O desafio imposto por propostas inviáveis em licitações de concessão

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[1] Não é objeto do presente trabalho discutir o tema da imprevisibilidade e do impacto de eventos supervenientes à concessão. Não podendo nos furtar completamente a assumir uma opinião, postulamos que a inviabilidade, a nosso sentir, será sempre originária, não necessariamente da proposta econômica, mas do contrato tomado na sua integralidade, se este imputa riscos de forma irrefletida à parte que não pode suportá-lo.  De qualquer forma, não se pode desprezar a opinião de que há um espaço para aplicação da teoria da imprevisão em contratos de concessão em hipóteses drásticas nas quais a mudança de conjuntura é tão profunda que há uma “quebra da base objetiva do negócio” e que, nestas hipóteses excepcionais, a matriz de riscos, mesmo bem formulada, será sempre uma resposta insuficiente. Sobre o tema, vide GARCIA, Flávio Amaral. A imprevisão na previsão e os contratos concessionais. In: Joísa Campanher Dutra, Patrícia Regina Pinheiro Sampaio (Org.). 20 anos de concessões em infraestrutura no Brasil. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, 2017. pp. 26-51.

Abstraindo-se desta discussão, fato é que os aludidos contratos são bons exemplos de arranjos que não proporcionam a sustentabilidade econômico-financeira da concessão e do desafio que esta situação impõe ao gestor público.

[2]  BOULOS, Eduardo; SERTORI, Fabio; CAMPANA, Paulo. Transferência de controle pode ser a saída mais adequada para concessões em crise. Revista Consultor Jurídico, 01 nov. 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-nov-01/opiniao-troca-controle-saida-concessoes-crise>. Acesso em: 16 jan. 2019.

[3] Ainda mais pela circunstância fática de que muitos dos acionistas das concessionárias em referência se viam envoltos em escândalos de corrupção

[4] A Lei nº 13.448/17 buscou, na prática, facilitar uma solução consensual aos contratos inexecutáveis, pelo sobrestamento de medidas punitivas e viabilização da redução de obrigações do concessionário num período de relicitação e transferência do serviço a outra empresa. Bastará, para reforçar no leitor a dimensão do impasse gerado, noticiar que, após a promulgação da referida da lei, decorreu longo período de incerteza até que fosse editado decreto para regulamentá-la porque, segundo noticiado na imprensa, o próprio Presidente da República admitia receio de promulgar o novo diploma legal! Vide: Investigado, Temer admite receio em assinar decreto de relicitação de obras. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 ago. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/08/investigado-temer-admite-receio-em-assinar-decreto-de-relicitacao -de-obras.shtml>. Acesso em: 20 dez. 2018.

[5] A média do deságio na licitação da concessão das rodovias integrantes da 1ª etapa do Programa de Investimento em Logísitica (PIL) (2013/2014) foi de 51% e os ágios na licitação dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Galeão foram de, respectivamente, 673%, 374% e 294%. RIBEIRO, Karisa; FIORAVANTI, Reinaldo Daniel; CRUVINEL, Rodrigo Rosa da Silva. Concessões de infraestruturas de transportes no Brasil: identificação de empreendimentos, marcos legais e programas federais nos segmentos aeroportuário, ferroviário, portuário e rodoviário de 1990 a agosto de 2018. BID, nov. 2018. Disponível em: <https://publications.iadb.org/pt/concessoes-de-infraestruturas-de-transportes-no-brasil-identificacao-de-empreendimentos-marcos>. Acesso em: 17 de jan. 2019.

[6] Além da proposta da ANTT, que analisamos detalhadamente no capítulo 9, há que se registrar que a ANAC vem também promovendo, aos poucos, alterações nas condições de desestatização de aeroportos, concedendo maior peso à outorga à vista (incorporando-lhe qualquer ágio decorrente da licitação) e eliminando a outorga fixa anual em favor de uma outorga variável. Vide: Leilão dos 12 aeroportos será em 15 de março. Ministério dos Transportes, 29 dez. 2018. Disponível em: <http://www.transportes.gov.br/component /content/article.html?id=8150>. Acesso em: 16 jan. 2019. 

