A revogação do inciso IV do art. 1.033 do Código Civil

29/08/2019 às 19:56
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O artigo tem por finalidade a discussão da revogação do inciso IV do art. 1.033 do Código Civil e a recomposição das sociedades unipessoais.

Entende-se por sociedades os contratos celebrados entre pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados1. É sabido que somente nas sociedades simples pura e cooperativas os sócios podem contribuir apenas com trabalho, não se exige a contribuição com bens.

O Código Civil admitia a unipessoalidade superveniente e transitória no artigo 1.033, IV, em que uma sociedade simples ou empresária, reduzida a um único sócio, seja pela retirada, exclusão ou falecimento do outro sócio, podia se recompor no prazo de 180 dias, exceção que prestigiava os princípios da preservação e função social da empresa. O parágrafo único desse artigo permite, ainda, que o sócio remanescente requeira na Junta Comercial a transformação da sociedade unipessoal, para empresário individual ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI):

“Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:

( ...)

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da sociedade para empresário individual ou para empresa individual de responsabilidade limitada, observado, no que couber, o disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código ”.

Em 30 de abril de 2019 foi editada a Medida Provisória 881, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, na tentativa desesperada de gerar novos empregos e movimentar a economia, como já se vê do art.

1º: “Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador”.

A Medida Provisória abrange a aplicação e a interpretação de vários ramos do direito: civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho, nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação, e na ordenação pública sobre o exercício das profissões, juntas comerciais, produção e consumo e proteção ao meio ambiente (art.1º, §1º).

Quando votada no Senado Federal, para surpresa de muitos, o inciso IV do art. 1.033 do Código Civil, foi revogado pelo art. Art. 19. IV da MP 881/2019:

“Ficam revogados:

( ...)

IV — o inciso IV do caput do art. 1.033 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil”);

Está claro que o legislador não mais admite a recomposição de sociedade unipessoal no prazo de 180 dias, mas admite sua transformação em empresário individual ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), como já visto2.

Pensei muito sobre o tema. Entendo que com a revogação do incido IV do art. 1.033 do Código Civil, quando uma sociedade simples ou empresária ficar reduzida a um único sócio, o remanescente poderá:

  1. optar pela dissolução total da sociedade;

  2. optar pela transformação em empresário individual ou EIRELI, se empresária, ou se simples, em EIRELI, solicitando a transformação no Registro Civil de Pessoas Jurídicas – interpretação sistemática e principiológica: princípios da razoabilidade, isonomia, preservação da atividade econômica;

  3. optar pela mudança automática para Sociedade Limitada Unipessoal,3 ou

  4. optar pela recomposição da sociedade no prazo de 30 dias4.

Não quero acreditar que a intenção do legislador foi proibir a recomposição da sociedade unipessoal. Para mim, a revogação do o inciso IV do art. 1.033 pelo art. Art. 19. IV da MP 881/2019, impede a recomposição no prazo de 180 dias, mas não obsta a recomposição no prazo máximo de 30 dias, prazo esse, usado para a averbação do contrato social. Defender a tese que a sociedade limitada empresária ou simples unipessoal se torna automaticamente uma sociedade limitada unipessoal, é violar flagrantemente o princípio da autonomia da vontade. O sócio remanescente tem o direito de dar o destino que bem entender a sociedade reduzida a um único sócio.

É certo que toda nova lei traz desassossego e instabilidade jurídica. O melhor é esperar a doutrina e jurisprudência se assentarem. Fica a dica!


Notas

1 Código Civil, art. 981.

2 Código Civil, art. 1.033, par. único.

3 Código Civil, art. 1.052, par. único.

4Código Civil, 998, 999, par. Único e 1.151, §1º

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Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

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