A retrovenda com o escopo de garantia e o negócio jurídico indireto diante dos negócios fiduciários e do direito de retrato

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03/08/2019 às 15:08
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7. CLÁUSULAS QUE PODEM SER CONVENCIONADAS NA RETROVENDA

São elas:

a) Que exercido, o direito de retrato, o vendedor terá que pagar juros sobre o preço ao comprador, estando este, por sua vez, obrigado a restituir àquele o equivalente pelos frutos colhidos durante o período em que foi proprietário resolúvel do imóvel;

b) Que o direito de retrato, dentro do prazo de resgate, só poderá ser exercido a partir de determinado momento (termo inicial), ou se ocorrer acontecimento futuro e incerto (condição suspensiva), ou então, até que se verifique evento futuro e incerto (condição resolutiva);

c) Que o direito de retrato é intransmissível, mortis causa ou inter vivos;

d) Que a coisa objeto da venda a retro será inalienável até que o vendedor exerça o direito de retrato, ou se extinga esse direito; e vendedor e comprador – antes e/ou depois do exercício do direito de retrato.

Discute-se com relação à cláusula que estabelece a inalienabilidade da coisa objeto da venda a retro.

Para Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.296, r, pág. 174) se tem: “Se o comprador se obrigou a não alienar, e aliena, responde por perdas e danos oriundos da infração do pacto”.

Mas Eduardo Espínola (Dos contratos nominados no direito civil brasileiro, n. 21, pág. 42) entendia que, à semelhança do que se dá na França, onde os Tribunais, desde 1842, têm entendido que, ainda em negócios jurídicos onerosos, desde que haja legítimo interesse e limitação determinada no tempo, é admissível a cláusula de inalienabilidade, com a eficácia de tornar nulo o ato de disposição que a infrinja.

Para o ministro Moreira Alves, a opinião correta é a de Pontes de Miranda.


8. A RETROVENDA E O REGISTRO IMOBILIÁRIO

Sendo a retrovenda uma condição resolutiva potestativa, e que, por isso mesmo, tem de ser aposta in continenti e no próprio instrumento, ao contrato de venda, no direito brasileiro, é indispensável que a retrovenda seja registrada, juntamente com o contrato de compra e venda a que ela foi adjeta no Registro de Imóveis. A esse respeito, tem-se o artigo 167, I, 29 combinado com o artigo 169, ambos da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, sendo obrigatório esse registro para a compra e venda condicional. Aliás, para Aureliano Guimarães (A compra e venda civil, n. 199, pág. 214), a retrovenda já estava sujeita a transcrição, consoante o Decreto nº 370, de 1890, no artigo 215, § 11.

O mesmo ocorria sob o império do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, na redação dada pelo Decreto nº 5.318, de 29 de fevereiro de 1940, cujo artigo 247, 11º, determinava que deveria constar da transcrição “condição do contrato, com todas as cláusulas adjetas que possam afetar a terceiros e de necessária publicidade”.


9. A RETROVENDA E AS OUTORGAS UXORIA E MARITAL

Discute-se aqui se o pacto adjeto ao contrato de compra e venda, verdadeira condição resolutiva potestativa, deve exigir ou não outorgas uxória e marital.

A compra e venda é aposta in continenti ao contrato de compra e venda, uma vez que sendo condição resolutiva potestativa, se trata da cláusula que, ao ser adjeta ao contrato de compra e venda, com este forma um todo orgânico, inseparável.

Disse Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, XXXIX, § 4.295, 6, pág. 170) que “quem pode vender e comprar pode pactar de retrovenda, como beneficiário: Quem não pode vender não pode sujeitar-se ao pacto. Quem pode vender, embora somente com autorização ou consentimento, de outrem, pode prestar como beneficiado.”

O ministro Moreira Alves (Retrovenda, segunda edição, pág. 117), ao estudar a questão coloca a questão enfocando o fato de celebração de um contrato de compra e venda do imóvel com retrovenda, aduzindo que não há dúvida de que o vendedor necessita, conforme se trate de um homem ou mulher casados, de outorga uxória ou de outorga marital.

