O desafio imposto por propostas inviáveis em licitações de concessão

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A partir da análise da prática recente na avaliação de exequibilidade das propostas em licitações de concessões, busca-se debater alternativas que possam desestimular a realização de propostas inviáveis e aumentar a garantia contratual do Poder Público.

1. Introdução

O presente ensaio busca investigar as razões que levaram ao esvaziamento da análise de viabilidade nos procedimentos licitatórios de concessão, os limites existentes para a superação deste cenário e as alternativas a disposição do Poder Público para, de forma diligente e factível, evitar contratações contrárias ao interesse público.

Nenhuma análise teórica será mais eloquente acerca das consequências deletérias de celebração de contratos em termos insuficientes para assegurar o cumprimento do objeto contratual que o testemunho das tribulações sofridas pelas concessões aeroportuárias e rodoviárias federais outorgadas no período de 2012 a 2014[1].

Conforme extensamente noticiado, “a crise econômica e política gerou consequências multibilionárias no setor de infraestrutura brasileiro: rodovias, aeroportos e outras concessões já operando sofreram um impacto devastador”, sendo uma das consequências mais notáveis da crise a “paralisia gerada nos poderes concedentes, agências reguladoras e órgãos de controle”[2].

É precisamente nesta paralisia que se encontra, a nosso ver, o aspecto mais grave do não enfrentamento da inexequibilidade de propostas na etapa adequada: em momentos de crise do contrato de concessão, o gestor público se vê numa posição extremamente vulnerável, sobrecarregado pelo desafio de conciliar a punição aos agentes privados pelo descumprimento contratual[3] com a imprescindível garantia de continuidade na prestação dos serviços[4].

A despeito do quadro exposto acima, e mesmo convivendo com graves problemas decorrentes de contratos celebrados a partir de propostas com ágios (ou deságios, conforme o caso) elevadíssimos[5], a Administração Pública, nos diferentes níveis federativos, parece, salvo raras exceções[6], despreocupada com a possibilidade de recebimento de propostas inviáveis e desinteressada (ou incapaz) de formular uma reação conveniente[7].

Tal omissão pode se mostrar especialmente danosa num momento político-econômico de otimismo e promoção ostensiva de novos projetos[8], como se observa no país na ocasião em que o presente artigo é redigido.

Naturalmente, o objetivo que orienta a análise do problema e a proposição de soluções é o atendimento do interesse público que, no caso das concessões, nas palavras de Maria Silvia Zanella Di Pietro “não é tão indeterminado quanto possa parecer, já que tem um conteúdo preciso definido na lei de concessões ao exigir o serviço adequado e mencionar os requisitos indispensáveis para que essa exigência seja atendida”[9].

Neste contexto, após expor os contornos gerais do tratamento legal, doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, passamos a avaliar como duas cláusulas usuais de editais de licitações de projetos federais – a que encerra proibição da apresentação do plano de negócios do licitante e a que exige declaração de instituição financeira sobre a exequibilidade da proposta do licitante – se inter-relacionam e impactam o trabalho da comissão de licitação na análise de exequibilidade de propostas[10].

Dedicamos, em seguida, especial atenção à recepção negativa que uma iniciativa recente da ANTT para desestimular a realização de propostas inexequíveis teve por parte do órgão controlador incumbido de assegurar a higidez do certame, o que, como esperamos demonstrar, reforça a impressão de que existe um ambiente institucional desfavorável ao enfrentamento do tema da inviabilidade de propostas.

Por fim, neste contexto desafiador, e dada a dificuldade prática de descortinar os danos, necessariamente futuros, inerentes às propostas inviáveis, concluímos o ensaio com a apresentação de algumas sugestões que não visam tanto a suprir as deficiências diagnosticadas no processo de julgamento de exequibilidade, mas, principalmente, desestimular a realização de proposta inexequível e/ou salvaguardar a posição do ente público em caso de sua contratação.

2. Especificidades do julgamento de exequibilidade em contratos de concessão

Inicialmente, mostra-se imprescindível identificar os elementos, peculiares à natureza dos contratos de concessão, que particularizam a análise de exequibilidade de propostas nos processos licitatórios sub examine.

(i) Prazo contratual

Em primeiro lugar, destaca-se a extensão do prazo do contrato, que pode chegar a 35 anos em caso de concessões administrativas e patrocinadas, e não tem limite em concessões comuns, o que reflete uma diferença fundamental à lógica de prazos curtos característica dos contratos regidos pela Lei nº 8.666/93[11].

Tal circunstância, por si só, implica num grau de incerteza muito maior em relação aos cenários de execução do contrato, que torna a análise de viabilidade da proposta mais subjetiva e complexa.

(ii) Apuração do valor de referência da licitação

Ao contrário do que ocorre na maior parte dos processos tradicionais de contratação da Lei nº 8.666/93, o valor máximo de tarifa ou de contraprestação, plasmado no edital de licitação, não decorre de pesquisa de preços e orçamentação individualizada de seus elementos, e sim de um estudo de viabilidade técnica e econômica que assume um conjunto considerável e diversificado de premissas. O resultado previsível é uma segurança relativamente menor, por parte da Administração, em relação ao que constituiria um preço de mercado.

O fato de que também o licitante deve, necessariamente, assumir premissas e realizar prognósticos e suposições para calcular o valor a ser ofertado em sede de licitação acarreta, por sua vez, um desafio significativo à aplicação do princípio legal do julgamento objetivo da proposta, que, como é notório, tem por função assegurar “a certeza jurídica imprescindível para que as decisões sejam proferidas objetivamente”[12].

(iii) Caráter genérico das obrigações contratuais

Noutro giro, as obrigações dos contratos de concessão são mais abertas que as de um típico contrato da Lei nº 8.666/93; prevê-se, usualmente, um determinado nível de serviço que o concessionário deve manter, mas os meios para tanto são deixados propositalmente à sua escolha[13], em busca de maior eficiência.

Isso importa, como consequência necessária, em uma indefinição maior em relação ao que será realizado e, ipso facto, ao custo de sua realização. Logo, um valor que pareça inviável à Administração para determinada parcela do serviço pode ser justificado por uma diferente solução técnica (mais econômica) encontrada pelo licitante.

(iv) Expectativas de receitas acessórias

Não bastassem os fatores anteriormente citados, o próprio objeto do contrato de concessão pode ser alargado pela exploração de projetos associados, conforme faculta o artigo 11 da Lei nº 8.987/95. A depender da natureza do projeto concessionado, tais negócios podem representar parcela significativa da receita da concessão e, mais ainda, do lucro da concessionária, eis que, não raro, tais atividades têm margens mais elevadas que a exploração do serviço concedido.

Apesar do parágrafo único do preceptivo citado ser cristalino ao dispor que “as fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato”, nem sempre isso ocorre na prática.

Especula-se que uma possível justificativa resida na natureza comumente discricionária da autorização da Administração Pública para a exploração destes projetos associados, que os inserem num quadro de indeterminação, o qual não aconselharia sua consideração no equilíbrio econômico-financeiro inicial da concessão. Na prática, a decisão de não projetar receitas acessórias pode decorrer também da dificuldade de se estimar a potencial lucratividade destes negócios secundários.

