Entende-se por sociedades os contratos celebrados entre pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados1. É sabido que somente nas sociedades simples pura e cooperativas os sócios podem contribuir apenas com trabalho, não se exige a contribuição com bens.
O Código Civil admitia a unipessoalidade superveniente e transitória no artigo 1.033, IV, em que uma sociedade simples ou empresária, reduzida a um único sócio, seja pela retirada, exclusão ou falecimento do outro sócio, podia se recompor no prazo de 180 dias, exceção que prestigiava os princípios da preservação e função social da empresa. O parágrafo único desse artigo permite, ainda, que o sócio remanescente requeira na Junta Comercial a transformação da sociedade unipessoal, para empresário individual ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI):
“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
( ...)
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código ”.
Em 30 de abril de 2019 foi editada a Medida Provisória 881, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, na tentativa desesperada de gerar novos empregos e movimentar a economia, como já se vê do art.
1º: “Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador”.
A Medida Provisória abrange a aplicação e a interpretação de vários ramos do direito: civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho, nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente (art.1º, §1º).
Quando votada no Senado Federal, para surpresa de muitos, o inciso IV do art. 1.033 do Código Civil, foi revogado pelo art. Art. 19. IV da MP 881/2019:
“Ficam revogados:
( ...)
IV — o inciso IV do caput do art. 1.033 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil”);
Está claro que o legislador não mais admite a recomposição de sociedade unipessoal no prazo de 180 dias, mas admite sua transformação em empresário individual ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), como já visto2.
Pensei muito sobre o tema. Entendo que com a revogação do incido IV do art. 1.033 do Código Civil, quando uma sociedade simples ou empresária ficar reduzida a um único sócio, o remanescente poderá:
optar pela dissolução total da sociedade;
optar pela transformação em empresário individual ou EIRELI, se empresária, ou se simples, em EIRELI, solicitando a transformação no Registro Civil de Pessoas Jurídicas – interpretação sistemática e principiológica: princípios da razoabilidade, isonomia, preservação da atividade econômica;
optar pela mudança automática para Sociedade Limitada Unipessoal,3 ou
optar pela recomposição da sociedade no prazo de 30 dias4.
Não quero acreditar que a intenção do legislador foi proibir a recomposição da sociedade unipessoal. Para mim, a revogação do o inciso IV do art. 1.033 pelo art. Art. 19. IV da MP 881/2019, impede a recomposição no prazo de 180 dias, mas não obsta a recomposição no prazo máximo de 30 dias, prazo esse, usado para a averbação do contrato social. Defender a tese que a sociedade limitada empresária ou simples unipessoal se torna automaticamente uma sociedade limitada unipessoal, é violar flagrantemente o princípio da autonomia da vontade. O sócio remanescente tem o direito de dar o destino que bem entender a sociedade reduzida a um único sócio.
É certo que toda nova lei traz desassossego e instabilidade jurídica. O melhor é esperar a doutrina e jurisprudência se assentarem. Fica a dica!
Notas
1 Código Civil, art. 981.
2 Código Civil, art. 1.033, par. único.
3 Código Civil, art. 1.052, par. único.
4Código Civil, 998, 999, par. Único e 1.151, §1º