Tem-se do artigo 1.647 do Código Civil de 2002:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

Por sua vez, Agostinho Alvim (Da compra e venda e da troca, n. 162, pág. 133-134), comentando o artigo 1.140 do Código Civil, examina esse problema, salientando que é ele perfeitamente cabível, não porque, verificada a condição resolutiva, ocorra nova alienação, mas porque com a resolução, o comprador perde a propriedade sobre a coisa comprada. E em seu entender, o marido ao celebrar, na qualidade de comprador, o contrato de compra e venda de imóvel, com retrovenda não necessita de outorga uxória, porquanto:

“Não há dúvida de que o casal perderá a propriedade já adquirida, de um imóvel; não há dúvida, também, que, se o marido comprar um imóvel e onerá-lo, concomitantemente (hipoteca gêmea), ele não poderá prescindir da concordância da mulher. E não há negar a semelhança dos dois casos, uma vez que em ambos o imóvel é onerado no momento em que entra para o patrimônio do adquirente.

Todavia, a índole da condição resolutiva opõe-se a qualquer solução que não seja a da resilição ou desfazimento do negócio por força do acontecimento posto como condição.

Se o consentimento da mulher for indispensável, pelo fundamento de que um bem sairá do patrimônio do casal, que solução se daria para o caso em que o comprador, solteiro ao contratar a venda com pacto de retrovenda, se cassasse depois? A mulher poderia vetar?

Daí opinamos ser dispensável o consentimento uxórico.

Quem compra com este pacto, celebra um negócio instável, não só por sua natureza, mas essencialmente instável, eis que a permanência do imóvel no patrimônio do adquirente fica dependendo da vontade do terceiro’.

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O ministro Moreira Alves considera essa solução correta.

Para o ministro Moreira Alves, ocorrida a condição resolutiva que é a retrovenda, e isso mediante o exercício, pelo vendedor, de seu direito de retrato, há resolução ipso iure, do contrato de compra e venda e do domínio sobre a coisa comprada, e não uma nova alienação, desta vez do comprador ao vendedor. Demais e não sendo o direito de retrato um direito real, mas, sim – como demonstrou no n.17 – um direito potestativo, não há sequer que se considerarem as outras hipóteses que eram previstas no artigo 235, inciso I, do Código Civil de 1916.

Para o ministro Moreira Alves (obra citada, pág. 120), ainda que o comprador, em virtude do exercício do direito de retrato pelo vendedor, venha a perder a propriedade sobre a coisa comprada, o que se vai dar simplesmente é a restauração do status quo ante, sem qualquer prejuízo para ele, restituído que é o preço e reembolsadas que são as despesas com a compra e venda e os melhoramentos feitos na coisa; e os juros do preço se compensem com os frutos colhidos do imóvel. É isso, sem falar na possibilidade de a condição não se verificar, deixando, assim, a propriedade de ser resolúvel.

Lembrou o ministro Moreira Alves que, já os reinícolas, desde o século XVI, referindo-se, expressamente à retrovenda, afirmavam que o comprador, para celebrar contrato de compra e venda de imóvel com retrovenda, não necessitava de outorga uxória. Essa era a opinião, naquele tempo, de Barbosa (comentários às Ordenações Manuelinas) e Guerreiro, os quais são invocados por Lobão, quando defende a mesma tese. Dizia-se que não era necessário porém o consentimento da mulher quando o marido comprando alguns bens com o pacto de retrovendendo, ou tendo sucedido nos comprados com esse pacto distrato do vendedor a compra, recebendo dele o preço, porque o pôde fazer sem consentimento da mulher (Ord. Liv. E, Tít. 48, n. 7, Barbosa).


10. POSICIONAMENTOS DO STJ

Observe-se o STJ, no julgamento do REsp 1364272 / MG, onde se disse, em síntese:

"4. Diante da força obrigatória e consequente eficácia vinculativa da promessa de compra e venda válida, não se revela possível falar em renúncia tácita da cláusula de retrovenda (a qual não se confunde com a cláusula de arrependimento) que não fora repetida na escritura pública do contrato definitivo.