Sem discutir a melhor interpretação do comando normativo, resta somente constatar que a análise de viabilidade, que já seria, inevitavelmente, árdua caso tivessem sido simuladas, com diferentes premissas, os resultados decorrentes da exploração de um mesmo negócio, torna-se praticamente impossível quando a comissão de licitação se vê compelida a considerar, em seu julgamento, negócios que sequer foram estudados pelo Poder Público anteriormente à licitação[14].

3. Panorama legal, doutrinário e jurisprudencial

Em que pesem as especificidades elencadas no capítulo precedente, as Leis nº 11.079/04 (concessões administrativas e patrocinadas) e nº 8.987/95 (concessões comuns) não trazem regramento específico sobre o tema, à exceção da disposição do parágrafo 3º do artigo 15 desta última, que consigna que “o poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação”.

Com efeito, o poder-dever de rechaçar ofertas inexequíveis existiria mesmo se não estivesse previsto na legislação específica de concessões e o diploma legal sequer poderia afastar essa possibilidade, razão pela qual o dispositivo analisado pouco contribui para a elucidação da questão.

Na falta de normatização específica, devemos nos socorrer das disposições da Lei nº 8.666/93, que institui normas gerais para licitação e contratos da Administração Pública, e é aplicável subsidiariamente às concessões comuns, patrocinadas e administrativas, mormente porque a modalidade licitatória determinada pela lei para estes contratos é a concorrência, regrada pela Lei Geral de Licitações[15].

O recurso à Lei nº 8.666/93, contudo, não significa a superação de um panorama de dúvidas, uma vez que este diploma legal também é bastante econômico no tratamento do tema e, compreensivelmente, não traz um regramento específico para projetos de concessão. Por seu turno, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (“TCU”) na matéria poderia bem ser definida como uma crônica de ressalvas, o que resulta num receio disseminado dos gestores públicos, perceptível na prática, em decretar a inexequibilidade de qualquer proposta.

Esmiuçando o texto legal, tem-se que o preceito mais relevante sobre o tema possivelmente seja o inciso II, do artigo 48, da Lei nº 8.666/93, in verbis:

Art. 48. Serão desclassificadas:

(...)

II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação[16]. (grifos nossos)

Uma primeira discussão doutrinária sobre esta prescrição legal diz respeito à interpretação do termo “manifestamente”. A propósito, é ilustrativa do entendimento dominante a posição de José Maria Pinheiro Madeira:

No artigo 48 da Lei n° 8666/93 verifica-se que o motivo da desclassificação da proposta está qualificado pelo advérbio manifestamente inexequível. A lei está exigindo de quem conduz e julga a proposta que tenha uma razoável certeza. Este "manifestamente inexequível" quer dizer fundado em prova, em demonstração, em evidências efetivas de que com aquele preço não se cumprirá o objeto alvo da licitação. Caso se fique apenas em dúvida, poder-se-á estar desperdiçando a oportunidade da Administração contratar em condições muito vantajosas só por um preconceito ou premissa que não se cumpriu demonstrar manifestamente. Nem mesmo a impugnação dos outros licitantes basta para caracterizar este manifestamente[17]. (grifos nossos)

No caso das concessões, a obtenção desta razoável certeza é, consoante externamos, especialmente desafiadora, uma vez que estamos diante de discussões de premissas em projetos de longuíssimo prazo, do que segue, invariavelmente, um grau de incerteza sobre qualquer juízo que se tome acerca da proposta, quer positivo ou negativo.

Em relação à menção legal à demonstração da viabilidade da proposta “por meio de documentação”, destacamos que o dispositivo se revela plenamente aplicável aos processos licitatórios de desestatização, o que reforça a percepção, a ser aprofundada no capítulo 5, de que a comissão de licitação não pode prescindir do plano de negócios em caso de dúvidas sobre a exequibilidade de uma proposta.

Na verdade, obtém-se a mesma conclusão ao analisar a questão sob outro ângulo, tomando por base o direito subjetivo do licitante: em face da possibilidade de uma decisão contrária a seus interesses, este possui a faculdade inarredável de produzir provas em seu favor, as quais, no presente caso, tendem a consistir nos documentos que expõem as premissas e os dados considerados para a formulação da proposta[18].

Prosseguindo na análise da dicção do texto legal, o ponto usualmente mais salientado pelos órgãos de controle na apreciação de decisões de inviabilidade[19] - e, por sinal, o aspecto mais delicado nos procedimentos licitatórios de concessão – corresponde à necessidade de especificar no ato convocatório da licitação os parâmetros de julgamento das propostas.

Tal imposição decorre diretamente dos princípios da impessoalidade e do julgamento objetivo das propostas, e é, ademais, reforçada pela previsão do inciso X, do artigo 40 da lei em comento, que exige a inserção no edital do “critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso”.

Nos editais de licitação de concessões, à exceção de cláusulas genéricas de rejeição de propostas manifestamente inexequíveis (que meramente transcrevem parte do texto legal), desconhecemos[20] a existência de regras específicas que poderiam ser reputadas como “critérios de aceitabilidade” da proposta. Neste cenário, o critério de aceitabilidade passa a ser, quase que por exclusão, o plano de negócios de referência elaborado pelo próprio ente concedente[21].

Entretanto, dado o volume e complexidade de premissas e o caráter não vinculativo que caracterizam este documento, a afirmação de que este espelharia um preço de mercado da contratação deve ser tomada cum grano salis; trata-se positivamente de uma referência, mas inserida num contexto em que a amplitude de variação admitida é significativamente maior do que nas contratações tradicionais da Lei 8.666/93.

4. Razões para a existência de propostas inexequíveis

(i) Ponto de vista do setor privado

A afirmação da inexequibilidade de propostas como um problema relevante enfrenta certa perplexidade natural: em caso de descumprimento contratual, não serão os acionistas da concessionária os maiores prejudicados? Qual a lógica, portanto, de um licitante apresentar uma proposta manifestamente inviável?

Diversos fatores podem explicar a formulação de uma proposta inexequível: conflitos de agência[22] (agravados por incentivos remuneratórios inadequados para executivos[23]), equívocos na interpretação de obrigações contratuais, perfil de risco do licitante incompatível com a natureza do projeto, otimismo excessivo[24], entre outros.

Não se deve olvidar que os agentes de mercado não estão imunes a falhas na formulação de suas estratégias ou na execução de suas atividades. Comentando, num enfoque mais amplo, a magnitude de atos de má administração, Lawrence Gitman anota que:

A principal causa da quebra de empresas é a má administração, que responde por mais de 50% dos casos. (...) as más decisões financeiras incluem equívocos no orçamento de capital (usar previsões e reais de vendas e custos; deixar de identificar todos os fluxos de caixa relevantes ou não avaliar o risco adequadamente), má avaliação financeira dos planos estratégicos da empresa antes de assumir compromissos financeiros, planejamento inadequado ou inexistente de fluxo de caixa e falta de controle de contas a receber e estoques[25]. (grifos nossos)

Além destas razões genéricas, há, ainda, uma explicação para o fenômeno específica às licitações governamentais, que desfruta de alta popularidade entre os agentes públicos: tais propostas seriam atribuíveis ao comportamento oportunista do licitante, que buscaria conseguir o contrato a qualquer custo, compensando as condições adversas iniciais por negociações posteriores desfavoráveis ao Poder Público.