[7] Na verdade, seria simplista e equivocado imputar esta falta de ação mais contundente do Poder Público à mera inércia frente a um tema relevante; há que se reconhecer que uma efetiva confrontação ao risco de inviabilidade de propostas implica num trade-off entre a segurança acerca da sustentabilidade econômico-financeira da concessão e outros valores não menos relevantes

[8] Setor de infraestrutura está em lua de mel com governo de Jair Bolsonaro. Correio Braziliense, Brasília, 06 jan. 2019. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/01/06/internas_economia, 729190/setor-de-infraestrutura-esta-em-lua-de-mel-com-governo-de-bolsonaro.shtml>. Acesso em: 15 jan. 2019.

[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6ª ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 123.

Discordamos do enfoque excessivo dado a autora à modicidade tarifária na sequência de sua obra, uma vez que este constitui apenas um dos requisitos igualmente relevantes adotados pela legislação para definição de serviço adequado. De forma mais ponderada, Adriano Azevedo salienta que “A contratação de uma proposta inexecutável afronta diretamente o interesse público. O resultado que se espera de uma licitação é a execução de seu objeto, seja ele a aquisição de um produto, a prestação de um serviço, a realização de uma obra ou qualquer outro. Ou seja, sem a realização concreta do resultado almejado, cuja condição sine qua non é a exequibilidade da proposta, não há que se falar em satisfação do interesse público”. AZEVEDO, Adriano Maia Ribeiro de. A adequada análise de exequibilidade da proposta. Fator fundamental à eficácia das contratações da administração pública efetuadas por meio de pregão eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2889, 30 mai. 2011. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/19200>. Acesso em: 17 jan. 2019.

[10] Registre-se que o presente trabalho foca no julgamento de exequibilidade nos processos licitatórios de concessões (comuns, administrativas ou patrocinadas) que adotem como critério de julgamento o maior desconto a ser oferecido sobre um determinado valor de tarifa ou contraprestação. Certames que adotem como critério de julgamento o montante de pagamentos periódicos pelo concessionário têm efeitos econômicos próximos ao cenário objeto de análise, pelo que muitas das observações aqui realizadas lhes serão, com as devidas adaptações, aplicáveis. O julgamento de viabilidade de licitações fundadas, parcial ou integralmente, na seleção da melhor técnica escapa ao objeto do artigo.

[11] Em regra, um exercício, com hipóteses de exceção elencadas no diploma legal. Vide artigo 57 da Lei 8.666/93.

[12] PESTANA, Márcio. Direito administrativo brasileiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 319.

[13] Nas concessões que envolvem obras, bastará a Administração apresentar “elementos do projeto básico”, no caso de concessões comuns (art. 18, XV, da Lei nº 8.987/95), ou “anteprojeto”, no caso de PPPs (§4º, art. 10, Lei nº 11.079/04). Isto garante ao concessionário um maior leque de opções já na concepção do projeto básico.

[14] Abrem-se, neste ponto, duas possibilidades: ou se exige que o Poder Público tenha estudos aprofundados sobre a exploração de receitas acessórias antes do certame, incluindo-se estas expectativas na aferição do preço de referência da licitação, ou deixa-se expresso no edital que a projeção de exploração de receitas acessórias será expurgada da análise de viabilidade da proposta a ser realizada pela comissão de licitação. Esta última alternativa, a despeito de embaraços à conciliação com o texto legal, era usualmente adotada na época em que a ANTT avaliava os planos de negócios das proponentes. A título de exemplo, transcrevem-se cláusulas do edital de concessão ANTT 02/2007, trecho BR-381/MG/SP - Belo Horizonte - São Paulo: “2.44 Não poderão ser consideradas na Proposta Comercial receitas alternativas ou ...”, e “2.90 Será desclassificada a proposta comercial que não atender qualquer das exigências estabelecidas neste Edital, e ainda: (...) h) considerar qualquer outra receita que não advenha exclusivamente das receitas provenientes das cobranças de pedágios nas Praças Principais, bem como das respectivas receitas financeiras decorrentes da receita de pedágio”.

