira.

Analisaremos, assim, o Princípio da Valoração do Trabalho e Emprego e o Princípio da Justiça Social, enquanto princípios Constitucionais do Trabalho.

Princípio da valoração do trabalho e do emprego

Pelo Princípio da Valoração do Trabalho e do Emprego, evidencia-se a essenciabilidade do labor para a promoção pessoal do indivíduo, tanto em sua esfera individual, como no seio da família e da sociedade.

A Constituição Federal de 1988, atenta a essa situação, alçou o valor do trabalho a status de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV), de princípio da Ordem Econômica (art. 170, IV) e da Ordem Social (art. 193). E, em vista da importância do trabalho, evidenciou-o como direito social (art. 6º), assegurando rol específico de direitos dele provenientes (art. 7º).

Esclarecedores os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado sobre o tema:

“O enquadramento didático do trabalho como ‘direito social’ está explicitado no art. 6º da Constituição, concretizando-se em inúmeros direitos que se listam no art. 7º. Perceba-se, a propósito, que esse enquadramento não reduz, normativamente, o patamar de firmação do trabalho (de princípio, valor e fundamento para o direito social); ele claramente deve ser compreendido com um acréscimo normativo e doutrinário feito pela Constituição, de modo a não deixar dúvida de que o trabalho ocupa, singularmente, todas as esferas de afirmação jurídica existentes no plano constitucional e do próprio universo jurídico contemporâneo.”[8]

Prevalece, portanto, o posicionamento de que é o exercício do trabalho digno, em especial aquele protegido por lei, na atividade privada brasileira, caracterizado essencialmente pela relação de emprego, que traduz a melhor forma de autoafirmação pessoal do indivíduo, a satisfazer suas necessidades internas, mas também de autopromoção social, seja no âmbito da família ou da coletividade.

Princípio da justiça social

Sob a perspectiva justrabalhista, a Justiça Social é o objetivo final do Direito do Trabalho, visto que, em última análise, somente uma sociedade que respeita seus trabalhadores e confere adequado valor ao trabalho poderá alcançar a segurança, a paz e a harmonia na coletividade.

Não por outro motivo, é o Princípio da Justiça Social premissa da Ordem Econômica, consoante o que se extrai do artigo 170, caput, da Constituição Federal.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

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(...)”

Consoante os comentários formulados por Helder Santos Amorim, a noção de Justiça Social foi:

“(...) incorporada pela Constituição como verdadeira norma jurídica, princípio conformador do Direito, segundo o qual a realização material das pessoas não pode ficar sujeita apenas à sua aptidão pessoal para bem se posicionar no mercado capitalista, mas deve ser impulsionada por normas interventivas no domínio econômico, capazes de assegurar a quem trabalha um mínimo existencial civilizatório.”[9]

Nesse contexto, não se pode olvidar a importância do trabalho digno, objetivo central das normas justrabalhistas e razão de ser do próprio Direito do Trabalho, como pressuposto essencial de concretude da Justiça Social.

A esse respeito, ressalta Maurício Godinho Delgado:

“À medida que o Direito do Trabalho é a própria afirmação de algumas dessas concepções (...) o princípio da justiça social age como um comando instigador ao desenvolvimento e avanço desse ramo jurídico especializado.”[10]

A Justiça Social está, assim, diretamente ligada à relação do indivíduo, enquanto trabalhador, para com a comunidade e, em última análise, com os integrantes desta, a alcançar a relação entre empregado e empregador.

Na aplicação dessa diretriz, portanto, devem ser consideradas as diferenças naturais entre os indivíduos, ao tempo da interpretação e aplicação da norma jurídica trabalhista. O princípio busca a realização de valores a que se propõe a sociedade, no intuito de conservação e aperfeiçoamento das relações nela existentes.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Helder Santos. Os Princípios do Direito do Trabalho na Constituição de 1988. In: Como aplicar a CLT à luz da constituição: alternativas para os que militam no foro trabalhista / Márcio Túlio Viana, Cláudio Jannotti da Rocha, coordenadores. - São Paulo: LTr, 2016.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A principialização da jurisprudência através da Constituição. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, Repro. v. 1998.

DELGADO, Gabriela Neves. Direitos fundamental ao trabalho digno.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 17ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2018.

DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo de trabalho.

DELGADO, Maurício Godinho. DELGADO, Gabriela Neves. Tratado jurisprudencial de direito constitucional do trabalho. Vol. I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nélson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 10ª ed. de acordo com Novo CPC. – São Paulo: LTr, 2016.


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 17ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2018, p. 218.

[2] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 10ª ed. de acordo com Novo CPC. – São Paulo: LTr, 2016, p. 84.

[3] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nélson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 42.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A principialização da jurisprudência através da Constituição. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, Repro. v. 98, p. 84.

[5] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 398.

[6] AMORIM, Helder Santos. Os Princípios do Direito do Trabalho na Constituição de 1988. In: Como aplicar a CLT à luz da constituição: alternativas para os que militam no foro trabalhista / Márcio Túlio Viana, Cláudio Jannotti da Rocha, coordenadores. - São Paulo: LTr, 2016, p. 111.

[7] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 17ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2018, p. 218.

[8] DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo de trabalho. p. 33.

[9] AMORIM, Helder Santos. Os Princípios do Direito do Trabalho na Constituição de 1988. In: Como aplicar a CLT à luz da constituição: alternativas para os que militam no foro trabalhista / Márcio Túlio Viana, Cláudio Jannotti da Rocha, coordenadores. - São Paulo: LTr, 2016, p. 113.

[10] DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de direito individual e coletivo de trabalho. p. 36.

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