Leia-se, a respeito, recente manifestação da área técnica do TCU, representativa desta visão:

Primeiramente, cabe frisar que os deságios agressivos verificados nos leilões da 2ª e 3ª etapas do programa de concessões refletem a expectativa das empresas em obter renegociações contratuais, a elas favoráveis, após a assunção da concessão.

Se os licitantes partissem da premissa de que não seriam inseridas obras de grande vulto no contrato de concessão e de que seriam apenadas pela não execução de suas obrigações, dificilmente ofertariam propostas tão agressivas, sob pena de terem o contrato caducado. Com isso, os significativos deságios verificados refletem os incentivos regulatórios que a Agência tem oferecido ao setor, constituindo, a consequência e não a causa do problema das inexecuções[26]. (grifos nossos)

Não negamos a plausibilidade da hipótese aventada – consigne-se, inclusive, que no supracitado relatório os técnicos do tribunal colacionam diversos aditivos contratuais para sustentar suas afirmações – e aceitamos, até, que em determinado momento histórico, este oportunismo pode ter sido o principal fundamento para a “agressividade” das propostas em concessões ou procedimentos licitatórios em geral.

Não obstante, não partilhamos da posição de que esta seja a única – ou mesmo, principal – causa para apresentação de propostas desarrazoadas hoje em dia, e nossas sugestões, ao final do trabalho, evidenciarão a nossa discordância em relação a este parecer tradicional[27].

Preocupa-nos sobremaneira, aliás, a consequência lógica desta tese habitual: se a inexequibilidade de propostas for um problema gerado exclusivamente pela inépcia regulatória do Poder Público, pode-se resolvê-lo pela mera adoção de uma postura adequada na gestão contratual que limite os concessionários aos termos originalmente contratados; ou seja, bastaria que o gestor público cumprisse a lei e o contrato[28].

(ii) Ponto de vista do setor público

Conforme mencionamos na introdução, não se observa, por parte do Poder Público, com raras exceções, uma preocupação específica em estruturar o projeto de forma a desestimular a realização de propostas inexequíveis ou mesmo dar maiores condições para a comissão de licitação realizar seu ofício.

Além do possível equívoco na interpretação da causa do problema, a que aludimos anteriormente, temos que, à semelhança do que ocorre ocasionalmente no setor privado, o motivo possa residir num desalinhamento de incentivos aos responsáveis pela formatação do projeto.

Para um devido enquadramento do tema, faz-se necessário noticiar que se encontra, habitualmente, na estrutura do Poder Público, uma unidade técnica de PPP ou concessão incumbida de desenvolver o projeto[29], que tende a contar, para a consecução deste objetivo, com o auxílio de consultores externos. O sucesso final de ambas as equipes (pública e contratada) é, por conseguinte, medido pela adjudicação do objeto licitado e assinatura do contrato, o que pode colocar em segundo plano preocupações acerca da sustentabilidade do contrato. 

Ainda que a licitação seja concebida pelo mesmo órgão que acompanhará o contrato, dificilmente se consegue fugir a esta visão imediata da contratação do projeto como parâmetro de êxito da equipe a cargo de seu desenvolvimento.

Do ponto de visto político, há igualmente uma tendência em focar na contratação do projeto, momento simbólico da desestatização, ao invés de aprofundar a análise acerca da praticabilidade do empreendimento: compreenda-se que quaisquer críticas à qualidade do projeto contratado poderão sempre ser reputadas subjetivas, e seus méritos somente poderão ser adequadamente comprovados no futuro[30], quando possivelmente outros mandatários já terão se sucedido.

No quadro apresentado, portanto, eventual decisão de inviabilidade da proposta pode ser facilmente percebida como um distúrbio ao regular desenvolvimento do processo e um obstáculo ao atingimento da meta essencial: a delegação do serviço mediante assinatura do contrato de concessão.

5. A proibição da apresentação do plano de negócios nas licitações

(i) Origens e justificativas

Para entender a razão pela qual a apresentação do plano de negócios passou a ser vedada na maior parte das licitações de concessão no Brasil, é preciso referir ao momento em que uma primeira iniciativa de vulto, neste sentido, foi tomada.

Como testemunho altamente autorizado, transcrevemos o relato de Maurício Portugal Ribeiro, em artigo redigido à época da implantação deste novo modelo:

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“Nos setores de transportes, no âmbito da União, houve uma demonização política do PN: ele é visto como instrumento que cria risco de atrasos desnecessários nas licitações e que permite ganhos inadequados do concessionário nos processos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Particularmente, é comum atualmente no âmbito do Governo Federal culpar-se o PN pelo atraso na celebração do contrato de concessão da BR 101 – ES, que até o momento da redação desse artigo encontrava-se em disputa judicial”[31]. (grifos nossos)

Nota-se, então, que foram nas primeiras concessões aeroportuárias ocorridas em 2012[32], e, principalmente, a partir das concessões rodoviárias federais conduzidas pela ANTT em 2013, que a prática de proibir a apresentação do plano de negócios se consolidou no governo federal e passou a ser adotada por outros entes federativos.

São dois os motivos principais apontados para mudança de postura do governo: por um lado, a análise do plano de negócios criaria risco de atrasos desnecessários nas licitações e, por outro, a introdução do documento na relação contratual permitiria ganhos injustos ao concessionário em processos de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro.

Em primeiro lugar, mister reconhecer que a apreciação do plano de negócios não resolve as dificuldades da análise de viabilidade a cargo da comissão de licitação. No mesmo ensaio já mencionado, em que critica a “demonização” do instrumento, Maurício Portugal Ribeiro reconhece a extrema dificuldade de se distinguir, dado o formalismo inerente ao processo licitatório brasileiro, “uma proposta simplesmente agressiva, mas exequível, de uma proposta inexequível”, e demonstra que a principal dificuldade não consiste em avaliar a coerência interna das informações do plano de negócios, mas sua aderência à realidade.

Partilhamos da mesma opinião; entretanto, ainda que existam muitos aspectos obscuros na análise do plano de negócios, parece-nos, dado que o julgamento de exequibilidade é uma exigência legal inescapável, que deveriam ser avaliadas medidas para aperfeiçoar o processo de análise e não torná-lo definitivamente inócuo.

Pois é precisamente assim que pode ser enxergada a proibição de solicitação do plano de negócios: se o julgamento da comissão de licitação era antes um mise-em-scéne, a proibição da apresentação do plano de negócios vem encerrar o ato teatral numa confissão pública de que os licitantes podem ficar despreocupados com qualquer risco de julgamento desfavorável.

E o motivo alegado – risco de atrasos e questionamentos ao processo – só vem tornar a solução adotada mais discutível: se um julgamento baseado no plano de negócios do licitante pode ser questionado, o que dizer do julgamento que não se apoie sequer neste elemento? A abstenção do exercício de uma competência legal é uma estratégia válida para acelerar um processo administrativo? Cremos serem questionamentos relevantes.