[15] Por força do § 3º, do artigo 4º da Lei nº 9.491/97, as desestatizações incluídas no Programa Nacional de Desestatização (PND) podem também ser processadas na modalidade de leilão. Para fins do presente trabalho, não há distinção substancial em relação à análise de viabilidade nos dois modelos licitatórios admitidos.

[16] Note-se que a redação original do inciso, que vigorou por menos de um ano, era bem mais sintética, apenas determinando a desclassificação de “propostas com preços excessivos ou manifestamente inexequíveis”. Conforme relato de Carlos Pinto Coelho Motta, “o art. 48 sofreu sucessivas mudanças desde a redação originária da Lei 8.666/93. Tais mudanças revelam as reais dificuldades na escolha de uma proposta de menor preço que seja dotada de consistência e exequibilidade”. COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Eficácia nas Licitações e Contratos. 12 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 601.

[17] Madeira, José Maria Pinheiro. Administração Publica, Tomo I. 11 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

[18] Reforçando este posicionamento, o TCU considera que mesmo os critérios matemáticos de apuração de viabilidade da proposta, previstos no parágrafo §1º do artigo para contratação de obras e serviços de engenharia, geram apenas presunção relativa, que pode ser elidida por demonstração do licitante. Vide Acórdão 1616/2008 Plenário.

Idêntica posição pode ser encontrada em precedente do STJ: “A licitação visa a selecionar a proposta mais vantajosa à Administração Pública, de maneira que a inexequibilidade prevista no mencionado art. 48 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos não pode ser avaliada de forma absoluta e rígida. Ao contrário, deve ser examinada em cada caso, averiguando-se se a proposta apresentada, embora enquadrada em alguma das hipóteses de inexequibilidade, pode ser, concretamente, executada pelo proponente. Destarte, a presunção de inexequibilidade deve ser considerada relativa, podendo ser afastada, por meio da demonstração, pelo licitante que apresenta a proposta, de que esta é de valor reduzido, mas exequível”. REsp 965839 / SP RECURSO ESPECIAL 2007/0152265-0 DJe 02/02/2010 Ministra Denise Arruda

[19] Vide Acórdãos 1055/2009 TCU-Plenário, Acórdão TCU-Plenário 1100/2007.

[20] Na verdade, noticiamos a incorporação de cláusulas em editais de PPP absorvendo uma predefinição matemática de inexequibilidade. Entretanto, tais disposições parecem violar frontalmente à lei (art. 40, inciso X, da Lei nº 8.666/93) e a jurisprudência sedimentada do TCU (Acórdão 354/2008 Plenário). Cite-se, como exemplo, o edital da PPP de iluminação pública do município de Uberaba: “11.6.9. Para efeito do disposto no item 11.6.1.4, e, em conformidade com o disposto no art. 48, II § 1°, a) e b), da Lei federal 8.666/93, são manifestamente inexequíveis as propostas cujos valores da tarifa sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: 11.6.9.1. média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou 11.6.9.2. valor orçado pela administração”. Disponível em: <http://www.uberaba.mg.gov.br /licitacoes/arquivos/900_3_9_2018_2.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2018.

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[21] Discorrendo sobre a falta de critérios matemáticos de apuração da exequibilidade nas licitações para contratação de serviços contínuos, Antonieta Vieira et al. opinam que “ao que parece, a Administração só tem um caminho: conhecer o mercado e a legislação que compõem a planilha de custos e formação de preços a fim de que se possa estabelecer critérios objetivos de classificação e desclassificação em razão do valor apresentado”. VIEIRA, Antonieta Pereira; VIEIRA et. al. Gestão de contratos de terceirização na Administração Pública: teoria e prática. 6ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 377

[22]Deste conflito entre os interesses dos proprietários e os dos administradores surge aquilo que se chama de problema de agency, ou seja, a possibilidade de que os administradores coloquem seus objetivos pessoais à frente dos corporativos. BREALEY, Richard A.; Myers, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Princípios de finanças corporativas. Tradução de Celso Roberto Paschoa; revisão técnica de João Carlos Douat. Porto Alegre: AMGH, 2013. p. 17.

