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Reflexões sobre o direito à manutenção e à utilização dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona Franca de Manaus

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7. Equiparação das Remessas para a Zona Franca de Manaus às Exportações

            Após analisarmos os Convênios ICMS 65/88 e 06/90, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310, e a obrigatoriedade da adoção de convênios para a concessão e revogação de quaisquer benefícios ou incentivos fiscais relativos ao ICMS por força da Lei Complementar nº 24/75, nos resta ainda enfrentar uma última variante existente no plano das remessas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus, que consiste na equiparação dessas operações a exportações de produtos para outros países no que se refere aos tratamentos fiscais a serem dispensados.

            Sobre este aspecto, trazemos à tona o disposto no Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, que coloca em patamar de igualdade, para todos os efeitos fiscais, as remessas de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, a exportações brasileiras para o estrangeiro, nos termos seguintes:

            Art 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro.

            Segundo Ives Gandra da Silva Martins, a norma jurídica transcrita tem eficácia de Lei Complementar, porque é norma nacional que obriga a União, os Estados e os Municípios, não podendo ser alterada por legislação ordinária. Complementa o eminente professor que é agressora da legalidade qualquer Lei ordinária que tenha pretendido modificar a legislação referida restringindo seu efeito, mesmo que acatada sem contestação por aqueles que a ela se submeteram.

            Assim, tomando por base o Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, norma com força de Lei Complementar que equipara as vendas para a Zona Franca de Manaus a exportações, as empresas que realizassem tais operações estariam, automaticamente, desobrigadas de efetuar o estorno proporcional dos créditos do ICMS relativos às operações anteriores a estas remessas, na esteira do que determina o Art. 21, § 2º da Lei Complementar nº 87/96, senão vejamos:

            Art. 21. O sujeito passivo deverá efetuar o estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento:

            ...........

            § 2º Não se estornam créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações ou prestações destinadas ao exterior.

            Tal questão também foi levada à apreciação do Poder Judiciário através do julgamento do Recurso Especial nº 34.388/SP pelo Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Ari Pargendler, cuja ementa transcrevemos a seguir, onde ficou confirmado que as remessas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus são, para todos os efeitos fiscais, equivalentes a uma exportação para o exterior.

            Tributário. ICMS. Zona franca de Manaus. A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro; pouco importa se o destinatário seja o consumidor final, a lei não fez essa distinção. Recurso especial não conhecido. (DJ 19.05.1997)

            O posicionamento adotado na decisão acima transcrita foi ratificado no julgamento do Recurso Especial nº 74.814/SP, que teve como Relator mais uma vez o Ministro Ari Pargendler, quando o Superior Tribunal de Justiça manteve o entendimento precedente, ressalvando apenas a necessidade de que as mercadorias cheguem efetivamente à Zona Franca de Manaus para a fruição do tratamento fiscal equiparado às exportações.

            Tributário. ICMS. Zona franca de Manaus. A exportação de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus será para todos os efeitos fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro; verificado, no entanto, que, a despeito da destinação, as mercadorias não chegaram à Zona Franca de Manaus, a operação é tributada segundo o regime comum, aplicando-se a multa própria. Recurso especial não conhecido. (DJ 24.08.1998)

            Ressaltamos que, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 42, que o Governo Federal insistiu em chamar de "reforma tributária", a garantia da manutenção dos créditos do ICMS nas exportações ficou assegurada constitucionalmente, através da nova redação dada a alínea "a" do inciso X, § 2º, do Art. 155 da Carta Magna, que passou a figurar da seguinte forma:

            Art. 155 ...........

...........

§ 2º O imposto previsto no inciso II, atenderá ao seguinte:

            .............

            X - não incidirá:

            a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;

            Por fim, consideramos oportuno trazer à baila mais um ensinamento do professor Ives Gandra da Silva Martins, para quem o Decreto-Lei nº 288/67 encontra-se blindado pelo manto protetor do artigo 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, como podemos observar:

            "Em diversos estudos que elaborei sobre o tema, inclusive hospedado por interpretação pretoriana máxima, examinei a questão dos incentivos fiscais, deixando claro que todos aqueles estímulos de natureza tributária concedidos pelo D.L. 288/67 ou em consonância com esse diploma, estão assegurados, constitucionalmente, até o ano de 2013, por força do artigo 40 do ADCT".

            Nesta acepção, independente da análise de qualquer outro aspecto relacionado ao tema, o direito à manutenção e utilização dos créditos do ICMS relativos às remessas efetuadas para a Zona Franca de Manaus com isenção do imposto estaria garantido pela simples conjugação do Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67 com o artigo 21, § 2º da Lei Complementar nº 87/96 e, mais recentemente, com a alínea "a" do inciso X, § 2º, do artigo 155 da Constituição Federal.

            Mas, como já era de se esperar, alguns Estados não aceitam a equiparação das vendas realizadas para contribuintes estabelecidos na Zona Franca de Manaus a exportações para o exterior para fins de aplicação da legislação tributária, ou, mais precisamente, para fins de manutenção e utilização dos créditos do ICMS, ignorando as regras estabelecidas por normas jurídicas superiores e as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.