No que toca à associação entre a apresentação do plano de negócios e os processos de reequilíbrio, deve-se inferir que o temor da Administração seria de que a aprovação do plano de negócios pela comissão de licitação em análise de viabilidade fosse interpretada como uma chancela ou aval do Poder Concedente às premissas ali adotadas, concedendo, dessa forma, ao concessionário um forte elemento de pressão sobre o Poder Público em discussões de reequilíbrio, mesmo que o contrato expressamente recusasse a utilização do plano de negócios nestes processos[33].

Esta última assertiva merece ser destacada: a possibilidade de que o contrato anule quaisquer efeitos do plano de negócios do proponente em processos de reequilíbrio parece fora de debate, razão pela qual se entende razoável concluir que o risco percebido seria de que, em eventual litígio, um árbitro ou juiz determinasse o afastamento das cláusulas contratuais e desse a essa declaração de viabilidade da comissão de licitação uma conotação de concordância com as premissas ali colocadas.

Quer nos parecer uma preocupação desproporcional à probabilidade de ocorrência da hipótese narrada, em especial se considerarmos que a mitigação a este risco é obtida por meio de uma medida tão drástica no processo de análise de viabilidade da proposta[34].

(ii) Alcance da proibição à comissão de licitação

Estabelecida a proibição expressa de apresentação do plano de negócios, sob pena de desclassificação do licitante, persiste uma dúvida: facultar-se-ia a comissão de licitação, em diligência, solicitar o plano de negócios do proponente em caso de dúvidas acerca da sua viabilidade?

Não seria absurdo argumentar que um documento cuja apresentação é proscrita aos licitantes no momento de entrega das propostas, por uma razão de coerência da atuação da Administração, não poderia ser solicitado na sequência imediata do processo.

De fato, tal requisição geraria, inescapavelmente, alguma perplexidade; contudo, há de prevalecer o entendimento de que o trabalho da comissão de licitação não pode ser limitado e que esta retém, em qualquer caso, o direito de solicitar dos licitantes, presente a razoabilidade da solicitação, quaisquer documento reputados úteis para o desempenho de suas funções, entre os quais se inclui, a toda evidência, o plano de negócios que fundamenta o valor ofertado.

Nem mesmo a eventual falta de parâmetros mais objetivos ou detalhados no edital de licitação para fundamentar a decisão de inviabilidade constituiria razão suficiente para opção pela não solicitação de documentos[35], eis que isto equivaleria ao não exercício de competência prevista em lei; saliente-se que “a competência é, para o agente público, de exercício obrigatório; traduz um dever” [36].

Ressalte-se, ademais, que mesmo que não haja uma análise expressa da viabilidade da proposta nos autos (que seria recomendável), a própria aceitação da proposta - não desclassificação do proponente - implica num juízo positivo de viabilidade da proposta, e que o poder de realizar diligências é justamente a forma utilizada pela legislação para assegurar à comissão de licitação os instrumentos necessários ao exercício de suas competências.

Enfim, por conta da responsabilidade pessoal[37], e, via de regra, solidária[38] dos membros da comissão de licitação, entendemos que estes não apenas podem, como devem solicitar quaisquer documentos que possam elidir dúvidas na análise de viabilidade de propostas; de outra forma, poder-se-ia questionar a presença do zelo esperado no exercício de suas funções.

Destarte, numa outra dimensão, os licitantes, conforme comentado no capítulo 3, possuem direito subjetivo à defesa de suas propostas, no qual se insere a possibilidade de demonstrar, por meio do plano de negócios, a coerência do valor proposto e a garantia de ter a validade de seus argumentos apreciada pelo Poder Público[39].

6. A solicitação de declaração de instituição financeira

(i) Origens e controvérsias

Em paralelo à proibição de apresentação do plano de negócios, concebeu-se uma opção para trazer alguma segurança acerca da factibilidade das propostas: a exigência de declaração de instituição financeira atestando a exequibilidade do plano de negócios formulado pelo proponente[40].  

Algumas afirmações contidas no Relatório de Contribuições da Audiência e Consulta Pública[41] do projeto da ANAC que introduziu esta inovação são interessantes para compreender o objetivo da medida, e deixam transparecer a motivação do governo federal para adoção da nova estratégia. Transcrevemos, a seguir, afirmações da Agência que nos pareceram mais relevantes:

“A ANAC informa que a avaliação da exequibilidade do processo por parte de instituição financeira visa desonerar a Administração”.

“... a emissão do atestado de exequibilidade não gera qualquer obrigação à instituição financeira para que financie o projeto avaliado”.

“os critérios de avaliação da exequibilidade ficarão a cargo da instituição financeira escolhida pelo proponente como emitente do atestado”.

 “... a ANAC optou por não exigir plano de negócio das Proponentes, por entender que cabe a cada Proponente desenvolver o seu plano e suas projeções, não cabendo à agência interferir nas premissas que levaram à Proponente a concluir pela viabilidade de sua proposta. Como forma de adicionar um critério para a consistência da proposta, a ANAC optou por exigir uma declaração de instituição financeira de que avaliou o plano de negócios. Não se trata de delegação de atividade, ao contrário, caberá a ANAC avaliar todos os documentos e requisitos necessários para atendimento ao edital, sendo que um destes requisitos é a declaração da instituição financeira. Mesmo assim, caso a proposta apresentada seja manifestamente inexequível, a ANAC poderá desclassificar a Proponente, independentemente do teor da declaração apresentada, por se tratar de competência exclusiva do Poder Concedente”. (grifos nossos).

Em primeiro lugar, surpreende a declaração explícita de que a intervenção da instituição financeira visaria “desonerar a Administração”, uma vez que a competência de análise da exequibilidade da proposta é indelegável e, portanto, para utilizar a linguagem empregada, “não exonerável”[42].

Acerca do último trecho citado, uma leitura problemática seria de que, no caso de manifesta inexequibilidade, a ANAC poderia desclassificar o proponente sem a análise do plano de negócios. De fato, por mais aleatória que possa ser a interpretação do termo “manifestamente”, temos que tal procedimento seria inviável: no mínimo, assegurado o direito de defesa do licitante, este tenderia a apresentar os fundamentos de sua proposta (plano de negócios) e a comissão de licitação, conforme já afirmamos, não poderia se furtar a analisá-los, antes de emitir um juízo negativo.

Em que pesem estes e outros pontos ainda controversos[43], consegue-se divisar, do teor do edital e dos esclarecimentos, as principais regras pertinentes a esta declaração, que têm sido essencialmente respeitadas pelo governo federal ao longo dos anos: a manifestação da instituição financeira (i) não gera qualquer obrigação de financiamento do projeto[44], (ii) não tem critérios pré-estabelecidos pelo Poder Concedente, (iii) não se restringe aos elementos financeiros da proposta, mas abarca a avaliação de todos os aspectos técnicos e (iv) é outorgada em termos fixados pelo ente concedente em edital.

(ii) Responsabilidade da entidade subscritora

Um aspecto primordial a ser discutido relaciona-se à responsabilidade da instituição financeira pela subscrição do documento; em certo grau, podemos medir a extensão da contribuição à segurança do juízo de exequibilidade da proposta, conferida pela carta em referência, contrapondo-a à responsabilidade gerada para a entidade financeira por sua emissão.