[23]Os sistemas de incentivo, especialmente remuneratórios, tiveram um papel importante em influenciar a vulnerabilidade das instituições financeiras aos choques macroeconômicos e no desenvolvimento de posições insustentáveis no balanço contábil. Em síntese, esses sistemas foram um elemento essencial para o foco dado a resultados de curto prazo à custa da assunção elevada de riscos de longo prazo”. ROQUE, Pamela Abreu. Governança corporativa de bancos e a crise financeira mundial: análise comparativa de fontes do cenário brasileiro. São Paulo: Almedina, 2017. p. 139. Parece-nos que as reflexões desta autora e de demais analistas sobre os problemas de governança de instituições financeiras, apontados como fatores relevantes para a crise de 2008, podem ser aproveitadas para os projetos de infraestrutura, em que também há um descompasso entre o sucesso imediato e a assunção de riscos de longo prazo. 

[24] Brealey, Myers e Allen registram, com razão, que “os patrocinadores de projetos de investimento tem a tendência de superestimar os fluxos de caixa futuros e de subestimar os riscos”. BREALEY, Richard A.; Myers, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Princípios de finanças corporativas. Tradução de Celso Roberto Paschoa; revisão técnica de João Carlos Douat. Porto Alegre: AMGH, 2013. p. 237

[25] Gitman, Lawrence J. Princípios de Administração Financeira. Tradução Allan Vidigal Hastings; revisão técnica Jean Jacques Salim. 12 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. p. 665

[26] Acórdão 1174/2018 TCU-Plenário, exarado nos autos do processo 028.343/2017-4.

[27] O que não significa dizer que, constatada a inexequibilidade de seu contrato, o licitante não irá tentar, por todos os meios, a sua revisão pela Administração, como forma de reduzir seu prejuízo. Conforme bem colocado por Carlos Pinto Coelho Motta, “a proposta inexequível constitui-se, como se diz, em uma ‘armadilha’ para a Administração: o licitante vence o certame, fracassa na execução do objeto; e não raro intenta, junto ao órgão contratante, reivindicações de revisão de preços, baseados nos mais engenhosos motivos” (grifos nossos). COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Eficácia nas Licitações e Contratos. 12 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 601.

[28] Tal suposição aparenta ser contrariada pela experiência cotidiana: com um controle cada vez mais rígido dos atos dos agentes públicos e o avanço de responsabilização pessoal destes por quaisquer falhas, são mais comuns as situações em que o concessionário não consegue um reequilíbrio a que legitimamente faz jus, do que a sua obtenção em condições indevidas. Ainda assim, propostas excepcionalmente agressivas continuam a ser registradas.

[29] As unidades de PPP são uma constante na experiência internacional e podem ser definidas como “any organisation set up with full or partial aid of the government to ensure that necessary capacity to create, support and evaluate multiple public-private partnership agreements is made available and clustered together within government”, apontando-se como possíveis funções destes órgãos “policy guidance, technical support, capacity building, promotion and/or direct funding for publicprivate partnership projects”. Organisation For Economic Co-Operation And Development. Dedicated Public-Private Partnership Units A Survey of Institutional and Governance Structures. Disponível em: <https://read.oecd-ilibrary.org/governance/dedicated-public-private-partnershipunits_9789264064843 -en#page1>. Acesso em: 23 jan. 2019.

[30] Mesmo então, a crise do contrato poderá ser interpretada como resultado da ocorrência de fatores imprevisíveis.

[31] RIBEIRO, Maurício Portugal. Erros e acertos no uso do plano de negócios e da metodologia do fluxo de caixa marginal. Disponível em: <http://www.portugalribeiro.com.br/wpp/wp-content/uploads/erros-e-acertos-versao-4.pdf>. Acesso em 15 jan. 2019.