5. Isso porque, uma vez exigida a manifestação expressa das partes para a instituição de cláusulas especiais na compra e venda (direito de retrovenda, entre outros), sua renúncia deve observar o mesmo rigor, tendo em vista o princípio do paralelismo das formas encartado no artigo 472 do Código Civil. Com efeito, o direito obrigacional, titularizado pelo vendedor, enquanto não for suprimido, de comum acordo, deverá ser observado por ambas as partes contratantes, ainda que a escritura pública silencie a respeito.

6. No tocante ao tempo para o exercício do direito potestativo da retrovenda, o caput do artigo 505 do Código Civil prevê o prazo decadencial "máximo" de três anos, o que não impede que as partes convencionem período inferior, situação que se configurou na hipótese dos autos.

7. Desse modo, conquanto se afigure impositiva a reforma do fundamento do acórdão estadual no sentido da renúncia tácita da cláusula de retrovenda, é de se manter a improcedência da pretensão autoral, uma vez caduco o exercício do direito requerido pelos promitentes vendedores após o decurso do prazo decadencial expressamente estipulado na promessa de compra e venda."

REsp 285296 / MT: COMPRA E VENDA. Retrovenda. Simulação. Medida Cautelar. - É cabível o deferimento de medida liminar para suspender os efeitos de escritura de compra e venda de imóveis que teria sido lavrada com o propósito de encobrir negócio usurário. Fatos processuais que reforçam essa ideia. Conveniência, porém, de que seja prestada caução ( art. 804 do CPC ). Recurso conhecido em parte e nessa parte provido.

AgRg no Ag 142285 / DF: CIVIL. RETROVENDA. INDENIZAÇÃO DE TRIBUTOS PAGOS. O sujeito passivo do Imposto Predial e Territorial Urbano e da Taxa de Limpeza Pública é, preferencialmente, o proprietário (CTN, art. 32); se quem pagou esses tributos era, na data dos respectivos fatos geradores, o titular da propriedade, só pode exigir a respectiva indenização, na hipótese de retrovenda, se estipulada contratualmente. Agravo regimental não provido.

REsp 104828 / DF: RETROVENDA. CORREÇÃO MONETARIA. BENFEITORIAS. 1. NÃO CONTRARIA A REGRA DO ART. 1.140 DO CODIGO CIVIL O JULGADO QUE MANDA APURAR AS BENFEITORIAS E COMPUTAR A CORREÇÃO MONETARIA NA FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. 2. O PARADIGMA RELATIVO A UMA IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, ALCANÇANDO EMBORA NEGOCIO JURIDICO IGUAL, A RETROVENDA, NÃO SERVE PARA CONFIGURAR O DISSIDIO. 3. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

REsp 28598 / BA: COMPRA E VENDA DE AÇÕES, COM PACTO DE RETROVENDA. NEGOCIO JURIDICO INDIRETO. DIREITO DE RESGATE ABRANGENTE DAS AÇÕES ACRESCIDAS EM RAZÃO DE BONIFICAÇÕES E DO DIREITO DE SUBSCRIÇÃO. DESISTENCIA DE RECURSO NÃO DEVIDAMENTE FORMALIZADO. - QUALIFICADA A AVENÇA COMO NEGOCIO JURIDICO INDIRETO, NÃO CONTRARIA O ART. 1.140 E PAR. UNICO DO CC A DECISÃO QUE CONSIDERA COMO COMPREENDIDO NO DIREITO DE RESGATE TUDO QUANTO SE ACRESCENTOU AS AÇÕES VENDIDAS, QUER POR FORÇA DE BONIFICAÇÕES, QUER EM RAZÃO DO DIREITO DE SUBSCRIÇÃO. - NÃO VEDA A LEI TENHA A RETROVENDA POR OBJETO BENS MOVEIS. - ACORDÃO QUE DEIXA DE APRECIAR APELAÇÃO SOB O FUNDAMENTO DE QUE HOUVERA DESISTENCIA DO RECURSO, A QUAL, POREM, NÃO SE FORMALIZARA, ALEM DE NÃO CONTAR O ADVOGADO COM PODERES ESPECIAIS PARA TANTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, EM PARTE, E PROVIDO.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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