Conforme anotado, consta, via de regra, do edital de licitação a minuta do documento a ser subscrito pela instituição financeira, ficando esta adstrita aos termos elaborados pelo Poder Concedente[45]. Do conteúdo usualmente proposto, extrai-se que a emissão da carta pressupõe a realização, pela instituição financeira, de uma análise do plano de negócios apresentado pelo licitante, cujo resultado seja suficiente para a formação de um juízo que lhe permita concordar com os termos constantes da minuta de declaração.

Note-se que nada se especifica a respeito da profundidade desta análise nem de eventual metodologia a ser observada pela instituição financeira, salvo uma tímida menção às melhores práticas de mercado, termo eminentemente indefinido, e igualmente nada se menciona a respeito da independência da instituição financeira perante o licitante cuja proposta é avaliada, estendendo-se a omissão ao regramento da remuneração pela emissão da carta, que permanece no âmbito de uma relação privada entre as partes.

Do ponto de vista do ordenamento pátrio, portanto, a única reinvindicação que o Poder Concedente pode fazer perante a instituição financeira é que esta comprove ter recebido o plano de negócios (e outros documentos necessários para avaliação) e ter conduzido uma análise que, atendendo padrões de razoabilidade e “melhores práticas de mercado”, tenha lhe dado conforto para emitir a carta.

O fato de esta análise ter levado uma hora ou um mês, de ter demandado diversas reuniões de esclarecimento com licitante ou apenas a troca de documentos, de preocupações acerca da viabilidade do projeto terem sido resolvidas por ajuste no pagamento da instituição financeira - desde que disto não decorra falsidade da declaração -, tudo isto, por não haver um regramento expresso no edital, está dentro da liberdade das partes.

Discorrendo de forma abstrata sobre a responsabilidade dos bancos perante os solicitantes de informações, adverte Nelson Abrão que:

“De qualquer forma, é pacífico que a responsabilidade do banco decorre da inexecução de uma obrigação de meio, e não de resultado, isto é, da falta de diligência. Isto significa que o banco não pode garantir a exatidão das informações prestadas, mas deve haver-se com o necessário empenho. ‘A culpa do banqueiro não decorre ipso facto de toda a inexatidão. A vítima da informação equivocada deve demonstrar que o banqueiro não despendeu a diligência requerida para chegar à exatidão. Sob este aspecto, o banqueiro responde por culpa leve’”.[46]

No caso em tela, há que sublinhar que mesmo cogitar da “exatidão” das informações é problemático, já que se está tratando de um juízo de viabilidade naturalmente carregado de subjetividade.

Por sinal, é normalmente expresso nos próprios termos minutados pelo Poder Concedente que a viabilidade da proposta somente é atestada caso “mantidas as premissas e parâmetros adotados no plano de negócios”. A linguagem adotada revela-se, aliás, ambígua: mantidas as premissas adotadas, qualquer plano de negócios será viável (salvo em caso de erro crasso); a análise de viabilidade deve justamente sensibilizar as premissas e parâmetros para averiguar a resiliência da proposta em cenários mais desafiadores.

Por fim, mesmo na hipótese altamente improvável de se comprovar a desconformidade da análise, é muito difícil imaginar que a responsabilização da instituição financeira pela falsidade da declaração possa abarcar os prejuízos decorrentes da inexecução do contrato; sua posição é, por muito, subsidiária a do próprio licitante que realizou a proposta e a da comissão de licitação que tinha a responsabilidade indelegável de avaliar sua exequibilidade.

Tal ponto deve ser frisado: o julgamento das propostas, nos termos do artigo 45 da Lei 8.666/93, deve ser objetivo e adstrito aos critérios pré-estabelecidos, permitindo sua “aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle”. Ora, não é preciso refletir muito para perceber que um julgamento positivo ou negativo de exequibilidade da proposta não pode se basear numa missiva de agente alheio ao processo, e sim deve ser fundado numa análise da própria comissão sobre elementos aferíveis e, portanto, constantes dos autos, e não implícitos numa avaliação externa.

(iii) Objeções de órgãos de controle

Apesar de não ser contestada pelo TCU, a prática de solicitar declaração de instituição financeira acerca da viabilidade da proposta não é aceita, de forma pacífica, por outros órgãos de controle.

Em sede de análise do edital de parceria público-privada de iluminação pública do município de Guaíra, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo determinou a exclusão da exigência de declaração de instituição financeira[47], por ofensa à Súmula nº 15 daquele Tribunal que estabelece que “e

Na mesma linha, mas com fundamentação diferente, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, também no âmbito de análise de edital de parceria público-privada no setor de iluminação pública (município de Içara), recomendou ao Prefeito Municipal que se abstenha “de exigir declaração de avaliação de instituição financeira do plano de negócio para validação de captação de recurso, conforme letra ‘c’, ‘iv’ do subitem 18.3, em atenção ao art. 31 da Lei (federal) nº 8.666/93”[49].

A despeito das críticas que registramos à exigência em referência, basicamente relacionadas a sua inocuidade, cremos, com a devida vênia, que nenhuma das duas cortes de contas está correta na fundamentação de suas decisões.

Em relação à aplicação do artigo 31, parece-nos evidente que as limitações legais a exigências de qualificação econômico-financeira não alcançam a solicitação da declaração da instituição financeira, pelo simples motivo de que esta não se insere na discussão da qualificação econômico-financeira do licitante, mas sim na viabilidade do projeto.

Em relação ao processo de São Paulo, o erro parece consistir na visão de que a declaração da instituição financeira constitui algum tipo de “compromisso de terceiro”. Conforme explicamos no item precedente, a responsabilidade da entidade financeira é mínima e, seguramente, não implica em qualquer garantia ou obrigação de fazer[50].

Isto posto, não nos parece que a exigência de declaração de instituição financeira, por si só, fira o ordenamento jurídico; eventual transgressão estará na interpretação de que a referida declaração substitui, de alguma forma, decisão legalmente atribuída à comissão de licitação.

7. Com ou sem plano de negócios, uma tarefa inglória

Na esteira da decisão do governo federal de não mais solicitar os planos de negócios nas licitações de concessões, conforme informamos no capítulo 5, houve uma reação negativa de parte significativa dos agentes de mercado e formadores de opinião[51].

As palavras mais repercutidas e contundentes parecem ter sido do economista Raul Velloso, que em artigo provocativamente intitulado “A vitória dos despreparados”, considerou o anúncio “chocante” e caracterizou a não exigência do plano de negócios, a partir daquele momento, como “crônica de um desastre anunciado”. Pela sua relevância, vale transcrever o parágrafo final da reflexão do articulista:

“Quem perde sempre é o usuário, que vai pagar pela concessão e não vai levar. E o governo obtém uma vitória de pirro. Baixa o preço, mas não consegue levar transformações ou qualquer melhoria à rodovia e, mais cedo ou mais tarde, cairá na armadilha de ter que assinar aditivos para ‘reequilibrar’ um contrato que sequer tinha a salvaguarda de um plano de negócios”.[52]

Há que se ressaltar que a crítica do comentarista não se limitava a ausência de solicitação de plano de negócios, mas abrangia também o próprio procedimento de inversão de fases, percebido por ele como inferior à alternativa de realização de um procedimento de qualificação dos licitantes prévio à disputa de preços.