Corroborando as informações acima relatadas, Bruno Pereira registrou em ensaio no mesmo período que “algumas semanas atrás, em 11 novembro, uma matéria publicada no Valor Econômico (“União estuda mudanças em leilão de rodovias”) havia revelado que os planos de negócio que sustentam as propostas econômicas das licitantes - ou seja, que sustentam as tarifas requeridas pela iniciativa privada - não seriam mais solicitados pelo governo federal. Segundo a matéria, o plano de negócio não mais acompanharia a proposta econômica porque, na licitação da concessão da BR-101, ocorrida em janeiro de 2012, o consórcio que ficou em segundo lugar propôs uma ação judicial para questionar o plano de negócio da proposta econômica vencedora e, em função disso, o contrato de concessão ainda não foi celebrado”. PEREIRA, Bruno. Plano de negócio, teste de estresse e licitantes oportunistas. PPP Brasil, 17 jan. 2013. Disponível em: <http://www.pppbrasil.com.br/portal/content/artigo-plano-de-neg%C3%B3cio-teste-de-estresse-e-licitantes-oportunistas>. Acesso em 28 dez. 2018.

[32] Antes da desestatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, a ANAC já havia licitado, no ano anterior, o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Entretanto, era um projeto greenfield e de escala bem menor que as concessões posteriores.

[33] O debate sobre a conveniência ou não do uso do plano de negócios escapa completamente ao objeto do artigo. Registre-se apenas que as preocupações usuais do Poder Concedente dizem respeito, entre outros fatores, a um uso oportunista do plano de negócios pelo regulado e a distorções do modelo regulatório daí decorrentes. A propósito do tema e apresentando diversas críticas à utilização do plano de negócios em processos de reequilíbrio, vide VIANA, Felipe Benedito; SOUZA, Henrique Caralho; BRANDÃO, Renan Essucy Gomes.  A utilização de plano de negócios como ferramenta de reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de concessão de rodovias. Revista do BNDES. n.º 46. 07 dez. 2016. pp. 163-210

[34] Soma-se à objeção o fato de que o plano de negócios, apresentado num contexto de dúvidas quanto à viabilidade da proposta, tenderia a ser especialmente favorável ao Poder Público em processos de reequilíbrio, ou seja, seria mais compreensível a preocupação do licitante não se ver futuramente condicionado por aquelas premissas e valores, do que preocupação similar do Poder Concedente. Explica-se: se a proposta parece inviável, dado que a tarifa e a contraprestação são fixas (ainda que também possam haver discordâncias sobre a receita com base em expectativas de demanda, mas estas são mais facilmente endereçáveis), o plano de negócios, para convencer a comissão de licitação da sua exequibilidade, deverá demonstrar uma eficiência de custos e/ou um menor retorno exigido pelo licitante, fatores que, tomados isolada ou conjuntamente, tendem a ser benéficos ao Poder Público numa eventual discussão em que as partes divirjam sobre premissas de reequilíbrio.

[35] Tal ausência deve ser sopesada no momento da prolação da decisão final, e não da instrução processual.

[36] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. Malheiros: São Paulo, 2017.

[37]... compete a cada membro da Comissão velar pela aplicação dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, conforme o art. 4º da Lei 8.429/92”. COELHO MOTTA, Carlos Pinto. Eficácia nas Licitações e Contratos. 12 ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2011. p. 165.

[38] §3º do art. 51 da Lei nº 8.666/93: “Os membros das Comissões de licitação responderão solidariamente por todos os atos praticados pela Comissão, salvo se posição individual divergente estiver devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão”.

[39] “Antes de ter sua proposta desclassificada por inexequibilidade, ao licitante deve ser franqueada oportunidade de defendê-la e demonstrar sua capacidade de bem executar os serviços, nos termos e condições exigidos pelo instrumento convocatório”. Enunciado relativo ao Acórdão TCU- Plenário 1244/2018 (jurisprudência selecionada).

