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Direitos humanos como utopia

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4. OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Dentre os chamados Direitos Humanos Fundamentais, encontram previsão legal nos artigos 1 e 55 da Carta das Nações Unidas, os princípios da Autodeterminação dos povos, da não discriminação e o princípio da promoção da igualdade.

De acordo com o princípio da autodeterminação dos povos, o direito dos povos e nacionais à livre determinação é um requisito prévio para o exercício de todos os direitos humanos fundamentais.

O princípio da não discriminação, por sua vez, determina que o pleno exercício de todos os direitos e garantias fundamentais pertence a todas as pessoas, independentemente de raça, sexo, cor, condição social, genealogia, credo, convicção política, filosófica ou qualquer outro elemento arbitrariamente diferenciador.

Para Flávia Piovesan(XIII), "discriminação significa toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade."

Conforme determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, qualquer espécie de discriminação deve ser destruída, extirpada, de modo a assegurar, a todos os seres humanos, o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Até mesmo nossa Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XLI, determina que "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais".

Dessa forma, havendo injustificada diferenciação no tratamento entre os indivíduos, estará caracterizada a discriminação. No entanto, não basta apenas não discriminar, é preciso, também, criar normas que possibilitem a esses grupos, já tão marginalizados, sua inclusão no contexto social do país, por meio da participação em instituições públicas ou privadas, a fim de garantir a verdadeira e completa implementação do direito à igualdade.

Com relação à esse assunto, Flávia Piovesan manifesta-se no seguinte sentido: "Com efeito, a igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão – exclusão. Enquanto a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica na violenta exclusão e intolerância à diferença e diversidade. O que se percebe é que a proibição da exclusão, em si mesma, não resulta automaticamente na inclusão. Logo não é suficiente proibir a exclusão, quando o que se pretende é garantir a igualdade de fato, com a efetiva inclusão social de grupos que sofreram e sofrem um consistente padrão de violência e discriminação."


5. A CONCEPÇÃO DE UTOPIA

Ao falarmos em Utopia, a primeira coisa que nos vem em mente é algo irrealizável, inatingível. De fato, se formos buscar o significado da palavra Utopia em nossos dicionários, iremos encontrar: "Projeto irrealizável; quimera." (XIV)

Entretanto, não é neste sentido que utilizamos a palavra Utopia, aqui, neste trabalho.

Nicola Abbagnano(XV) ensina que Thomas Moore deu o nome Utopia, a uma espécie de romance filosófico (De optimo reipublicae statu deque nova insula Utopia, 1516), onde relatava as condições de vida em uma ilha desconhecida, que denominou Utopia. Nela teriam sido abolidas a propriedade privada e a intolerância religiosa. Foi por isso que tal termo passou a designar, não apenas qualquer tentativa análoga, como também qualquer ideal político, social ou religioso, cuja realização seja difícil ou impossível.

Porém, como o próprio Abbagnano salienta, Manheim considerou a Utopia, como algo destinado a realizar-se, ao contrário da ideologia que não é passível de realização. Nesse sentido, a Utopia seria o fundamento da renovação social.

E continua: "Em geral, pode-se dizer que a U. (sic) representa a correção ou a integração ideal de uma situação política, social ou religiosa existente. Como muitas vezes aconteceu, essa correção pode ficar no estágio de simples aspiração ou sonho genérico, resolvendo-se numa espécie de evasão da realidade vivida. Mas também pode tornar-se força de transformação da realidade, assumindo corpo e consistência suficientes para transformar-se em autêntica vontade inovadora e encontrar os meios da inovação. Em geral, essa palavra é considerada mais com referência à primeira possibilidade que à segunda." (XVI)

Em sua obra Direito e Utopia, João Baptista Herkenhoff afirma que a palavra Utopia deriva do grego, e significa "que não existe em nenhum lugar". Para Herkenhoff, a utopia é o contrário do mito, ou seja, utopia "é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o homem lutar para sua concretização." E continua dizendo que a Utopia é a consciência antecipadora do amanhã. "O mito ilude o homem e retarda a História. A utopia alimenta o projeto de luta e faz a História". Herkenhoff vê o pensamento utópico como o grande motor das Revoluções. (XVII)

          5.1. O Pensamento Utópico

          O pensamento utópico teve um importante papel no Direito, uma vez que é através do mesmo que encontramos os instrumentos necessários para construir o nosso direito; É o pensamento utópico que ilumina o caminho em prol do que é justo, já que não fica restrito às imposições legais, que nem sempre estão de acordo com o que se entende por justiça.