Embora discordemos da solução proposta[53], ela concorda com a tese que vai sendo amadurecida ao longo deste artigo: é preciso pensar alternativas para coibir a contratação de propostas inexequíveis que não dependam unicamente do labor da comissão de licitação, uma vez que a análise de plano de negócios envolve uma complexidade difícil de ser incorporada no processo público de contratação, e a apresentação deste documento nos projetos recentes dificilmente teria resultado em efetiva obstrução à efetivação de contratações temerárias pela Administração[54].

É preciso compreender que, ao afirmar a inviabilidade de uma proposta, a comissão de licitação (ou a autoridade recorrida) estará se colocando em uma posição especialmente delicada: (i) se contraporá a quem oferece um menor preço para o Poder Público ou para os usuários do serviço (ou seja, aparentemente uma proposta mais vantajosa para o interesse público); (ii) disputará aspectos econômicos da exploração da concessão com contraparte que os conhece, certamente, de forma muito mais aprofundada, em debate que se dará em terreno de imensa subjetividade; (iii) precisará superar a desconfiança de órgãos de controle e do Poder Judiciário a manifestações neste sentido (sinalizada por uma jurisprudência amplamente desfavorável), e, por fim, (iv) tenderá a ser considerada responsável pelos atrasos e disputas trazidas ao processo, que, muito provavelmente, não agradarão as autoridades responsáveis por sua realização, comumente superiores hierárquicos dos membros da comissão de licitação.

Cremos não surpreender o fato de que, no contexto apresentado, não tenhamos identificado nenhuma decisão de inexequibilidade de proposta em concessões rodoviárias ou aeroportuárias federais desde o início do programa de desestatização nos anos 90, sendo razoável imaginar que o resultado se repete, com uma ou outra exceção que venha a confirmar a regra, em outros setores e entes federativos.

Não se pretende negar, por óbvio, que a inexequibilidade em si é naturalmente excepcional e que decisões do Poder Público neste sentido seriam, em qualquer hipótese, infrequentes. O que se afirma, contudo, é que, no cenário atual, a probabilidade da comissão de licitação ser excessivamente leniente a propostas inexequíveis é alta; certamente maior do que aconselha o melhor interesse público.

Há de se questionar, ainda, se dentro do formalismo (moderado ou não) que caracteriza o processo licitatório brasileiro, haveria espaço para a comissão de licitação realizar uma análise apropriada do plano de negócios, ou seja, uma avaliação que não se limitasse à análise de coerência interna do plano de negócios[55], mas sim a um efetivo teste de estresse da proposta, por meio de análise de cenários[56], em conjunturas que se mostrassem concomitantemente negativas e prováveis, considerando a alocação de riscos contratual e os mecanismos de gestão e mitigação destes riscos à disposição do concessionário.

Neste contexto, deixar apenas a alguns poucos agentes públicos designados ad hoc, sem qualquer respaldo em opções prévias dos gestores públicos responsáveis pela estruturação do projeto, o encargo de assegurar que as iniciativas de desestatização do Estado sejam contratadas em bases razoáveis, parece-nos um caminho, no mínimo, imprudente.

8. Proposta da ANTT no Edital de Concessão nº 01/2018: análise crítica

Apesar da crise recente em diversos contratos de concessão, entendemos que os responsáveis pelo desenvolvimento de novos projetos continuam a minimizar os riscos relacionados à inexequibilidade de propostas.

Neste contexto, uma exceção que merece aplausos é a iniciativa da ANTT, firmada no Edital de Licitação nº 01/2018, que procurou desestimular a realização de propostas economicamente inviáveis por meio da exigência de capitalização adicional da concessionária, proporcional ao deságio oferecido na tarifa[57].

Conforme se depreende da leitura da previsão editalícia, cada ponto percentual de deságio, acima do percentual de 10%, geraria a necessidade de aporte adicional de capital social de R$ 24,8 milhões (sendo R$ 1,8 milhão antes da assinatura do contrato e os restantes R$ 23 milhões até o final do primeiro ano de concessão). Para dar uma ideia do que isto representa frente ao projeto, informa-se que o capital mínimo exigido (caso não haja deságio superior a 10%) monta a R$ 321 milhões; ou seja, cada ponto percentual de deságio gera um acréscimo de aproximadamente 7,7% na exigência de capital social.

Com efeito, são números substantivos, que afastam qualquer suspeita de se tratar de uma solução pro forma, pelo que deve ser exaltada a iniciativa, em especial sob a ótica de diagnóstico e enfretamento de problema largamente menosprezado na prática licitatória da Administração.  

Um fato surpreendente ao se analisar a aprovação desta inovação diz respeito às divergências entre os técnicos da ANTT e do Tribunal de Contas da União (“TCU”), descritas, ainda que de forma abreviada, no relatório e voto do Ministro Bruno Dantas no Acórdão 1174/2018 TCU-Plenário, exarado nos autos do processo 028.343/2017-4.

Conhecendo-se a missão institucional destes órgãos, poderia se supor que o órgão de controle tenderia à postura mais assertiva em relação às propostas inexequíveis, por sua visão de longo prazo e preocupação com a sustentabilidade dos contratos administrativos, enquanto os membros do órgão licitante poderiam se sentir tentados a adotar uma abordagem mais condescendente, dado que altos deságios são interpretados, ao menos no curto prazo, como sinais de sucesso de uma licitação e possibilitam uma notícia positiva aos usuários (e aos agentes políticos) sobre a modicidade das tarifas.

No caso concreto, porém, as partes assumiram posições exatamente inversas.

Identificando, na proposta, um “caráter restritivo à competição e à modicidade tarifária[58]”, os técnicos do tribunal fundamentaram suas críticas, basicamente: (i) no fato de a inexequibilidade das ofertas decorrer, de forma praticamente exclusiva, do comportamento oportunista dos licitantes em busca de reequilíbrios contratuais, conforme expusemos no capítulo 4; (ii) na análise da relação histórica entre os valores absolutos de deságios, exigência de capital social e status de execução de investimentos em outras rodovias que não demonstraria “que o aumento da exigência de aporte de capital social impeça o aparecimento de ‘aventureiros’”; (iii) na ausência de respaldo legal para a proposta; (iv) na circunstância de parcela do capital adicional ser exigida somente um ano após a contratação da concessão, o que levaria a uma pressão sobre a Agência para não exigir o cumprimento desta obrigação; e (v) no fato do capital social não garantir o adimplemento das obrigações contratuais

Sobre a primeira objeção e a existência de outras razões para realização de propostas inexequíveis, acreditamos ter opinado suficientemente no capítulo pertinente. Principiando, então, pelo segundo argumento, identificamos uma impropriedade axiomática irremediável em comparar valores absolutos de deságio e capital social sem ter em conta, respectivamente, os critérios de fixação do valor de referência de cada projeto[59] e o montante de investimentos a ser executado em cada concessão, que inutiliza qualquer valor de análise estatístico das conclusões obtidas.

No que toca à ausência de respaldo legal, temos que a interpretação da unidade técnica neste tópico se revela excessivamente rigorista; reputamos que a legislação concede uma margem de discricionariedade ao gestor público para, com a devida fundamentação e respeitadas as normas cogentes, estabelecer regras específicas que possam melhor assegurar o atendimento do interesse público, inserindo-se a proposta em comento precisamente neste espaço.