[40] O primeiro projeto federal de concessão que incorporou a solicitação de declaração de instituição financeira foi a desestatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, por meio da cláusula 4.29 do edital do Leilão 02/2011 da ANAC, publicado em 15 de dezembro de 2011.

[41] RELATÓRIO DE CONTRIBUIÇÕES. Audiência Pública nº 16/2011. ANAC, 23 dez. 2011. Disponível em: <https://www.anac.gov.br/assuntos/paginastematicas/concessoes/arquivos/relatorio_ap_presencial_eletronico _2011_gruvcpbsb.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2019.

[42] Em outros momentos, a Administração buscou enfatizar que não estava renunciando a sua responsabilidade legal.

[43] Objeções de licitantes atualmente ao requisito costumam se limitar ao patamar exigido de patrimônio líquido para a instituição financeira: dada a que a expertise para avaliação de projetos não parece necessariamente relacionada ao montante de patrimônio liquido de uma instituição, um questionamento válido.

[44] Registre-se que a ARTESP (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo), embora mantenha o mesmo racional aqui descrito para a responsabilidade do emitente, tem exigido, em suas concessões mais recentes (estruturadas com apoio técnico do IFC no âmbito do programa SP Roads), uma segunda carta, a ser apresentada como condição para assinatura do contrato, pela qual uma instituição financeira manifesta propósito de financiar (parcelas dos) recursos exigidos para cumprimento dos “compromissos de investimento e operação dos 24 meses iniciais”. Por seu turno, o contrato contempla hipótese de extinção antecipada caso, no 24º mês, se verifique não haver sido contratado financiamento de longo prazo. Parece-nos uma evolução à prática contratual do governo federal, embora ainda não seja uma solução definitiva para assegurar a execução do projeto contrato. Para consultar exemplo de edital e contrato formulados nos termos citados, vide CONCORRÊNCIA INTERNACIONAL Nº 04​/2016​​, disponível em: <http://www.artesp.sp.gov.br/Style%20Library/extranet/ transparencia/licitacoes.aspx>. Acesso em: 16 jan. 2019.

[45] Para um exemplo atual, vide “Carta de Declaração de Análise da Proposta Econômica Escrita e Viabilidade pela Instituição financeira”, que constitui o Anexo 19 do Edital de Concessão nº 01/2018 da ANTT. EDITAL DE CONCESSÃO ANTT Nº 01/2018. ANTT, 03 jul. 2018. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/backend/galeria/arquivos/ EDITAL_RIS.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018.

[46] ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 17 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.  p. 276.

[47] Tribunal Pleno - Sessão: 15/02/17 Exame Prévio de Edital Seção Municipal. Disponível em: <https://www2.tce.sp. gov.br/arqs_juri/pdf/578767.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2018.

[48] Resolução Nº 10/2016 do TCESP. Disponível em: <https://www4.tce.sp.gov.br/transparencia/sumulas>. Acesso em: 5 dez. 2018. 

[49] Tribunal de Contas de Santa Catarina - Diário Oficial Eletrônico nº 2398- Terça-Feira, 24 de abril de 2018. pp. 18-20. Disponível em: <http://consulta.tce.sc.gov.br/Diario/dotc-e2018-04-24.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2018.

  1. Este alargamento da interpretação da súmula do Tribunal poderia, de mais a mais, conduzir ao impasse de não se permitir a aceitação de outras declarações de terceiros no processo licitatório. E como poderia ser comprovada, por exemplo, a habilitação técnica do licitante sem a apresentação de atestados?

[51] Além das manifestações de Maurício Portugal Ribeiro e Bruno Pereira anteriormente citadas, vide DUARTE, Moacyr Servilha. Futuro e presente das concessões. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28 dez. 2012. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,futuro-e-presente-das-concessoes-imp-,978310>. Acesso em: 15 jan. 2019.

[52] VELLOSO, Raul. A vitória dos despreparados. Valor Econômico, 02 jan. 2013. Disponível em: <https://www.valor.com.br/opiniao/2954700/vitoria-dos-despreparados>. Acesso em: 15 jan. 2019.