8. Conclusões

            A vedação à manutenção e utilização dos créditos do ICMS relativos às saídas isentas para a Zona Franca de Manaus anula os efeitos do benefício fiscal concedido tornando as vendas destinadas a comerciantes e industriais estabelecidos naquela localidade menos atrativas para os remetentes das mercadorias, o que pode ocasionar diminuição no volume de negócios das empresas localizados naquela região e conseqüentes prejuízos para o Estado. Assim, nos parece improcedente o argumento dos Fiscos Estaduais de que o Art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias alberga apenas os incentivos fiscais dirigidos diretamente para os estabelecimentos situados na Zona Franca de Manaus.

            O Art. 155, § 2º, XII, "g" da Constituição Federal de 1988 determina que, no que concerne ao ICMS, cabe a Lei Complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Portanto, devem ser observadas as regras previstas na Lei Complementar nº 24/75 para a adoção de medidas que visem desonerar por completo ou atenuar o ônus tributário imputado aos contribuintes do ICMS.

            A Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela Constituição Federal, que determina de maneira inequívoca a obrigatoriedade da adoção de convênios celebrados pelos Estados e pelo Distrito Federal para a concessão de benefícios fiscais relativos ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias continua em vigor, ainda que seja anterior ao novo sistema constitucional tributário e à Lei Complementar nº 87/96, como pudemos observar na transcrição da ementa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.376/01.

            Com a suspensão do Convênio ICMS nº 06/90 pelo Supremo Tribunal Federal, continua produzindo efeitos, ao menos até o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310, a Cláusula Terceira do Convênio nº 65/88, ficando assegurando aos contribuintes o direito à manutenção dos créditos do ICMS decorrentes das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem empregados no processo produtivo de mercadorias destinadas a Zona Franca de Manaus sob o amparo da isenção do imposto.

            No que diz respeito ao veto ao artigo 28 da Lei Complementar nº 87/96, entendemos que as próprias razões da negativa presidencial e as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade aqui apresentadas encerram qualquer resquício de dúvida que possa existir a respeito da definição do instrumento normativo apropriado para instituir ou revogar a concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS, ou seja, tais medidas desonerativas somente podem ser adotadas mediante celebração de Convênios entre os Estados e o Distrito Federal.

            Como já tivemos oportunidade de sinalar, a competência tributária privativa dos Estados não é invadida quando uma Lei Complementar, seguindo regra imposta pela Constituição Federal, determina a celebração de Convênio para regular a concessão e revogação de benefícios fiscais, sendo esta uma das várias espécies de limitações constitucionais ao poder de tributar e, ao mesmo tempo, medida que visa evitar a guerra fiscal entre os Estados.

            Seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça e observando o disposto no Art. 4º do Decreto-Lei nº 288/67, que equipara, para todos os efeitos fiscais, a remessa de mercadorias de origem nacional para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus a uma exportação brasileira para o estrangeiro, fica assegurado aos contribuintes o direito de não estornar os créditos do ICMS relativos às operações anteriores as saídas de mercadorias para a Zona Franca de Manaus com isenção do imposto.

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            Finalmente, de acordo com jurisprudência assentada no Supremo Tribunal Federal, qualquer ato normativo editado pelas Administrações Tributárias Estaduais que estabeleça a concessão ou revogação de benefícios fiscais na seara do ICMS sem que tenha sido observada a Lei Complementar nº 24 de janeiro de 1975, e, por conseqüência, sem que tenha sido objeto de Convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, deve ser considerado inconstitucional.

            Em face das breves considerações aqui apresentadas, chegamos à conclusão de que fica assegurado aos contribuintes o direito à manutenção e utilização dos créditos do ICMS decorrentes das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem empregados no processo produtivo de mercadorias destinadas a Zona Franca de Manaus, remetidas sob o amparo da isenção do imposto, não podendo tal direito ser restringido por qualquer norma jurídica estadual que não tenha amparo em Convênio celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária e ratificado por todos os Estados e pelo Distrito Federal.

            De qualquer forma, continuaremos aguardando com muita expectativa o julgamento final da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 310, que, como dissemos no início deste artigo, está comemorando aniversário de quinze anos, torcendo muito para que, desta vez, ao contrário do que vem acontecendo ao longo dos tempos, no final da festa, os contribuintes fiquem com o bolo e os Estados dancem a valsa...


9. Referencial Bibliográfico

            AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. atual São Paulo: Saraiva, 2004;

            CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000;

            CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15ª ed. rev. e atual.São Paulo: Saraiva, 2003;

            COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004;

            COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição Federal de 1988 – Sistema Tributário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005;

            CONTI, José Maurício. Sistema Constitucional Tributário. 2ª ed. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998;

            DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2002;

            MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004;

            MARTINS, Ives Gandra da Silva. Zona franca de Manaus - Inteligência do Artigo 40 do ADCT - Impossibilidade de Criação de Restrições aos Incentivos Constitucionalizados em 1998. Revista Dialética de Direito Tributário nº 64. São Paulo: Dialética, 2001;

            MARTINS, Sérgio Pinto. Manual de direito tributário. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2002;

            TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003;

            TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão. A tributação sobre o consumo de bens e serviços. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

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Sobre o autor
Matheus Simões Gonçalves da Silva

contador, especialista em Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Matheus Simões Gonçalves. Reflexões sobre o direito à manutenção e à utilização dos créditos do ICMS nas saídas isentas para a Zona Franca de Manaus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 868, 18 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7605. Acesso em: 18 abr. 2024.

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