O quarto ponto não diz respeito ao conceito proposto, mas sim a uma especificidade no seu regramento, pelo que não nos interessa, pelo objeto do presente trabalho, discuti-lo. Por fim, a alegação de que o capital social não garante o adimplemento das obrigações merece ser discutida com mais vagar, e a abordaremos junto as nossas críticas pessoais ao mecanismo adotado, que passamos a expor[60].

De fato, em que pese nossa discordância em relação aos argumentos trazidos pelo TCU, avaliamos que a eleição do capital social como variável de ajuste do deságio pode se mostrar pouco eficiente em face da incerteza acerca do preciso dimensionamento do capital mínimo exigido no projeto.

Admita-se a hipótese, a nosso ver bastante realista, de que deságios agressivos na proposta já levariam as instituições financeiras, naturalmente, a exigir uma maior participação de capital próprio dos acionistas da concessionária para concessão de financiamento ao projeto. Ora, se esta exigência adicional do mercado financiador for igual ou maior que a exigência decorrente da cláusula editalícia, resta claro, neste cenário hipotético, que o mecanismo adotado, ao fim e ao cabo, terá sido inócuo.

Neste ponto, a ANTT argumenta que é justamente intento da regra “emular o modelo de financiamento”; todavia, não se pode ignorar que, no modelo brasileiro de concessões, o contrato de financiamento é formalmente dissociado do contrato de concessão: este pode ser assinado sem que se comprove a celebração daquele e, portanto, a comprovação efetiva ou não desta financiabilidade fica para momento posterior. Está fora de dúvida que qualquer inviabilidade diagnosticada após a assinatura do contrato, inclusive e principalmente pela ausência de fontes de financiamento ao projeto, gera sérios prejuízos ao Poder Público.

Noutro giro, embora em algumas circunstâncias a exigência adicional de capital social possa efetivamente servir de desestímulo a realização de propostas não razoáveis e facilitar a contratação de financiamento, tal imposição não proporciona um benefício direto à posição contratual do Poder Concedente, caso se materialize um cenário de inexecução contratual[61].

Por estas razões, sem descartar por completo à proposta analisada, sugerimos, no capítulo seguinte, alternativa congênere que pode, a nosso ver, solucionar de forma mais efetiva e adequada o problema apresentado.

9. Alternativas e propostas

Precede, a qualquer tentativa de solução de um problema, o reconhecimento de sua existência. No contexto descrito, portanto, faz-se necessário, antes de tudo, reconhecer o fato de que a inexequibilidade de propostas é um problema real, com consequências graves, e que merece, num equilíbrio de preocupações para o atendimento do interesse público, ser levado em consideração pelos gestores públicos na formatação dos projetos de concessão.

Dadas as dificuldades inerentes ao julgamento de exequibilidade de propostas, que buscamos apontar neste ensaio, entendemos que, idealmente, a realização de propostas inviáveis deve ser limitada ou desestimulada ab initio. Isto posto, passamos a analisar, a seguir, duas alternativas que podem contribuir para o atingimento desta finalidade.

(i) Variáveis de leilão que reduzem risco de inexequibilidade

A prática de se adotar como variável de leilão, para as concessões comuns, o valor da tarifa a ser cobrada do usuário, em oposição às disputas por maior valor de outorga, comuns nas primeiras concessões dos anos 90, decorreu, principalmente, do enaltecimento da modicidade tarifária como objetivo da desestatização e da ideia de que os ganhos de eficiência do concessionário não capturados no plano de negócios referencial do Poder Público deveriam ser revertidos aos próprios usuários que custeiam o serviço.

Sem dúvida, trata-se de modelo que possui diversos aspectos positivos pela atenção atribuída à justiça tarifária, mas que, especialmente em contraposição ao modelo de leilão por outorga à vista, apresenta-se como mais vulnerável à celebração de contratos inviáveis.

Assim se afirma porque a tarifa determina a receita do concessionário, e, dado que os investimentos e a manutenção de determinado nível operacional são compulsórios e expressamente previstos em contrato (simplificando, os custos e despesas estão, em alguma medida, pré-determinados), a insuficiência da receita pode muito facilmente levar à insolvência da concessionária.

Por outro lado, a outorga paga à vista pelo licitante vencedor não influi no fluxo econômico da concessionária[62]: se a tarifa foi adequadamente precificada pelo Poder Público, o licitante pode até contabilizar um prejuízo ao final do projeto, por ter pago uma outorga excessiva, mas, ao invés do que ocorre com uma tarifa subdimensionada, a continuidade da concessão não tende a aumentar, ao contrário, deve diminuir, seu prejuízo.

É uma diferença fundamental que traz a vantagem correlata de permitir as instituições financeiras analisarem a financiabilidade do projeto antes da licitação, simulando seus próprios planos de negócios, o que poderia facilitar a realização de financiamentos na modalidade project finance non recourse - objetivo meritório para o desenvolvimento da infraestrutura no país - ou, ao menos, a agilização da concessão de financiamento, o que tornaria mais factível ao Poder Público colocar a comprovação da contratação dos recursos necessários para o projeto como condição de eficácia do contrato[63].

Adotada a variável de outorga à vista, preocupações em relação à inviabilidade deslocam-se para o projeto do próprio Poder Concedente; não deve ser desprezada a possibilidade de que as condições do projeto submetidas à licitação sejam inexequíveis (em geral, isto ocorrerá em virtude de uma alocação equivocada de riscos, que imputa, ao concessionário, consequências de eventos que não podem ser adequadamente geridas ou assimiladas).

É importante salientar que a adoção desta variável de licitação não anula a preocupação com a modicidade tarifária, que é um norte legal; traz-se, somente, a definição desta questão para um momento prévio: a verificação da modicidade se dará com base na tarifa prevista no edital[64].

Registre-se, ademais, que não se anula a possibilidade de adoção de mecanismos que garantam a participação da Administração em eventuais resultados positivos da exploração da concessão. A regra de outorga variável abraçada pela ANAC em seu leilão mais recente - previsão de que percentual da receita[65] será destinado ao ente concedente – é, talvez, o modelo mais usual para este compartilhamento. Entretanto, sob a ótica exclusiva do risco de inviabilidade da concessão, seria preferível que o compartilhamento incidisse não sobre a primeira linha do balanço, mas sobre o bottomline do concessionário, sugestão, contudo, que costuma despertar ojeriza nos gestores públicos[66].

Para as concessões administrativas e patrocinadas, a mitigação do risco de inviabilidade das propostas por meio da adoção de variável econômica no leilão é mais complexa, uma vez que, entre os critérios de julgamento admitidos pelo inciso II, do artigo 12 da Lei nº 11.079/04, não se encontra o valor de outorga a ser pago pelo licitante.

Por certo, a cobrança de outorga geraria uma situação tanto quanto extravagante, em que o Poder Público, contraparte nos contratos de PPP, receberia para depois pagar, gerando um risco do gestor atual “sacar” recursos contra obrigações futuras. A opção legal é bem explicada por Alexandre Santos Aragão:

Note-se que a não alusão ao critério de maior outorga (valor pago pelo licitante vencedor), admitido pelo art. 15 da Lei n° 8.987/95 para as concessões comuns, deixa claro que o Estado não pode cobrar do particular pela PPP. Com efeito, se não houvesse essa vedação, as parcerias público-privadas poderiam acabar tornando-se substancialmente contratos de empréstimo para o Estado. O Estado, na verdade, pagaria ao longo do tempo o dinheiro que lhe teria sido pago na assinatura do contrato, comprometendo mais ainda as finanças públicas das gerações futuras[67].