O pensamento utópico funciona como uma espécie de libertação das amarras que prendem o Direito aos aspectos legais. Através da utopia, busca-se não o que diz a letra da lei, mas sobretudo, o que é justo. E lei e justiça não são palavras sinônimas, muito menos Direito e Lei. Essa distinção é proveniente, justamente, do pensamento utópico, que desvinculou o Direito da lei, proclamando que antes de tudo o Direito é justiça! Através do Direito, conforme o pensamento utópico, busca-se uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária, onde os direitos das chamadas minorias (como as mulheres, os negros e os homossexuais, por exemplo) serão respeitados, um direito escrito pelo povo e em respeito, essencialmente, à dignidade da pessoa humana!

          5.2. A função da Utopia

De acordo com os ensinamentos proferidos pelo mestre João Baptista Herkenhoff(XVIII), a primeira função da utopia é favorecer uma visão crítica da realidade. No entanto, como salienta o mesmo, sua função não para por aí. A utopia é antes de mais nada, uma forma de ação, uma vez que provoca o movimento das pessoas, em busca do desenvolvimento de uma sociedade mais justa. Trata-se, de acordo com Bloch (citado por Herkenhoff) do "Princípio da Esperança" que anima o mundo.

Podemos dizer, dessa forma, que a função da utopia é a de provocar um movimento social, em busca de um novo Direito, um "Direito Justo", livre de amarras pré estabelecidas; um direito que busca a igualdade entre os povos, a fraternidade e, acima de tudo a paz social; um direito que renasce a cada dia, de acordo com as novas aspirações humanas, porque o homem é um ser dinâmico, de forma que, se o direito é criado exclusivamente em prol do ser humano, não poder ser estático, pois isso acarretaria uma contradição.

A utopia serve, portanto, como um instrumento de transformação social. Trata-se de uma realidade que visa, como ensina João Baptista Herkenhoff, "desmascarar a falsidade da ideologia estabelecida". (XIX) E, sabiamente, continua o mestre: "O presente pertence aos pragmáticos. O futuro é dos utopistas"!


6. CONCLUSÃO

É, de fato, impressionante como, às portas do tão esperado terceiro milênio, pouca coisa mudou, com relação à proteção e ao respeito aos direitos humanos, à dignidade da pessoa humana! Atualmente, não é difícil constatar a miséria, a violência, a degradação dos costumes que estamos vivenciando. Os jornais, revistas, televisão, não se cansam de anunciar, a todo o momento, o total desrespeito do homem para com ele próprio, quem dirá para com seus semelhantes!

São casos de jovens que resolvem "brincar" ateando fogo em um pacato índio que dorme ao relento; de policiais que, ao invés de proteger o cidadão, espancam e matam menores, em uma verdadeira chacina física e moral; discriminações e preconceitos contra a mulher, os negros, homossexuais, enfim, as chamadas minorias sociais; pais que se esquecem do dever natural de proteger seus filhos e os espancam, ou até mesmo estupram e matam; enfim, uma enorme e variada quantidade de atrocidades cometidas, as vezes até mesmo em nome da lei, que nos fazem questionar, a todo momento: onde estão os Direitos Humanos, os direitos do cidadão, da pessoa humana?

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Estamos vivenciando uma espécie de violação em massa desses direitos e, diante de tanta miséria, discórdia, violência, o ser humano clama por JUSTIÇA, IGUALDADE E FRATERNIDADE!

Conforme ensina, sabiamente, o ilustre mestre João Baptista Herkenhoff, "as pessoas têm uma dignidade humana que tem de ser reverenciada" (XX) e, continua, "O Direito não pode ser instrumento legitimador da exploração do homem pelo homem. Direito que legitima a espoliação não é Direito, mas corrupção do Direito." (XXI)

É preciso buscar uma verdadeira conscientização da sociedade, no sentido de que os direitos humanos devem ser resguardados, independentemente de raça, cor, religião ou orientação sexual, pois somos todos diferentes, não existe ninguém igual! E a essência do princípio da igualdade está exatamente em respeitar as diferenças existentes, dando a todos, sem distinção, tratamentos iguais, pois, antes de qualquer coisa, somos seres humanos! Precisamos resgatar a dignidade da pessoa humana!