[53] A nosso ver, um procedimento de pré-qualificação seria recomendável se fosse constatada a participação frequente de licitantes sem a devida habilitação nos processos, oferecendo propostas agressivas e perturbando o certame. Dado que não parece haver um problema de falta de habilitação – o histórico das concessões demonstra que os proponentes das melhores ofertas são, quase que invariavelmente, habilitados - não nos parece que a adoção deste procedimento teria qualquer efeito positivo.

[54] Conforme postulado, o plano de negócios é peça essencial para que a comissão de licitação possa desempenhar seu múnus legal de julgar a exequibilidade da proposta. Mas tal conclusão não encerra o debate pertinente às propostas inexequíveis e, de fato, resolve muito pouco do problema. Informe-se que nas problemáticas concessões de 2007, houve apresentação e análise, ao menos formal, do plano de negócios pela comissão de licitação.

[55] Em trabalho citado anteriormente, Maurício Portugal Ribeiro diferencia dois tipos de análise do plano de negócios: a “análise de coerência interna entre as informações nele veiculadas” e a análise de “correspondência entre as estimativas nele veiculadas e a realidade”. É a segunda análise, mais complexa, que dirigimos nossas atenções neste capítulo, de certa forma pressupondo a coerência interna das informações do plano, que poderia ser verificada, com maior facilidade, pela comissão de licitação. RIBEIRO, Maurício Portugal. Erros e acertos no uso do plano de negócios e da metodologia do fluxo de caixa marginal. Disponível em: <http://www.portugalribeiro.com.br/wpp/wp-content/uploads/erros-e-acertos-versao-4.pdf>. Acesso em 15 jan. 2019.

[56]A análise de cenários considera diversos resultados alternativos possíveis (cenários) para obter um senso da variabilidade dos retornos. Um método comum envolve a consideração de resultados pessimistas (os piores possíveis), mais prováveis (esperados) e otimistas (os melhores possíveis) e os retornos a eles associados para um determinado ativo. Neste caso, o risco do ativo pode ser medido pela amplitude dos retornos”. Gitman, Lawrence J. Princípios de Administração Financeira. Tradução de Allan Vidigal Hastings; revisão técnica de Jean Jacques Salim. 12 ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010. p. 208.

[57] EDITAL DE CONCESSÃO ANTT Nº 01/2018. ANTT, 03 jul. 2018. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/backend/galeria/arquivos/EDITAL_RIS.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018.

[58] Ao menos a crítica dos técnicos do tribunal de que o dispositivo inibiria descontos, já pode ser refutada: o contrato foi assinado por uma tarifa 40,5% menor que a tarifa-teto estipulada pelo governo. ANTT assina contrato de concessão da Rodovia de Integração do Sul. Disponível em: <http://www.antt.gov.br/salaImprensa/noticias/arquivos/2019/01/ANTT_assina_contrato_de_concessao_da_Rodovia_de_Integracao_do_Sul.html>. Acesso em: 14 jan. 2019.

[59] O percentual de deságio é, obviamente, um indicativo relevante da agressividade da proposta. Entretanto, o percentual tem de ser avaliado em confrontação à postura adotada pelo ente público na fixação das premissas que nortearam o valor de referência da licitação: se as premissas do Poder Concedente foram mais agressivas, o deságio tende a ser menor em valores percentuais, sem que isso signifique uma maior viabilidade da proposta. Tal fator dificulta especialmente a comparação entre diferentes projetos.

[60] Importante noticiar que o Plenário do Tribunal, seguindo o voto do Ministro Relator, considerou que a adoção da regra estava dentro da discricionariedade do administrador e apenas recomendou que a Agência, caso passe a adotar a regra em seus editais, “avalie em que medida a solução proposta contribui para certames com lances mais responsáveis e exequíveis e, por consequência, avenças com maior índice de adimplemento contratual”.