Admitida a invalidade da outorga à vista como critério de julgamento nestes projetos, e atentando para a natureza do receio que gera esta vedação, indagamos se não haveria outra opção de arranjo que, sem partir para adoção de critérios técnicos na licitação, endereçasse o problema da inviabilidade de propostas em PPPs.

Ao prever, como variável econômica da licitação de parceria público-privada, “o menor preço a ser pago pela Administração Pública”, quer nos parecer que a legislação não determine, impreterivelmente, que este menor desembolso do Poder Público decorra de um maior desconto sobre uma contraprestação-base definida em edital.

Cogitamos que a contribuição do licitante a um fundo, a ser legalmente constituído e vinculado ao pagamento das contraprestações do projeto, poderia ser uma alternativa para concretizar o intuito legal - a Administração pagaria menor preço, uma vez que parte da conta seria arcada por recursos deste fundo -, ao mesmo tempo em que o risco de comprometimento das finanças públicas seria afastado, considerando que o gestor público não disporia de liberdade para utilizar os recursos do fundo para pagamento de despesas correntes ou outros gastos estranhos à prestação dos serviços.

Reconhecemos que a adoção dessa proposta em licitação, com a previsão de que, a partir de determinado nível de desconto sobre a contraprestação, o critério de julgamento passaria a ser a maior contribuição para um fundo estruturado nos moldes sugeridos, precisaria ser testada perante órgãos de controle e agentes de mercado, eis que um pouco distante da prática corrente.

Ainda assim, conforme tentamos expor ao longo deste trabalho, novidades são necessárias para enfrentar um risco grave que não pode continuar a ser relegado a segundo plano na definição das prioridades do setor público.

(ii) Incremento da garantia de execução do contrato

Em muitos casos, a opção pela realização de concorrência ou leilão que adote como variável exclusiva o valor de outorga à vista não será possível ou conveniente, e, no capítulo precedente, ressaltamos como existe uma real dificuldade de estabelecer um modelo com efeitos similares para as parcerias público-privadas.

Neste contexto, faz-se necessário considerar outra solução, que possa ser eficaz mesmo que a variável adotada no certame incorpore um risco maior de geração de propostas que ameaçam a sustentabilidade do projeto.

Ao analisarmos, no capítulo 8, regra adotada no último edital de concessão da ANTT, anotamos que apesar de cumprir, em tese, o requisito de desestimular o oferecimento de propostas inexequíveis, por meio da penalização do retorno dos licitantes, a proposta não atingia, necessariamente, outro objetivo que reputamos igualmente relevante, qual seja, o de aumentar a segurança contratual do Poder Público no caso da contratação em bases mais arriscadas.

Cremos que um mecanismo similar, que tivesse por objeto a garantia de execução do contrato ao invés do capital social, lograria maior êxito em alcançar ambos os objetivos e, portanto, se mostraria mais recomendável nos projetos de concessão.

Em linhas gerais, cogitamos aqui uma cláusula editalícia que determinasse que o desconto oferecido na tarifa ou na contraprestação, a partir do valor máximo de referência previsto no edital ou de outro patamar previamente definido, demandaria a complementação da garantia de execução do contrato, preferencialmente de forma não linear (ou seja, descontos agressivos demandariam uma complementação proporcionalmente maior da garantia de execução do contrato).

Ao contrário do capital social, cujo valor mínimo já poderia ser naturalmente superado pelo concessionário por diversas razões, é impensável que o concessionário fosse oferecer uma garantia de execução do contrato maior do que a exigida expressamente. Decorre daí que enquanto a penalização à rentabilidade pela exigência adicional de capital social é uma possibilidade (ainda que provável), no caso da garantia de execução de contrato, tal penalização é uma certeza.

Noutro giro, ao contrário do capital social, que não pode ser alcançado diretamente pelos credores[68], a majoração da garantia de execução do contrato beneficia diretamente à posição contratual do Poder Público, que passa a ter assegurado um recurso com alta liquidez em caso de inadimplemento contratual (decorrência prática da formalização de uma proposta inviável).

Outro aspecto que torna esta alternativa, a nosso ver, superior, é o fato da garantia de execução do contrato envolver, em geral, a participação de um terceiro independente[69]: é interessante notar como aqui, ao contrário do que ocorre na emissão da declaração estudada no capítulo 6, as instituições financeiras e seguradoras irão realizar uma análise de viabilidade pela qual, efetivamente, irão se responsabilizar, uma vez que serão acionadas em caso de inadimplemento do concessionário e os valores cobrados pela fiança ou prêmios do seguro-garantia não cobrirão seus prejuízos nesta hipótese[70].

Assim, há a possibilidade de uma proposta efetivamente inexequível, penalizada pelo mecanismo em referência, não conseguir apresentar sequer a garantia necessária para a celebração do contrato, o que traria prejuízos significativamente menores ao Poder Público do que a consumação da contratação desta proposta inexecutável.

Destaque-se que a sugestão de incrementar a garantia contratual em virtude de um desconto significativo na licitação já é adotada pela legislação para as contratações de serviços e obras de engenharia (no processo previamente comentado, a unidade técnica do TCU fez menção a esta faculdade quando apontou falta de respaldo legal para exigência de capital adicional)[71]. Embora o dispositivo em referência seja inaplicável à nossa análise, afigura-nos ser relevante como inspiração e argumentação jurídica para defesa da presente proposta.

Não se ignore que existem limitações legais quantitativas à exigência de garantia de execução contratual, que no caso das concessões, e a depender de sua modalidade, estão expressas, principalmente, no inciso XV do artigo 18 da Lei nº 8.987/95 e nos parágrafos 3º e 5º da Lei nº 8.666/93.

Entretanto, há que se ponderar que não haveria, nem no caso de propostas agressivas, razão para superar os limites legais (a lei nº 8.987/95, por exemplo, estabelece como limite “o valor da obra”) e a experiência prática mostra que as exigências costumam se situar bem abaixo destes limites, dando suficiente margem para o gestor público operacionalizar o mecanismo que ora se sugere.

A propósito, diga-se que, independente das consequências percebidas em relação à agressividade das propostas, o mecanismo é economicamente justo, uma vez que qualquer garantia está intrinsicamente ligada a um risco de inadimplemento, e tal risco, no contrato, estará, por sua vez, relacionado ao montante dos valores percebidos pelo concessionário. Noutras palavras, ainda que se adotem outras soluções para mitigar o risco de inviabilidade de propostas, não é justificável que a exigência de garantia de execução do contrato em uma concessão seja invariável em relação à expectativa de receita do concessionário.

 

Sobre o autor
Antônio Fernando da Fonseca Martins

Advogado do BNDES, MBA em Finanças pela Faculdade de Economia e Finanças IBMEC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Publicado originalmente na Revista de Contratos Públicos - RCP - Belo Horizonte, ano 7, n. 14, set./fev. 2019

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