Como ensina Carlos Aurélio Mota de Souza(XXII), "Urge, em conseqüência, reconstruir os valores humanos desde suas raízes e transformar cada indivíduo, cada estudante, em cidadãos conscientes e exigentes da salvaguarda desses valores."

É preciso conscientizar o homem para a Cidadania! É preciso escutar a voz do povo na construção dessa verdadeira utopia! Utopia no sentido de movimentar a sociedade em prol de uma libertação, de uma conscientização, de um reconhecimento da dignidade humana. Utopia, no sentido de instrumento de mudança social e de conquistas populares. Utopia no sentido de buscar a igualdade social, a fraternidade e a construção da verdadeira cidadania!

Para que isso ocorra, é extremamente necessário o redirecionamento dos estudos jurídico no Brasil e, quiçá no Mundo, no sentido de libertar o direito das "amarras" criadas pelo Positivismo. No sentido de "abrir os olhos" da população, em busca do justo, e não somente do que encontra-se estipulado no texto de lei, que na sua grande maioria é injusto e não condiz com a realidade social, além de ser hipócrita, por não atingir todas as camadas da população, deixando "de fora" uma grande parte, já tão massacrada e perseguida! Cabe aos mestres e educadores, a tarefa de desvincular o Direito da Lei, de mostrar a diferença entre eles e de ensinar que o Direito é, sobretudo justiça!

É preciso coragem e luta para romper as barreiras do "Direito posto", na busca do "Direito Justo". É preciso, como afirma Herkenhoff, "dessacralizar a lei"! (XXIII)

Por fim, fazemos nossas as sábias palavras de João Baptista Herkenhoff(XXIV), quando este afirma que "Proclama-se o Direito e lança-se o anátema contra o antidireito, qual seja, o Direito estabelecido"!


NOTAS

  1. HERKENHOFF, João Baptista. Direitos Humanos – A construção Universal de uma utopia. São Paulo : Ed. Santuário, 1997.
  2. ALMEIDA, Fernando Barcellos de. Teoria Geral dos Direitos Humanos. Sérgio Antônio Fabris Editor. Pg. 24.
  3. MORAIS, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. Coleção Temas Jurídicos – Vol. 3. São Paulo : Ed. Atlas, 1998. 2ª Edição. Pg. 20.
  4. J. S. Fagundes Cunha – Juiz de Direito do Paraná e Professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa e da Escola Superior de Magistratura do Paraná, Mestre em Direito pela PUC/SP e doutorando pela UFPR, em artigo publicado no site www. jus.com.br.
  5. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos – Gênese dos Direitos Humanos. Volume 1. São Paulo : Ed. Acadêmica, 1994. Pg. 30.
  6. O tema Direitos Humanos também foi abordado em um artigo de minha autoria, chamado "A Homossexualidade Brasileira face a Declaração Universal dos Direitos Humanos", trabalho este, onde apresento os mesmos conceitos neste expostos.
  7. HERKENHOFF, João Baptista. Obra citada. Pg. 51.
  8. Idem.
  9. Obra citada. Pg. 52.
  10. HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos. Pg. 72.
  11. Curso de Direitos Humanos – Gênese...(ob. Citada). Pg. 78.
  12. PIOVESAN, Flávia Temas de Direitos Humanos. Pg. 206.
  13. PIOVESAN, Flávia. Idem. Pgs. 132 e 133.
  14. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário da Língua Portuguesa. 3ª Edição. Rio de Janeiro : Ed. Nova Fronteira, 1993. Pg. 557.
  15. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo : Ed. Martins Fontes, 1998. Pg. 987.
  16. Idem.
  17. HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. Porto Alegre : Ed. Livraria do Advogado, 1999. Pgs. 11 e 12.
  18. HERKENHOFF, João Baptista. Direito e Utopia. Pg. 14.
  19. Direito e Utopia. Pg. 16.
  20. HERKENHOFF, João Baptista. Idem. Pg. 81.
  21. Idem. Pg. 92.
  22. SOUZA, Carlos Aurélio Mota. Direitos Humanos, Urgente! São Paulo : Ed. Oliveira Mendes, 1998. Pg. 91.
  23. Direito e Utopia. Ob. Citada. Pg. 91.
  24. Idem. Pg. 98.
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Sobre a autora
Daniela Paes Moreira Samaniego

professora de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC), mestranda em Direito pela UNIC/UNESP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos humanos como utopia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76. Acesso em: 23 nov. 2024.

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