[61] Dito isto, ainda deve ser considerada hiperbólica a afirmação da unidade técnica do Tribunal de que “os recursos financeiros para a integralização do capital não serão perdidos pelos sócios, ou seja, caso haja um encerramento contratual por inadimplemento de obrigações esses valores retornarão aos investidores iniciais”. Dificilmente, os sócios conseguirão reaver o capital investido antes de indenizarem o Poder Concedente pelo inadimplemento. A questão, conforme exploraremos no capítulo subsequente, é que o capital poderá já ter sido empregado nas atividades sociais (inclusive de forma ineficiente) e não constitui uma garantia ao Poder Concedente no sentido estrito do termo.

[62] Ainda que se capitalize a concessionária para pagamento da outorga (neste caso, será apenas afetado o fluxo financeiro). Caso esta capitalização seja uma opção, faz-se necessário incorporar esta possibilidade na definição do montante de capital social mínimo, cuja função é garantir os investimentos.

[63]Financial close occurs when all the project and financing agreements have been signed, all conditions on those agreements have been met, and the private party to the PPP can start drawing down the financing to start work on the project. As noted in Yescombe, financial close conditions are often circular—the PPP contract does not become effective until funding is available for draw down (that is, funding availability is a Condition Precedent for contract effectiveness), and vice versa (Yescombe 2007)”. Achieving Contract Effectiveness and Financial Close. PPP Knowledge Lab. Disponível em: <https://pppknowledgelab.org/guide/sections/72-achieving-contract-effectiveness-and-financial-close>. Acesso em: 17 jan. 2019.

[64] Há que se ter o cuidado, desde que não resulte em um controle excessivo, em não permitir ao gestor público obter, via outorga, recursos desproporcionais, à custa do usuário. Os detalhes desta avaliação fogem ao escopo do trabalho, mas postulamos ser preferível um controle finalístico sobre a destinação dos recursos arrecadados (que sejam aplicados exclusivamente na promoção da melhoria do serviço ou infraestrutura correlata) do que “exagerar” no escrutínio das premissas adotadas e arriscar uma licitação deserta ou a contratação de um projeto originariamente problemático.

[65] Ao eliminar a outorga fixa e prever apenas a outorga variável, a ANAC busca, declaradamente, compartilhar parte do risco de demanda com o concessionário. 

[66] Existe uma preocupação, quiçá desarrazoada, com a manipulação do lucro contábil pelo concessionário. De fato, um compartilhamento sobre o lucro geraria a necessidade de introdução de alguns controles adicionais, entre eles o de acompanhar, com mais atenção, as contratações com partes relacionadas.

[67] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. pp. 704-705.

[68] Integralizado o capital social, cessa a responsabilidade dos acionistas em sociedades de responsabilidade limitadas (como as sociedades anônimas, forma usual adotada pelas sociedades de propósito específico criadas para exploração da concessão). O capital social integralizado é utilizado na exploração do objeto empresarial e os recursos financeiros podem, inclusive, ser desperdiçados por más decisões administrativas.

[69] Há possibilidade do próprio concessionário prestar a garantia de execução de contrato por meio da caução em dinheiro ou títulos públicos de sua propriedade.

[70] Por óbvio, referimo-nos aqui ao resultado específico desta transação, uma vez que dentro de uma carteira de projetos, a materialização de riscos em alguns é compensada pela receita dos demais, e o lucro ou prejuízo da atividade depende da estratégia empresarial adotada. Ressalte-se que, ainda que as instituições financeiras e seguradoras tenham direito de regresso contra o concessionário ou seus acionistas, há a assunção de um risco relevante que elas serão, naturalmente, cautelosas em precificar e assumir.

[71] § 2º do artigo 48, da Lei 8.666/93: Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas "a" e "b", será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta.  

Sobre o autor
Antônio Fernando da Fonseca Martins

Advogado do BNDES, MBA em Finanças pela Faculdade de Economia e Finanças IBMEC.

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Publicado originalmente na Revista de Contratos Públicos - RCP - Belo Horizonte, ano 7, n. 14, set./fev. 2019

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